segunda-feira, 15 de julho de 2024

O Mundo está a ficar mais rico e o número de pobres aumenta

 

Após uma queda no difícil ano de 2022, os mercados financeiros obtiveram significativa recuperação em 2023, aumentando o património líquido mundial em mais de 4,3%. Porém, o crescimento na Europa Ocidental foi ligeiramente mais moderado, em termos de património financeiro. De acordo com o relatório sobre a riqueza global, deste ano, do Boston Consulting Group (BCG), conhecido a 10 de julho, o valor dos ativos, em todo o Mundo, cresceu para 477 mil milhões de dólares (441 biliões de euros) em 2023.

Em 2022, a riqueza total havia aumentado apenas 0,2%, enquanto a riqueza financeira registou uma queda de 4%. O salto de 4,3% foi impulsionado pela recuperação da riqueza financeira, que aumentou quase 7%. Ou seja, grande parte do crescimento deveu-se a uma recuperação nos mercados financeiros, acompanhada por um aumento no volume de ativos sob gestão (AuM).

É de recordar que a riqueza financeira, uma subsecção da riqueza global, exclui ativos reais, como propriedades e terrenos, bem como passivos.

Estes dados são um sinal positivo, após um período difícil pós-covid, em que as taxas de juro elevadas e a desvalorização da moeda afetaram as bolsas em todo o Mundo.

Todavia, o BCG observou que ainda não foi alcançada a recuperação total. O aumento total da riqueza de 4,3% ainda é modesto, em comparação com a taxa média de crescimento anual de 7,1%, de 2014 a 2021.Além disso, o crescimento não é igual nas diversas regiões do Mundo.

Os ganhos foram especialmente fortes na América do Norte e na Europa Ocidental, enquanto o crescimento na China permaneceu mais moderado. A riqueza transfronteiriça seguiu um padrão semelhante. Os principais centros de reservas, como a Suíça, Singapura, os Estados Unidos da América (EUA) e os Emirados Árabes Unidos (EAU), cresceram em linha com as tendências recentes, enquanto Hong Kong testemunhou um abrandamento notável – crescendo apenas 3,2% –, devido à redução dos fluxos provenientes da China continental.

Olhando para o período de 2022 a 2023, a taxa de crescimento anual da riqueza líquida foi mais elevada na América Latina (7,9%), seguida do Médio Oriente e da África (7,8%). E, quando comparada com a taxa de crescimento anual prevista para o período de 2023 a 2028, o Médio Oriente e a África são os países com maior crescimento (10%), seguidos da América Latina.

Apesar de registarem aumentos mais acentuados, tal não significa que estas regiões sejam as mais ricas. Ao invés, a riqueza está maioritariamente concentrada na América do Norte, seguida da zona Ásia-Pacífico e, depois, da Europa Ocidental.

“A riqueza financeira nas economias desenvolvidas da América do Norte e da Europa Ocidental sofreu um golpe particularmente forte, em 2022, mas ambas as regiões recuperaram em 2023”, disse o BCG, explicitando: “A América do Norte estava entre as regiões de crescimento mais rápido, respondendo por mais de 50% de toda a nova riqueza financeira em 2023, impulsionada por uma enorme recuperação no mercado de ações.”

Os ganhos financeiros foram notavelmente impulsionados por ações de tecnologia e de semicondutores, com Apple, Nvidia e Microsoft a tornarem-se as primeiras empresas a atingir capitalizações de mercado na faixa de três triliões de dólares (€ 2,77 triliões).

O crescimento na Europa Ocidental foi ligeiramente mais moderado, em termos de riqueza financeira. De acordo com o BCG, este facto não se deveu, apenas a ganhos menores no mercado bolsista, mas também ao facto de os investidores terem investido menos dinheiro em ações.

A riqueza financeira mostrou um impulso moderado na região da Ásia-Pacífico, aumentando 5,1%, em 2023. O relatório sugeriu que isso se deveu principalmente a uma desaceleração na criação de riqueza na China, embora seja esperado um crescimento robusto até 2028.

