sábado, 13 de julho de 2024

Os Judeus, na Europa, continuam a enfrentar altos níveis de antissemitismo

 

O antissemitismo persiste na União Europeia (UE), afetando os Judeus tanto online como offline. As preocupações com a segurança e as frequentes experiências de assédio forçam muitas pessoas a esconder a sua identidade judaica. Estas indicações alarmantes provêm da última investigação realizada pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), de acordo com um seu comunicado de imprensa divulgado a 11 de julho.

O inquérito abrangeu a Áustria, a Bélgica, a Chéquia, a Dinamarca, a França, a Alemanha, a Hungria, a Itália, os Países Baixos, a Polónia, a Roménia, a Espanha e a Suécia, onde vive cerca de 96% da população judaica estimada da UE. Quase oito mil judeus, com 16 anos ou mais, participaram no inquérito online, de janeiro a junho de 2023. Este é o terceiro inquérito deste tipo, depois dos de 2013 e 2018.

Não há margem para dúvidas. O antissemitismo cresceu nos últimos cinco anos e disparou para níveis sem precedentes, desde o passado mês de outubro, o que faz com que os Judeus residentes na Europa estejam “mais angustiados do que nunca”, temendo pela sua segurança e sentindo-se, não raro, obrigados a esconder a sua identidade judaica, para se protegerem.

No entanto, é de ressalvar que o relatório, que resulta do terceiro Inquérito da FRA sobre “Discriminação e Crimes de Ódio contra o Povo Judeu”, se baseia numa investigação anterior aos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023 e à subsequente resposta militar de Israel na Faixa de Gaza. Contudo, informações de 12 organizações comunitárias judaicas, mais recentemente recolhidas, mostram que os Judeus sofreram um maior número de incidentes antissemitas, desde essa altura, com algumas organizações a relatar um aumento de casos superior a 400%.

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Pela etimologia, “antissemitismo” significa aversão aos Semitas, descendentes de Sem, filho mais velho de Noé, segundo a Bíblia, o grupo étnico e linguístico que abrange os falantes do Hebraico, do Aramaico e do Árabe. Porém, o termo “Antisemitismus” foi cunhado, em Alemão, no século XIX, sendo moda a ciência racial na Alemanha, e foi usada, pela primeira vez, com o sentido de aversão aos Judeus, por Wilhelm Marr, em 1873, por soar mais científica do que “Judenhass” (ódio aos Judeus). Alguns preferem o termo “judeofobia”, a significar “aversão a tudo o que é judaico”. Já a palavra relacionada, “semitismo”, foi cunhada por volta de 1885.

Embora a definição geral de antissemitismo remeta para hostilidade ou preconceito contra os Judeus e se tenha tornado um termo genérico para estereótipos negativos sobre os judeus, várias autoridades desenvolveram definições mais formais.

Para François de Fontette, o antissemitismo moderno difere do antijudaísmo pelo caráter racista. A intolerância aos judeus, que é milenar, é reconfigurada no século XIX com o eugenismo. Antes, o antijudaísmo estava vinculado ao cristianismo e à rejeição da fé judaica – antissemitismo antirreligioso. Agora, o judaísmo passava a ser encarado como uma questão de raça, uma identidade étnica, não apenas como uma religião.

Para Helen Fein, da Universidade da Cidade de Nova Iorque, professora estudiosa do Holocausto, o antissemitismo é “uma estrutura latente persistente de crenças hostis, em relação aos Judeus como um coletivo, manifestado, em indivíduos, como atitudes e, na cultura, como mito, ideologia, folclore e imagens, e, em ações, como discriminação legal ou social, mobilização política contra os Judeus e violência coletiva ou estatal,  o que resulta em / ou é projetado para distanciar, deslocar ou destruir os Judeus como judeus”.

Segundo Dietz Bering, da Universidade de Colónia, para os antissemitas, os Judeus são totalmente maus, por natureza, e “os seus maus traços são incorrigíveis”. Por isso, têm de ser vistos não como indivíduos, mas como coletivo. Permanecem, essencialmente, assim nas sociedades vizinhas e trazem desastre às ‘sociedades de acolhimento’ ou ao Mundo inteiro, fazendo isto em segredo. Assim, os antissemitas sentem-se obrigados a desmascarar o conspiratório e mau caráter judaico.

