O eleitorado do Reino Unido (UK) acorreu às urnas, a 4 de julho, para a escolha
dos 650 deputados para a Câmara dos Comuns, do Parlamento. A eleição, em
contraciclo com o que se passa no resto da Europa, resultou na esmagadora vitória
do Partido Trabalhista, liderado por Keir Starmer, semelhante à obtida por Tony
Blair, em 1997, a última vez em que a oposição trabalhista derrubou um governo
conservador.
O
Partido Conservador, do primeiro-ministro (PM), Rishi Sunak, obteve 121
assentos e perdeu 251 (um número recorde) encerrando o mandato de 14 anos como
o principal partido governante. Onze dos seus eleitos eram ministros do
gabinete, o que foi a maior quantidade da saga, incluindo Penny Mordaunt,
Grant Shapps, Alex Chalk, Liam Fox, Johnny Mercer, Gillian Keegan e Mark
Harper. Outros notáveis membros do Parlamento (MP) que perderam os seus
assentos incluem Liz Truss, ex-primeira-ministra, Jacob Rees-Moog, George
Galloway e Douglas Ross. Novos MP eleitos incluíram o líder do Reform UK, Nigel
Farage, e Richard Tice, seu presidente, e os colíderes do Partido
Verde da Inglaterra e do País de Gales, Carla Denyer e Adrian Ramsay.
O Partido Liberal Democrata (Lib Dem) e o Reform UK tiveram
significativos ganhos, ao passo que o Partido Nacional Escocês (SNP)
perdeu mais de metade dos seus assentos, beneficiando os Trabalhistas Escoceses.
De facto, a discussão na campanha eleitoral concentrou-se, na opinião pública,
sobre a mudança de governo, mantendo os Trabalhistas excecional liderança nas
pesquisas de opinião sobre os Conservadores.
Significativas
mudanças nos limites dos distritos eleitorais estavam em vigor – as primeiras
mudanças desse tipo, desde as implementadas nas eleições gerais de 2010.
Foi a primeira eleição geral em que a identificação fotográfica foi exigida
para votar pessoalmente na Grã-Bretanha. Foi a primeira desde a saída do
Reino Unido (Brexit) da União Europeia (UE), a 31 de janeiro de 2020, que foi questão
importante nas eleições gerais de 2019. Também foi a primeira a ocorrer sob a
Lei de Dissolução e Convocação do Parlamento de 2022. Em 19 anos, foi a
primeira vitória do Partido Trabalhista, em eleição geral, obtendo 411 assentos
na Câmara dos Comuns, o que significa a conquista de 214. E o Lib Dem tem 71,
ganhando 63 lugares.
O primeiro dia do Parlamento está agendado para 9 de julho, com a eleição
do presidente. A abertura oficial e o discurso do Rei seguir-se-ão a 17 de
julho.
***
Como garantiu Keir Starmer aos seus apoiantes, ao amanhecer do dia 5, em
Londres, “a mudança começa agora”. E depois de um cerimonial do beija-mão ao
rei Carlos III, Starmer, de 61 anos, tornou-se oficialmente primeiro-ministro (PM)
e pôde formar um governo maioritário.
O PM cessante disse aos apoiantes no seu círculo eleitoral de Richmond e
Northallerton – onde foi reeleito deputado – que assumia o ónus da perda
histórica do seu partido. No seu último discurso como PM, disse que se sentia
honrado por liderar o “melhor país do Mundo” e considerou que o povo britânico emitido
“um veredito sóbrio”. Depois, regressou ao n.º 10 de Downing Street que é,
desde 1735, simultaneamente, a residência e o gabinete dos primeiros-ministros
britânicos – de todos os endereços políticos do Mundo, só a Casa Branca, nos
Estados Unidos da América (EUA), é provavelmente mais famosa. E, em seguida,
visitou o Palácio de Buckingham, onde apresentou a demissão ao Rei Carlos III,
uma formalidade histórica, já que, embora o rei seja o chefe de Estado, não tem
poder nos processos políticos. Mesmo assim, reúne, semanalmente, com o PM, para
discutirem assuntos governamentais. Embora o monarca seja politicamente neutro,
tem o direito de aconselhar e de avisar o chefe do governo, se o julgar
necessário.
De acordo com a tradição, o monarca pediu a Starmer que formasse governo. Pouco
depois, Starmer entrou, pela primeira vez, no n.º 10 de Downing Street, para
formar o seu governo.
O rei voltará à cena pública, a 17 de julho, para a abertura do Parlamento.
