Na ressaca da segunda volta das eleições
legislativas francesas antecipadas, que redundou em alívio para a França, que
tremeu com a vitória do Rassemblement Nacional (RN), de extrema-direita, também conhecido, entre
nós, por União Nacional (UN), nas eleições para o Parlamento Europeu (PE) e com
os resultados da primeira volta, a 30 de junho, pode dizer-se que a Europa, em
particular, a União Europeia (UE) também ficou sem o pesadelo do crescimento exacerbado
da extrema-direita.
No entanto,
levanta-se à França o problema da governação, pois nunca uns resultados de
eleições gerais deram a vitória a uma força partidária que não tivesse
possibilidades de gerar um governo por não dispor de maioria absoluta na
Assembleia Nacional (AN), a câmara baixa do Parlamento.
Também não há, no
país, tradição de governos de coligação. Ora, como o eleitorado é que decide
como votar, terão os líderes de começar a habituar-se a este e a outros tipos de
novidades.
O RN, de Marine Le Pen, que ficou em primeiro lugar na
primeira volta, com 33,1% dos votos, almejava a vitória na segunda volta, a 7
de julho. Jordan Bardella, que liderou a sua campanha eleitoral, já se via como
primeiro-ministro. Le Pen solicitava ao eleitorado a maioria absoluta, mas as
sondagens cedo começaram a afastar o cenário dessa maioria, embora mantivessem
a perspetiva da vitória.
Todavia, a célere união das esquerdas provocada pelo anúncio
inesperado e intempestivo do presidente Emmanuel Macron de dissolução da AN e de
consequente marcação de eleições, na sequência da derrota nas eleições para o
PE, a 9 de junho, conseguiu mudar o cenário, não na primeira volta (30 de junho
era muito próximo do dia 9), mas na segunda volta (a 7 de julho). Creio que a
reviravolta das eleições no Reino Unido, a 4 de julho, com os Trabalhistas a
infligir pesada derrota aos Conservadores – em contraciclo com o resto da
Europa –, terá ajudado.
Já é conhecida a nova composição da AN, de 577 assentos, pelo
que já me apetece a escrever sobre esta saga francesa. A Nova Frente Popular (NFP),
a coligação das esquerdas, elegeu 182 deputados; o Ensemble, a coligação centrista
de Macron; elegeu 168 deputados; o Rassemblement Nacional (RN), de extrema-direita, elegeu 143 deputados; “Os
Republicanos”, sucessor da União dos Democratas pela
República (UDR), elegeu 45 deputados; e outros
partidos elegeram 39 deputados.
A NFP, de esquerda, foi
a grande vencedora das eleições, ao ficar com mais assentos na AN. Por isso, reivindicando
a posição de primeiro-ministro, pediu uma semana para propor um nome.
Esta coligação, criada
apenas em alguns dias após Macron ter convocado eleições antecipadas, junta
partidos diferentes que têm de se entender num eventual governo: o França
Insubmissa, o Partido Socialista, Os Ecologistas, Partido Socialista Francês e
o Novo Partido Anticapitalista.
Em segundo lugar ficou
o Ensemble,
de Emmanuel Macron, que teria de formar alianças dentro da
AN, para formar governo. No entanto, Macron tornou-se impopular. Muitos aproveitaram estas eleições para
mostrar descontentamento para com o executivo, nomeadamente em relação à
inflação, à idade para a reforma, ao crime, à repressão policial, à imigração e
ao modo como trata os agricultores e outros manifestantes.
E o RN acabou por ser relegado para o terceiro lugar, depois de as coligações NFP e Ensemble haverem retirado muitos dos candidatos em terceiro, numa união contra a extrema-direita.
Com o resultado destas legislativas, nenhum dos partidos ou coligações assegurou os 289 lugares necessários para uma maioria absoluta na AN. O Palácio do Eliseu já veio dizer que Emmanuel Macron vai esperar pela nova composição da AN para “tomar as decisões necessárias”.
De facto, a esquerda vence por pouco e a ausência de maiorias deixa futuro em aberto em França.
***
Seja como for, dizem os
observadores que a França acordou sem
o cenário da extrema-direita no poder, ficando muitos Franceses
a respirar de alívio.
