domingo, 7 de julho de 2024

O problema, no atinente às alterações climáticas, é a grande agricultura

 

A Europa foi palco de grandes manifestações de agricultores, descontentes com a União Europeia (UE), por causa do Pacto Ecológico Europeu (PEE) e da nova Política Agrícola Comum (PAC), tendo a Comissão Europeia recuando, ao menos, provisoriamente, em algumas medidas.

Os agricultores sentiam-se desprotegidos e acusavam a UE de não atender aos interesses de quem trabalha a terra. Ao mesmo tempo, deixaram perceber a ideia de que estavam contra os ecologistas e contra as políticas ambientais.

Ora, a 7 de julho, a Euronews publicou um artigo de Angela Symons, intitulado “Somos os primeiros afetados pelas alterações climáticas: Porque é que os agricultores europeus apoiam as políticas verdes?”, a dar voz aos jovens agricultores europeus, no sentido de sustentarem de que “os agricultores não são contra os ecologistas”, antes consideram a grande agricultura como “o verdadeiro problema”, no atinente às alterações climáticas. E, como assegura Jean Matthieu Thévenot, de 30 anos, agricultor no País Basco francês, até querem “normas ecológicas muito elevadas na Europa”.

“Como agricultores, somos os primeiros a ser afetados pelas alterações climáticas, devido ao clima. Somos também os primeiros a ser afetados pelos pesticidas [e] os agricultores estão a morrer de cancro por causa disso”, observa Thévenot, o qual, na qualidade de representante para as questões climáticas da Coordenação Europeia Via Campesina (ECVC) – confederação de sindicatos que representam os pequenos agricultores –, trabalha com governos e instituições para reforçar as políticas ambientais e apoiar os produtores. E acredita que é necessária uma mudança sistémica para conseguir os objetivos.

No início deste ano, os agricultores europeus fizeram manchetes, quando saíram para as ruas das cidades em protesto. “Havia uma falsa oposição entre os ecologistas das cidades e os agricultores das zonas rurais. […] Pensamos que se trata de uma manipulação – é a grande indústria a tentar fazer com que os agricultores e os ecologistas lutem juntos, quando o verdadeiro problema é a própria indústria”, sustenta Thévenot, vincando que os pequenos agricultores, em vez de marcharem contra as políticas ecológicas,  exigiam um rendimento justo dos seus produtos. Na maioria dos países da UE, o rendimento médio dos agricultores – incluindo os subsídios – é cerca de metade do dos outros cidadãos. Porém, os lobistas do setor agroalimentar interessavam-se em passar mensagem diferente. Por conseguinte, das exigências de apoio fizeram o “não”, porfiando que precisamos de menos regulamentação ambiental, pois, alegadamente, é esta que impede os agricultores de conseguirem ganhar a vida.

Embora admita que os agricultores europeus não conseguem competir com os exportadores internacionais, que não estão sujeitos às mesmas regras rigorosas, a ECVC defende que baixar as normas para o mesmo nível não é o caminho a seguir. A solução é proibir as importações que não cumpram as normas europeias e estabelecer “preços mínimos”.

Para já, os acordos de comércio livre da Europa estão a ser manipulados contra os agricultores locais, cuja produção sofre com as condições meteorológicas extremas. No seu nicho de mercado, a venda de mudas de legumes, a ECVC vê o impacto direto das alterações climáticas nos produtores. Quanto a estas, o jovem agricultor sublinha que “já não são algo que vai acontecer daqui a dois anos”, mas “algo que já está aqui”, sendo a imprevisibilidade a questão principal.

Na sua região, uma primavera extremamente húmida e fria empurrou a época de plantação de tomate deste ano para o verão. Mas, para os supermercados, a situação mantém-se normal.

Estamos a lutar contra os supermercados e [contra] todas as grandes cadeias porque, em primeiro lugar, pensamos que são responsáveis pelas alterações climáticas, porque emitem muito CO2 [dióxido de carbono], e, em segundo lugar, não respeitam os agricultores e nem sequer se preocupam com a situação. Para eles, penso que a mudança nem sequer está a acontecer. Não há tomates em França? Compram-nos a Marrocos, a um preço muito baixo”, atira Thévenot.

