segunda-feira, 8 de julho de 2024

Eleições francesas resultaram em alívio para a França e para a Europa

 

Na ressaca da segunda volta das eleições legislativas francesas antecipadas, que redundou em alívio para a França, que tremeu com a vitória do Rassemblement Nacional (RN), de extrema-direita, também conhecido, entre nós, por União Nacional (UN), nas eleições para o Parlamento Europeu (PE) e com os resultados da primeira volta, a 30 de junho, pode dizer-se que a Europa, em particular, a União Europeia (UE) também ficou sem o pesadelo do crescimento exacerbado da extrema-direita.  

No entanto, levanta-se à França o problema da governação, pois nunca uns resultados de eleições gerais deram a vitória a uma força partidária que não tivesse possibilidades de gerar um governo por não dispor de maioria absoluta na Assembleia Nacional (AN), a câmara baixa do Parlamento.

Também não há, no país, tradição de governos de coligação. Ora, como o eleitorado é que decide como votar, terão os líderes de começar a habituar-se a este e a outros tipos de novidades.  

O RN, de Marine Le Pen, que ficou em primeiro lugar na primeira volta, com 33,1% dos votos, almejava a vitória na segunda volta, a 7 de julho. Jordan Bardella, que liderou a sua campanha eleitoral, já se via como primeiro-ministro. Le Pen solicitava ao eleitorado a maioria absoluta, mas as sondagens cedo começaram a afastar o cenário dessa maioria, embora mantivessem a perspetiva da vitória.

Todavia, a célere união das esquerdas provocada pelo anúncio inesperado e intempestivo do presidente Emmanuel Macron de dissolução da AN e de consequente marcação de eleições, na sequência da derrota nas eleições para o PE, a 9 de junho, conseguiu mudar o cenário, não na primeira volta (30 de junho era muito próximo do dia 9), mas na segunda volta (a 7 de julho). Creio que a reviravolta das eleições no Reino Unido, a 4 de julho, com os Trabalhistas a infligir pesada derrota aos Conservadores – em contraciclo com o resto da Europa –, terá ajudado.  

Já é conhecida a nova composição da AN, de 577 assentos, pelo que já me apetece a escrever sobre esta saga francesa. A Nova Frente Popular (NFP), a coligação das esquerdas, elegeu 182 deputados; o Ensemble, a coligação centrista de Macron; elegeu 168 deputados; o Rassemblement Nacional (RN), de extrema-direita, elegeu 143 deputados; “Os Republicanos”, sucessor da União dos Democratas pela República (UDR), elegeu 45 deputados; e outros partidos elegeram 39 deputados.

A NFP, de esquerda, foi a grande vencedora das eleições, ao ficar com mais assentos na AN. Por isso, reivindicando a posição de primeiro-ministro, pediu uma semana para propor um nome.

Esta coligação, criada apenas em alguns dias após Macron ter convocado eleições antecipadas, junta partidos diferentes que têm de se entender num eventual governo: o França Insubmissa, o Partido Socialista, Os Ecologistas, Partido Socialista Francês e o Novo Partido Anticapitalista.

Em segundo lugar ficou o Ensemble, de Emmanuel Macron, que teria de formar alianças dentro da AN, para formar governo. No entanto, Macron tornou-se impopular. Muitos aproveitaram estas eleições para mostrar descontentamento para com o executivo, nomeadamente em relação à inflação, à idade para a reforma, ao crime, à repressão policial, à imigração e ao modo como trata os agricultores e outros manifestantes.

E o RN acabou por ser relegado para o terceiro lugar, depois de as coligações NFP e Ensemble haverem retirado muitos dos candidatos em terceiro, numa união contra a extrema-direita.

Com o resultado destas legislativas, nenhum dos partidos ou coligações assegurou os 289 lugares necessários para uma maioria absoluta na AN. O Palácio do Eliseu já veio dizer que Emmanuel Macron vai esperar pela nova composição da AN para “tomar as decisões necessárias”. 

De facto, a esquerda vence por pouco e a ausência de maiorias deixa futuro em aberto em França.

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Seja como for, dizem os observadores que a França acordou sem o cenário da extrema-direita no poder, ficando muitos Franceses a respirar de alívio.