Para a historiadora Sonja Weinberg, distinto do antijudaísmo económico e religioso, o antissemitismo, na forma moderna, mostra inovação conceitual, um recurso à “ciência” para se defender, novas formas funcionais e diferenças organizacionais. Foi antiliberal, racialista e nacionalista. Promoveu o mito de que os Judeus conspiravam para “judificar” o Mundo; serviu para consolidar a identidade social; canalizou as insatisfações nas vítimas do sistema capitalista; e foi usado como código cultural conservador, para combater a emancipação e o liberalismo.

Bernard Lewis define o antissemitismo como um caso especial de preconceito, ódio ou perseguição, dirigido contra pessoas que são diferentes das demais. Segundo Lewis, o antissemitismo é marcado por duas caraterísticas distintas: os Judeus são julgados de acordo com um padrão diferente do aplicado aos outros, e são acusados ​​de mal cósmico. Assim, “é possível odiar e até perseguir os Judeus sem necessariamente ser antissemita”, a menos que esse ódio ou perseguição exiba uma das duas caraterísticas específicas do antissemitismo.

Em 2005, o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia, considerou o antissemitismo “uma certa perceção dos Judeus, que pode ser expressa como ódio para com os Judeus. Assim, são dirigidas manifestações retóricas e físicas do antissemitismo a judeus ou não judeus e/ou a suas propriedades, a instituições comunitárias judaicas e instalações religiosas e até ao Estado de Israel, concebido como coletividade judaica. Porém, a crítica de Israel, semelhante à feita contra qualquer outro país, não pode ser considerado como antissemita. A definição sustenta que negar ao povo judeu o direito à autodeterminação, por exemplo, alegando que a existência do estado de Israel é empreendimento racista, pode ser manifestação do antissemitismo, assim como aplicar critérios duplos, exigindo a Israel comportamento não exigido a outra nação democrática, ou fazendo os Judeus coletivamente responsáveis pelas ações do estado de Israel.

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A UE e alguns dos seus estados membros implementaram medidas e planos de ação para combater o antissemitismo, pelo que os seus países devem aproveitar estes esforços para garantir que os Judeus vivam com dignidade, livres do ódio e do medo. Isto é particularmente importante, dado o impacto do conflito em curso no Médio Oriente nas comunidades judaicas na Europa.

De acordo com o relatório da FRA, agência com sede em Viena, na Áustria), 80% dos entrevistados creem que o antissemitismo cresceu no seu país, nos últimos cinco anos anteriores ao inquérito, sobretudo na esfera digital. Do total de inquiridos, 90% disseram ter encontrado antissemitismo online, no último ano, e 56% afirmaram ter experienciado, no ano anterior à pesquisa, antissemitismo offline, da parte de pessoas que conheciam, e 51% nos media. Houve, ainda, 37% que referiram ter sido vítimas de assédio ou violência, pelo facto de serem judeus.

A pesquisa – que se baseou num questionário disponibilizado online, entre janeiro e junho de 2023, ao qual responderam perto de oito mil Judeus, com mais de 16 anos, a residir em 13 países europeus (não se inclui Portugal) – revela essa limitação: a maioria dos entrevistados manifestou preocupação com a sua própria segurança (53%) e com a da sua família (60%). E mais de dois terços assumiram ter escondido a sua identidade judaica, pelo menos ocasionalmente (76%), e 34% disseram evitar eventos ou locais judaicos, por se sentirem inseguros. Além disso, 24% evitam publicar conteúdos online que os identifiquem como judeus, 23% limitaram a sua participação em discussões online e 16% reduziram a utilização de determinadas plataformas, websites ou serviços.

Entre os que responderam, 75% acreditam que são responsabilizados pelas ações do governo israelita, pelo facto de serem judeus, e 62% acham que o conflito israelo-palestiniano afeta a sua sensação de segurança. De referir, ainda, que menos de um em cada cinco dos inquiridos (18%) considera que os governos estão a responder ao aumento do antissemitismo de forma eficaz.

