O antissemitismo
persiste na União Europeia (UE), afetando os Judeus tanto online como offline. As
preocupações com a segurança e as frequentes experiências de assédio forçam
muitas pessoas a esconder a sua identidade judaica. Estas indicações alarmantes
provêm da última investigação realizada pela Agência dos Direitos Fundamentais
da União Europeia (FRA), de acordo com um seu comunicado de imprensa divulgado
a 11 de julho.
O inquérito abrangeu a
Áustria, a Bélgica, a Chéquia, a Dinamarca, a França, a Alemanha, a Hungria, a Itália,
os Países Baixos, a Polónia, a Roménia, a Espanha e a Suécia, onde vive cerca
de 96% da população judaica estimada da UE. Quase oito mil judeus, com 16 anos
ou mais, participaram no inquérito online,
de janeiro a junho de 2023. Este é o terceiro inquérito deste tipo, depois dos
de 2013 e 2018.
Não há margem para dúvidas. O antissemitismo
cresceu nos últimos cinco anos e disparou para níveis sem precedentes, desde o
passado mês de outubro, o que faz com que os Judeus residentes na Europa
estejam “mais angustiados do que nunca”, temendo pela sua segurança e
sentindo-se, não raro, obrigados a esconder a sua identidade judaica, para se
protegerem.
No entanto, é de ressalvar que o relatório, que resulta do
terceiro Inquérito da FRA sobre “Discriminação e Crimes de Ódio contra o Povo
Judeu”, se baseia numa investigação anterior aos
ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023 e à subsequente resposta militar de
Israel na Faixa de Gaza. Contudo, informações de 12 organizações comunitárias
judaicas, mais recentemente recolhidas, mostram que os Judeus sofreram um maior
número de incidentes antissemitas, desde essa altura, com algumas organizações
a relatar um aumento de casos superior a 400%.
***
Pela
etimologia, “antissemitismo” significa
aversão aos Semitas, descendentes de Sem, filho mais velho de Noé, segundo
a Bíblia, o grupo étnico e linguístico que abrange os falantes do Hebraico,
do Aramaico e do Árabe. Porém, o termo “Antisemitismus” foi
cunhado, em Alemão, no século XIX, sendo moda a ciência racial na Alemanha,
e foi usada, pela primeira vez, com o sentido de aversão aos Judeus, por
Wilhelm Marr, em 1873, por soar mais científica do que “Judenhass” (ódio aos Judeus). Alguns preferem o termo “judeofobia”, a significar “aversão a
tudo o que é judaico”. Já a palavra relacionada, “semitismo”, foi cunhada por
volta de 1885.
Embora
a definição geral de antissemitismo remeta para hostilidade ou
preconceito contra os Judeus e se tenha tornado um termo genérico para estereótipos
negativos sobre os judeus, várias autoridades desenvolveram definições
mais formais.
Para
François de Fontette, o antissemitismo moderno difere do antijudaísmo
pelo caráter racista. A intolerância aos judeus, que é milenar, é reconfigurada
no século XIX com o eugenismo. Antes, o antijudaísmo estava vinculado ao
cristianismo e à rejeição da fé judaica – antissemitismo antirreligioso. Agora,
o judaísmo passava a ser encarado como uma questão de raça, uma identidade
étnica, não apenas como uma religião.
Para
Helen Fein, da Universidade da Cidade de Nova Iorque, professora estudiosa do
Holocausto, o antissemitismo é “uma
estrutura latente persistente de crenças hostis, em relação aos Judeus como um
coletivo, manifestado, em indivíduos, como atitudes e, na cultura, como mito,
ideologia, folclore e imagens, e, em ações, como discriminação legal ou social,
mobilização política contra os Judeus e violência coletiva ou estatal, o que resulta em / ou é projetado para distanciar,
deslocar ou destruir os Judeus como judeus”.
Segundo
Dietz Bering, da Universidade de Colónia, para os antissemitas, os Judeus são totalmente maus, por natureza,
e “os seus maus traços são incorrigíveis”. Por isso, têm de ser vistos não como
indivíduos, mas como coletivo. Permanecem, essencialmente, assim nas sociedades
vizinhas e trazem desastre às ‘sociedades de acolhimento’ ou ao Mundo inteiro, fazendo
isto em segredo. Assim, os antissemitas sentem-se obrigados a desmascarar o conspiratório
e mau caráter judaico.