“Sinceramente, é um alívio”, disse o professor Rachid Sabry, de 60 anos. “É um alívio, porque volto a ver a França que conheço. Cheguei aqui como estudante, há algumas décadas, e é certo que me apaixonei por este país. Formei uma família com uma francesa e, de facto, há algumas semanas, tive um momento de dúvida, mas agora sinto-me muito melhor.”

“O que vai acontecer? Como vão governar este país?”, comentou Nadine Dupuis, que não parece ter medo da incerteza. “Acho que vai ser muito emocionante!”

Ao invés de outros países da Europa, como já foi anotado, a França não tem uma tradição de formação de governos de coligação, através de alianças de deputados no parlamento. Além disso, muitas das decisões são tomadas pelo presidente. Por isso, passada a segunda volta nas eleições legislativas, surgem dúvidas: ninguém sabe exatamente quem vai liderar o próximo governo.

Numa declaração ao país, o ainda primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, anunciou, logo no dia 7, que pediria a demissão a Emmanuel Macron durante a manhã do dia 8, dispondo-se, no entanto, a permanecer enquanto fosse necessário, o que Macron não aceitou, para já. Na justificação, o governante aduziu que não foi ele quem escolheu a dissolução da AN, pelo que se recusa a “sofrê-la”. “Sei que, neste momento, se apresentam muitas incertezas, uma vez que não há maioria absoluta. O nosso país está numa situação sem precedentes e vai ter muitas responsabilidades em breve.”

Em reação ao resultado das primeiras projeções, o líder da França Insubmissa afirmou que, no final de uma campanha eleitoral “tão importante”, o povo francês “votou em consciência”.

“Foi, realmente, um movimento civil enorme e sabemos quanto isso é importante. O nosso povo descartou, muito claramente, aquilo que era pior para França”, numa alusão ao facto de partido de extrema-direita de Le Pen não ter alcançado a maioria absoluta, como se chegou a apontar.

Para Mélenchon, o chefe de Estado tem agora a obrigação de chamar a NFP a governar, uma coligação que “está pronta” para assumir tal responsabilidade. “A palavra vai ser cumprida: a Nova Frente Popular irá cumprir o seu programa na íntegra”, garantiu, mas deixando claro que a coligação que representa não entrará em negociações com o partido liberal de Macron, “sobretudo após ter combatido a sua política de inação ecológica”.

Por sua vez, Marine Le Pen afirmou que a vitória ficou “apenas adiada”. Ainda assim, assinalou que a “maré está a subir”: “Desta vez não subiu suficientemente alto, mas continua a subir. E, por isso, a nossa vitória só tarda”, assegurou, vincando altivamente:Tenho demasiada experiência para ficar desiludida com um resultado em que duplicamos o nosso número de deputados.”

Logo ao início da noite eleitoral, o Palácio do Eliseu disse que Emmanuel Macron vai esperar pela nova composição da AN para “tomar as decisões necessárias”, ou seja, não vai nomear um primeiro-ministro, para já, e pediu “contenção”, face aos resultados, então ainda provisórios.

Stéphane Séjourné, secretário-geral do partido do Ensemble, afirmou ser óbvio que a NFP “não pode governar a França”, uma vez que nenhuma coligação tem maioria.

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A 30 de junho, o RN conseguiu vencer, pela primeira vez, as legislativas, ao obter 33,1% dos votos e quase duplicar o seu apoio, desde que a França elegeu a AN, pela última vez, em 2022.

Em segundo lugar, ficou a NFP, com 28%. Seguiu-se o Ensemble de Macron, que obteve 20%.

Não se pode dizer que Macron teve enorme derrota. A sua coligação, apesar de tudo, ficou em segundo lugar e bastante mais próxima da NFP do que do RN. Todavia, como referiu Jean-Luc Mélenchon, “a vontade do povo deve ser estritamente respeitada”, pois “a derrota do Presidente da República e da sua coligação está claramente confirmada” e “o Presidente deve curvar-se e aceitar a sua derrota”. Porém, não é aceitável a sua asserção de que “nenhum acordo seria aceitável”, porque, se a maioria absoluta não deve dispensar a negociação, por maior razão as maiorias relativas a devem praticar.

