quarta-feira, 10 de julho de 2024

“Patriotas pela Europa” é a terceira força no Parlamento Europeu

 

A 8 de julho, o grupo nacionalista “Patriotas pela Europa”, de Viktor Orbán, foi oficialmente criado no Parlamento Europeu (PE), com 84 deputados, o que o torna o terceiro maior grupo político do hemiciclo de Bruxelas/Estrasburgo.

Esta recém-formada aliança de extrema-direita, lançada a 30 de junho, sucedeu ao anterior grupo de extrema-direita no PE, o Identidade e Democracia (ID), que entretanto se dissolveu.

Efetivamente, a 30 de junho, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, anunciou, em Viena, a formação do “Patriotas pela Europa”, uma nova aliança que reúne os partidos radicais de direita no PE. Além do líder húngaro, os fundadores do novo grupo incluem o austríaco Herbert Kickl e o checo Andrej Babiš.

 “Vamos formar uma nova força política, que será, em breve, a maior formação de direita no Parlamento Europeu”, disse Orbán, aquando da assinatura do “Manifesto Patriótico”, em Viena.

Os partidos de direita da Áustria, da Hungria e da Chéquia, que venceram as eleições europeias, quiseram formar um grupo parlamentar na União Europeia (UE). “Outros partidos podem aderir a esta aliança patriótica”, disse Herbert Kickl, em conferência de imprensa conjunta, em Viena.

O Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), a União Cívica Húngara (FIDESZ) e a Aliança dos Cidadãos Descontentes (ANO), da Chéquia, venceram as eleições europeias nos seus países no início de junho, no que, segundo Kickl, se tratou de “uma rampa de lançamento”.

O FPÖ pertencia, anteriormente, à fação eurocética mais pequena no Parlamento da UE, o ID. A ANO deixou o grupo liberal, após as eleições na UE, o FIDESZ era, anteriormente, não-inscrito. Só os três partidos reúnem os 23 mandatos necessários para a criação de um grupo parlamentar, mas precisam de colegas de, pelo menos, quatro outros estados da UE, pois um novo grupo no PE tem de provir de, pelo menos sete países.

O primeiro-ministro da Hungria acrescentou que a aliança vai lutar contra o “establishment” de Bruxelas, que não compreendeu os desejos dos eleitores.

Segundo a ORF, televisão estatal austríaca, os fundadores desta aliança procuram agora que mais partidos de extrema-direita se juntem ao grupo.

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No dia subsequente ao anúncio, o Chega, partido populista da direita português, manifestou o seu interesse em fazer parte desta aliança. A aliança está a “crescer a um ritmo incrível, mais rápido do que se pensa”, disse Viktor Orbán, numa entrevista ao canal de televisão húngaro M1, no dia 1 de julho, à noite. E o Liga, partido de extrema-direita italiano, parecia também estar a ponderar a ideia de se juntar a esta aliança. “Estamos a avaliar todos os documentos, mas penso que formar um grande grupo cujo objetivo seja ser o terceiro maior no Parlamento Europeu pode ser o caminho certo”, disse Salvini, líder do Liga, num programa de rádio, nesse dia.

Tanto o Chega como o Liga integravam o grupo nacionalista ID, o quinto maior do PE. Do grupo de 58 eurodeputados, 30 pertenciam ao Rassemblement National (RN), de Marine Le Pen.

A adesão dos Italianos e dos Portugueses não transformaria os “Patriotas pela Europa” num grupo formal o mecanismo pelo qual o dinheiro e a influência são distribuídos no PE.

Com 10 eurodeputados do Fidesz, sete do ANO, seis do FPÖ, dois do Chega e, potencialmente, oito do Liga, poderiam começar com 33 eurodeputados, um número acima do estabelecido pelas regras da UE. Contudo, era necessário o apoio de dois países, para que o grupo pudesse ter assento no PE. E teriam sempre de demonstrar que partilham a mesma afinidade política.

“Mais quatro ou cinco dias e muitas pessoas ficarão surpreendidas”, disse o primeiro-ministro húngaro, na sua entrevista, esperando que o grupo se tornasse, “muito rapidamente, o terceiro e, depois, o segundo maior grupo” no hemiciclo do bloco europeu.

Outros partidos de extrema-direita e conservadores estavam atentos, mas não se comprometeram.