O terceiro inquérito da FRA sobre a discriminação e os crimes de ódio contra o povo judeu na UE revela as suas experiências e perceções do antissemitismo, bem como os obstáculos que enfrentam para viver abertamente como povo judeu. Como foi dito, a investigação é anterior aos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023 e à resposta militar de Israel em Gaza. No entanto, o relatório contém informações sobre o antissemitismo recolhidas mais recentemente de 12 organizações comunitárias judaicas. O povo judeu sofreu mais incidentes antissemitas desde outubro de 2023, com algumas organizações a relatar um aumento de mais de 400%.

Ao longo dos anos, a investigação da FRA demonstrou que o antissemitismo tende a aumentar em tempos de tensão no Médio Oriente. Muitas vezes, é o próprio estado de Israel que se torna inimigo da causa judaica, pela ferocidade como reage aos Palestinianos e os ataca.

São altíssimos os níveis de antissemitismo online e altos os níveis de antissemitismo na esfera pública. É significativa a percentagem de assédio e de violência, por serem judeus. A maioria deles foi vítima de assédio em diversas ocasiões. O assédio e a violência antissemitas ocorrem mais frequentemente nas ruas, nos parques ou nas lojas.

A UE e alguns dos seus estados-membros implementaram, como se disse, medidas contra o antissemitismo, que registaram progressos, sobressaindo a primeira estratégia da UE de combate ao antissemitismo e planos de ação, em alguns países. E o relatório sugere formas de a concretizar:

·      Monitorizar e financiar adequadamente estratégias e planos de ação contra o antissemitismo, incluindo a adoção de planos em países da UE que não os possuem e o desenvolvimento de indicadores para monitorizar o progresso.

·      Garantir a segurança e a proteção das comunidades judaicas, devendo os países investir mais na proteção do povo judeu, em estreita colaboração com as comunidades afetadas.

·      Combater o antissemitismo online, devendo as plataformas online abordar e remover conteúdos antissemitas online, a fim de se cumprir o Regulamento Serviços Digitais da UE, bem como investigar e processar melhor o conteúdo antissemita ilegal online.

·      Incentivar a denúncia e melhorar o registo do antissemitismo, devendo as autoridades nacionais intensificar os esforços para sensibilizarem o povo judeu para os seus direitos, incentivá-lo a denunciar incidentes antissemitas e melhorar o registo de tais incidentes – no que poderá ajudar um maior uso de denúncias de terceiros e denúncias anónimas.

Sirpa Rautio, diretora da FRA, conclui: “A Europa está a assistir a uma onda de antissemitismo, em parte causada pelo conflito no Médio Oriente. Isto limita, severamente, a capacidade do povo judeu de viver em segurança e dignidade. Devemos aproveitar as leis e estratégias existentes para proteger as comunidades judaicas de todas as formas de ódio e de intolerância, online e offline. Numa sociedade cada vez mais polarizada, precisamos, urgentemente, de difundir a mensagem de tolerância e de garantir o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais de todos.”

Muitos fatores motivaram e fomentaram o antissemitismo, incluindo fatores sociais, económicos, nacionais, políticos, raciais e religiosos – ou a combinações destes fatores. Assim, devido à ação de autoridades locais, governantes e alguns funcionários da Igreja Católica fecharam muitas ocupações aos judeus, permitindo-lhes as atividades de coletores de impostos e emprestadores, o que sustenta as acusações de que os Judeus praticam a usura. E há manifestações contra a existência do Estado de Israel, incitadas pela religião islâmica e pelos países árabes.

Um dos propagadores do antissemitismo no século XX foi o regime nazista. Também, hoje, o ódio ao judaísmo se apoia em ideais nazistas, coisificando ou animalizando as pessoas. E a rota da igualdade, da fraternidade e da liberdade (para todos) está parada, se não em retrocesso. É preciso reorientar o processo da instauração de uma sociedade mais humana, igual e fraterna.  

2024.07.13 – Louro de Carvalho

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