sábado, 6 de julho de 2024

Evacuação em Gaza desloca milhares e desafia trabalho humanitário

 

A recente ordem de evacuação israelita, que afetou um terço da Faixa de Gaza, obrigou os trabalhadores humanitários a encontrar novas formas de ajudar as pessoas em extrema necessidade, pois muitas procuram abrigo pela 10.ª vez, de acordo com o chefe de gabinete do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) no Território Palestino Ocupado.

Efetivamente, Andrea de Domenico, falando aos jornalistas, em Jerusalém, a 3 de julho, advertiu que as novas ordens de evacuação afetaram, pelo menos 250 mil pessoas. Vincando que os ataques das forças israelitas continuam, com bombardeios aéreos, terrestres e marítimos em toda a Faixa de Gaza, frisou que isso resulta em vítimas civis, em deslocamentos e em destruição de estruturas residenciais e de infraestruturas civis. Nove em cada 10 pessoas na Faixa de Gaza foram deslocadas, pelo menos uma vez, e em alguns casos, até 10 vezes, desde outubro. E dos cerca de 2,1 milhões de habitantes de Gaza, 1,9 milhões fizeram várias movimentações no enclave.

Ora, ao encontrarem-se em novo local, após várias mudanças do Norte para o Sul do enclave e, depois, de volta, conforme as ordens das Forças de Defesa de Israel, as pessoas ficam desorientadas, não sabendo onde encontrar abrigo, serviços básicos, alimentos ou água potável.

De Domenico adicionou que a Faixa de Gaza está dividida em duas partes, com presença militar a bloquear e a dificultar a movimentação dos civis e a capacidade das equipas humanitárias de ajuda. E insistiu que os Palestinianos em Gaza foram forçados a recomeçar as suas vidas, repetidas vezes. Para tentar ajudar todos os necessitados, a Organização das Nações Unidas (ONU) e os seus parceiros têm de redefinir continuamente as operações humanitárias.

De acordo com a OCHA, entre 1 e 30 de junho, das 115 missões de assistência humanitária planeadas e coordenadas com as autoridades israelitas para o Norte de Gaza, só foram facilitadas 46%. Mais de metade foi impedida, negada ou cancelada, por motivos logísticos, operacionais ou de segurança. Além disso, das 299 missões de assistência humanitária coordenadas para áreas no Sul de Gaza, foram impedidas 28,8%.

A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) informou que pilhas de lixo e esgoto se acumulam em Gaza, apodrecendo no calor próximo dos locais de deslocamento.  O calor extremo e a falta de água potável alimentam a disseminação de doenças infeciosas, exacerbando a carga sobre as já sobrecarregadas instalações de saúde e com recursos extremamente insuficientes. E, quanto à saúde, Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou, na sua rede social, que o Hospital Europeu de Gaza está vazio. Foram movimentados os 320 pacientes e toda a equipa médica, seguindo as ordens de evacuação, em Khan Younis, nas proximidades do hospital. Assim, a OMS planeia remover os equipamentos restantes, o mais rápido possível, pois é terrível ver o local com capacidade para 650 leitos fora de serviço, sendo urgente o acesso à assistência médica.

A maioria dos pacientes foi encaminhada para o Nasser Medical Complex, que está na sua total capacidade, com mais de 350 pacientes internados. O hospital tem escassez de suprimentos médicos e de medicamentos para cirurgia. Aquele Hospital, uma das maiores instalações de saúde de referência do Sul, deve ser protegido e entrar em funcionamento imediatamente. “Gaza não pode se dar ao luxo de perder mais hospitais”, vincou Ghebreyesus.

Segundo a UNRWA, a deterioração da situação da lei e da ordem impede os agentes humanitários de ajudarem na passagem de Kerem Shalom, para distribuição em Gaza. Isso acresce aos desafios operacionais existentes, como insegurança, infraestruturas danificadas, falta de combustível e acesso restrito. O Conselho Norueguês de Refugiados informou que os alimentos no mercado são, em grande parte, inacessíveis às famílias vulneráveis, muitas das quais perderam o seu rendimento ou esgotaram suas economias.

A 1 de julho, o número total de funcionários da UNRWA mortos, desde 7 de outubro, era de 193. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, pelo menos 37,9 mil Palestinianos foram mortos na Faixa de Gaza, desde essa data. Outros 87060 Palestinianos foram registados como feridos.