Para
a historiadora Sonja Weinberg, distinto do antijudaísmo económico e religioso,
o antissemitismo, na forma moderna, mostra inovação conceitual, um recurso à “ciência”
para se defender, novas formas funcionais e diferenças organizacionais. Foi
antiliberal, racialista e nacionalista. Promoveu o mito de que os Judeus
conspiravam para “judificar” o Mundo; serviu para consolidar a identidade
social; canalizou as insatisfações nas vítimas do sistema capitalista; e foi
usado como código cultural conservador, para combater a emancipação e o
liberalismo.
Bernard
Lewis define o antissemitismo como um caso especial de preconceito, ódio ou
perseguição, dirigido contra pessoas que são diferentes das demais. Segundo
Lewis, o antissemitismo é marcado por duas caraterísticas distintas: os Judeus
são julgados de acordo com um padrão diferente do aplicado aos outros, e são
acusados de mal cósmico.
Assim, “é possível odiar e até perseguir
os Judeus sem necessariamente ser antissemita”, a menos que esse
ódio ou perseguição exiba uma das duas caraterísticas específicas do
antissemitismo.
Em 2005, o Observatório Europeu do Racismo e da
Xenofobia, considerou o antissemitismo
“uma certa perceção dos Judeus, que pode ser expressa como ódio para com os Judeus.
Assim, são dirigidas manifestações retóricas e físicas do antissemitismo a judeus
ou não judeus e/ou a suas propriedades, a instituições comunitárias judaicas e
instalações religiosas e até ao Estado de Israel, concebido como coletividade judaica. Porém,
a crítica de Israel,
semelhante à feita contra qualquer outro país, não pode ser considerado como
antissemita. A definição sustenta que negar ao povo judeu
o direito à autodeterminação, por exemplo, alegando que a existência do estado
de Israel é empreendimento racista, pode ser manifestação do antissemitismo,
assim como aplicar critérios duplos, exigindo a Israel comportamento não exigido
a outra nação democrática, ou fazendo os Judeus coletivamente responsáveis
pelas ações do estado de Israel.
***
A UE e alguns dos seus
estados membros implementaram medidas e planos de ação para combater o antissemitismo,
pelo que os seus países devem aproveitar estes esforços para garantir que os Judeus
vivam com dignidade, livres do ódio e do medo. Isto é particularmente
importante, dado o impacto do conflito em curso no Médio Oriente nas
comunidades judaicas na Europa.
De acordo com o relatório da FRA, agência com
sede em Viena, na Áustria), 80% dos entrevistados creem que o antissemitismo
cresceu no seu país, nos últimos cinco anos anteriores ao inquérito, sobretudo
na esfera digital. Do total de inquiridos, 90% disseram ter encontrado
antissemitismo online, no último ano, e 56% afirmaram ter
experienciado, no ano anterior à pesquisa, antissemitismo offline, da parte de pessoas que conheciam, e 51% nos media. Houve,
ainda, 37% que referiram ter sido vítimas de assédio ou violência, pelo facto
de serem judeus.
A
pesquisa – que se baseou num questionário disponibilizado online, entre janeiro e junho de 2023, ao qual responderam
perto de oito mil Judeus, com mais de 16 anos, a residir em 13 países europeus
(não se inclui Portugal) – revela essa limitação: a maioria dos entrevistados
manifestou preocupação com a sua própria segurança (53%) e com a da sua família
(60%). E mais de dois terços assumiram ter escondido a sua identidade judaica,
pelo menos ocasionalmente (76%), e 34% disseram evitar eventos ou locais
judaicos, por se sentirem inseguros. Além disso, 24% evitam publicar conteúdos online que os identifiquem como judeus, 23%
limitaram a sua participação em discussões online
e 16% reduziram a utilização de determinadas plataformas, websites ou serviços.
