A recente
ordem de evacuação israelita, que afetou um terço da Faixa de Gaza, obrigou os trabalhadores
humanitários a encontrar novas formas de ajudar as pessoas em extrema
necessidade, pois muitas procuram abrigo pela 10.ª vez, de acordo com o chefe de
gabinete do
Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA)
no Território Palestino Ocupado.
Efetivamente,
Andrea de Domenico, falando aos jornalistas, em Jerusalém, a 3 de julho, advertiu
que as novas ordens de evacuação afetaram, pelo menos 250 mil pessoas. Vincando
que os ataques das forças israelitas continuam, com bombardeios aéreos,
terrestres e marítimos em toda a Faixa de Gaza, frisou que isso resulta em
vítimas civis, em deslocamentos e em destruição de estruturas residenciais e de
infraestruturas civis. Nove
em cada 10 pessoas na Faixa de Gaza foram deslocadas, pelo menos uma vez, e em
alguns casos, até 10 vezes, desde outubro. E dos cerca de 2,1 milhões de habitantes
de Gaza, 1,9 milhões fizeram várias movimentações no enclave.
Ora, ao encontrarem-se
em novo local, após várias mudanças do Norte para o Sul do enclave e, depois,
de volta, conforme as ordens das Forças de Defesa de Israel, as pessoas ficam
desorientadas, não sabendo onde encontrar abrigo, serviços básicos, alimentos
ou água potável.
De Domenico
adicionou que a Faixa de Gaza está dividida em duas partes, com presença
militar a bloquear e a dificultar a movimentação dos civis e a capacidade das
equipas humanitárias de ajuda. E insistiu que os Palestinianos em Gaza foram
forçados a recomeçar as suas vidas, repetidas vezes. Para tentar ajudar todos
os necessitados, a Organização das Nações Unidas (ONU) e os seus parceiros têm
de redefinir continuamente as operações humanitárias.
De acordo com
a OCHA, entre 1 e 30 de junho, das 115 missões de assistência humanitária planeadas
e coordenadas com as autoridades israelitas para o Norte de Gaza, só foram
facilitadas 46%. Mais de metade foi impedida, negada ou cancelada, por motivos
logísticos, operacionais ou de segurança. Além disso, das 299 missões de
assistência humanitária coordenadas para áreas no Sul de Gaza, foram impedidas 28,8%.
A Agência das Nações Unidas de Assistência aos
Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) informou que
pilhas de lixo e esgoto se acumulam em Gaza, apodrecendo no calor próximo dos
locais de deslocamento. O calor extremo e a falta de água potável
alimentam a disseminação de doenças infeciosas, exacerbando a carga sobre as já
sobrecarregadas instalações de saúde e com recursos extremamente insuficientes.
E, quanto à saúde, Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da
Saúde (OMS), afirmou, na sua rede social, que o Hospital Europeu de Gaza está
vazio. Foram movimentados os 320 pacientes e toda a equipa médica, seguindo as
ordens de evacuação, em Khan Younis, nas proximidades do hospital. Assim, a OMS planeia remover os
equipamentos restantes, o mais rápido possível, pois é terrível ver o local com
capacidade para 650 leitos fora de serviço, sendo urgente o acesso à
assistência médica.
A maioria dos
pacientes foi encaminhada para o Nasser Medical Complex, que está na sua total capacidade,
com mais de 350 pacientes internados. O hospital tem escassez de suprimentos
médicos e de medicamentos para cirurgia. Aquele Hospital, uma das maiores
instalações de saúde de referência do Sul, deve ser protegido e entrar em
funcionamento imediatamente. “Gaza não pode se dar ao luxo de perder mais
hospitais”, vincou Ghebreyesus.
Segundo a UNRWA,
a deterioração da situação da lei e da ordem impede os agentes humanitários de ajudarem
na passagem de Kerem Shalom, para distribuição em Gaza. Isso acresce aos
desafios operacionais existentes, como insegurança, infraestruturas danificadas,
falta de combustível e acesso restrito. O Conselho Norueguês de Refugiados
informou que os alimentos no mercado são, em grande parte, inacessíveis às
famílias vulneráveis, muitas das quais perderam o seu rendimento ou esgotaram
suas economias.
A 1 de julho,
o número total de funcionários da UNRWA mortos, desde 7 de outubro, era de 193.