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Recente declaração da Comissão Justiça e Paz da Terra Santa (CJPTS), intitulada “Guerra justa?”, tece contundente crítica à operação militar israelita na Faixa de Gaza, por ser desproporcional. Porém, a embaixada de Israel junto da Santa Sé assegurou, de imediato, que o único objetivo é “acabar com o domínio do Hamas” e impedir ataques terroristas futuros. Ao invés, para o cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, não há dúvidas: apesar de o conceito de “guerra justa” estar “em revisão”, não pode ser aplicado ao que se passa em Gaza.

“Como católicos da Terra Santa, que partilham a visão do Papa Francisco por um mundo pacífico, estamos indignados com o facto de os atores políticos em Israel e no exterior estarem a usar a teoria da ‘guerra justa’ para perpetuarem e legitimarem a guerra em curso em Gaza”, lê-se na declaração, de 30 de junho, divulgada pela agência Fides, a 1 de julho.

A CJPTS, que reúne líderes católicos latinos e orientais de Israel, da Palestina, da Jordânia e do Chipre, é liderada pelo patriarca latino de Jerusalém, cardeal Pierbattista Pizzaballa, e opõe-se à utilização indevida da expressão “guerra justa”, da doutrina social católica, “como uma arma para justificar a violência em curso em Gaza”. E recorda os critérios definidos no n.º 2309 do Catecismo da Igreja Católica (CIC) para que a guerra possa ser considerada justa: o recurso ao uso de armas é legítimo, só em resposta a agressão que tenha causado danos e injustiças graves duradouras e quando todos os outros meios de prevenir os danos e acabar com os mesmos se tenham revelado impraticáveis e ineficazes; a reação armada deve ter razoável perspetiva de sucesso e não causar destruição e sofrimento a pessoas inocentes superior ao mal a eliminar.

A falta de objetivos declarados por Israel impossibilita que se avalie se há ‘sérias perspetivas de sucesso’. As guerras justas devem distinguir entre civis e combatentes, princípio ignorado por ambos os lados, com resultados trágicos. A guerra justa deve empregar o uso proporcional da força e isso não sucede na guerra em que o número de mortos palestinianos é superior, em dezenas de milhares, ao de Israelitas, sendo a maioria das vítimas palestinianas mulheres e crianças.

Há quem pretenda que a guerra, seguindo as regras da proporcionalidade, continue, para salvar as vidas dos Israelitas, no futuro, pondo os milhares de vidas palestinianas perdidas, no presente, no outro lado da balança. Assim, priorizava-se a segurança de pessoas no futuro, em relação às vidas de seres humanos vivos que respiram e são mortos todos os dias. Enfim, a manipulação da teoria da guerra justa passou das palavras a resultados tangíveis e fatais.

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“Às vezes parece que o trabalho diplomático produz pequenos resultados, mas não devemos cansar-nos, nem ceder à tentação da resignação”, disse o cardeal Parolin, a 2 de julho. Porém, no mesmo dia, em resposta, através das redes sociais, a embaixada israelita junto da Santa Sé criticou a declaração da CJPTS, por esta usar “o pretexto religioso e truques linguísticos”, para se opor ao “direito de Israel de se defender das intenções declaradas dos seus inimigos de pôr fim à sua existência”. E, assegurando que o objetivo de Israel, desde o início do conflito, é “acabar com o domínio do Hamas, no território, e garantir que atrocidades como as cometidas em 7 de outubro não aconteçam, novamente, a embaixada lamenta a forma como os líderes católicos se referem aos eventos pós-7 de outubro como “a guerra em Gaza” e afirma que as críticas à natureza desproporcional dos combates criam a “falsa simetria que reflete preconceito e parcialidade”.

A embaixada alerta para o facto de a CJPTS usar a expressão “guerra justa” de uma forma que “não é consistente com o direito internacional, com o qual Israel procura cumprir”, e assinala que chamar o conflito de “guerra em Gaza” é impreciso, pois “Israel também enfrenta ataques da parte do Líbano, Síria, Iémen e Irão”. Por isso, o título “A guerra contra a existência de Israel” descreverá os eventos dos últimos nove meses de forma muito mais realista, segundo Israel.

