A Europa foi palco de grandes manifestações de agricultores, descontentes
com a União Europeia (UE), por causa do Pacto Ecológico Europeu (PEE) e da nova
Política Agrícola Comum (PAC), tendo a Comissão Europeia recuando, ao menos, provisoriamente,
em algumas medidas.
Os agricultores sentiam-se desprotegidos e acusavam a UE de não atender aos
interesses de quem trabalha a terra. Ao mesmo tempo, deixaram perceber a ideia
de que estavam contra os ecologistas e contra as políticas ambientais.
Ora, a 7 de julho, a Euronews
publicou um artigo de Angela Symons, intitulado “Somos os primeiros afetados pelas alterações
climáticas: Porque é que os agricultores europeus apoiam as políticas verdes?”,
a dar voz aos jovens agricultores europeus, no sentido de sustentarem de que “os
agricultores não são contra os
ecologistas”, antes consideram a grande agricultura como “o verdadeiro problema”, no atinente às alterações climáticas. E, como
assegura Jean Matthieu Thévenot, de 30 anos, agricultor no País Basco francês, até
querem “normas ecológicas muito elevadas na Europa”.
“Como
agricultores, somos os primeiros a ser afetados pelas alterações climáticas,
devido ao clima. Somos também os primeiros a ser afetados pelos pesticidas [e] os agricultores
estão a morrer de cancro por causa disso”, observa Thévenot, o qual, na qualidade
de representante para as questões climáticas da Coordenação Europeia Via
Campesina (ECVC) – confederação de sindicatos que representam os pequenos agricultores –, trabalha
com governos e instituições para reforçar as políticas ambientais e apoiar os
produtores. E acredita que é necessária uma mudança sistémica para conseguir os
objetivos.
No início
deste ano, os agricultores europeus fizeram manchetes, quando saíram para as
ruas das cidades em protesto. “Havia uma falsa oposição entre os ecologistas
das cidades e os agricultores das zonas rurais. […] Pensamos que se trata de
uma manipulação – é a grande indústria a tentar fazer com que os agricultores e
os ecologistas lutem juntos, quando o verdadeiro problema é a própria indústria”,
sustenta Thévenot, vincando que os pequenos agricultores, em vez de marcharem
contra as políticas ecológicas, exigiam um rendimento justo dos seus
produtos. Na maioria dos países da UE, o rendimento médio dos agricultores –
incluindo os subsídios – é cerca de metade do dos outros cidadãos. Porém, os
lobistas do setor agroalimentar interessavam-se em passar mensagem diferente.
Por conseguinte, das exigências de apoio fizeram o “não”, porfiando que
precisamos de menos regulamentação ambiental, pois, alegadamente, é esta que
impede os agricultores de conseguirem ganhar a vida.
Embora
admita que os agricultores europeus não conseguem competir com os exportadores
internacionais, que não estão sujeitos às mesmas regras rigorosas, a ECVC defende
que baixar as normas para o mesmo nível não é o caminho a seguir. A solução é
proibir as importações que não cumpram as normas europeias e estabelecer “preços
mínimos”.
Para já, os
acordos de comércio livre da Europa estão a ser manipulados contra os
agricultores locais, cuja produção sofre com as condições meteorológicas
extremas. No seu nicho de mercado, a venda de mudas de legumes, a ECVC vê o
impacto direto das alterações climáticas nos produtores. Quanto a estas, o jovem
agricultor sublinha que “já não são algo que vai acontecer daqui a dois anos”,
mas “algo que já está aqui”, sendo a imprevisibilidade a questão principal.
Na sua
região, uma primavera extremamente húmida e fria empurrou a época de plantação
de tomate deste ano para o
verão. Mas, para os supermercados, a situação mantém-se normal.
“Estamos a lutar contra os supermercados
e [contra] todas as grandes cadeias porque, em primeiro lugar, pensamos que são
responsáveis pelas alterações climáticas, porque emitem muito CO2 [dióxido
de carbono], e, em segundo lugar, não respeitam os agricultores e nem sequer se
preocupam com a situação. Para eles, penso que a mudança nem sequer está a
acontecer. Não há tomates em França? Compram-nos a Marrocos, a um preço muito
baixo”, atira Thévenot.