“Sinceramente, é um
alívio”, disse o professor Rachid Sabry, de 60 anos. “É um alívio, porque volto
a ver a França que conheço. Cheguei aqui como estudante, há algumas décadas, e
é certo que me apaixonei por este país. Formei uma família com uma francesa e,
de facto, há algumas semanas, tive um momento de dúvida, mas agora sinto-me
muito melhor.”
“O que vai acontecer?
Como vão governar este país?”, comentou Nadine Dupuis, que não parece ter medo
da incerteza. “Acho que vai ser muito emocionante!”
Ao invés de outros
países da Europa, como já foi anotado, a França não tem uma tradição de formação
de governos de coligação, através de alianças de deputados no parlamento. Além
disso, muitas das decisões são tomadas pelo presidente. Por isso, passada a
segunda volta nas eleições legislativas, surgem dúvidas: ninguém sabe exatamente quem vai liderar o próximo governo.
Numa declaração ao país, o ainda primeiro-ministro
francês, Gabriel Attal, anunciou, logo no dia 7, que pediria a demissão a
Emmanuel Macron durante a manhã do dia 8, dispondo-se, no entanto, a permanecer
enquanto fosse necessário, o que Macron não aceitou, para já. Na justificação, o governante aduziu que não
foi ele quem escolheu a dissolução da AN, pelo que se recusa a “sofrê-la”.
“Sei que, neste momento, se apresentam
muitas incertezas, uma vez que não há maioria absoluta. O nosso país está numa
situação sem precedentes e vai ter muitas responsabilidades em breve.”
Em reação ao resultado das primeiras projeções,
o líder da França Insubmissa afirmou que, no final de uma campanha
eleitoral “tão importante”, o povo francês “votou em consciência”.
“Foi, realmente, um movimento
civil enorme e sabemos quanto isso é importante. O nosso povo descartou, muito
claramente, aquilo que era pior para França”, numa alusão ao facto de partido
de extrema-direita de Le Pen não ter alcançado a maioria absoluta, como se
chegou a apontar.
Para Mélenchon, o chefe de Estado tem agora a
obrigação de chamar a NFP a governar, uma coligação que “está pronta” para assumir
tal responsabilidade. “A palavra vai ser cumprida: a Nova Frente Popular irá cumprir
o seu programa na íntegra”, garantiu, mas deixando claro que a coligação que representa não entrará em
negociações com o partido liberal de Macron, “sobretudo após ter combatido a sua
política de inação ecológica”.
Por sua vez, Marine Le Pen afirmou que a vitória
ficou “apenas adiada”. Ainda assim, assinalou que a “maré está a subir”: “Desta
vez não subiu suficientemente alto, mas continua a subir. E, por isso, a nossa
vitória só tarda”, assegurou, vincando altivamente: “Tenho demasiada experiência
para ficar desiludida com um resultado em que duplicamos o nosso número de
deputados.”
Logo ao início da noite eleitoral, o Palácio do Eliseu
disse que Emmanuel Macron vai esperar pela nova composição da AN para “tomar as
decisões necessárias”, ou seja, não vai nomear um primeiro-ministro, para já, e pediu “contenção”,
face aos resultados, então ainda provisórios.
Stéphane Séjourné, secretário-geral do partido do
Ensemble, afirmou ser óbvio que a NFP “não pode governar a França”, uma vez que
nenhuma coligação tem maioria.
***
A 30 de junho, o RN conseguiu vencer, pela primeira
vez, as legislativas, ao obter 33,1% dos votos e quase duplicar o seu apoio,
desde que a França elegeu a AN, pela última vez, em 2022.
Em segundo lugar, ficou a NFP, com 28%. Seguiu-se o
Ensemble de Macron, que obteve 20%.
Não se pode dizer que Macron teve enorme derrota. A
sua coligação, apesar de tudo, ficou em segundo lugar e bastante mais próxima
da NFP do que do RN. Todavia, como referiu Jean-Luc Mélenchon, “a vontade do povo deve ser estritamente respeitada”, pois “a derrota do
Presidente da República e da sua coligação está claramente confirmada” e “o
Presidente deve curvar-se e aceitar a sua derrota”. Porém, não é aceitável a
sua asserção de que “nenhum acordo seria aceitável”, porque, se a maioria absoluta
não deve dispensar a negociação, por maior razão as maiorias relativas a devem
praticar.
