sexta-feira, 19 de julho de 2024

Autoridades em Gaza descobrem vírus da poliomielite em águas residuais

 

As autoridades da Faixa de Gaza, território controlado pelo Hamas, anunciaram, a 18 de julho, a descoberta do vírus da poliomielite em amostras obtidas em águas residuais do enclave. Na rede social Telegram, o Ministério da Saúde de Gaza refere que as amostras de águas residuais foram submetidas a testes, em coordenação com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), acrescentando que os “resultados mostram a presença do poliovírus”.

As autoridades do território sublinham que estas águas “fluem entre as tendas dos deslocados e nos locais onde os residentes estão alojados devido à destruição de infraestruturas” com os ataques de Israel. “Isto representa um novo desastre sanitário, pois há grande superpopulação, escassez de água potável, poluição hídrica e o acumular de toneladas de lixo, uma vez que a ocupação impede a entrada de materiais de limpeza, o que cria um ambiente propício à propagação de diversas epidemias”, especificaram.

A descoberta deste vírus, referem, “representa um verdadeiro desastre sanitário que expõe milhares de residentes ao risco de contrair a doença”, razão pela qual reiteraram o seu pedido de “fim imediato da agressão israelita”.

A ocorrência parece dever-se ao facto de, após nove meses de conflito na Faixa de Gaza, segundo informou o respetivo município, as estações de bombeamento das águas residuais em Deir al-Balah, no centro do território, terem deixado de funcionar, há pouco tempo, devido à falta de combustível. O esgoto estancado, somado ao acúmulo de lixo e escombros, forma “um ambiente propício para a propagação de diversas epidemias”, denunciou o Ministério da Saúde, que pediu “o fim imediato da agressão israelita”.

Por sua vez, o Ministério da Saúde de Israel informou que a presença do poliovírus “do tipo 2 foi registada em amostras de águas residuais da região de Gaza”. Segundo o site da Organização Mundial da Saúde (OMS), trata-se de uma cepa considerada erradicada em 1999.

As amostras foram “testadas num laboratório israelita autorizado pela OMS”, o que “causa preocupação sobre a presença do vírus na região”, acrescentou o Ministério da Saúde israelita, ressaltando que monitora a situação para “prevenir o risco de doenças em Israel”.

A poliomielite, uma doença altamente contagiosa que afeta principalmente crianças, é transmitida principalmente pela via fecal-oral, de acordo com a OMS – o vírus é endémico apenas no Afeganistão e no Paquistão, depois de a Nigéria ter declarado a sua erradicação, em 2020.

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, destacou, na rede social X, que “seis amostras ambientais da variante do poliovírus tipo 2 foram detetadas em Khan Younis e Deir al Balah, em Gaza”. “Não foi detetado qualquer caso de paralisia”, referiu, salientando que está a ser conduzida uma avaliação de risco.

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A poliomielite (do Grego poliós, cinza, e myelós, medula) é infeção por enterovírus contagiosa viral, por vezes fatal, que afeta os nervos e pode causar fraqueza muscular permanente, paralisia e outros sintomas. É causada por um vírus e dissemina-se pelo consumo de água ou de alimentos contaminados ou ao tocar superfície contaminada e, depois, tocar a boca. Às vezes, o poliovírus é disseminado pela saliva de pessoa infetada ou por gotículas expelidas quando espirra ou tosse.

A infeção, geralmente, começa no intestino e dissemina-se para partes do cérebro e da medula espinhal que controlam os músculos. Muitas pessoas infetadas não têm sintomas, e a maioria das outras tem sintomas leves. Os sintomas incluem febre, dor de cabeça, rigidez do pescoço e dores musculares profundas e até fraqueza e paralisia ocasionais.

O diagnóstico baseia-se nos sintomas e nos resultados de uma cultura de fezes. Algumas crianças recuperam totalmente, enquanto outras ficam com fraqueza permanente. A vacinação rotineira pode prevenir a infeção.

