A Hungria
e a Eslováquia ameaçam levar a Ucrânia a tribunal, por causa da decisão deste
país de restringir o trânsito
de petróleo bruto russo, através do seu território, à empresa Lukoil, sediada em Moscovo. Trata-se do reforço unilateral das
sanções à Rússia pela Ucrânia, mas com prejuízo para dois estados-membros da
União Europeia (UE), que se tem mantido, quase unanimemente, solidária com o
país que está a ser objeto de invasão permanente da parte da Rússia.
Kiev aduz que as sanções são
necessárias, para reduzir as receitas do Kremlin que sustentam a invasão
militar, já no seu terceiro ano. Contudo, Budapeste e Bratislava ripostaram, furiosamente,
queixando-se de que a interrupção do fornecimento de energia ameaça as suas
economias.
Numa carta conjunta, os dois países –
Hungria e Eslováquia – pediram à Comissão Europeia que interviesse e lançasse
um processo de consulta, ao abrigo do Acordo de Associação UE-Ucrânia. Bruxelas
tomou conhecimento da petição, mas insiste que qualquer procedimento, a
existir, será iniciado pelo próprio executivo comunitário, que tem competência
exclusiva em matéria de política comercial. “Estamos atualmente a estudar o
conteúdo desta carta e a recolher mais informações, antes de tomarmos qualquer
decisão”, afirmou um porta-voz da Comissão, a 23 de julho. “De momento, não há
qualquer impacto imediato na segurança do abastecimento de petróleo à UE”,
sublinhou.
Não
obstante, a Comissão
Europeia está disposta a mediar o crescente conflito entre a Hungria e a
Eslováquia, por um lado, e a Ucrânia, por outro, sobre a decisão desta de reforçar
as sanções contra a Lukoil. Assim, a pedido da Hungria e da Eslováquia, foi agendada
uma reunião do Comité de Política Comercial, para ajudar a “avaliar os factos”.
“A Comissão está pronta a apoiar o impacto nos estados-membros e a encontrar
uma solução em conjunto com a Ucrânia”, vincou o referido porta-voz, garantindo
que também Kiev será envolvida nas discussões.
A carta conjunta foi enviada, a 22
de julho, numa altura em que os ministros dos Negócios Estrangeiro da UE se
reuniam para debaterem a agressão russa. E o representante da Hungria, Péter
Szijjártó, aproveitou a ocasião para abordar o tema com os seus pares. “Dissemos
às autoridades ucranianas que se tratou de uma decisão incompreensível,
inaceitável e hostil”, afirmou Szijjártó, em comunicado, em que aponta: “É
estranho que um país que aspira a integrar-se na UE esteja a pôr, seriamente,
em risco o abastecimento energético de dois estados-membros.”
Por sua vez, o homólogo eslovaco,
Juraj Blanár, igualmente crítico, observou que as restrições impostas aos
fornecimentos da Lukoil representam “clara violação” do Acordo de Associação. “Recusamo-nos
a ser um instrumento político. […] Defender-nos-emos com determinação e
utilizaremos todas as possibilidades do direito europeu”, escreveu no Facebook.
Com as tensões ao rubro, a Hungria e
a Eslováquia avisam que, se a mediação liderada pela UE não conseguir dar uma
resposta satisfatória, levarão a Ucrânia a tribunal.
É de recordar que a Hungria e a
Eslováquia estão, juntamente com a Chéquia, isentas de uma interdição a nível da UE que proíbe a compra
de petróleo bruto russo, bem como os seus derivados. Esta derrogação da sanção,
que ficou famosa, graças à intervenção de Viktor Orbán, numa cimeira de alto
nível, permite aos três estados sem litoral receberem petróleo através do
oleoduto Druzhba, que vai da Rússia à Europa Central.
A Lukoil é o principal operador do
oleoduto, mas não o único: a Tatneft, a Gazprom Neft, a Russneft e outras
empresas de pequena dimensão também utilizam esta rota. De acordo com a Reuters, o ramal sul do oleoduto transporta
diariamente cerca de 250 mil barris de petróleo russo. O principal comprador é
o Grupo MOL, que opera refinarias na Eslováquia e na Hungria.
“As sanções da UE, que contestámos,
em várias ocasiões, e que, neste caso, demonstraram ter um maior impacto
negativo na Eslováquia e na UE do que na própria Rússia, estabelecem,
claramente, que a Eslováquia tem uma isenção para as importações de petróleo,
até ao final do ano”, afirmou Blanár na sua declaração, acima evocada,
acusando: “A parte ucraniana impediu-nos de exercer esta isenção.”
Todavia, a alegação da Ucrânia não
resulta, exclusivamente, da necessidade de enfraquecer a economia russa. A
polémica surge na sequência da autointitulada “missão de paz” de Viktor Orbán,
concretizada numa série de visitas não anunciadas que levaram o
primeiro-ministro húngaro a deslocar-se a Kiev, a Moscovo e a Pequim, para
discutir o fim da guerra na Ucrânia. O seu encontro com Vladimir Putin
revelou-se extremamente controverso e alimentou um boicote crescente à
presidência semestral rotativa da Hungria no Conselho da UE, que teve início a
1 de julho e vai até ao dia 31 de dezembro.
