terça-feira, 23 de julho de 2024

Diferendo separa a Ucrânia da Hungria e da Eslováquia

 

A Hungria e a Eslováquia ameaçam levar a Ucrânia a tribunal, por causa da decisão deste país de restringir o trânsito de petróleo bruto russo, através do seu território, à empresa Lukoil, sediada em Moscovo. Trata-se do reforço unilateral das sanções à Rússia pela Ucrânia, mas com prejuízo para dois estados-membros da União Europeia (UE), que se tem mantido, quase unanimemente, solidária com o país que está a ser objeto de invasão permanente da parte da Rússia.

Kiev aduz que as sanções são necessárias, para reduzir as receitas do Kremlin que sustentam a invasão militar, já no seu terceiro ano. Contudo, Budapeste e Bratislava ripostaram, furiosamente, queixando-se de que a interrupção do fornecimento de energia ameaça as suas economias.

Numa carta conjunta, os dois países – Hungria e Eslováquia – pediram à Comissão Europeia que interviesse e lançasse um processo de consulta, ao abrigo do Acordo de Associação UE-Ucrânia. Bruxelas tomou conhecimento da petição, mas insiste que qualquer procedimento, a existir, será iniciado pelo próprio executivo comunitário, que tem competência exclusiva em matéria de política comercial. “Estamos atualmente a estudar o conteúdo desta carta e a recolher mais informações, antes de tomarmos qualquer decisão”, afirmou um porta-voz da Comissão, a 23 de julho. “De momento, não há qualquer impacto imediato na segurança do abastecimento de petróleo à UE”, sublinhou.

Não obstante, a Comissão Europeia está disposta a mediar o crescente conflito entre a Hungria e a Eslováquia, por um lado, e a Ucrânia, por outro, sobre a decisão desta de reforçar as sanções contra a Lukoil. Assim, a pedido da Hungria e da Eslováquia, foi agendada uma reunião do Comité de Política Comercial, para ajudar a “avaliar os factos”. “A Comissão está pronta a apoiar o impacto nos estados-membros e a encontrar uma solução em conjunto com a Ucrânia”, vincou o referido porta-voz, garantindo que também Kiev será envolvida nas discussões.

A carta conjunta foi enviada, a 22 de julho, numa altura em que os ministros dos Negócios Estrangeiro da UE se reuniam para debaterem a agressão russa. E o representante da Hungria, Péter Szijjártó, aproveitou a ocasião para abordar o tema com os seus pares. “Dissemos às autoridades ucranianas que se tratou de uma decisão incompreensível, inaceitável e hostil”, afirmou Szijjártó, em comunicado, em que aponta: “É estranho que um país que aspira a integrar-se na UE esteja a pôr, seriamente, em risco o abastecimento energético de dois estados-membros.”

Por sua vez, o homólogo eslovaco, Juraj Blanár, igualmente crítico, observou que as restrições impostas aos fornecimentos da Lukoil representam “clara violação” do Acordo de Associação. “Recusamo-nos a ser um instrumento político. […] Defender-nos-emos com determinação e utilizaremos todas as possibilidades do direito europeu”, escreveu no Facebook.

Com as tensões ao rubro, a Hungria e a Eslováquia avisam que, se a mediação liderada pela UE não conseguir dar uma resposta satisfatória, levarão a Ucrânia a tribunal.

É de recordar que a Hungria e a Eslováquia estão, juntamente com a Chéquia, isentas de uma interdição a nível da UE que proíbe a compra de petróleo bruto russo, bem como os seus derivados. Esta derrogação da sanção, que ficou famosa, graças à intervenção de Viktor Orbán, numa cimeira de alto nível, permite aos três estados sem litoral receberem petróleo através do oleoduto Druzhba, que vai da Rússia à Europa Central.

A Lukoil é o principal operador do oleoduto, mas não o único: a Tatneft, a Gazprom Neft, a Russneft e outras empresas de pequena dimensão também utilizam esta rota. De acordo com a Reuters, o ramal sul do oleoduto transporta diariamente cerca de 250 mil barris de petróleo russo. O principal comprador é o Grupo MOL, que opera refinarias na Eslováquia e na Hungria.

“As sanções da UE, que contestámos, em várias ocasiões, e que, neste caso, demonstraram ter um maior impacto negativo na Eslováquia e na UE do que na própria Rússia, estabelecem, claramente, que a Eslováquia tem uma isenção para as importações de petróleo, até ao final do ano”, afirmou Blanár na sua declaração, acima evocada, acusando: “A parte ucraniana impediu-nos de exercer esta isenção.”

Todavia, a alegação da Ucrânia não resulta, exclusivamente, da necessidade de enfraquecer a economia russa. A polémica surge na sequência da autointitulada “missão de paz” de Viktor Orbán, concretizada numa série de visitas não anunciadas que levaram o primeiro-ministro húngaro a deslocar-se a Kiev, a Moscovo e a Pequim, para discutir o fim da guerra na Ucrânia. O seu encontro com Vladimir Putin revelou-se extremamente controverso e alimentou um boicote crescente à presidência semestral rotativa da Hungria no Conselho da UE, que teve início a 1 de julho e vai até ao dia 31 de dezembro.