O ponto de viragem para os Patriotas de Orbán seria convencer o polaco Lei e Justiça (PiS) a abandonar o grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), onde partilham a liderança com os Fratelli d’Italia, de Giorgia Meloni.

A reunião do grupo constitutivo do ECR foi adiada, na sequência de negociações internas e do começo dos rumores da tentativa de Orbán para unir os partidos nacionalistas.

Perder os 20 eurodeputados polacos enfraqueceria o ECR, que era a terceira maior bancada do PE, e prejudicaria a influência de Meloni antes de uma votação-chave para a recondução de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia.

O grupo “Patriotas pela Europa” teria um impacto ainda maior, se Geert Wilders, dos Países Baixos, levasse os seus seis eurodeputados da ID para os Patriotas, podendo Vlaams Belang, da Bélgica, seguir-lhe o exemplo. Gerolf Annemans, o deputado mais influente do Vlaams Belang, mostrou que estava atento a esta questão, quando partilhou o anúncio de Orbán nas redes sociais. E havia a Alternativa para a Alemanha (AfD), cujos 15 deputados da UE estavam suspensos do ID, e que, de acordo com fontes parlamentares, tem estado em contacto com os Patriotas.

Mesmo sem o PiS, um grupo do Patriotas, com deputados da Alemanha, da Holanda e da Bélgica, poderia tentar tornar-se o terceiro maior grupo no hemiciclo da UE – e, possivelmente, forçar Le Pen, então mais focada na vitória nas eleições francesas, a aderir.

Porém, nem todos os eurodeputados independentes poderão estar interessados. O partido SMER, da Eslováquia, estava prestes a juntar-se ao grupo socialista, enquanto o Movimento Cinco Estrelas, de Itália, tem uma trajetória política diferente, para lá da disputa de longa data com a Liga. E outros, como o pequeno grupo espanhol Se Acabó la Fiesta (SALF), liderado por Alvise Pérez, com uma presença muito forte nas redes sociais, poderiam ainda ser persuadidos.

A concorrência reflete as tensões entre os partidos de extrema-direita da Europa. Orbán tem, atualmente, menos deputados do que Meloni ou Le Pen e esta é uma oportunidade para ganhar influência e apresentar-se como o fundador de uma nova aliança de extrema-direita.

As reuniões constitutivas do ID e do ECR foram adiadas, mas o prazo para a formação dos grupos terminava a 4 de julho. O prazo era crucial, visto que a dimensão do grupo determina o acesso a posições-chave na estrutura do PE. E restava saber se este raciocínio ainda se aplicava, porque, na prática, um “cordão sanitário” impede a extrema-direita de ocupar muitos lugares influentes.

Algumas delegações nacionais dos partidos europeus, incluindo o PiS, terão pedido que o prazo fosse alargado até 8 de julho. Uma fonte do grupo de extrema-direita ID confirmou que o grupo pediu para adiar a sua reunião constitutiva, inicialmente prevista para 3 de julho.

Na sua entrevista televisiva de 1 de julho, Viktor Orbán disse que o grupo “Patriotas pela Europa” realizaria a sua reunião inaugural, a 8 de julho, para lá do prazo oficial do PE.

A 5 de julho, o partido de extrema-direita espanhol Vox, que conta com seis eurodeputados, anunciou, oficialmente, que ia abandonar o grupo ERC, para se juntar a uma potencial nova formação liderada pelo partido de Orbán, o Fidesz. Esta mudança de última hora reduzia a diferença entre o grupo ERC, de Meloni, com 78 eurodeputados – então a terceira força política do PE – e os Liberais, com 76 eurodeputados.

O líder do Vox, Santiago Abascal, disse que a decisão foi uma resposta à “oportunidade histórica” de lutar contra uma coligação de forças de centro-direita, socialistas e de extrema-esquerda.

O partido de extrema-direita espanhol expressou a sua gratidão ao grupo ECR e, em particular, a sua amizade com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e o seu partido, Fratelli d’Italia.”

“Giorgia Meloni será sempre uma parceira, amiga e aliada do Vox”, declarou o partido, em comunicado. Porém, abandonou-a, depois de o grupo ECR ter realizado a sua reunião constitutiva no dia 3, quando o eurodeputado do Vox Hermann Tertsch foi eleito vice-presidente do partido.

O húngaro Viktor Orbán também tentou convencer o polaco PiS a juntar-se à sua aliança “Patriotas pela Europa”, mas sem sucesso.