Depois, numa reunião conjunta da Câmara dos Lordes e da Câmara dos Comuns,
proferirá um discurso, escrito para ele pelo novo governo, no qual apresentará
o seu programa legislativo.
Starmer afirmou que as suas ambições, para os próximos cinco anos, se
centrarão em colocar o “país em primeiro lugar, o partido em segundo” e que o
governo se centrará na “renovação nacional”. “Temos de fazer regressar a
política ao serviço público”, porfiou.
O Manifesto Trabalhista, que define as prioridades políticas, enumera cinco
objetivos, para o grupo político, que incluem o relançamento do crescimento
económico, a promoção das energias limpas, a redução da criminalidade violenta,
a reforma da Educação e a melhoria e investimento no Serviço Nacional de Saúde.
Assim, pela primeira vez em 14 anos, o Partido pode definir a agenda política,
mas enfrenta enormes desafios. Starmer, antigo advogado e procurador-geral do
Ministério Público enfrenta uma nação impaciente por mudanças, em condições
económicas sombrias, em desconfiança crescente nas instituições do Estado e num
tecido social desgastado.
Rachel Reeves, do Partido Trabalhista, a primeira mulher a ocupar o cargo
de ministra das Finanças do Reino Unido, afirmou não ter ilusões quanto à
dimensão do desafio que enfrentará. “A gravidade da herança dos conservadores é
verdadeiramente terrível”, disse aos jornalistas.
Reeves referiu que o peso da dívida do UK está a atingir 100% do rendimento
nacional do país e que a carga fiscal atingiu um máximo de sete décadas. Não
promete que tudo mudará de imediato, mas a missão do governo será a de relançar
o crescimento económico.
Apesar disso, Anand Menon, professor de Política Europeia e Negócios
Estrangeiros no King's College de Londres, diz que os eleitores britânicos
devem ficar tranquilos com a relativa estabilidade do governo. Os eleitores
devem sentir-se animados, acrescentou, “com os ministros a permanecerem no
poder durante bastante tempo e com o governo a ser capaz de pensar para lá do
muito curto prazo, com objetivos a médio prazo”.
***
O Partido Trabalhista obteve triunfante
vitória, ao passo que os Conservadores enfrentam uma bifurcação no caminho. Na
verdade, o
Partido Trabalhista, de centro-esquerda, ganhou em todo o país, mais do que
duplicando o seu número de deputados e assegurando uma maioria comparável à de
Tony Blair, em 1997. E Starmer reconquistou a “Muralha Vermelha” do Norte da
Inglaterra, o coração da esquerda que tinha sido conquistado pela vitória
triunfante do conservador Boris Johnson em 2019, e muito mais.
Este resultado vem na
sequência de múltiplas perdas em zonas tradicionais, como os distritos à volta
de Londres. Finchley, o antigo lugar de Margaret Thatcher, tem agora um
deputado trabalhista. Assim, verifica-se que o eleitorado enviou um sinal claro,
após cinco anos de política no Reino Unido, em que se registaram vários
escândalos e várias demissões, incluindo a de dois primeiros-ministros: Boris Johnson
e Liz Truss.
Para lá da promessa
pré-eleitoral de Boris de “fazer o Brexit”, houve poucos avanços políticos –
não ajudados por constante mudança de pessoal sénior. A energia de Westminster
tem-se concentrado mais em escândalos e subterfúgios do que no custo de vida ou
na correção dos cuidados de saúde. Num discurso de vitória, Starmer apelou ao “fim
da política de desempenho e ao regresso à política como serviço público”, um
contraste entre a teatralidade de Johnson e o seu estilo mais sóbrio.
Efetivamente, o novo PM está, agora, numa posição única para fazer algo a esse
respeito. No sistema político do Reino Unido, existem poucos controlos constitucionais
sobre um líder que controla a Câmara dos Comuns – ainda menos desde o Brexit.
O eleitorado parece
querer a mudança que Starmer prometeu. A questão é se o Partido Trabalhista –
que não é imune às suas próprias intrigas e guerras internas – poderá concretizá-la.
Os Conservadores
perderam centenas de deputados e muitos políticos de topo perderam os seus
empregos quotidianos. Entre eles, contam-se antigos ou atuais ministros, como
Robert Buckland, Penny Mordaunt e Grant Shapps. Outro dos derrotados foi Jacob
Rees-Mogg, importante defensor do Brexitismo e leal a Johnson, que ganhou
notoriedade pela abordagem descontraída à perspetiva de sair da UE, sem um
acordo. Perdeu o seu lugar em Somerset, apesar de ter a maioria de mais de 14
mil, em 2019.
