As
autoridades da Faixa de Gaza, território controlado pelo Hamas, anunciaram, a
18 de julho, a descoberta do vírus da poliomielite em amostras obtidas em águas
residuais do enclave. Na rede social Telegram,
o Ministério da Saúde de Gaza refere que as amostras de águas residuais foram
submetidas a testes, em coordenação com o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), acrescentando que os “resultados mostram a presença do
poliovírus”.
As
autoridades do território sublinham que estas águas “fluem entre as tendas dos
deslocados e nos locais onde os residentes estão alojados devido à destruição
de infraestruturas” com os ataques de Israel. “Isto representa um novo desastre
sanitário, pois há grande superpopulação, escassez de água potável, poluição
hídrica e o acumular de toneladas de lixo, uma vez que a ocupação impede a
entrada de materiais de limpeza, o que cria um ambiente propício à propagação
de diversas epidemias”, especificaram.
A descoberta
deste vírus, referem, “representa um verdadeiro desastre sanitário que expõe
milhares de residentes ao risco de contrair a doença”, razão pela qual
reiteraram o seu pedido de “fim imediato da agressão israelita”.
A ocorrência parece dever-se ao facto de, após nove meses de
conflito na Faixa de Gaza, segundo informou o respetivo município, as
estações de bombeamento das águas residuais em Deir al-Balah, no centro do
território, terem deixado de funcionar, há pouco tempo, devido à falta de
combustível. O esgoto
estancado, somado ao acúmulo de lixo e escombros, forma “um ambiente propício
para a propagação de diversas epidemias”, denunciou o Ministério da Saúde, que
pediu “o fim imediato da agressão israelita”.
Por sua vez,
o Ministério da Saúde de Israel informou que a presença do poliovírus “do tipo
2 foi registada em amostras de águas residuais da região de Gaza”. Segundo o site da Organização Mundial da Saúde
(OMS), trata-se de uma cepa considerada erradicada em 1999.
As amostras
foram “testadas num laboratório israelita autorizado pela OMS”, o que “causa
preocupação sobre a presença do vírus na região”, acrescentou o Ministério da
Saúde israelita, ressaltando que monitora a situação para “prevenir o risco de
doenças em Israel”.
A
poliomielite, uma doença altamente contagiosa que afeta principalmente
crianças, é transmitida principalmente pela via fecal-oral, de acordo com a OMS
– o vírus é endémico apenas no Afeganistão e no Paquistão, depois de a Nigéria
ter declarado a sua erradicação, em 2020.
Tedros
Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, destacou, na rede social X, que “seis amostras ambientais da
variante do poliovírus tipo 2 foram detetadas em Khan Younis e Deir al Balah,
em Gaza”. “Não foi detetado qualquer caso de paralisia”, referiu, salientando
que está a ser conduzida uma avaliação de risco.
***
A poliomielite
(do Grego poliós, cinza, e myelós, medula) é infeção por
enterovírus contagiosa viral, por vezes fatal, que afeta os nervos e pode causar
fraqueza muscular permanente, paralisia e outros sintomas. É
causada por um vírus e dissemina-se pelo consumo de água ou de alimentos
contaminados ou ao tocar superfície contaminada e, depois, tocar a boca.
Às vezes, o poliovírus é disseminado pela saliva de pessoa infetada ou por
gotículas expelidas quando espirra ou tosse.
A
infeção, geralmente, começa no intestino e dissemina-se para partes do cérebro
e da medula espinhal que controlam os músculos. Muitas
pessoas infetadas não têm sintomas, e a maioria das outras tem sintomas leves.
Os sintomas incluem febre, dor de cabeça,
rigidez do pescoço e dores musculares profundas e até fraqueza e paralisia ocasionais.
O
diagnóstico baseia-se nos sintomas e nos resultados de uma cultura de fezes.
Algumas crianças recuperam totalmente, enquanto outras ficam com fraqueza
permanente.
A vacinação rotineira pode prevenir a infeção.