Com a possibilidade de
um parlamento suspenso, o futuro poderá ser marcado por meses de duras disputas
políticas. A Constituição francesa permite a coabitação, com um Presidente e um
primeiro-ministro de partidos diferentes. A última vez que tal sucedeu foi de
1997 a 2002, quando o socialista Lionel Jospin governou ao lado do presidente Jacques
Chirac, de centro-direita.
Cerca de 215 candidatos
que obtiveram resultados satisfatórios, na primeira volta, renunciaram ao longo
da semana, porque a “Frente Republicana” procurou evitar a divisão do voto da
extrema-direita nos círculos eleitorais em que três ou mais pessoas conseguiram
passar.
Com
tanto em jogo, os eleitores acorreram em massa às urnas. Às 18h25 do dia 7, a
taxa de participação era de 67,1%, a mais elevada registada desde 1997 e muito
superior aos 46,2% obtidos em 2022.
A NFP foi reunida em
junho para afastar a ameaça da extrema-direita, embora não tenha conseguido
alcançar a unidade total; os partidos de esquerda fora do NFP obtiveram 16
deputados.
Em 2022, a coligação equivalente, conhecida como NUPES, obteve 131 lugares, enquanto os outros partidos de esquerda obtiveram 22 – embora não seja claro por quanto tempo a aliança díspar do NFP se manterá unida.
“Os Republicanos” –
partido de centro-direita, sucessor da União
por um Movimento Popular (UMP), fundada em 2002, por Nicolas Sarkozy, pela fusão de dois partidos do
presidente Jacques Chirac, que remonta ao gaullista União dos
Democratas pela República (UDR) – segue a tradição de mínio, durante muito
tempo da política francesa. Porém, desta feita, ele e os seus aliados obtiveram
45 deputados, embora
isso não conte com os membros, incluindo o líder do partido, Eric Ciotti, que
se comprometeram com Le Pen.
Embora ainda não
tenham batido o martelo sobre a união, líderes do
bloco esquerdista indicaram que poderiam se aliar ao centro, para chegarem aos
289 assentos necessários para a maioria. Porém, a
viabilidade de um governo juntando as duas forças mais votadas é incerta. Ambas
nutrem desavenças profundas em determinados tópicos, como a reforma da
Previdência.
Autoridades, políticos e celebridades do desporto comentaram a
vitória da esquerda nas eleições na França. “Muito feliz com a demonstração de
grandeza e maturidade das forças políticas da França que se uniram
contra o extremismo nas eleições legislativas de hoje [dia 7]. Esse resultado,
assim como a vitória do partido trabalhista, no Reino Unido, reforça a
importância do diálogo entre os segmentos progressistas, em defesa da
democracia e da justiça social. Devem servir de inspiração para a América do
Sul”, disse Lula da Silva, presidente do Brasil.
Também o
primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, comentou: “Esta semana, um dos
maiores países da Europa escolheu o mesmo caminho que a Espanha, há um ano:
recusa da extrema-direita e aposta decidida numa esquerda social que lide com
os problemas das pessoas com políticas sérias e valentes. […] Com a extrema-direita não se faz acordo, nem se governa.”
Na Polónia, Donald
Tusk, que se opõe a Vladimir Putin, comemorou o resultado, aludindo ao facto de
a extrema-direita francesa ter laços com o líder russo. “Em Paris, entusiasmo;
em Moscou, desapontamento; em Kiev, alívio. O suficiente para se estar feliz em
Varsóvia.”
Diversos
futebolistas da seleção francesa, como Marcus Thuram, Tchouameni e Koundé,
celebraram o resultado, pois Kylian Mbappé já havia pedido aos eleitores
franceses que barrassem o avanço do RN.
***
Uma nova era para a
França, que Macron deverá saber gerir! Seria uma desilusão para a UE, se preferisse
negociar com a extrema-direita, em detrimento da NFP. O eixo franco-alemão, que
tem determinado o futuro da UE precisa de um governo francês forte, aberto e em
sintonia com os melhores objetivos europeus. E é preciso equilibrar a Europa,
face ao avanço da extrema-direita.
2024.07.08 – Louro de
Carvalho
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