domingo, 21 de julho de 2024

A descarbonização também se faz sobre carris

 

O degelo das calotes polares pode ter influência maior do que se pensava na duração do dia. E esta consequência das alterações climáticas, causada pelo homem, está a abrandar a velocidade de rotação da Terra, aumentando a duração do dia. É a conclusão a que chegou um estudo – a modelação mais abrangente realizada até à data – de investigadores da Universidade ETH de Zurique, na Suíça, e apoiado pela NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço).

São apenas alguns milissegundos, mas com impacto significativo no Mundo moderno e de alta tecnologia, já que muitos sistemas informáticos dependem de relógios atómicos muito precisos.

A velocidade a que a Terra gira – influenciada por complicada malha de diferentes fatores, que incluem a força gravitacional da Lua sobre os oceanos – determina a exata duração do dia. Assim, quanto mais lentamente girar, mais longo será o dia.

Durante milénios, a Lua tem sido o fator dominante, acrescentando alguns milissegundos a um dia, por século. Exerce atração sobre a Terra, fazendo com que os oceanos se voltem para ela e, por conseguinte, abrandando gradualmente a rotação do nosso planeta.

Investigações recentes descobriram que as alterações climáticas causadas pelo homem também estão a ter impacto. À medida que as camadas de gelo da Gronelândia e da Antártida derretem, devido ao aquecimento global, esta água é redistribuída dos polos do planeta para os oceanos mais próximos do equador. Isto altera a forma da Terra, achatando os polos e tornando-a mais gorda no centro, o que abranda a sua rotação.

A este respeito, considera Benedikt Soja, um dos autores do estudo e professor de geodesia espacial da ETH Zurich: “É como quando um patinador artístico faz uma pirueta, primeiro segurando os braços junto ao corpo e depois esticando-os. […] Nós, seres humanos, temos um impacto maior no nosso planeta do que nos apercebemos, o que naturalmente nos responsabiliza mais pelo futuro do planeta.”

Ora, se os seres humanos continuarem a queimar mais combustíveis fósseis e se a Terra aquecer em conformidade, isso terá maior influência na velocidade de rotação da Terra do que o efeito da Lua. Ou seja, as alterações climáticas, potenciadas pelo consumo de combustíveis de origem fóssil e pelas diversas formas de poluição, podem tornar-se o fator dominante.

Foram utilizados dados de observação e modelos climáticos, para determinar de que forma, ao longo de 200 anos, entre 1900 e 2100, o aquecimento global afetou a duração do dia e o que fará no futuro. Durante o século XX, a subida do nível do mar fez com que a duração do dia variasse entre 0,3 e um milissegundo, mas, nas duas últimas décadas, descobriu-se que estão a ser acrescentados 1,33 milissegundos, por século – “significativamente mais elevado do que em qualquer outra altura do século XX”, refere o estudo em causa.

Se as emissões de gases com efeito de estufa continuarem a aumentar, como acontecerá, até deixarmos de queimar combustíveis fósseis, se a perda de gelo continuar a acelerar e se os oceanos aquecerem ainda mais, a duração do dia poderá aumentar 2,62 milissegundos, até ao final do século. Isto significaria que ultrapassou a influência da Lua, para se tornar a força dominante.

***

Já são controversas as conclusões de que o núcleo da Terra pode ter parado de girar ou pode até estar agora a girar no sentido inverso, de acordo com um estudo de análise de dados de ondas sísmicas nos últimos 60 anos, efetuado por investigadores da Universidade de Pequim, na China (publicitado a 28 de fevereiro de 2023), que concluiu que a rotação do núcleo parou por volta do ano de 2009 e, depois, reiniciou na direção oposta.

O núcleo do nosso planeta é composto por uma camada externa de metal líquido e por um núcleo interno de metal sólido com cerca de 70% do tamanho da Lua. Geralmente, crê-se que o núcleo gira no sentido anti-horário, quando visto do Polo Norte, como o resto do planeta Terra.

“Pensamos que o núcleo está, em relação à superfície da Terra, a girar numa direção e, depois, noutra”, disseram à AFP Xiaodong Song e Yi Yang, autores do estudo.

Um ciclo completo (numa direção e depois noutra) dessa oscilação é de cerca de 70 anos, acrescentaram. Segundo os investigadores, a última mudança de rotação antes de 2009 teria ocorrido no início da década de 1970, e a próxima ocorrerá em meados da década de 2040.

Porém, ainda há muito para debater sobre a natureza do núcleo da Terra, porque é extremamente difícil recolher informações sobre ele. A borda do núcleo externo encontra o manto da Terra à profundidade de cerca de quase 3 mil quilómetros e crê-se que este núcleo externo seja feito de ferro líquido e de níquel. O núcleo interno começa a cerca de 5 mil quilómetros abaixo da superfície do planeta e crê-se que é feito de ferro sólido e níquel, devido à pressão extrema que força os átomos do metal a agruparem-se. Fica dentro do núcleo externo líquido e crê-se que gira na mesma direção que o resto da Terra.

Xiaodong Song e Yi Yang estudaram essas ondas sísmicas, tendo encontrado um “retorno gradual do núcleo interno como parte de uma oscilação de aproximadamente sete décadas”. O seu artigo foi publicado na revista Nature Geoscience.

“Este é um estudo muito cauteloso realizado por excelentes cientistas que usaram muitos dados”, disse John Vidale, sismólogo da Universidade do Sul da Califórnia, que não participou na investigação. E acrescentou que “nenhum dos modelos existentes explica realmente bem todos os dados disponíveis”.