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Por fim, a 8 de julho, os “Patriotas pela Europa”, que se expandiram, rapidamente, com muitos partidos a anunciarem, na semana anterior, que iriam aderir ao projeto, culminando a manhã daquele dia com adições significativas com o RN, de França, e a Liga, de Itália – dois importantes partidos da ID que ainda não tinham aderido ao grupo. Enquanto a Liga era dominante na ID, no mandato anterior, a maior delegação dos “Patriotas pela Europa” será o RN, de Marine Le Pen, com 30 eurodeputados. Seguem-se o Fidesz, de Orbán, com dez deputados, o Liga, de Matteo Salvini, com oito, e a ANO, de Andrej Babiš, com sete.

Outras delegações nacionais incluem o FPÖ, da Áustria, o partido de extrema-direita espanhol Vox e o nacionalista holandês PVV, cada um com seis deputados. O grupo inclui ainda três deputados do Vlaams Belang, da Bélgica, dois do Chega, de Portugal, e um do Partido Popular Dinamarquês, num total de 84 eurodeputados.

O líder do RN, Jordan Bardella, foi nomeado presidente do grupo. “Os Patriotas pela Europa” representam a esperança para as dezenas de milhões de cidadãos das nações europeias que valorizam a sua identidade, a sua soberania e a sua liberdade”, afirmou Bardella, numa nota divulgada após a sua eleição.

A primeira vice-presidência foi atribuída à húngara Kinga Gál, enquanto os outros vice-presidentes são Roberto Vannacci (Liga), Klára Dostálová (ANO), Sebastiaan Stöteler (PVV), António Tânger Corrêa (Chega), Hermann Tertsch (VOX) e Harald Vilimsky (FPÖ)

Embora o grupo “Patriotas pela Europa” seja apenas ligeiramente maior do que o ID, que tinha 73 eurodeputados, quando foi formado, em 2019, a sua presença no PE é mais pronunciada, devido à redução do número total de eurodeputados de 751 para 720. Com 84 deputados, os “Patriotas pela Europa” ultrapassaram o ECR, que tem 78 deputados, e o liberal Renovar a Europa, com 76 deputados, alcançando o objetivo de Orbán de se tornar a terceira força no PE.

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É com esta potencial força política, um cancro na moderação europeia, que o primeiro-ministro húngaro vai exercendo, de forma abusiva, a presidência rotativa (iniciada a 1 de julho e a terminar a 31 de dezembro) do Conselho Europeu. Vai a toda a parte na sua “Missão de Paz 3.0”. Foi a Kiev, a Moscovo e a Pequim. Considera-se um mediador.

Vozes da UE, como Charles Michel e Von der Leyen, avisaram que Orbán não tem mandato para qualquer negociação com a Rússia sobre a paz na Ucrânia.

Há preocupações crescentes na UE sobre o papel autoatribuído de Orbán, havendo quem defenda que não faze mais do que apenas representar o seu próprio país. E há quem sustente que está a desenvolver uma campanha estratégica para ridicularizar a UE e para demonstrar que, de facto, o primeiro-ministro húngaro pode dar todos estes passos descoordenados – claras violações das posições conjuntas e acordadas da UE –, não precisando de temer quaisquer consequências negativas. Mais: estas manobras autónomas minam, na opinião de alguns, a perceção da política externa da UE entre os parceiros-chave. A UE pode reagir às provocações de Orbán encurtando a presidência rotativa da Hungria. Resta saber se os estados-membros estão dispostos a isso.

Para já, a Conferência dos Presidentes (chefes dos grupos políticos que determinam a agenda) disse que o PE não tinha espaço na agenda, nesta altura, para ouvir o discurso de Orban sobre o lema “Tornar a Europa Grande Novamente”, prerrogativa dos presidentes rotativos do Conselho Europeu. Com efeito, os europarlamentares estão mais preocupados com o funcionamento do Parlamento e (parece que) também ressabiados pelo facto de o Conselho não ter seguido a sua recomendação sobre a data das eleições. E o discurso ficará mais para o fim do ano.   

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Enfim, a extrema-direita, em ascensão da UE, não desarma, reorganiza-se e segue. Porém, não sei se a cerca sanitária em seu torno será o método mais eficaz.  

2024.07.10 – Louro de Carvalho

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