No início do século XX, a poliomielite era uma doença amplamente disseminada nos Estados Unidos da América (EUA) e noutros locais. Atualmente, devido à vacinação extensiva, os surtos praticamente desapareceram. O último caso de infeção pelo poliovírus selvagem (natural), nos EUA, ocorreu em 1979. O Hemisfério Ocidental foi considerado livre da poliomielite, em 1994. Está em desenvolvimento o programa de erradicação global da poliomielite, mas ainda ocorrem casos de infeção pelo poliovírus selvagem no Paquistão e no Afeganistão e foram relatados, pela última vez, na Nigéria, em 2018.

Além do poliovírus do tipo selvagem, muito raramente (cerca de um em 2,4 milhões de doses) o poliovírus vivo na vacina oral sofre mutação. O vírus com mutação da vacina pode ser transmitido da pessoa vacinada para não vacinadas, continuando a sofrer mutações e causando, potencialmente, pólio. Em alguns países, o vírus com mutação da vacina foi a única causa de poliomielite, por isso, a maioria desses países (incluindo os EUA) interromperam o uso da vacina oral contra a pólio. Porém, alguns ainda a usam, porque, com ela, é possível vacinar um número maior de pessoas. Assim, há casos de poliomielite em países que usam a vacina oral viva e nos quais há muitas pessoas que não foram imunizadas (o que permite maior disseminação do vírus).

Mais recentemente, foi relatada infeção por poliovírus decorrente da vacina na República Democrática do Congo e em outras áreas da África. A imunização generalizada pode deter a disseminação de ambos os tipos de surtos de poliomielite, e os viajantes para certos países têm de apresentar comprovação da vacinação. Nos EUA, foi identificado um caso derivado da vacina numa pessoa não vacinada que a adquiriu no estado de Nova Iorque, em julho de 2022. Não foram identificados outros casos, mas a vigilância de águas residuais detetou o vírus em amostras em vários condados de Nova Iorque, indicando transmissão local.

Pessoas não imunizadas de todas as idades são suscetíveis à poliomielite. No passado, os surtos de poliomielite ocorriam principalmente nas crianças e nos adolescentes, porque muitas das pessoas mais idosas já tinham sido expostas ao vírus e desenvolvido a imunidade.

A maioria das infeções por poliomielite não dá sintomas. Apenas cerca de 25% a 30% das pessoas infestadas desenvolvem algum sintoma.

As infeções por poliomielite que causam sintomas são classificadas como: poliomielite abortiva (leve); poliomielite não paralítica (séria); e poliomielite paralítica (grave).

Na forma leve de poliomielite, a maioria apresenta sintomas semelhantes à gripe, como febre, cefaleia leve, dor de garganta, vómito e sensação de indisposição generalizada (mal-estar). Esses sintomas desenvolvem-se, três a cinco dias após a exposição ao vírus.

Cerca de 4% das pessoas com infeção por poliovírus têm a forma grave, não paralítica. Em geral, desenvolvem rigidez da nuca e/ou das costas e cefaleia (meningite asséptica), vários dias após os sintomas gripais da poliomielite leve. Esses sintomas duram de dois a dez dias, sem paralisia.

Menos de 1% das pessoas com infeção pelo poliovírus desenvolvem a forma grave, paralítica. Além da meningite asséptica, essas pessoas desenvolvem paralisia.

Os sintomas, que normalmente surgem de sete a 21 dias, após a infeção, incluem febre, dor de cabeça intensa, rigidez do pescoço e das costas e dor muscular profunda. Às vezes, há áreas da pele que desenvolvem sensações estranhas, como alfinetadas e sensibilidade incomuns à dor.

Dependendo das partes do cérebro e da medula espinhal afetadas, a doença pode não progredir ou pode causar fraqueza ou paralisia em certos músculos. Normalmente, a paralisia afeta os músculos dos braços e das pernas, tornando-os flácidos e incapazes de contrair (paralisia flácida). A pessoa pode ter dificuldade em engolir e pode engasgar com saliva, alimentos ou líquidos. Ao engolir, os líquidos, às vezes, passam para o nariz e a voz pode ser nasalada. A parte do cérebro responsável pela respiração é ocasionalmente afetada, gerando fraqueza ou paralisia nos músculos do tórax. Algumas pessoas ficam completamente incapazes de respirar.