Com a possibilidade de um parlamento suspenso, o futuro poderá ser marcado por meses de duras disputas políticas. A Constituição francesa permite a coabitação, com um Presidente e um primeiro-ministro de partidos diferentes. A última vez que tal sucedeu foi de 1997 a 2002, quando o socialista Lionel Jospin governou ao lado do presidente Jacques Chirac, de centro-direita.

Cerca de 215 candidatos que obtiveram resultados satisfatórios, na primeira volta, renunciaram ao longo da semana, porque a “Frente Republicana” procurou evitar a divisão do voto da extrema-direita nos círculos eleitorais em que três ou mais pessoas conseguiram passar.

Com tanto em jogo, os eleitores acorreram em massa às urnas. Às 18h25 do dia 7, a taxa de participação era de 67,1%, a mais elevada registada desde 1997 e muito superior aos 46,2% obtidos em 2022.

A NFP foi reunida em junho para afastar a ameaça da extrema-direita, embora não tenha conseguido alcançar a unidade total; os partidos de esquerda fora do NFP obtiveram 16 deputados.

Em 2022, a coligação equivalente, conhecida como NUPES, obteve 131 lugares, enquanto os outros partidos de esquerda obtiveram 22 – embora não seja claro por quanto tempo a aliança díspar do NFP se manterá unida.

“Os Republicanos” – partido de centro-direita, sucessor da União por um Movimento Popular (UMP), fundada em 2002, por Nicolas Sarkozy, pela fusão de dois partidos do presidente Jacques Chirac, que remonta ao gaullista União dos Democratas pela República (UDR) – segue a tradição de mínio, durante muito tempo da política francesa. Porém, desta feita, ele e os seus aliados obtiveram 45 deputados, embora isso não conte com os membros, incluindo o líder do partido, Eric Ciotti, que se comprometeram com Le Pen.

Embora ainda não tenham batido o martelo sobre a união, líderes do bloco esquerdista indicaram que poderiam se aliar ao centro, para chegarem aos 289 assentos necessários para a maioria. Porém, a viabilidade de um governo juntando as duas forças mais votadas é incerta. Ambas nutrem desavenças profundas em determinados tópicos, como a reforma da Previdência.

Autoridades, políticos e celebridades do desporto comentaram a vitória da esquerda nas eleições na França. “Muito feliz com a demonstração de grandeza e maturidade das forças políticas da França que se uniram contra o extremismo nas eleições legislativas de hoje [dia 7]. Esse resultado, assim como a vitória do partido trabalhista, no Reino Unido, reforça a importância do diálogo entre os segmentos progressistas, em defesa da democracia e da justiça social. Devem servir de inspiração para a América do Sul”, disse Lula da Silva, presidente do Brasil.

Também o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, comentou: “Esta semana, um dos maiores países da Europa escolheu o mesmo caminho que a Espanha, há um ano: recusa da extrema-direita e aposta decidida numa esquerda social que lide com os problemas das pessoas com políticas sérias e valentes. […] Com a extrema-direita não se faz acordo, nem se governa.”

Na Polónia, Donald Tusk, que se opõe a Vladimir Putin, comemorou o resultado, aludindo ao facto de a extrema-direita francesa ter laços com o líder russo. “Em Paris, entusiasmo; em Moscou, desapontamento; em Kiev, alívio. O suficiente para se estar feliz em Varsóvia.”

Diversos futebolistas da seleção francesa, como Marcus Thuram, Tchouameni e Koundé, celebraram o resultado, pois Kylian Mbappé já havia pedido aos eleitores franceses que barrassem o avanço do RN.

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Uma nova era para a França, que Macron deverá saber gerir! Seria uma desilusão para a UE, se preferisse negociar com a extrema-direita, em detrimento da NFP. O eixo franco-alemão, que tem determinado o futuro da UE precisa de um governo francês forte, aberto e em sintonia com os melhores objetivos europeus. E é preciso equilibrar a Europa, face ao avanço da extrema-direita.

2024.07.08 – Louro de Carvalho

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