No
início do século XX, a poliomielite era uma doença amplamente disseminada nos
Estados Unidos da América (EUA) e noutros locais. Atualmente, devido à
vacinação extensiva, os surtos praticamente desapareceram. O último caso de infeção
pelo poliovírus selvagem (natural), nos EUA, ocorreu em 1979. O Hemisfério Ocidental
foi considerado livre da poliomielite, em 1994. Está em desenvolvimento o
programa de erradicação global da poliomielite, mas ainda ocorrem casos de infeção
pelo poliovírus selvagem no Paquistão e no Afeganistão e foram relatados, pela
última vez, na Nigéria, em 2018.
Além do poliovírus do tipo selvagem,
muito raramente (cerca de um em 2,4 milhões de doses) o poliovírus vivo na
vacina oral sofre mutação. O vírus com mutação da vacina pode ser transmitido
da pessoa vacinada para não vacinadas, continuando a sofrer mutações e causando,
potencialmente, pólio. Em alguns países, o vírus com mutação da vacina foi a
única causa de poliomielite, por isso, a maioria desses países (incluindo os EUA)
interromperam o uso da vacina oral contra a pólio. Porém, alguns ainda a usam,
porque, com ela, é possível vacinar um número maior de pessoas. Assim, há casos
de poliomielite em países que usam a vacina oral viva e nos quais há muitas
pessoas que não foram imunizadas (o que permite maior disseminação do vírus).
Mais
recentemente, foi relatada infeção por poliovírus decorrente da vacina na
República Democrática do Congo e em outras áreas da África. A imunização
generalizada pode deter a disseminação de ambos os tipos de surtos de
poliomielite, e os viajantes para certos países têm de apresentar comprovação
da vacinação. Nos EUA, foi identificado um caso derivado
da vacina numa pessoa não vacinada que a adquiriu no estado de Nova Iorque, em
julho de 2022. Não foram identificados outros casos, mas a vigilância de águas
residuais detetou o vírus em amostras em vários condados de Nova Iorque,
indicando transmissão local.
Pessoas
não imunizadas de todas as idades são suscetíveis à poliomielite. No passado,
os surtos de poliomielite ocorriam principalmente nas crianças e nos
adolescentes, porque muitas das pessoas mais idosas já tinham sido expostas ao
vírus e desenvolvido a imunidade.
As infeções por poliomielite que causam sintomas são
classificadas como: poliomielite abortiva
(leve); poliomielite não
paralítica (séria); e poliomielite paralítica (grave).
Na forma leve de poliomielite, a
maioria apresenta sintomas semelhantes à gripe, como febre, cefaleia leve, dor
de garganta, vómito e sensação de indisposição generalizada (mal-estar). Esses
sintomas desenvolvem-se, três a cinco dias após a exposição ao vírus.
Cerca de 4% das pessoas com infeção
por poliovírus têm a forma grave, não paralítica. Em
geral, desenvolvem rigidez da nuca e/ou das costas e cefaleia (meningite asséptica), vários dias após os sintomas gripais
da poliomielite leve. Esses sintomas duram de dois a dez dias, sem paralisia.
Menos de 1% das pessoas com infeção
pelo poliovírus desenvolvem a forma grave, paralítica. Além da meningite
asséptica, essas pessoas desenvolvem paralisia.
Os sintomas, que normalmente surgem de sete a 21 dias, após a
infeção, incluem febre, dor de cabeça intensa, rigidez do pescoço e das costas
e dor muscular profunda. Às vezes, há áreas da pele que desenvolvem sensações
estranhas, como alfinetadas e sensibilidade incomuns à dor.
Dependendo das partes do cérebro e da medula espinhal afetadas,
a doença pode não progredir ou pode causar fraqueza ou paralisia em certos
músculos. Normalmente, a paralisia afeta os músculos dos braços e das pernas,
tornando-os flácidos e incapazes de contrair (paralisia flácida). A
pessoa pode ter dificuldade em engolir e pode engasgar com saliva, alimentos ou
líquidos. Ao engolir, os líquidos, às vezes, passam para o nariz e a voz pode
ser nasalada. A parte do cérebro responsável pela respiração é ocasionalmente
afetada, gerando fraqueza ou paralisia nos músculos do tórax. Algumas pessoas
ficam completamente incapazes de respirar.
O diagnóstico de poliomielite
faz-se por testes
em amostra de fezes ou em secreções da
garganta; em exames de sangue (podendo conter níveis elevados de
anticorpos); ou por punção lombar (na coluna vertebral), para investigar se há
outros distúrbios que afetam o cérebro e/ou a medula espinhal e testar o
líquido espinhal para detetar o poliovírus.
A poliomielite leve lembra
outras infeções virais e, normalmente, não é diagnosticada, a menos que ocorra
durante uma epidemia de poliomielite. Suspeita-se
de poliomielite séria em quem
tenha sintomas gripais e rigidez da nuca e/ou das costas. E suspeita-se de poliomielite
paralítica em quem tenha paralisia ou fraqueza dos músculos ou dos membros.
O tratamento processa-se à base de repouso e de medicamentos para aliviar a dor e diminuir a febre,
bem como a fisioterapia adequada, visto que não há tratamento para a cura, embora haja pessoas que
recuperam totalmente. Os medicamentos antivirais disponíveis não afetam a
evolução da doença. Pode ser
necessário recorrer a ventilador
(que ajuda a fazer entrar e sair dos pulmões), se os músculos usados na
respiração estiverem enfraquecidos. As pessoas que têm poliomielite abortiva ou
poliomielite não paralítica recuperam totalmente. Porém, cerca de dois terços das pessoas com poliomielite
paralítica sofrem fraqueza permanente e algumas (cerca de 4% a 6%) morrem,
dependendo dos nervos e músculos afetados. E algumas desenvolvem um retorno da
fraqueza muscular, anos após o ataque de poliomielite (síndrome da pós-poliomielite).
A vacina integra as imunizações de
rotina da infância, sendo eficaz em mais de 95% das crianças.
Há dois tipos de vacina: vacina
com poliovírus inativado (vacina de Salk), aplicada por injeção; e vacina com poliovírus vivo (vacina Sabin),
tomada por boca (oral).
***
Como é compreensível, embora a situação
seja intolerável, Gaza prioriza a defesa e o contra-ataque, face à permanente
investida das forças armadas israelitas, até à eliminação do último palestiniano,
com o apoio quase maciço da generalidade dos países do dito Ocidente. Para trás
das preocupações bélicas (eufemisticamente de defesa), ficam as pessoas não aptas
para o combate, por velhice, por doença ou por estropiamento, devido à guerra;
e, sobretudo, as crianças, que são mais suscetíveis de contrair doenças infeciosas.
E, além dos graves impedimentos à ação das organizações humanitárias (a saúde, a
alimentação, a água potável), por parte de Israel, sobressai a degradação ou,
mesmo, a destruição das infraestruturas, nomeadamente as que tratam, armazenam ou
drenam águas residuais.
A poliomielite é só mais uma doença
que se junta àquelas a que os habitantes de Gaza têm já estado expostos, a par
da subnutrição e da desnutrição, que têm levado muitos à morte. No entanto,
como se expôs, em alguns casos, é letal e, noutros, pode deixar sequelas graves.
E não se crê na existência de uma campanha de vacinação em Gaza.
Com a força da razão, um escol de laureado
com o Prémio Nobel, nas diversas modalidades, escreveu uma carta aos líderes mundiais,
principalmente, religiosos para urgirem a trégua olímpica por um cessar-fogo no
conflito israelo-palestiniano e a consequente procura da paz, preferencialmente
pela instauração dos dois estados, na certeza de que a ocupação dos territórios
palestinianos por Israel é ilegal, como acaba de declarar o Tribunal Intencional
de Justiça (TIJ), o qual entende que o Estado israelita deve cessar a ocupação e
pagar reparações à Palestina pelos danos causados. Com
efeito, “os colonatos israelitas na Cisjordânia e
em Jerusalém Oriental, bem como o regime que lhes está associado, foram criados
e são mantidos em violação do direito internacional”, sustenta aquele tribunal da Organização das Nações Unidas (ONU).
Por isso, o TIJ aponta que o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral das
Nações Unidas, assim como todos os estados que pertencem à organização, têm a
obrigação de reconhecer a ilegalidade da ocupação israelita e não ajudar Israel a mantê-la.
2024.07.19 – Louro de Carvalho
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