No seu trabalho com a ECVC, Jean Thévenot defende a fixação de preços de intervenção por parte dos governos, o que obrigaria os supermercados a comprar produtos importados ao mesmo preço que os produtos locais. “Sempre dissemos que os alimentos não são uma mercadoria. A alimentação é a base da vida, por isso não deve ser incluída no sistema da Organização Mundial do Comércio [OMC] ou em qualquer acordo de comércio livre, porque não é um carro, não é um computador. É algo de que precisamos para viver”, afirma o jovem agricultor.

O principal objetivo do agricultor deve ser local, isto é, em primeiro lugar, deve produzir alimentos para os seus cidadãos; e, depois, se ainda tiver, pode exportar. Porém, as coisas estão a funcionar ao contrário. Por exemplo, nalguns países africanos, a produção de cacau é a principal atividade e compete com a agricultura tradicional de subsistência.

Na verdade, as grandes empresas conseguem estabelecer, em áreas muito extensas, a troco de quase nada, o regime de monocultura intensiva, para os produtos que podem comercializar pelos melhores preços. Não dão pousio aos terrenos, não lhes mudam a produção, encharcam-nos de químicos, esgotam os recursos aquíferos e abandonam-nos, quando não há rendimento suficiente.

Algo semelhante se passa com a produção pecuária: produzem, até ficarem exauridos os prados.    

Jean afirma que o sistema atual cria concorrência entre agricultores de todo o Mundo – “e os agricultores acabam por perder, enquanto as empresas transnacionais ganham”.

Jean Thévenot trabalha com vários académicos para propor um novo quadro de comércio internacional organizado de forma justa e baseado na solidariedade e nos valores humanos, e não no capitalismo, o que implica uma política de preços regulados para os alimentos.

Obviamente, a regulação dos preços terá um custo, mas que não deve ser simplesmente transferido para o consumidor. “Neste momento, os agricultores estão a pagar o preço do sistema – rendimentos muito baixos, condições ambientais muito duras”, verifica Jean Thévenot. Ora, em vez da transferência dos custos para o consumidor, as margens de lucro máximas devem ser estabelecidas nas grandes empresas, que são mais responsáveis pela produção em massa e pelos gases que provocam o aquecimento do planeta. No entanto, os consumidores têm um papel a desempenhar nas suas escolhas de compra. Por isso, continuará a importação, por exemplo, de tomates no inverno, se os consumidores os quiserem, mas a preço muito elevado, para que as pessoas percebam que isso tem um custo ambiental e social. Porém, se quiserem comprar produtos locais que não tenham esses impactos, o preço terá de ser mais baixo. Atualmente, passa-se o contrário, o produto mais barato é o que tem o maior impacto. Ora, se mudarmos, os consumidores poderão fazer a escolha certa.

Embora controversa, está a emergir outra abordagem, em alguns pequenos territórios de França: o projeto Sécurité sociale de l’alimentation (segurança social da alimentação), que visa tornar as coisas mais justas, tanto para os agricultores como para os consumidores, fixando os preços dos produtos em função dos rendimentos dos clientes. Nestes termos, o consumidor, se ganhar muito dinheiro, paga mais e, se ganhar pouco, pode comer os legumes quase de graça.

Jean Thévenot diz que este é um modelo vencedor também para os governos: “Fizemos as contas e, graças a uma melhor agricultura e a um melhor sistema alimentar, acabamos por poupar dinheiro que atualmente é gasto na adaptação ambiental, na mitigação das alterações climáticas e na saúde pública.”

A par da campanha pel regulação dos preços, o ECVC mobiliza-se contra as “ferramentas de lavagem verde para preencher os requisitos do Acordo de Paris sem resultados garantidos”.