O diagnóstico de poliomielite faz-se por testes em amostra de fezes ou em secreções da garganta; em exames de sangue (podendo conter níveis elevados de anticorpos); ou por punção lombar (na coluna vertebral), para investigar se há outros distúrbios que afetam o cérebro e/ou a medula espinhal e testar o líquido espinhal para detetar o poliovírus.

poliomielite leve lembra outras infeções virais e, normalmente, não é diagnosticada, a menos que ocorra durante uma epidemia de poliomielite. Suspeita-se de poliomielite séria em quem tenha sintomas gripais e rigidez da nuca e/ou das costas. E suspeita-se de poliomielite paralítica em quem tenha paralisia ou fraqueza dos músculos ou dos membros.

O tratamento processa-se à base de repouso e de medicamentos para aliviar a dor e diminuir a febre, bem como a fisioterapia adequada, visto que não há tratamento para a cura, embora haja pessoas que recuperam totalmente. Os medicamentos antivirais disponíveis não afetam a evolução da doença. Pode ser necessário recorrer a ventilador (que ajuda a fazer entrar e sair dos pulmões), se os músculos usados na respiração estiverem enfraquecidos. As pessoas que têm poliomielite abortiva ou poliomielite não paralítica recuperam totalmente. Porém, cerca de dois terços das pessoas com poliomielite paralítica sofrem fraqueza permanente e algumas (cerca de 4% a 6%) morrem, dependendo dos nervos e músculos afetados. E algumas desenvolvem um retorno da fraqueza muscular, anos após o ataque de poliomielite (síndrome da pós-poliomielite).

A vacina integra as imunizações de rotina da infância, sendo eficaz em mais de 95% das crianças.

Há dois tipos de vacina: vacina com poliovírus inativado (vacina de Salk), aplicada por injeção; e vacina com poliovírus vivo (vacina Sabin), tomada por boca (oral).

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Como é compreensível, embora a situação seja intolerável, Gaza prioriza a defesa e o contra-ataque, face à permanente investida das forças armadas israelitas, até à eliminação do último palestiniano, com o apoio quase maciço da generalidade dos países do dito Ocidente. Para trás das preocupações bélicas (eufemisticamente de defesa), ficam as pessoas não aptas para o combate, por velhice, por doença ou por estropiamento, devido à guerra; e, sobretudo, as crianças, que são mais suscetíveis de contrair doenças infeciosas. E, além dos graves impedimentos à ação das organizações humanitárias (a saúde, a alimentação, a água potável), por parte de Israel, sobressai a degradação ou, mesmo, a destruição das infraestruturas, nomeadamente as que tratam, armazenam ou drenam águas residuais.

A poliomielite é só mais uma doença que se junta àquelas a que os habitantes de Gaza têm já estado expostos, a par da subnutrição e da desnutrição, que têm levado muitos à morte. No entanto, como se expôs, em alguns casos, é letal e, noutros, pode deixar sequelas graves. E não se crê na existência de uma campanha de vacinação em Gaza.  

Com a força da razão, um escol de laureado com o Prémio Nobel, nas diversas modalidades, escreveu uma carta aos líderes mundiais, principalmente, religiosos para urgirem a trégua olímpica por um cessar-fogo no conflito israelo-palestiniano e a consequente procura da paz, preferencialmente pela instauração dos dois estados, na certeza de que a ocupação dos territórios palestinianos por Israel é ilegal, como acaba de declarar o Tribunal Intencional de Justiça (TIJ), o qual entende que o Estado israelita deve cessar a ocupação e pagar reparações à Palestina pelos danos causados. Com efeito, “os colonatos israelitas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, bem como o regime que lhes está associado, foram criados e são mantidos em violação do direito internacional”, sustenta aquele tribunal da Organização das Nações Unidas (ONU).

Por isso, o TIJ aponta que o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral das Nações Unidas, assim como todos os estados que pertencem à organização, têm a obrigação de reconhecer a ilegalidade da ocupação israelita e não ajudar Israel a mantê-la.

2024.07.19 – Louro de Carvalho

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