Além disso, está em causa o veto de
Orbán ao reforço da assistência militar à Ucrânia. Com efeito, numa entrevista
aos meios de comunicação locais, Péter Szijjártó associou a disputa do petróleo
ao prolongado veto da Hungria à assistência militar da UE à Ucrânia, que
impediu a libertação de 6,6 mil milhões de euros em reembolsos devidos a outros
estados-membros. “Enquanto esta questão não for resolvida pela Ucrânia, todos
devem esquecer o pagamento dos 6,6 mil milhões de euros de indemnização pela
transferência de armas”, declarou Szijjártó, justificando: “Porque como seria o
pagamento de 6,6 mil milhões de euros? Nós contribuímos, enquanto a Ucrânia
ameaça a segurança do nosso abastecimento energético.”
***
Dos 27
estados-membros, só dez se fizeram representar por ministros na cimeira
informal de Justiça e Assuntos Internos, em Budapeste, no dia 22 de julho, no
âmbito da presidência húngara do Conselho da UE. Mesmo assim, o ministro
húngaro do Interior fala, em “representação forte”.
É a extensão a atos informais do
boicote da UE aos eventos formais da presidência húngara da União Europeia
(UE), que começou a 1 de julho e que dura até ao final do ano – boicote que
foi prometido por Bruxelas, depois das viagens do primeiro-ministro da
Hungria, Viktor Orbán, a Moscovo e a Pequim, tidas como atos de
deslealdade para com a UE e de ato abusivo da presidência rotativa do Conselho
da UE.
Alguns dos políticos presentes não
comentaram as ausências; e outros consideraram-nas mera expressão de opinião. “Penso que se trata de
uma reação à atividade externa da Hungria, por vezes não ajustada ao quadro
europeu. Alguns países
enviaram políticos de nível inferior, outros enviaram ministros. Não digo que seja um boicote,
mas uma espécie de opinião dos estados-membros, afirmou Arnoldas
Abramavičius vice-ministro do Interior da Lituânia.
“Não tenho comentários a fazer, sou
secretária de Estado francesa, represento o ministro, o Sr. Gérald Darmanin,
e estou aqui apenas porque somos europeus”, referiu
Sabrina Agresti- Roubache, secretária de Estado dos Assuntos Internos de
França.
Após a reunião, o ministro húngaro do
Interior, Sándor Pintér, salientou a presença de dez ministros em Budapeste, o
que disse ser “um número razoável para tempos de paz”,
considerando que se tratou de uma “representação forte”.
Contudo, mostrou-se confiante de que, nas reuniões formais, os estados-membros
se farão representar ao mais alto nível, através de ministros.
Não é inédito que um estado-membro
esteja representado numa reunião do Conselho da UE apenas ao nível de
secretários de Estado, mas, se isto se tornar prática constante, irá prejudicar
o prestígio da presidência húngara da UE, especialmente se muitos dos chefes de
Estado e de governo decidirem não participar na reunião do Conselho Europeu de
Budapeste, em novembro.
Para
já, a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da UE,
marcada para os dias 28 e 29 agosto, terá lugar em Bruxelas, não em Budapeste,
segundo informou, a 22 de julho, Josep Borrell, o chefe da diplomacia do bloco
ou, melhor, o Alto
representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
“Temos
de enviar um sinal, mesmo que seja um sinal simbólico, à Hungria”, afirmou Josep Borrell. Depois,
acrescentou: “Penso que foi muito mais apropriado mostrar este
sentimento e convocar as próximas reuniões do Conselho dos Negócios Estrangeiros
e da Defesa para Bruxelas.”
Segundo Josep Borrell, 25 dos 26
países parceiros da Hungria criticaram a visita de Orbán a Moscovo, a qual
Budapeste classificou como uma “missão de paz”, mas que foi tida como um ato
que só responsabiliza Orbán. Apenas a Eslováquia apoiou a posição da Hungria.
***
É de lamentar que a Ucrânia tenha
entrado neste esquema de prejudicar outros países que também precisam de
sobreviver energeticamente. Estão isentos de uma interdição a nível da
UE que proíbe a compra de petróleo bruto russo, bem como produtos
seus derivados, por não terem litoral. A compra de petróleo Bruto à Rússia
nunca fez parte das muitas sanções decretadas pela UE, mas o seu trânsito pelos
territórios da UE, pelo que a maior parte deles recebe o petróleo e seus
derivados por via marítima.
A Ucrânia, que sofre de toda a
destruição possível (até ao momento) em ambiente de guerra, não devia
prejudicar a vida dos países limítrofes. Com efeito, segundo as notícias que os
media divulgam reiteradamente, a onda
de destruição atingiu muitas centrais elétricas ucranianas (algumas destruídas
quase completamente) e um número significativo de refinarias de petróleo russas.
O volume de consumo de energia elétrica na Ucrânia é metade do de 2023 e,
devido aos ataques russos, a entidade responsável pela distribuição de energia
elétrica tem vindo a ratear o consumo deste tipo de energia. E só não há mais
insuficiência de energia elétrica porque a Ucrânia a importa de países da
UE.
Por outro lado, os muitos do produtos
derivados do petróleo são necessários para alimentar a logística da guerra, que
parece não ter fim, a menos que beligerantes e mediadores comecem a entabular
negociações para o cessar-fogo e a consequente assinatura de um tratado de paz,
que postulará um plano de reconstrução do território ucraniano e das respetivas
infraestruturas físicas, administrativas, económicas e sociais. Certamente é
uma guerra que ninguém vencerá.
A Ucrânia, como todos os povos,
precisa de respirar, de viver. Para tanto, há que evitar os conflitos e acabar
com os existentes ou, pelo menos, não os agravar.
2024.07.23 – Louro de Carvalho
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