Recorde-se que a lavagem verde (greenwashing) é uma estratégia de marketing utilizada para um serviço ou produto vender a sua imagem como sendo melhor para o meio ambiente do que é. Empresas de energia, bancos, cadeias de suprimentos e países já foram acusados disso.

Apesar de não haver uma definição internacionalmente acordada, o termo, geralmente, significa apresentar alegações ambientais de modo superestimado, enganoso ou, simplesmente, mentiroso, com o objetivo de convencer investidores e consumidores favoráveis ao meio ambiente a comprar ou apoiar o que se quer vender – algo que é lucrativo. A maioria dos consumidores diz concordar em pagar mais por produtos sustentáveis. Dessa forma, as empresas que se dizem verdes beneficiam de um crescimento de mercado desproporcional.

Por outro lado, o ECVC congratula-se com os elementos da Estratégia do Prado ao Prato da UE, que tem por objetivo a construção de sistemas alimentares sustentáveis, mas discorda das políticas comerciais e de subsídios, referindo que a sua abordagem nem sempre é credível. E tem como alvo especial o Quadro de Certificação das Remoções de Carbono (CRCF) da UE, que considera “cientificamente inválido” e “perigoso para os sistemas alimentares”.

O regulamento incentiva a agricultura de carbono, oferecendo subsídios e subvenções a práticas agrícolas que promovem o sequestro de carbono em florestas e solos, solução temporária que, por vezes, se baseia em tecnologia dispendiosa não comprovada à escala. E, como alerta o grupo de campanha Real Zero Europe, também apoia as explorações agrícolas na venda de compensações de carbono a empresas, solução contraproducente que cria “falsa confiança”, “atrasa a ação real” sobre as emissões e “beneficia, sobretudo, os poluidores”.

O ECVC adverte que o regime incentiva a apropriação de terras por atores externos, agravando o que é atualmente o maior problema para os jovens agricultores europeus: o acesso a terras a preços acessíveis. “Todas as regras do governo nos obrigam a crescer mais, a utilizar mais pesticidas, a vender mais”, lamenta Jean Matthieu Thévenot.

Os recursos da Comissão Europeia poderiam ser mais bem direcionados para “reduções reais, justas e imediatas”, diz o Real Zero Europe, como uma transição justa para as energias renováveis e práticas agrícolas sustentáveis.

Isto poderia incluir o apoio à agricultura biológica, à rotação de culturas e à autonomia das explorações agrícolas, o que reduziria as importações intensivas em CO2 de produtos como os alimentos para animais, sugere o ECVC.

“Se formos agricultores convencionais, todos os subsídios e todas as regras do governo nos levam a crescer mais, a utilizar mais pesticidas, a vender mais, a exportar, etc. Por isso, somos empurrados nessa direção”, diz Jean Thévenot, cuja exploração agrícola de um hectare é pequena para poder beneficiar da maioria dos subsídios.

As políticas, em vez de favorecerem a agricultura industrial de elevada intensidade energética, deveriam proteger os pequenos agricultores, cujas atividades mantêm zonas rurais dinâmicas, evitam a perda de biodiversidade e não necessitam de grandes quantidades de combustíveis fósseis ou de pesticidas perigosos para funcionar. A solução de que resultaria a combinação entre produção agrícola e proteção ambiental seria a aposta na agricultura biológica e na ocupação equilibrada dos solos, o que, num período de transição, postula fortes apoios dos decisores e uma transformação das mentalidades e dos procedimentos.

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Como nota final, é de realçar que, segundo os observadores, não foram os agricultores franceses que engrossaram a votação no Rassemblement National (RN), na primeira volta eleitoral. De facto, embora tenha crescido nas zonas rurais, não foram os agricultores em bloco a dar-lhe o voto, pois muitos não creem na capacidade do partido de os defender. Por outro lado, a ajuda da UE, embora depreciada, é essencial. Alguns diziam que, pelas ideias, votariam no RN, mas que, para salvar a profissão, votariam noutro partido.

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Enfim, agricultura, ambiente, saúde acabam por ditar as opções de vida.

2024.07.07 – Louro de Carvalho

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