Para nos centrarmos nos dados relativos a cada país, é de considerar o relatório do Group SA/UBS Group Inc. (UBS) sobre o património mundial, também publicado a 10 de julho. Uma secção, que incide sobre 56 países, analisa o crescimento médio da riqueza, por adulto, entre 2022 e 2023.

A maior contração foi registada em Chipre, com uma queda de mais de 30%. Seguiu-se o México, onde a riqueza por população desceu cerca de 20%. O Cazaquistão vem a seguir, registando uma contração superior a 17%.

Entre as economias da Europa Ocidental, a Suíça e a Itália foram as que se saíram pior, com descidas de quase 6% e 4%, respetivamente.

No outro extremo da escala, a Turquia sobressai com um aumento de mais de 157% na riqueza por adulto, entre 2022 e 2023, deixando todas as outras nações muito para trás.

O Reino Unido viu este valor crescer perto de 10% no ano, enquanto a riqueza da Dinamarca por adulto aumentou quase 6%.

O UBS (sociedade anónima, constituída de acordo com as leis da Suíça, com sede e principais escritórios em Zurique) também recolheu dados sobre a distribuição dos milionários em todo o Mundo, cujo número deverá aumentar nos próximos anos. A maioria destes indivíduos encontra-se nos EUA, seguindo-se a China continental e o Reino Unido.

Se nos ativermos ao produto interno bruto (PIB) per capita o PIB per capita é o valor médio que cada habitante teria do total de riquezas de bens e serviços produzidos num país –, o país que lidera o ranking da riqueza é o Luxemburgo, um pequeno país europeu. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB per capita deste país é de 131,3 mil dólares.

O que pode explicar o facto de Luxemburgo estar no topo da lista é ter ótimos índices de educação e de felicidade. Com efeito, O PIB per capita não é aplicado para abordar a qualidade de vida de um país, nem a desigualdade social. Para esses casos, são utilizados o índice de desenvolvimento humano (IDH) e o Índice de Gini.

O IDH é uma medida do progresso, a longo prazo, em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: rendimento, educação e saúde. A escala vai de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo o índice estiver de 1, melhor é a qualidade de vida naquela nação. Já o Índice de Gini é um coeficiente que mede a concentração do rendimento. A medida estatística varia de 0 a 100. Quanto mais alto o número, maior é a desigualdade. Ora, se a rendimento fosse distribuído com perfeita igualdade, o índice seria zero. O cálculo é feito por fórmula matemática que analisa a distribuição acumulada do rendimento, em relação à distribuição acumulada da população que o recebe.

Falando de continentes, tudo leva a crer que é a África o continente mais rico em recursos naturais, nomeadamente, diamantes, ouro, petróleo e madeiras. Efetivamente, detém 30% das reservas minerais globais. Porém, se pensarmos em termos de desenvolvimento, o continente mais desenvolvido é a Europa, não por os Europeus serem os mais antigos (não são) ou por serem, de alguma forma, geneticamente superiores às pessoas de qualquer outro continente (não são), mas por terem iniciado o processo de “industrialização”, antes de qualquer outro continente à época.

A Europa, tendo começado primeiro, iniciou uma longa cadeia de erros, de perdas e de vitórias que a levaram aonde está hoje. Os países da Europa Ocidental, geralmente, têm assistência médica universal, educação gratuita e obrigatória, polícias qualificados e economias poderosas. Há exceções, como a Polónia e a Grécia, mas as nações europeias, no geral, são ricas, pesadamente tributadas e muito liberais.

Assim, o consenso moderno é que o melhor a fazer é ter uma sociedade altamente regulamentada, altamente tributada e muito democrática, para a proteção de todas as pessoas. Organizações como a União Europeia (UE) e a organização criada pelo Tratado de Bruxelas, que abriu caminho para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), começaram na Europa, comprometendo-a com a paz, após ter tido lugar na primeira fila dos conflitos brutais mais sem sentido do Mundo.

