segunda-feira, 1 de julho de 2024

O Rassemblement National poderá causar fricções na União Europeia

 

O partido de extrema-direita francês, Rassemblement National (RN) foi o mais votado, a 30 de junho, na primeira volta das eleições legislativas, com pouco mais de 33,1% dos votos; logo a seguir, a aliança de esquerda, Nova Frente Popular (NFP) conquistou, 28% dos votos; e o partido de Emmanuel Macron, o Renaissance, ficou em terceiro lugar, com 21% dos votos.

Em face dos resultados, Marine Le Pen pediu ao eleitorado que dê ao RN, atualmente a primeira força política, a maioria absoluta na Assembleia Nacional (AN), a câmara baixa Parlamento francês. Porém, Jean-Luc Mélenchon, líder do movimento França Insubmissa, um dos partidos da Nova Frente Popular, garantiu que, se passassem os três partidos e se a NFP ficar em terceiro lugar e a União Nacional em primeiro, a coligação partidária da esquerda retiraria a candidatura, para travar a extrema-direita na segunda volta, a 7 de julho.

Os resultados são uma grande derrota para Emmanuel Macron e poderão provocar um terramoto político em França. Porém, o presidente francês não baixou os braços e pediu ao eleitorado que bloqueie a extrema-direita, na segunda volta.

Apesar de um em cada três eleitores franceses ter apoiado o RN, as coisas não estão decididas, mercê do sistema eleitoral único que rege a eleição da AN.

A votação foi convocada depois de a coligação liberal de Macron ter tido desastroso desempenho nas eleições para o Parlamento Europeu (PE), a 9 de junho, e pouco contribui para inverter a maré a favor do presidente quase isolado. Ao dissolver, prontamente, a AN, logo que os resultados da UE foram conhecidos, Macron desafiou os cidadãos a decidirem se estão preparados para serem governados por um partido nacionalista que enviou 30 eurodeputados para Bruxelas.

Para já, a resposta foi afirmativa. Com os novos aliados dos Republicanos divididos – derrotados nas eleições europeias – o partido anteriormente conhecido como Frente Nacional aumentou a quota de votos em quase dois pontos percentuais, para 33,1%.

A França é um dos dois países da Europa que não seguem o sistema de representação proporcional nas eleições parlamentares; o outro é o Reino Unido. Todavia, os dois sistemas não são iguais. A França tem segunda volta, havendo ainda muito para jogar, com 577 lugares em disputa. Em contraste com os seus aliados, o Reino Unido, deverá eleger um governo trabalhista de centro-esquerda, 4 de julho, de acordo com o sistema de votação por círculos eleitorais.

Em França, os candidatos só podem ganhar um círculo eleitoral na primeira volta, se obtiverem maioria absoluta apoiada por, pelo menos, 25% dos eleitores recenseados. Historicamente, foram poucos os que o conseguiram – apenas, cinco em 2022, quatro dos quais com o partido de esquerda de Jean-Luc Mélenchon, França Insubmissa (LFI). É um sinal da mudança sísmica que está a ocorrer na política francesa o facto de, desta vez, o RN ter conquistado 39 lugares. A maior parte destas vitórias, nesta primeira volta, situa-se no extremo Norte de França, mas há também um grupo significativo no Sudeste, que, apesar da reputação glamorosa da Côte d’Azur, alberga algumas das comunidades mais precárias do país. E a Nova Frente Popular – aliança construída em torno do LFI de Mélenchon, que ficou em segundo lugar, com 28% dos votos nacionais – conquistou 32 lugares na primeira volta, na sua maioria círculos eleitorais em Paris e arredores.

Embora o resultado do RN tenha sido o mais mediático, a votação da primeira volta viu o centro virar, tanto para a esquerda como para a direita.

Os restantes 501 círculos eleitorais serão objeto da segunda volta. Todos os candidatos apoiados pelo equivalente a 12,5% dos eleitores recenseados podem passar à ronda seguinte. A afluência às urnas de 30 de junho, que registou um recorde de duas pessoas a votar por cada três elegíveis. É muito, o que abre caminho a um exercício maciço de votação tática na próxima ronda.