John Vidale publicou um estudo, em 2022, que sugere que o núcleo interno oscila mais rapidamente, mudando de direção, a cada seis anos, de acordo com dados sísmicos de duas explosões nucleares do final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

Outro geofísico, Hrvoje Tkalcic, da Universidade Nacional Australiana, acredita que o ciclo do núcleo interno é de cerca de 20 a 30 anos, em vez dos 70 anos propostos pelo estudo publicado na Nature Geoscience.

Porém, os investigadores da Universidade de Pequim sustentam que tal oscilação “coincide com mudanças em várias outras observações geofísicas”, como a duração dos dias e as mudanças no campo magnético da Terra. “Essas observações fornecem evidências de interações dinâmicas entre as camadas da Terra, do interior mais profundo à superfície, potencialmente devido ao acoplamento gravitacional e à mudança do momento angular entre o núcleo e o manto da superfície. […] Esperamos que a nossa investigação motive os investigadores a projetar e testar modelos que tratem a Terra como um sistema dinâmico integrado”, escrevem.

***

Estas considerações científicas, ainda não definitivas, como se viu, levaram a Europa a operar uma revolução no transporte de mercadorias, para travar os efeitos das alterações climáticas, como explica, no Diário de Notícias (DN) online, a 20 de julho, Diogo Ferreira Nunes, num artigo intitulado “Comboio português ajuda a tirar 18 mil camiões espanhóis da estrada por ano”.

O transporte, em camião, de artigos, como roupas novas, móveis ou folhas de papel, gera poluição e trânsito, contribuindo para o agravamento da pegada carbónica. Por isso, a Europa, querendo ser mais sustentável, está a apostar na combinação com outros meios de transporte com economias de escala, como o navio e o comboio, que têm menor impacto ambiental. A isso vêm as “autoestradas ferroviárias”: comboios de mercadorias que transportam os semirreboques dos camiões em vagões próprios, reduzindo a necessidade de pessoal, aumentando a segurança e diminuindo as emissões carbónicas. O sistema usado, há décadas na França e na Itália, está a chegar à Península Ibérica.

Já arrancaram os testes da primeira autoestrada ferroviária, que liga Valência a Madrid. Portugal está representado pela Medway, transportadora de mercadorias sobre carris, que foi contratada pela espanhola Tramesa, para rebocar estes comboios. A partir de setembro, haverá quatro serviços, por semana, nesta modalidade, para retirar das estradas cerca de 18 mil camiões por ano. É a primeira vez que uma linha em bitola ibérica faz este serviço.

O comboio começou a ser montado no dia 20, no novo dique Este do Porto de Valência, onde estão estacionados milhares de automóveis. Os semirreboques vieram de Itália, transportados num navio de contentores da Transitalia, após o que passaram a ser movimentados para dentro dos vagões, através de uma grua. Ao invés do que sucede com os contentores, a grua tem de “agarrar” nos semirreboques pela parte de baixo, muito perto das rodas. Tudo é controlado no solo através de um rádio-comando pendurado ao pescoço de um operário. Os semirreboques são posicionados nos vagões um em frente ao outro, a grua vira o reboque no ar, contentor sim, contentor não, e roda no ar, para voltar à posição normal.

Porém, a linha férrea da zona não é toda eletrificada. Até se chegar à zona eletrificada, lá vai a locomotiva a diesel, a pouca velocidade, até que se possam atrelar os vagões à locomotiva elétrica.

Alugada à suíça Stadler, a máquina Euro 6000 reboca 1740 toneladas de carga durante mais de 400 quilómetros, ganhando cada vez mais velocidade. E, quando o comboio frena, chega a gerar mais de 2000kw para a rede elétrica. É o custo-benefício de comboio desta dimensão precisar de tanta energia para se mover. A linha à saída de Valência tem sido modernizada e nota-se como o comboio desliza sem vibrações ao longo da via.

Graças à velocidade e à tonelagem da carga, alguns dos seis motores chegam a atingir os 100 graus celsius (100º C), pelo que vão sendo refrigerados. A locomotiva é tão potente que nunca baixa dos 75 km/h. Mais adiante, os motores já atingem os 120 graus. Todos os ventiladores estão na máxima potência, garantindo que nada falha. A refrigeração dos motores é feita a ar. Os equipamentos eletrónicos são refrigerados a água.

Com as autoestradas ferroviárias poupam emissões de gases, bem como dezenas de motoristas de camiões, a Espanha vai expandir o conceito para os percursos Algeciras-Saragoça e Saragoça-Tarragona, muito graças aos fundos para a descarbonização do Plano de Recuperação e Resiliência do país. A partir de 2025, Portugal também vai ter a sua primeira autoestrada ferroviária entre Elvas e Entroncamento, pois, segundo o articulista, “o caminho da descarbonização faz-se sobre carris”.

***

Penso que devem ser exploradas todas as alternativas ao atual transporte de mercadorias pela rodovia: autoestradas ferroviárias, autoestradas marítimas, itinerários aéreos de longo curso e – Porque não? – o transporte em dorso animal e em bicicleta (para pequenas mercadorias, nestes dois casos).

Para tanto, há que modernizar, numa luta contra o tempo, a ferrovia (eletrificando e duplicando), expandir a sua rede, construindo novas, para alta velocidade e para cobertura do território. Com efeito, a descarbonização também se fará por carris. Contudo, enquanto a ferrovia não estiver totalmente eletrificada, no transporte aéreo, no transporte marítimo e nos transportes em meio suburbano ou rural, é de apostar no hidrogénio verde.

Não adianta chorar pelo passado de desprezo pela ferrovia. Há que investir já e com força.

Todavia, há que parar com os incêndios florestais e, sobretudo, com as guerras, fontes de morte, de estropiamento, de destruição, de poluição e de atentado ao clima do planeta.   

2024.07.21 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário