A 8 de julho, o grupo nacionalista “Patriotas pela Europa”, de Viktor Orbán,
foi oficialmente criado no Parlamento Europeu (PE), com 84 deputados, o que o
torna o terceiro maior grupo político do hemiciclo de Bruxelas/Estrasburgo.
Esta
recém-formada aliança de extrema-direita, lançada a 30 de junho, sucedeu ao
anterior grupo de extrema-direita no PE, o Identidade e Democracia (ID), que
entretanto se dissolveu.
Efetivamente,
a 30 de junho, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, anunciou, em
Viena, a formação do “Patriotas pela Europa”, uma nova aliança que reúne os
partidos radicais de direita no PE. Além do líder húngaro, os fundadores do
novo grupo incluem o austríaco Herbert Kickl e o checo Andrej Babiš.
“Vamos formar uma nova força política, que
será, em breve, a maior formação de direita no Parlamento Europeu”, disse
Orbán, aquando da assinatura do “Manifesto Patriótico”, em Viena.
Os partidos de direita da Áustria, da
Hungria e da Chéquia, que venceram as eleições europeias, quiseram formar um
grupo parlamentar na União Europeia (UE). “Outros partidos podem aderir a esta
aliança patriótica”, disse Herbert Kickl, em conferência de imprensa conjunta,
em Viena.
O Partido
da Liberdade da Áustria (FPÖ), a União
Cívica Húngara (FIDESZ) e a Aliança dos Cidadãos Descontentes (ANO), da Chéquia, venceram as eleições europeias nos
seus países no início de junho, no que, segundo Kickl, se tratou de “uma rampa
de lançamento”.
O FPÖ pertencia, anteriormente, à
fação eurocética mais pequena no Parlamento da UE, o ID. A ANO deixou o grupo
liberal, após as eleições na UE, o FIDESZ era, anteriormente, não-inscrito. Só
os três partidos reúnem os 23 mandatos necessários para a criação de um grupo
parlamentar, mas precisam de colegas de, pelo menos, quatro outros estados da UE,
pois um novo grupo no PE tem de provir de, pelo menos sete países.
O primeiro-ministro da Hungria
acrescentou que a aliança vai lutar contra o “establishment” de Bruxelas, que
não compreendeu os desejos dos eleitores.
Segundo a ORF, televisão estatal austríaca, os fundadores desta aliança
procuram agora que mais partidos de extrema-direita se juntem ao grupo.
***
No dia
subsequente ao anúncio, o Chega, partido populista da direita português,
manifestou o seu interesse em fazer parte desta aliança. A aliança está a “crescer
a um ritmo incrível, mais rápido do que se pensa”, disse Viktor Orbán, numa
entrevista ao canal de televisão húngaro M1, no dia 1 de julho, à noite. E o Liga, partido de extrema-direita
italiano, parecia também estar a ponderar a ideia de se juntar a esta aliança. “Estamos
a avaliar todos os documentos, mas penso que formar um grande grupo cujo
objetivo seja ser o terceiro maior no Parlamento Europeu pode ser o caminho
certo”, disse Salvini, líder do Liga, num programa de rádio, nesse dia.
Tanto o Chega como o Liga integravam o
grupo nacionalista ID, o quinto maior do PE. Do grupo de 58 eurodeputados, 30
pertenciam ao Rassemblement National (RN), de Marine Le Pen.
A adesão dos Italianos e dos Portugueses não transformaria os “Patriotas
pela Europa” num grupo formal – o mecanismo pelo qual o dinheiro e a
influência são distribuídos no PE.
Com 10
eurodeputados do Fidesz, sete do ANO, seis do FPÖ, dois do Chega e,
potencialmente, oito do Liga, poderiam começar com 33 eurodeputados, um número
acima do estabelecido pelas regras da UE. Contudo, era necessário o apoio de
dois países, para que o grupo pudesse ter assento no PE. E teriam sempre de
demonstrar que partilham a mesma afinidade política.
“Mais quatro ou cinco dias e muitas
pessoas ficarão surpreendidas”, disse o primeiro-ministro húngaro, na sua
entrevista, esperando que o grupo se tornasse, “muito rapidamente, o terceiro e,
depois, o segundo maior grupo” no hemiciclo do bloco europeu.
Outros partidos de extrema-direita e
conservadores estavam atentos, mas não se comprometeram.
O ponto de viragem para os Patriotas de Orbán seria convencer o polaco Lei e
Justiça (PiS) a abandonar o grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR),
onde partilham a liderança com os Fratelli d’Italia, de Giorgia Meloni.
A reunião do
grupo constitutivo do ECR foi adiada, na sequência de negociações internas e do
começo dos rumores da tentativa de Orbán para unir os partidos nacionalistas.
Perder os 20
eurodeputados polacos enfraqueceria o ECR, que era a terceira maior bancada do
PE, e prejudicaria a influência de Meloni antes de uma votação-chave para a
recondução de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia.
O grupo “Patriotas pela Europa” teria um impacto ainda maior, se Geert Wilders,
dos Países Baixos, levasse os seus seis eurodeputados da ID para os Patriotas,
podendo Vlaams
Belang, da Bélgica, seguir-lhe o exemplo. Gerolf Annemans, o deputado mais
influente do Vlaams Belang, mostrou que estava atento a esta questão, quando
partilhou o anúncio de Orbán nas redes sociais. E havia a Alternativa para a
Alemanha (AfD), cujos 15 deputados da UE estavam suspensos do ID, e que, de
acordo com fontes parlamentares, tem estado em contacto com os Patriotas.
Mesmo sem o PiS, um grupo do
Patriotas, com deputados da Alemanha, da Holanda e da Bélgica, poderia tentar
tornar-se o terceiro maior grupo no hemiciclo da UE – e, possivelmente, forçar
Le Pen, então mais focada na vitória nas eleições francesas, a aderir.
Porém, nem todos os eurodeputados independentes poderão estar
interessados. O
partido SMER, da Eslováquia, estava prestes a juntar-se ao grupo socialista,
enquanto o Movimento Cinco Estrelas, de Itália, tem uma trajetória política
diferente, para lá da disputa de longa data com a Liga. E outros, como o
pequeno grupo espanhol Se Acabó la Fiesta (SALF), liderado por Alvise Pérez,
com uma presença muito forte nas redes sociais, poderiam ainda ser persuadidos.
A concorrência reflete as tensões
entre os partidos de extrema-direita da Europa. Orbán tem, atualmente, menos
deputados do que Meloni ou Le Pen e esta é uma oportunidade para ganhar
influência e apresentar-se como o fundador de uma nova aliança de
extrema-direita.
As reuniões constitutivas do ID e do
ECR foram adiadas, mas o prazo para a formação dos grupos terminava a 4 de
julho. O prazo era crucial, visto que a dimensão do grupo determina o acesso a
posições-chave na estrutura do PE. E restava saber se este raciocínio ainda se
aplicava, porque, na prática, um “cordão sanitário” impede a extrema-direita de
ocupar muitos lugares influentes.
Algumas delegações nacionais dos
partidos europeus, incluindo o PiS, terão pedido que o prazo fosse alargado até
8 de julho. Uma fonte do grupo de extrema-direita ID confirmou que o grupo
pediu para adiar a sua reunião constitutiva, inicialmente prevista para 3 de
julho.
Na sua entrevista
televisiva de 1 de julho, Viktor Orbán disse que o grupo “Patriotas pela Europa”
realizaria a sua reunião inaugural, a 8 de julho, para lá do prazo oficial do
PE.
A 5 de
julho, o partido de extrema-direita espanhol Vox, que conta com seis
eurodeputados, anunciou, oficialmente, que ia abandonar o grupo ERC, para se
juntar a uma potencial nova formação liderada pelo partido de Orbán, o Fidesz.
Esta mudança de última hora reduzia a diferença entre o grupo ERC, de Meloni, com
78 eurodeputados – então a terceira força política do PE – e os Liberais, com
76 eurodeputados.
O líder do
Vox, Santiago Abascal, disse que a decisão foi uma resposta à “oportunidade
histórica” de lutar contra uma coligação de forças de centro-direita,
socialistas e de extrema-esquerda.
O partido de
extrema-direita espanhol expressou a sua gratidão ao grupo ECR e, em
particular, a sua amizade com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e o
seu partido, Fratelli d’Italia.”
“Giorgia
Meloni será sempre uma parceira, amiga e aliada do Vox”, declarou o partido, em
comunicado. Porém, abandonou-a, depois de o grupo ECR ter realizado a sua reunião
constitutiva no dia 3, quando o eurodeputado do Vox Hermann Tertsch foi eleito
vice-presidente do partido.
O húngaro
Viktor Orbán também tentou convencer o polaco PiS a juntar-se à sua aliança “Patriotas
pela Europa”, mas sem sucesso.
***
Por fim, a 8
de julho, os “Patriotas pela Europa”, que se expandiram, rapidamente, com
muitos partidos a anunciarem, na semana anterior, que iriam aderir ao projeto,
culminando a manhã daquele dia com adições significativas com o RN, de França,
e a Liga, de Itália – dois importantes partidos da ID que ainda não tinham
aderido ao grupo. Enquanto a Liga era dominante na ID, no mandato anterior, a
maior delegação dos “Patriotas pela Europa” será o RN, de Marine Le Pen, com 30
eurodeputados. Seguem-se o Fidesz, de Orbán, com dez deputados, o Liga, de
Matteo Salvini, com oito, e a ANO, de Andrej Babiš, com sete.
Outras
delegações nacionais incluem o FPÖ, da Áustria, o partido de extrema-direita
espanhol Vox e o nacionalista holandês PVV, cada um com seis deputados. O grupo
inclui ainda três deputados do Vlaams Belang, da Bélgica, dois do Chega, de
Portugal, e um do Partido Popular Dinamarquês, num total de 84 eurodeputados.
O líder do
RN, Jordan Bardella, foi nomeado presidente do grupo. “Os
Patriotas pela Europa” representam a esperança para as dezenas de milhões de
cidadãos das nações europeias que valorizam a sua identidade, a sua soberania e
a sua liberdade”, afirmou Bardella, numa nota divulgada após a sua eleição.
A primeira
vice-presidência foi atribuída à húngara Kinga Gál, enquanto os outros
vice-presidentes são Roberto Vannacci (Liga), Klára Dostálová (ANO), Sebastiaan
Stöteler (PVV), António Tânger Corrêa (Chega), Hermann Tertsch (VOX) e Harald
Vilimsky (FPÖ)
Embora o
grupo “Patriotas pela Europa” seja apenas ligeiramente maior do que o ID, que
tinha 73 eurodeputados, quando foi formado, em 2019, a sua presença no PE é
mais pronunciada, devido à redução do número total de eurodeputados de 751 para
720. Com 84 deputados, os “Patriotas pela Europa” ultrapassaram o ECR, que tem
78 deputados, e o liberal Renovar a Europa, com 76 deputados, alcançando o
objetivo de Orbán de se tornar a terceira força no PE.
***
É com esta
potencial força política, um cancro na moderação europeia, que o primeiro-ministro
húngaro vai exercendo, de forma abusiva, a presidência rotativa (iniciada a 1
de julho e a terminar a 31 de dezembro) do Conselho Europeu. Vai a toda a parte
na sua “Missão
de Paz 3.0”. Foi a Kiev, a Moscovo e a Pequim. Considera-se um mediador.
Vozes da UE, como Charles Michel e Von der Leyen, avisaram que Orbán não
tem mandato para qualquer negociação com a Rússia sobre a paz na Ucrânia.
Há preocupações crescentes na UE sobre o papel autoatribuído de Orbán,
havendo quem defenda que não faze mais do que apenas representar o seu próprio
país. E há quem sustente que está a desenvolver uma campanha
estratégica para ridicularizar a UE e para demonstrar que, de facto, o
primeiro-ministro húngaro pode dar todos estes passos descoordenados – claras
violações das posições conjuntas e acordadas da UE –, não precisando de temer
quaisquer consequências negativas. Mais: estas manobras autónomas minam, na opinião de alguns, a perceção da
política externa da UE entre os parceiros-chave. A UE pode reagir às
provocações de Orbán encurtando a presidência rotativa da Hungria. Resta saber
se os estados-membros estão dispostos a isso.
Para já, a Conferência dos Presidentes (chefes dos grupos políticos que
determinam a agenda) disse que o PE não tinha espaço na agenda, nesta altura,
para ouvir o discurso de Orban sobre o lema “Tornar a Europa Grande Novamente”,
prerrogativa dos presidentes rotativos do Conselho Europeu. Com efeito, os europarlamentares
estão mais preocupados com o funcionamento do Parlamento e (parece que) também
ressabiados pelo facto de o Conselho não ter seguido a sua recomendação sobre a
data das eleições. E o discurso ficará mais para o fim do ano.
***
Enfim, a extrema-direita, em ascensão da UE, não desarma, reorganiza-se
e segue. Porém, não sei se a cerca sanitária em seu torno será o método mais
eficaz.
2024.07.10
– Louro de Carvalho
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