De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, pelo menos 37,9 mil Palestinianos
foram mortos na Faixa de Gaza, desde essa data. Outros 87060 Palestinianos
foram registados como feridos.
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Recente declaração da Comissão Justiça e Paz da Terra
Santa (CJPTS), intitulada “Guerra justa?”, tece contundente crítica à operação
militar israelita na Faixa de Gaza, por ser desproporcional. Porém, a embaixada
de Israel junto da Santa Sé assegurou, de imediato, que o único objetivo é
“acabar com o domínio do Hamas” e impedir ataques terroristas futuros. Ao
invés, para o cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, não há
dúvidas: apesar de o conceito de “guerra justa” estar “em revisão”, não pode
ser aplicado ao que se passa em Gaza.
“Como católicos da Terra Santa, que partilham a visão
do Papa Francisco por um mundo pacífico, estamos indignados com o facto de os
atores políticos em Israel e no exterior estarem a usar a teoria da ‘guerra
justa’ para perpetuarem e legitimarem a guerra em curso em Gaza”, lê-se na declaração,
de 30 de junho, divulgada pela agência Fides,
a 1 de julho.
A CJPTS, que reúne líderes católicos latinos e
orientais de Israel, da Palestina, da Jordânia e do Chipre, é liderada pelo
patriarca latino de Jerusalém, cardeal Pierbattista Pizzaballa, e opõe-se à
utilização indevida da expressão “guerra justa”, da doutrina social católica,
“como uma arma para justificar a violência em curso em Gaza”. E recorda os critérios
definidos no n.º 2309 do Catecismo da Igreja Católica (CIC) para que a guerra
possa ser considerada justa: o recurso ao uso de armas é legítimo, só em
resposta a agressão que tenha causado danos e injustiças graves duradouras e
quando todos os outros meios de prevenir os danos e acabar com os mesmos se
tenham revelado impraticáveis e ineficazes; a reação armada deve ter razoável
perspetiva de sucesso e não causar destruição e sofrimento a pessoas inocentes
superior ao mal a eliminar.
A falta de objetivos declarados por Israel
impossibilita que se avalie se há ‘sérias perspetivas de sucesso’. As guerras
justas devem distinguir entre civis e combatentes, princípio ignorado por ambos
os lados, com resultados trágicos. A guerra justa deve empregar o uso
proporcional da força e isso não sucede na guerra em que o número de mortos palestinianos
é superior, em dezenas de milhares, ao de Israelitas, sendo a maioria das
vítimas palestinianas mulheres e crianças.
Há quem pretenda que a guerra, seguindo as regras da
proporcionalidade, continue, para salvar as vidas dos Israelitas, no futuro, pondo
os milhares de vidas palestinianas perdidas, no presente, no outro lado da
balança. Assim, priorizava-se a segurança de pessoas no futuro, em relação às
vidas de seres humanos vivos que respiram e são mortos todos os dias. Enfim, a
manipulação da teoria da guerra justa passou das palavras a resultados
tangíveis e fatais.
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“Às vezes parece que o trabalho diplomático produz
pequenos resultados, mas não devemos cansar-nos, nem ceder à tentação da
resignação”, disse o cardeal Parolin, a 2 de julho. Porém, no mesmo dia, em resposta, através das redes sociais, a embaixada
israelita junto da Santa Sé criticou a declaração da CJPTS, por esta usar “o
pretexto religioso e truques linguísticos”, para se opor ao “direito de Israel
de se defender das intenções declaradas dos seus inimigos de pôr fim à sua
existência”. E, assegurando que o objetivo de Israel, desde o início do
conflito, é “acabar com o domínio do Hamas, no território, e garantir que
atrocidades como as cometidas em 7 de outubro não aconteçam, novamente, a
embaixada lamenta a forma como os líderes católicos se referem aos eventos
pós-7 de outubro como “a guerra em Gaza” e afirma que as críticas à natureza
desproporcional dos combates criam a “falsa simetria que reflete preconceito e
parcialidade”.
A embaixada alerta para o facto de a CJPTS usar a
expressão “guerra justa” de uma forma que “não é consistente com o direito
internacional, com o qual Israel procura cumprir”, e assinala que chamar o
conflito de “guerra em Gaza” é impreciso, pois “Israel também enfrenta ataques
da parte do Líbano, Síria, Iémen e Irão”. Por isso, o título “A guerra contra a
existência de Israel” descreverá os eventos dos últimos nove meses de forma
muito mais realista, segundo Israel.