Além disso, está em causa o veto de Orbán ao reforço da assistência militar à Ucrânia. Com efeito, numa entrevista aos meios de comunicação locais, Péter Szijjártó associou a disputa do petróleo ao prolongado veto da Hungria à assistência militar da UE à Ucrânia, que impediu a libertação de 6,6 mil milhões de euros em reembolsos devidos a outros estados-membros. “Enquanto esta questão não for resolvida pela Ucrânia, todos devem esquecer o pagamento dos 6,6 mil milhões de euros de indemnização pela transferência de armas”, declarou Szijjártó, justificando: “Porque como seria o pagamento de 6,6 mil milhões de euros? Nós contribuímos, enquanto a Ucrânia ameaça a segurança do nosso abastecimento energético.”

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Dos 27 estados-membros, só dez se fizeram representar por ministros na cimeira informal de Justiça e Assuntos Internos, em Budapeste, no dia 22 de julho, no âmbito da presidência húngara do Conselho da UE. Mesmo assim, o ministro húngaro do Interior fala, em “representação forte”.

É a extensão a atos informais do boicote da UE aos eventos formais da presidência húngara da União Europeia (UE), que começou a 1 de julho e que dura até ao final do ano – boicote que foi prometido por Bruxelas, depois das viagens do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, a Moscovo e a Pequim, tidas como atos de deslealdade para com a UE e de ato abusivo da presidência rotativa do Conselho da UE.  

Alguns dos políticos presentes não comentaram as ausências; e outros consideraram-nas mera expressão de opinião. “Penso que se trata de uma reação à atividade externa da Hungria, por vezes não ajustada ao quadro europeu. Alguns países enviaram políticos de nível inferior, outros enviaram ministros. Não digo que seja um boicote, mas uma espécie de opinião dos estados-membros, afirmou Arnoldas Abramavičius vice-ministro do Interior da Lituânia.

“Não tenho comentários a fazer, sou secretária de Estado francesa, represento o ministro, o Sr. Gérald Darmanin, e estou aqui apenas porque somos europeus”, referiu Sabrina Agresti- Roubache, secretária de Estado dos Assuntos Internos de França.

Após a reunião, o ministro húngaro do Interior, Sándor Pintér, salientou a presença de dez ministros em Budapeste, o que disse ser “um número razoável para tempos de paz”, considerando que se tratou de uma “representação forte”. Contudo, mostrou-se confiante de que, nas reuniões formais, os estados-membros se farão representar ao mais alto nível, através de ministros.

Não é inédito que um estado-membro esteja representado numa reunião do Conselho da UE apenas ao nível de secretários de Estado, mas, se isto se tornar prática constante, irá prejudicar o prestígio da presidência húngara da UE, especialmente se muitos dos chefes de Estado e de governo decidirem não participar na reunião do Conselho Europeu de Budapeste, em novembro.

Para já, a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da UE, marcada para os dias 28 e 29 agosto, terá lugar em Bruxelas, não em Budapeste, segundo informou, a 22 de julho, Josep Borrell, o chefe da diplomacia do bloco ou, melhor, o Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. “Temos de enviar um sinal, mesmo que seja um sinal simbólico, à Hungria”, afirmou Josep Borrell. Depois, acrescentou: “Penso que foi muito mais apropriado mostrar este sentimento e convocar as próximas reuniões do Conselho dos Negócios Estrangeiros e da Defesa para Bruxelas.

Segundo Josep Borrell, 25 dos 26 países parceiros da Hungria criticaram a visita de Orbán a Moscovo, a qual Budapeste classificou como uma “missão de paz”, mas que foi tida como um ato que só responsabiliza Orbán. Apenas a Eslováquia apoiou a posição da Hungria.

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É de lamentar que a Ucrânia tenha entrado neste esquema de prejudicar outros países que também precisam de sobreviver energeticamente. Estão isentos de uma interdição a nível da UE que proíbe a compra de petróleo bruto russo, bem como produtos seus derivados, por não terem litoral. A compra de petróleo Bruto à Rússia nunca fez parte das muitas sanções decretadas pela UE, mas o seu trânsito pelos territórios da UE, pelo que a maior parte deles recebe o petróleo e seus derivados por via marítima.    

A Ucrânia, que sofre de toda a destruição possível (até ao momento) em ambiente de guerra, não devia prejudicar a vida dos países limítrofes. Com efeito, segundo as notícias que os media divulgam reiteradamente, a onda de destruição atingiu muitas centrais elétricas ucranianas (algumas destruídas quase completamente) e um número significativo de refinarias de petróleo russas. O volume de consumo de energia elétrica na Ucrânia é metade do de 2023 e, devido aos ataques russos, a entidade responsável pela distribuição de energia elétrica tem vindo a ratear o consumo deste tipo de energia. E só não há mais insuficiência de energia elétrica porque a Ucrânia a importa de países da UE. 

Por outro lado, os muitos do produtos derivados do petróleo são necessários para alimentar a logística da guerra, que parece não ter fim, a menos que beligerantes e mediadores comecem a entabular negociações para o cessar-fogo e a consequente assinatura de um tratado de paz, que postulará um plano de reconstrução do território ucraniano e das respetivas infraestruturas físicas, administrativas, económicas e sociais. Certamente é uma guerra que ninguém vencerá.

A Ucrânia, como todos os povos, precisa de respirar, de viver. Para tanto, há que evitar os conflitos e acabar com os existentes ou, pelo menos, não os agravar.    

2024.07.23 – Louro de Carvalho

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