Após uma queda no difícil ano de 2022, os
mercados financeiros obtiveram significativa recuperação em 2023, aumentando o
património líquido mundial em mais de 4,3%. Porém, o crescimento na Europa
Ocidental foi ligeiramente mais moderado, em termos de património financeiro. De
acordo com o relatório sobre a riqueza global, deste ano, do Boston Consulting
Group (BCG), conhecido a 10 de julho, o valor dos ativos, em todo o Mundo,
cresceu para 477 mil milhões de dólares (441 biliões de euros) em 2023.
Em 2022, a riqueza total havia
aumentado apenas 0,2%, enquanto a riqueza financeira registou uma queda de 4%. O
salto de 4,3% foi impulsionado pela recuperação da riqueza financeira, que
aumentou quase 7%. Ou seja, grande parte do crescimento
deveu-se a uma recuperação nos mercados financeiros, acompanhada por um aumento
no volume de ativos sob gestão (AuM).
É de recordar que a riqueza
financeira, uma subsecção da riqueza global, exclui ativos reais, como
propriedades e terrenos, bem como passivos.
Estes dados são um sinal positivo,
após um período difícil pós-covid, em que as taxas de juro elevadas e a
desvalorização da moeda afetaram as bolsas em todo o Mundo.
Todavia, o BCG observou que ainda não
foi alcançada a recuperação total. O aumento total da riqueza de 4,3% ainda é
modesto, em comparação com a taxa média de crescimento anual de 7,1%, de 2014 a
2021.Além disso, o crescimento não é igual nas diversas regiões do Mundo.
Os ganhos foram
especialmente fortes na América do Norte e na Europa Ocidental, enquanto o
crescimento na China permaneceu mais moderado. A riqueza transfronteiriça seguiu
um padrão semelhante. Os principais centros de reservas, como a Suíça,
Singapura, os Estados Unidos da América (EUA) e os Emirados Árabes Unidos
(EAU), cresceram em linha com as tendências recentes, enquanto Hong Kong
testemunhou um abrandamento notável – crescendo apenas 3,2% –, devido à redução
dos fluxos provenientes da China continental.
Olhando para o período de 2022 a
2023, a taxa de crescimento anual da riqueza líquida foi mais elevada na
América Latina (7,9%), seguida do Médio Oriente e da África (7,8%). E, quando
comparada com a taxa de crescimento anual prevista para o período de 2023 a
2028, o Médio Oriente e a África são os países com maior crescimento (10%),
seguidos da América Latina.
Apesar de registarem aumentos mais
acentuados, tal não significa que estas regiões sejam as mais ricas. Ao invés,
a riqueza está maioritariamente concentrada na América do Norte, seguida da
zona Ásia-Pacífico e, depois, da Europa Ocidental.
“A riqueza financeira nas economias
desenvolvidas da América do Norte e da Europa Ocidental sofreu um golpe
particularmente forte, em 2022, mas ambas as regiões recuperaram em 2023”,
disse o BCG, explicitando: “A América do Norte estava entre as regiões de
crescimento mais rápido, respondendo por mais de 50% de toda a nova riqueza
financeira em 2023, impulsionada por uma enorme recuperação no mercado de
ações.”
Os ganhos financeiros foram
notavelmente impulsionados por ações de tecnologia e de semicondutores, com
Apple, Nvidia e Microsoft a tornarem-se as primeiras empresas a atingir
capitalizações de mercado na faixa de três triliões de dólares (€ 2,77
triliões).
O crescimento na Europa Ocidental foi
ligeiramente mais moderado, em termos de riqueza financeira. De acordo com o
BCG, este facto não se deveu, apenas a ganhos menores no mercado bolsista, mas
também ao facto de os investidores terem investido menos dinheiro em ações.
A riqueza financeira mostrou um
impulso moderado na região da Ásia-Pacífico, aumentando 5,1%, em 2023. O
relatório sugeriu que isso se deveu principalmente a uma desaceleração na
criação de riqueza na China, embora seja esperado um crescimento robusto até
2028.