Entre os que responderam, 75% acreditam que são
responsabilizados pelas ações do governo israelita, pelo facto de serem judeus,
e 62% acham que o conflito israelo-palestiniano afeta a sua sensação de
segurança. De referir, ainda, que menos de um em cada cinco dos inquiridos (18%)
considera que os governos estão a responder ao aumento do antissemitismo de
forma eficaz.
O terceiro inquérito da
FRA sobre a discriminação e os crimes de ódio contra o povo judeu na UE revela
as suas experiências e perceções do antissemitismo, bem como os obstáculos que
enfrentam para viver abertamente como povo judeu. Como foi dito, a investigação
é anterior aos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023 e à resposta militar de
Israel em Gaza. No entanto, o relatório contém informações sobre o antissemitismo
recolhidas mais recentemente de 12 organizações comunitárias judaicas. O povo judeu
sofreu mais incidentes antissemitas desde outubro de 2023, com algumas
organizações a relatar um aumento de mais de 400%.
Ao longo dos anos, a
investigação da FRA demonstrou que o antissemitismo tende a aumentar em tempos
de tensão no Médio Oriente.
São altíssimos os níveis
de antissemitismo online e altos os
níveis de antissemitismo na esfera pública. É significativa a percentagem de
assédio e de violência, por serem judeus. A maioria deles foi vítima de assédio
em diversas ocasiões. O assédio e a violência antissemitas ocorrem mais
frequentemente nas ruas, nos parques ou nas lojas.
A UE e alguns dos seus estados-membros
implementaram, como se disse, medidas contra o antissemitismo, que registaram
progressos, sobressaindo a primeira estratégia da UE de combate ao antissemitismo
e planos de ação, em alguns países. E o relatório sugere formas de a
concretizar:
·
Monitorizar e financiar
adequadamente estratégias e planos de ação contra o antissemitismo, incluindo a
adoção de planos em países da UE que não os possuem e o desenvolvimento de
indicadores para monitorizar o progresso.
·
Garantir a segurança e
a proteção das comunidades judaicas, devendo os países investir mais na
proteção do povo judeu, em estreita colaboração com as comunidades afetadas.
·
Combater o
antissemitismo online, devendo as
plataformas online abordar e remover
conteúdos antissemitas online, a fim
de se cumprir o Regulamento Serviços Digitais da UE, bem como investigar e
processar melhor o conteúdo antissemita ilegal online.
·
Incentivar a denúncia e
melhorar o registo do antissemitismo, devendo as autoridades nacionais intensificar
os esforços para sensibilizarem o povo judeu para os seus direitos,
incentivá-lo a denunciar incidentes antissemitas e melhorar o registo de tais
incidentes – no que poderá ajudar um maior uso de denúncias de terceiros e denúncias
anónimas.
Sirpa Rautio, diretora
da FRA, conclui: “A Europa está a assistir a uma onda de antissemitismo, em
parte causada pelo conflito no Médio Oriente. Isto limita, severamente, a
capacidade do povo judeu de viver em segurança e dignidade. Devemos aproveitar
as leis e estratégias existentes para proteger as comunidades judaicas de todas
as formas de ódio e de intolerância, online
e offline. Numa sociedade cada vez
mais polarizada, precisamos, urgentemente, de difundir a mensagem de tolerância
e de garantir o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais de todos.”
Muitos fatores motivaram e fomentaram o antissemitismo, incluindo fatores
sociais, económicos, nacionais, políticos, raciais e religiosos – ou a
combinações destes fatores. Assim, devido à ação de autoridades locais,
governantes e alguns funcionários da Igreja Católica fecharam muitas ocupações
aos judeus, permitindo-lhes as atividades de coletores de impostos e
emprestadores, o que sustenta as acusações de que os Judeus praticam a usura.
E há manifestações contra a existência do Estado de Israel, incitadas pela
religião islâmica e pelos países árabes.
Um dos propagadores do antissemitismo no século XX foi o
regime nazista. Também, hoje, o ódio ao judaísmo se apoia em ideais
nazistas, coisificando ou animalizando as pessoas. E a rota da igualdade, da
fraternidade e da liberdade (para todos) está parada, se não em retrocesso. É
preciso reorientar o processo da instauração de uma sociedade mais humana, igual
e fraterna.
2024.07.13 – Louro de Carvalho
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