Questionado sobre a tensão entre os líderes católicos
da Terra Santa e a embaixada israelita na Santa Sé, Parolin frisou que “só
se pode falar de uma guerra justa no contexto da defesa, no caso de uma guerra
de defesa”. E, sobre o conflito em Gaza, disse: “Nunca é uma guerra justa, neste
sentido.” E acrescentou que, hoje, com as armas disponíveis, “este conceito
torna-se muito difícil” e, não havendo uma posição definitiva, o conceito está “em
revisão”.
Parolin falava aos jornalistas após a entrega do
Prémio Literário dos Embaixadores junto da Santa Sé, atribuído ao jornalista da
RAI Piero Damosso, pelo livro A Igreja pode parar a guerra?
Uma investigação sessenta anos depois da Pacem in Terris, Porem, no
seu discurso na cerimónia, já tinha assinalado: “Às vezes, parece que o
trabalho diplomático produz pequenos resultados, mas não devemos cansar-nos nem
ceder à tentação da resignação; a paz é tarefa de cada um de nós a partir da
nossa vivência quotidiana, nas nossas cidades, nos nossos países, no Mundo.”
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Após quase nove meses de guerra, o número de mortos
palestinianos ultrapassou os 38 mil, anunciou, a 4 de julho, o Ministério
da Saúde do enclave governado pelo grupo radical Hamas. De acordo com a ONU, os
intensos combates em curso forçaram cerca de 84 mil pessoas a fugir da Cidade
de Gaza, nos últimos dias, e cortaram o acesso a um importante centro de
distribuição de ajuda no norte do enclave. Estima-se que nove em cada dez
pessoas na Faixa de Gaza foram deslocadas internamente pelo menos uma vez, e em
alguns casos, até 10 vezes, desde outubro.
Quanto aos 116 reféns que continuam detidos na Faixa
de Gaza, estimativas realizadas pelas autoridades norte-americanas indicam que
apenas 50 estarão vivos. Vários familiares destes reféns bloquearam, naquele
dia, a autoestrada Ayalon, em Telavive, exigindo um acordo para a
libertação dos sequestrados e o fim do atual governo. O protesto foi replicado
noutras partes do país, como na autoestrada n.º 4, perto de Netanya, onde um
grupo de pessoas queimou pneus e exigiu um acordo para uma trégua e eleições
antecipadas.
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Os patriarcas e líderes das Igrejas Cristãs, em Jerusalém,
escreveram, a 23 de junho, ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu,
lamentando o “ataque coordenado à presença cristã na Terra Santa”, depois de
quatro municípios do país terem tentado aplicar impostos municipais às propriedades
das igrejas, contradizendo séculos de acordos históricos.
“Neste momento em que o mundo inteiro, e em particular o
mundo cristão, acompanha constantemente os acontecimentos em Israel,
encontramo-nos mais uma vez confrontados com uma tentativa das autoridades de
expulsar a presença cristã da Terra Santa”, escreveram os líderes religiosos,
incluindo o cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Católico Latino de
Jerusalém, e o padre franciscano Francesco Patton, Custódio da Terra Santa.
Os líderes cristãos expressam preocupação, após terem
recebido cartas de advertência ou relativas a ações legais, em quatro
municípios de Israel (Tel Aviv, Ramle, Nazaré e Jerusalém) por alegadas dívidas
fiscais. Lembrando que, durante séculos, as propriedades da Igreja tiveram isenções
de impostos municipais, segundo o status quo estabelecido,
e que o dinheiro arrecadado foi investido em benefício do Estado como “escolas,
hospitais, lares de idosos e instalações para os desfavorecidos”, julgam as
ações municipais tendenciosas e contrárias à posição histórica das Igrejas na
relação com o Estado, violando os acordos e compromissos internacionais que
garantem os seus direitos, justamente em tempos delicados e complicados em que
a paciência, a compaixão, a unidade na oração e a esperança devem prevalecer.
Isso constitui um desrespeito pelos costumes e atropela o respeito mútuo que
existia até ao momento.
Em entrevista à Associated
Press, o município de Jerusalém disse que as autoridades eclesiásticas não
apresentaram os pedidos necessários de isenção fiscal, nos últimos anos.
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Enfim, a guerra só traz perda de direitos, confusão, abandono,
destruição e morte!
2024.07.05
– Louro de Carvalho
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