Mélenchon comprometeu-se a retirar os seus candidatos das eleições nos círculos eleitorais em que ficaram em terceiro lugar, para aumentar as hipóteses de derrotar o candidato do RN. E fez o mesmo o Ensemble (Juntos pela República), o agrupamento liderado pelo partido Renascimento de Macron. “Perante a ameaça de uma vitória da extrema-direita, apelamos a todas as formações políticas para que atuem de forma responsável e façam o mesmo”, declarou o Ensemble, em comunicado, na noite de 30 de junho.

Roland Lescure, atual ministro macronista da Indústria e Energia, que obteve 39% dos votos no seu círculo eleitoral, resumiu o dilema que muitos eleitores enfrentarão subsequente fim de semana. “Estou convencido de que, apesar das personalidades censuráveis que assombram o França Insubmissa, em primeiro lugar, as mais proeminentes de entre elas, não vão tomar o poder”, disse Lescure, que não é fã do incendiário Mélenchon, acrescentando: “Apelo a todos os eleitores a que não hesitem em bloquear a extrema-direita, votando no candidato alternativo que ficou mais bem classificado na primeira volta.”

Lescure enfrenta a segunda volta num dos 11 círculos eleitorais que representam os cidadãos franceses que vivem no estrangeiro, no seu caso expatriados nos Estados Unidos da América (EUA) e no Canadá – outra peculiaridade do sistema eleitoral francês.

A propensão dos liberais franceses para engolirem sapos e votarem na aliança de Mélenchon – cujos membros vão desde comunistas desconstruídos a um Partido Socialista encolhido, que já foi o lar político do antigo banqueiro de investimento Macron – pode determinar, em grande parte, se o presidente do RN, Jordan Bardella, de 28 anos, será o próximo primeiro-ministro de França.

Os apoiantes do LFI, o que resta dos Republicanos e outros terão de fazer escolhas difíceis.

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Pela segunda vez, em menos de um mês, a coligação centrista de Emmanuel Macron sofreu um duro golpe desferido pelo RN, de extrema-direita, que garantiu a primeira posição na primeira volta das eleições legislativas antecipadas.

Macron dissolveu a AN e convocou eleições, depois de o RN ter vencido as eleições europeias, obtendo mais do dobro dos votos da coligação centrista de Macron. Tal decisão precipitada foi descrita pelos comentadores como um estratagema que lhe poderia garantir a maioria absoluta, perdida há dois anos, ou como uma aposta perigosa que poderia levar a extrema-direita a liderar um governo, pela primeira vez, no país.

O RN, liderado por Jordan Bardella, de 28 anos, parece ter cimentado a sua posição como a principal força política, ao assegurar mais de 33% dos votos. E, se o resultado se confirmar, poderá obter entre 230 e 280 lugares – no segundo caso, apenas nove lugares a menos do que a maioria absoluta. E Bardella já prometeu ser “o primeiro-ministro de todos os Franceses, respeitoso da oposição, aberto ao diálogo e sempre preocupado com a unidade do povo”, ao mesmo tempo que criticou a aliança de Macron e a Nova Frente Popular, de esquerda.

Em 2017, a então Frente Nacional (hoje, RN) obteve 13% dos votos na primeira volta e, em 2022, 18% dos votos. Agora, segundo Tara Varma, membro visitante da Brookings Institution, em Washington DC, “as pessoas já não têm vergonha de votar no Rassemblement National” e “não só já não têm vergonha de o fazer, como também já não têm vergonha de o dizer”.

O cenário em que o RN ganha a maioria absoluta no Parlamento pode não ser o “mais provável”, mas não está “excluído”.

A coligação centrista de Macron, Ensemble, sofreu outro golpe devastador, ao ficar em terceiro lugar com apenas 21% dos votos. São, respetivamente, 12 pontos e sete pontos abaixo da coligação de extrema-direita RN e da coligação de esquerda NFP.