Os continentes que, agora, são desenvolvidos, como as Américas (principalmente) e a Austrália, não o são porque aprenderam da maneira mais difícil, mas, porque são os filhos da Europa, habitados por seus descendentes. Espanha e Portugal “industrializaram” a América do Sul, e a Inglaterra e a França fizeram o mesmo com a América do Norte e com a Austrália. Lugares como a África e o Sudoeste da Ásia estão a chegar lá, só agora, porque foram afetados negativamente pelo imperialismo. Passaram pela descolonização e estão a tentar a industrialização, que é difícil.

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A criação, consolidação e distribuição da riqueza tornam-se muito difíceis. Os últimos anos têm sido difíceis para muitas indústrias e a gestão de património não é exceção. O que fora um rolo compressor da expansão da riqueza financeira global começou a desenvolver problemas de motor em 2022, com os centros de reservas a sofrerem grandes mudanças de poder. A perspetiva de crescimento consistente dos negócios tornou-se cada vez mais difícil de visualizar no horizonte, o que tornou muito importante, para os intervenientes existentes e em ascensão, terem um roteiro claro para o resto da década, que lhes facilite alcançar um crescimento contínuo e rentável nesta era volátil, caraterizada pela intensificação das exigências dos clientes por níveis de serviço mais elevados e mais eficientes.
O relatório que plasma o 23.º estudo anual do BCG sobre a indústria global de gestão de fortunas, aborda a forma como os gestores de fortunas reagem à atual turbulência, destaca desenvolvimentos que podem surpreender os observadores da indústria – tais como receitas de juros de depósitos que compensam excessivamente o declínio das receitas de taxas de investimento, em muitas regiões – e observa, detalhadamente, o desempenho dos gestores de património, em diferentes áreas de negócios. Ao mesmo tempo, oferece um dimensionamento abrangente do mercado, analisa a busca contínua da rentabilidade a longo prazo que a indústria enfrenta e delineia iniciativas – abrangendo as receitas e os custos – que podem ajudar as empresas a posicionarem-se, de forma ideal, para o futuro. O objetivo é dar informações práticas e elementos de reflexão para gestores de património que disputam vantagens competitivas num mercado altamente desafiador e num clima económico geral difícil. 

Apesar da recuperação acima referida, a rentabilidade continua a ser preocupação. Os gestores de património melhoraram, modestamente, as suas margens de rentabilidade, o que foi uma conquista notável, em comparação com os seus pares de gestão de ativos e com o declínio de dois pontos base que a indústria de gestão de património sofreu em 2022. A maior parte da melhoria, no entanto, pode ser atribuída aos lucros inesperados de receita líquida de juros.

Não é provável que essa tendência continue no ambiente atual, com os custos de financiamento a aumentar e as taxas de juro a descer, sobretudo, à medida que a inflação, as ineficiências operacionais e as regulamentações mais rigorosas continuem a afetar. Prevê-se, pois, que as margens de lucro não aumentarão no curto prazo, a menos que a indústria sofra um choque positivo, que pode estar no horizonte, se os gestores de património explorarem todo o potencial da inteligência artificial ​​generativa (GenAI), tecnologia que pode desbloquear eficiências em toda a cadeia de valor e permitir maior interação com o cliente e personalização em grande escala.

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Ironicamente, à medida que aumenta a riqueza (não em todas as regiões; e os pobres ficam mais pobres), a pobreza aumenta. A riqueza dos cinco homens mais ricos do Mundo mais que dobrou (114%) desde 2020, enquanto 60% da Humanidade ficou mais pobre. Mais: segundo a OXFAM, desde 2020, o 1% mais rico da população mundial amealhou quase dois terços de toda a nova riqueza – seis vezes mais do que os sete mil milhões de pessoas que compõem os 90% mais pobres da Humanidade.

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Enfim, se produzir, recuperar e consolidar riqueza é difícil, distribuí-la é muito mais complicado. Imperam o egoísmo, a ambição gananciosa do lucro, a competição desenfreada. E falta a intervenção moderadora e social dos governos. Como os ricos não pagam as crises, sobrecarregam-se os que têm alguma coisa e geram-se mais pobres.

2024.07.15 – Louro de Carvalho

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