Jeremy Hunt manteve o
seu lugar em South West Surrey, com a escassa maioria de menos de mil votos, e
evitou, por pouco, ser o primeiro ministro das Finanças em funções a perder o
seu lugar.
Isto para não falar dos grandes nomes que
desaparecem, sem enfrentar o drama eleitoral – incluindo a ex-primeira-ministra
Theresa May, embora os meios de comunicação social do dia 4, à noite, tenham sugerido
que será nomeada legisladora na Câmara dos Lordes.
A taxa de sobrevivência dos deputados
conservadores rondou os 41%. Como observam os professores de política Philip
Cowley e Mathew Bailey, é um pouco pior do que as perspetivas dos passageiros
de segunda classe do Titanic – 42% dos quais sobreviveram.
Mesmo num sistema
dominado por dois partidos, há mais a registar do que os números dos títulos.
O SNP parece ter
perdido o controlo sobre a política de Westminster, a Norte da fronteira. Esta
situação surge na sequência de uma série de escândalos e de mudanças na
liderança do partido, incluindo a perda de Nicola Sturgeon.
O Lib Dem, quase eliminado depois de ter
entrado num governo de coligação entre 2010 e 2015, regressa ao seu papel mais
familiar de terceira maior força, em Westminster. No seu discurso, o líder do
Lib Dem, Ed Davey, falou dos eleitores que se sentiram “desiludidos,
desvalorizados e desesperados por mudança”, devido às longas esperas por
ambulâncias e por médicos de família e aos rios cheios de esgotos.
Outro dos grandes
vencedores foi Nigel Farage, o populista de direita que liderou o Partido da
Independência do Reino Unido e que impulsionou o Brexit. O seu Partido
Reformista conquistou quatro lugares – incluindo o do próprio Farage. Parece
ter tido influência significativa, ao desviar a base de eleitores conservadores.
Entretanto, Jeremy
Corbyn – o antigo líder trabalhista ejetado num escândalo de antissemitismo –
ganhou, com sucesso, a candidatura a deputado independente no círculo eleitoral
do Norte de Londres, que ocupa desde a década de 1980.
O Reino Unido é talvez o único país da Europa a
ter um sistema de eleição por sufrágio universal, para a sua legislatura, de “quem
obtiver mais votos leva o prémio”. Muitos apontam-lhe a injustiça para os
partidos pequenos, como o Reformador ou os Verdes, que obtêm muitos votos, mas
têm poucos lugares para mostrar. Porém, quando os eleitores estão alinhados e
preparados para votarem taticamente, o sistema pode produzir resultados que são
radicais, se não brutais.
Esta foi a primeira
eleição geral do Reino Unido, desde que o país saiu formalmente da UE. O Brexit
foi frequentemente descrito como uma revolução e, como Pierre Vergniaud
observou, uma vez, as revoluções têm o hábito de devorar os seus filhos. Os
conservadores que lideraram o Brexit – Johnson, Rees-Mogg, Michael Gove – estão
agora todos fora da Câmara dos Comuns, enquanto Sunak, um proeminente “esquerdista”
(?), parece fatalmente ferido.
Não haverá reviravolta
na política, em relação à UE: Starmer, embora tenha apoiado a permanência,
exclui a possibilidade de voltar a aderir ao mercado único ou à união aduaneira
da UE. Contudo, sem as restrições de Bruxelas, cabe-lhe tomar uma série de
decisões cruciais sobre o modelo económico do Reino Unido e sobre o seu lugar
no Mundo.
Há uma bifurcação no
caminho para os Conservadores, partido dominante do governo do Reino Unido, nos
últimos dois séculos, que sofreu uma derrota histórica numa escala não vista
desde 1832. Robert Buckland, antigo ministro, sugeriu um caminho a seguir,
depois de ter perdido o seu lugar, na reviravolta significativa para os Trabalhistas:
“voltar ao espírito de fazer as coisas bem feitas”. E Penny Mordaunt, outra
conservadora de topo apelou à mudança para o centro. “A renovação não será alcançada,
se falarmos para uma fatia cada vez mais pequena de nós próprios, mas se formos
guiados pelo povo deste país. Os nossos valores têm de ser os do povo”,
afirmou.
***
Aceitar os resultados e
encontrar novas formas de fazer política será o caminho.
2024.07.05 – Louro de Carvalho
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