Para nos centrarmos nos dados
relativos a cada país, é de considerar o relatório do Group SA/UBS Group Inc. (UBS) sobre o património mundial, também
publicado a 10 de julho. Uma secção, que incide sobre 56 países, analisa o
crescimento médio da riqueza, por adulto, entre 2022 e 2023.
A maior contração foi registada em
Chipre, com uma queda de mais de 30%. Seguiu-se o México, onde a riqueza por
população desceu cerca de 20%. O Cazaquistão vem a seguir, registando uma
contração superior a 17%.
Entre as economias da Europa
Ocidental, a Suíça e a Itália foram as que se saíram pior, com descidas de
quase 6% e 4%, respetivamente.
No outro extremo da escala, a Turquia
sobressai com um aumento de mais de 157% na riqueza por adulto, entre 2022 e
2023, deixando todas as outras nações muito para trás.
O Reino Unido viu este valor crescer
perto de 10% no ano, enquanto a riqueza da Dinamarca por adulto aumentou quase
6%.
O UBS (sociedade
anónima, constituída de acordo com as leis da Suíça, com sede e principais escritórios
em Zurique) também recolheu dados sobre a distribuição dos
milionários em todo o Mundo, cujo número deverá aumentar nos próximos anos. A
maioria destes indivíduos encontra-se nos EUA, seguindo-se a China continental
e o Reino Unido.
Se nos ativermos ao produto interno
bruto (PIB) per capita – o PIB per capita
é o valor médio que cada habitante teria do total de riquezas de bens e
serviços produzidos num país –, o país que lidera o ranking da riqueza é
o Luxemburgo, um pequeno país europeu. De acordo com o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o PIB per capita
deste país é de 131,3 mil dólares.
O que pode explicar
o facto de Luxemburgo estar no topo da lista é ter ótimos índices de educação e
de felicidade. Com efeito, O PIB per capita não é aplicado para abordar
a qualidade de vida de um país, nem a desigualdade social. Para esses casos,
são utilizados o índice de desenvolvimento humano (IDH) e o Índice de Gini.
O IDH é uma medida do progresso, a
longo prazo, em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: rendimento,
educação e saúde. A escala vai de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo o
índice estiver de 1, melhor é a qualidade de vida naquela nação. Já o Índice de
Gini é um coeficiente que mede a concentração do rendimento. A medida
estatística varia de 0 a 100. Quanto mais alto o número, maior é a
desigualdade. Ora, se a rendimento fosse distribuído com perfeita igualdade, o
índice seria zero. O cálculo é feito por fórmula matemática que analisa a
distribuição acumulada do rendimento, em relação à distribuição acumulada da
população que o recebe.
Falando de continentes, tudo leva a
crer que é a África o continente mais rico em recursos naturais, nomeadamente, diamantes,
ouro, petróleo e madeiras. Efetivamente, detém
30% das reservas minerais globais. Porém, se pensarmos em termos de desenvolvimento,
o continente mais desenvolvido é a Europa, não por os Europeus serem
os mais antigos (não são) ou por serem, de alguma forma, geneticamente
superiores às pessoas de qualquer outro continente (não são), mas por terem iniciado
o processo de “industrialização”, antes de qualquer outro continente à época.
A Europa, tendo começado
primeiro, iniciou uma longa cadeia de erros, de perdas e de vitórias que a
levaram aonde está hoje. Os países da Europa Ocidental, geralmente, têm
assistência médica universal, educação gratuita e obrigatória, polícias
qualificados e economias poderosas. Há exceções, como a Polónia e a Grécia, mas
as nações europeias, no geral, são ricas, pesadamente tributadas e muito
liberais.
Assim, o consenso moderno é que
o melhor a fazer é ter uma sociedade altamente regulamentada, altamente
tributada e muito democrática, para a proteção de todas as pessoas.
Organizações como a União Europeia (UE) e a organização criada pelo Tratado de
Bruxelas, que abriu caminho para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO),
começaram na Europa, comprometendo-a com a paz, após ter tido lugar na primeira
fila dos conflitos brutais mais sem sentido do Mundo.