Questionado sobre a tensão entre os líderes católicos da Terra Santa e a embaixada israelita na Santa Sé, Parolin frisou que “só se pode falar de uma guerra justa no contexto da defesa, no caso de uma guerra de defesa”. E, sobre o conflito em Gaza, disse: “Nunca é uma guerra justa, neste sentido.” E acrescentou que, hoje, com as armas disponíveis, “este conceito torna-se muito difícil” e, não havendo uma posição definitiva, o conceito está “em revisão”.

Parolin falava aos jornalistas após a entrega do Prémio Literário dos Embaixadores junto da Santa Sé, atribuído ao jornalista da RAI Piero Damosso, pelo livro A Igreja pode parar a guerra? Uma investigação sessenta anos depois da Pacem in Terris, Porem, no seu discurso na cerimónia, já tinha assinalado: “Às vezes, parece que o trabalho diplomático produz pequenos resultados, mas não devemos cansar-nos nem ceder à tentação da resignação; a paz é tarefa de cada um de nós a partir da nossa vivência quotidiana, nas nossas cidades, nos nossos países, no Mundo.”

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Após quase nove meses de guerra, o número de mortos palestinianos ultrapassou os 38 mil, anunciou, a 4 de julho, o Ministério da Saúde do enclave governado pelo grupo radical Hamas. De acordo com a ONU, os intensos combates em curso forçaram cerca de 84 mil pessoas a fugir da Cidade de Gaza, nos últimos dias, e cortaram o acesso a um importante centro de distribuição de ajuda no norte do enclave. Estima-se que nove em cada dez pessoas na Faixa de Gaza foram deslocadas internamente pelo menos uma vez, e em alguns casos, até 10 vezes, desde outubro.

Quanto aos 116 reféns que continuam detidos na Faixa de Gaza, estimativas realizadas pelas autoridades norte-americanas indicam que apenas 50 estarão vivos. Vários familiares destes reféns bloquearam, naquele dia, a autoestrada Ayalon, em Telavive, exigindo um acordo para a libertação dos sequestrados e o fim do atual governo. O protesto foi replicado noutras partes do país, como na autoestrada n.º 4, perto de Netanya, onde um grupo de pessoas queimou pneus e exigiu um acordo para uma trégua e eleições antecipadas.

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Os patriarcas e líderes das Igrejas Cristãs, em Jerusalém, escreveram, a 23 de junho, ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, lamentando o “ataque coordenado à presença cristã na Terra Santa”, depois de quatro municípios do país terem tentado aplicar impostos municipais às propriedades das igrejas, contradizendo séculos de acordos históricos.

“Neste momento em que o mundo inteiro, e em particular o mundo cristão, acompanha constantemente os acontecimentos em Israel, encontramo-nos mais uma vez confrontados com uma tentativa das autoridades de expulsar a presença cristã da Terra Santa”, escreveram os líderes religiosos, incluindo o cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Católico Latino de Jerusalém, e o padre franciscano Francesco Patton, Custódio da Terra Santa.

Os líderes cristãos expressam preocupação, após terem recebido cartas de advertência ou relativas a ações legais, em quatro municípios de Israel (Tel Aviv, Ramle, Nazaré e Jerusalém) por alegadas dívidas fiscais. Lembrando que, durante séculos, as propriedades da Igreja tiveram isenções de impostos municipais, segundo o status quo estabelecido, e que o dinheiro arrecadado foi investido em benefício do Estado como “escolas, hospitais, lares de idosos e instalações para os desfavorecidos”, julgam as ações municipais tendenciosas e contrárias à posição histórica das Igrejas na relação com o Estado, violando os acordos e compromissos internacionais que garantem os seus direitos, justamente em tempos delicados e complicados em que a paciência, a compaixão, a unidade na oração e a esperança devem prevalecer. Isso constitui um desrespeito pelos costumes e atropela o respeito mútuo que existia até ao momento.

Em entrevista à Associated Press, o município de Jerusalém disse que as autoridades eclesiásticas não apresentaram os pedidos necessários de isenção fiscal, nos últimos anos.

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Enfim, a guerra só traz perda de direitos, confusão, abandono, destruição e morte!

2024.07.05 – Louro de Carvalho

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