No seu
trabalho com a ECVC, Jean Thévenot defende a fixação de preços de intervenção por
parte dos governos, o que obrigaria os supermercados a comprar produtos
importados ao mesmo preço que os produtos locais. “Sempre dissemos que os
alimentos não são uma mercadoria. A alimentação é a base da vida, por isso não
deve ser incluída no sistema da Organização Mundial do Comércio [OMC] ou em
qualquer acordo de comércio livre, porque não é um carro, não é um computador.
É algo de que precisamos para viver”, afirma o jovem agricultor.
O principal objetivo do agricultor deve
ser local, isto é, em primeiro lugar, deve produzir alimentos para os
seus cidadãos; e, depois, se ainda tiver, pode exportar. Porém, as coisas estão
a funcionar ao contrário. Por exemplo, nalguns países africanos, a produção de
cacau é a principal atividade e compete com a agricultura tradicional de
subsistência.
Na verdade,
as grandes empresas conseguem estabelecer, em áreas muito extensas, a troco de
quase nada, o regime de monocultura intensiva, para os produtos que podem comercializar
pelos melhores preços. Não dão pousio aos terrenos, não lhes mudam a produção, encharcam-nos
de químicos, esgotam os recursos aquíferos e abandonam-nos, quando não há rendimento
suficiente.
Algo semelhante
se passa com a produção pecuária: produzem, até ficarem exauridos os prados.
Jean afirma
que o sistema atual cria concorrência entre agricultores de todo o Mundo – “e
os agricultores acabam por perder, enquanto as empresas transnacionais ganham”.
Jean Thévenot
trabalha com vários académicos para propor um novo quadro de comércio
internacional organizado de forma justa e baseado na solidariedade e nos
valores humanos, e não no capitalismo,
o que implica uma política de preços regulados para os alimentos.
Obviamente, a regulação
dos preços terá um custo, mas que não deve ser simplesmente transferido para
o consumidor. “Neste momento, os agricultores estão a pagar o preço do sistema –
rendimentos muito baixos, condições ambientais muito duras”, verifica Jean Thévenot.
Ora, em vez da transferência dos custos para o consumidor, as margens de lucro
máximas devem ser estabelecidas nas grandes empresas, que são mais responsáveis
pela produção em massa e pelos gases que provocam o aquecimento do planeta. No
entanto, os consumidores têm um papel a desempenhar nas suas escolhas de
compra. Por isso, continuará a importação, por exemplo, de tomates no inverno,
se os consumidores os quiserem, mas a preço muito elevado, para que as pessoas
percebam que isso tem um custo ambiental e social. Porém, se quiserem comprar
produtos locais que não tenham esses impactos, o preço terá de ser mais baixo.
Atualmente, passa-se o contrário, o produto mais barato é o que tem o maior
impacto. Ora, se mudarmos, os consumidores poderão fazer a escolha certa.
Embora controversa,
está a emergir outra abordagem, em alguns pequenos territórios de França: o
projeto Sécurité sociale de l’alimentation (segurança social da
alimentação), que visa tornar as coisas mais justas, tanto para os agricultores
como para os consumidores, fixando os preços dos produtos em função dos
rendimentos dos clientes. Nestes termos, o consumidor, se ganhar muito
dinheiro, paga mais e, se ganhar pouco, pode comer os legumes quase de graça.
Jean Thévenot
diz que este é um modelo vencedor também para os governos: “Fizemos as contas
e, graças a uma melhor agricultura e a um melhor sistema alimentar, acabamos
por poupar dinheiro que atualmente é gasto na adaptação ambiental, na mitigação
das alterações climáticas e na saúde
pública.”
A par da
campanha pel regulação dos preços, o ECVC mobiliza-se contra as “ferramentas
de lavagem verde para preencher os requisitos do Acordo de Paris sem
resultados garantidos”.
Recorde-se
que a lavagem verde (greenwashing) é uma estratégia de
marketing utilizada para um serviço
ou produto vender a sua imagem como sendo melhor para o meio ambiente do que é.