Os continentes que, agora, são
desenvolvidos, como as Américas (principalmente) e a Austrália, não o são
porque aprenderam da maneira mais difícil, mas, porque são os filhos da Europa,
habitados por seus descendentes. Espanha e Portugal “industrializaram” a
América do Sul, e a Inglaterra e a França fizeram o mesmo com a América do
Norte e com a Austrália. Lugares como a África e o Sudoeste da Ásia estão a chegar
lá, só agora, porque foram afetados negativamente pelo imperialismo. Passaram
pela descolonização e estão a tentar a industrialização, que é difícil.
***
A criação, consolidação e distribuição da riqueza tornam-se muito difíceis. Os últimos anos têm sido difíceis para muitas indústrias e a gestão de património não é exceção. O que fora um rolo compressor da expansão da riqueza financeira global começou a desenvolver problemas de motor em 2022, com os centros de reservas a sofrerem grandes mudanças de poder. A perspetiva de crescimento consistente dos negócios tornou-se cada vez mais difícil de visualizar no horizonte, o que tornou muito importante, para os intervenientes existentes e em ascensão, terem um roteiro claro para o resto da década, que lhes facilite alcançar um crescimento contínuo e rentável nesta era volátil, caraterizada pela intensificação das exigências dos clientes por níveis de serviço mais elevados e mais eficientes.
O relatório que plasma o 23.º estudo anual do BCG sobre a indústria global de gestão de fortunas, aborda a forma como os gestores de fortunas reagem à atual turbulência, destaca desenvolvimentos que podem surpreender os observadores da indústria – tais como receitas de juros de depósitos que compensam excessivamente o declínio das receitas de taxas de investimento, em muitas regiões – e observa, detalhadamente, o desempenho dos gestores de património, em diferentes áreas de negócios. Ao mesmo tempo, oferece um dimensionamento abrangente do mercado, analisa a busca contínua da rentabilidade a longo prazo que a indústria enfrenta e delineia iniciativas – abrangendo as receitas e os custos – que podem ajudar as empresas a posicionarem-se, de forma ideal, para o futuro. O objetivo é dar informações práticas e elementos de reflexão para gestores de património que disputam vantagens competitivas num mercado altamente desafiador e num clima económico geral difícil.
Apesar da
recuperação acima referida, a rentabilidade continua a ser preocupação. Os
gestores de património melhoraram, modestamente, as suas margens de
rentabilidade, o que foi uma conquista notável, em comparação com os seus pares
de gestão de ativos e com o declínio de dois pontos base que a indústria de
gestão de património sofreu em 2022. A maior parte da melhoria, no entanto,
pode ser atribuída aos lucros inesperados de receita líquida de juros.
Não é provável que
essa tendência continue no ambiente atual, com os custos de financiamento a
aumentar e as taxas de juro a descer, sobretudo, à medida que a inflação, as
ineficiências operacionais e as regulamentações mais rigorosas continuem a afetar.
Prevê-se, pois, que as margens de lucro não aumentarão no curto prazo, a menos
que a indústria sofra um choque positivo, que pode estar no horizonte, se os
gestores de património explorarem todo o potencial da inteligência artificial
generativa (GenAI), tecnologia que pode desbloquear eficiências em toda a
cadeia de valor e permitir maior interação com o cliente e personalização em
grande escala.
***
Ironicamente, à
medida que aumenta a riqueza (não em todas as regiões; e os pobres ficam mais
pobres), a pobreza aumenta. A riqueza dos cinco homens mais ricos do Mundo mais
que dobrou (114%) desde 2020, enquanto 60% da Humanidade ficou mais pobre.
Mais: segundo a OXFAM, desde 2020, o 1% mais rico da população mundial amealhou
quase dois terços de toda a nova riqueza – seis vezes mais do que os sete mil milhões
de pessoas que compõem os 90% mais pobres da Humanidade.
***
Enfim, se
produzir, recuperar e consolidar riqueza é difícil, distribuí-la é muito mais
complicado. Imperam o egoísmo, a ambição gananciosa do lucro, a competição desenfreada.
E falta a intervenção moderadora e social dos governos. Como os ricos não pagam
as crises, sobrecarregam-se os que têm alguma coisa e geram-se mais pobres.
2024.07.15 – Louro de Carvalho
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