Cerca de 300 dos seus candidatos ainda estão na disputa por um lugar no hemiciclo de 577 lugares. Se o resultado da primeira volta se confirmar, significará que a coligação centrista perderá até 180 lugares, mantendo apenas entre 70 e 100 deputados. Porém, desde que nenhuma outra aliança obtenha a maioria absoluta, Macron poderá, em tese, formar coligação governamental (incluindo os Socialistas e os Verdes, à esquerda, e os Republicanos, à direita), o que será difícil pois, não é claro se encontrarão uma base de negociação ou se terão, em conjunto, os 289 lugares necessários. No entanto, o campo presidencial tem rejeitado qualquer ideia de trabalhar com o partido de extrema-esquerda, La France Insoumise (LFI), tendo Macron afirmado que, se o RN, ou o LFI, chegassem ao poder, isso poderia levar a uma “guerra civil”. Outros falam de caos!

Poucos minutos depois de a sondagem à boca das urnas ter mostrado o RN na liderança, os líderes políticos da esquerda começaram a apelar a uma chamada “frente republicana”. Comprometeram-se a retirar os candidatos que ficaram em terceiro lugar e que se qualificaram para a segunda volta, na tentativa de evitarem que o RN ganhasse lugares devido a uma divisão de votos entre os outros partidos. O LFI, os socialistas, os Verdes e os comunistas, bem como alguns membros da coligação centrista de Macron estão a fazer o mesmo.

“Digo isto com toda a força que cada um dos nossos eleitores deve reunir. Nem um único voto deve ir para o Rassemblement National”, disse o primeiro-ministro Gabriel Attal no seu discurso. E outros membros da coligação do Presidente apelaram aos seus eleitores a que não apoiassem os membros do LFI, afirmando que nem o RN nem o partido de Jean-Luc Mélenchon, que faz parte da coligação de esquerda, deviam receber um voto.

Para Mathias Bernard, especialista em História política francesa e presidente da Universidade de Clermont Auvergne, “as desistências ou, pelo contrário, as disputas triangulares são a chave da eleição”. Se cada um dos três blocos se apresentar sozinho na segunda volta, o RN obterá a maioria absoluta, o que lhe será difícil, se houver uma espécie de frente republicana.

O interesse pelo escrutínio convocado por Macron foi intenso, com vários eleitores a dizerem, antes da votação, que estavam desiludidos com as políticas do Presidente e que queriam mudanças. A afluência às urnas, que é usualmente baixa em França, aumentou significativamente durante estas eleições. E os resultados deram origem a protestos no país, com milhares de eleitores de esquerda a reunirem-se contra os ganhos da extrema-direita.

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Em caso de vitória, o RN pode causar desentendimentos na União Europeia (UE). A extrema-direita já não fala do Frexit ou de saída do euro, mas algumas das suas propostas desencontram-se do compromisso assumido pela França com a UE. Bardella já propôs, por exemplo, a redução da contribuição da França para o orçamento da UE em dois mil milhões de euros (o orçamento é delineado segundo o princípio da equidade: quem mais tem mais contribui). 

No atinente à imigração, as ideias do partido de extrema-direita podem colidir com os valores e princípios da UE, pois o partido tem o compromisso de abrir negociações para reformar a liberdade de circulação no espaço Schengen, “reservando-a aos cidadãos europeus”, bem como a ideia de “controlos de imigração mais rigorosos”, possivelmente apoiados por um referendo para colocar a lei francesa acima da lei europeia.

No que diz respeito a políticas de energia da UE, o RN quer que a França saia das “regras europeias de fixação dos preços da energia”. E Bardella quer negociar uma derrogação do mercado da eletricidade igual ao modelo ibérico, de que são beneficiários a Espanha e Portugal.

O RN quer a redução do IVA sobre a energia e os combustíveis, bem como reverter a reforma das pensões adotada pela maioria de Emmanuel Macron (embora o projeto não seja de competência europeia, é recomendado, para controlar o défice público).

Assim, mesmo não saindo da UE, o programa do RN desafia a UE, o que também será feito por uma frente de esquerda, a partir de França, se obtiver o poder executivo.

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Enfim, o crescimento da extrema-direita na Europa tem consequências!

2024.07.01 – Louro de Carvalho

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