Empresas de energia, bancos, cadeias de suprimentos e países já foram acusados
disso.
Apesar
de não haver uma definição internacionalmente acordada, o termo, geralmente,
significa apresentar alegações ambientais de modo superestimado, enganoso ou,
simplesmente, mentiroso, com o objetivo de convencer investidores e
consumidores favoráveis ao meio ambiente a comprar ou apoiar o que se quer
vender – algo que é lucrativo. A maioria dos consumidores diz concordar em
pagar mais por produtos sustentáveis. Dessa forma, as empresas que se dizem
verdes beneficiam de um crescimento de mercado desproporcional.
Por outro
lado, o ECVC congratula-se com os elementos da Estratégia do Prado ao Prato da
UE, que tem por objetivo a construção de sistemas alimentares sustentáveis,
mas discorda das políticas comerciais e de subsídios, referindo que a sua
abordagem nem sempre é credível. E tem como alvo especial o Quadro de
Certificação das Remoções de Carbono (CRCF) da UE, que considera “cientificamente
inválido” e “perigoso para os sistemas alimentares”.
O
regulamento incentiva a agricultura de carbono, oferecendo subsídios e
subvenções a práticas agrícolas que promovem o
sequestro de carbono em florestas e solos, solução temporária que,
por vezes, se baseia em tecnologia dispendiosa não comprovada à escala. E, como
alerta o grupo de campanha Real Zero Europe, também apoia as explorações
agrícolas na venda de compensações de carbono a empresas, solução contraproducente que
cria “falsa confiança”, “atrasa a ação real” sobre as emissões e “beneficia,
sobretudo, os poluidores”.
O ECVC
adverte que o regime incentiva a apropriação de terras por atores externos,
agravando o que é atualmente o maior problema para os jovens agricultores
europeus: o acesso a terras a preços acessíveis. “Todas
as regras do governo nos obrigam a crescer mais, a utilizar mais pesticidas, a
vender mais”, lamenta Jean Matthieu
Thévenot.
Os recursos
da Comissão Europeia poderiam ser mais bem direcionados para “reduções reais,
justas e imediatas”, diz o Real Zero Europe, como uma transição justa para as
energias renováveis e práticas agrícolas sustentáveis.
Isto poderia
incluir o apoio à agricultura
biológica, à rotação de culturas e à autonomia das explorações
agrícolas, o que reduziria as importações intensivas em CO2 de
produtos como os alimentos para animais, sugere o ECVC.
“Se formos
agricultores convencionais, todos os subsídios e todas as regras do governo nos
levam a crescer mais, a utilizar mais pesticidas, a vender mais, a exportar, etc.
Por isso, somos empurrados nessa direção”, diz Jean Thévenot, cuja exploração agrícola de
um hectare é pequena para poder beneficiar da maioria dos subsídios.
As políticas, em vez de
favorecerem a agricultura industrial de elevada intensidade energética, deveriam
proteger os pequenos agricultores, cujas atividades mantêm zonas rurais
dinâmicas, evitam a perda de
biodiversidade e não necessitam de grandes quantidades de
combustíveis fósseis ou de pesticidas perigosos para funcionar. A solução de que
resultaria a combinação entre produção agrícola e proteção ambiental seria a aposta
na agricultura biológica e na ocupação equilibrada dos solos, o que, num período
de transição, postula fortes apoios dos decisores e uma transformação das
mentalidades e dos procedimentos.
***
Como nota
final, é de realçar que, segundo os observadores, não foram os agricultores franceses
que engrossaram a votação no Rassemblement
National (RN), na primeira volta eleitoral. De facto, embora tenha crescido
nas zonas rurais, não foram
os agricultores em bloco a dar-lhe o voto, pois muitos não creem na capacidade do
partido de os defender. Por outro lado, a ajuda da UE, embora depreciada, é essencial.
Alguns diziam que, pelas ideias, votariam no RN, mas que, para salvar a profissão,
votariam noutro partido.
***
Enfim, agricultura,
ambiente, saúde acabam por ditar as opções de vida.
2024.07.07 –
Louro de Carvalho
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