O partido de extrema-direita francês, Rassemblement National
(RN) foi o mais votado, a 30 de junho, na primeira volta das eleições
legislativas, com pouco mais de 33,1% dos votos; logo a seguir, a aliança de esquerda, Nova
Frente Popular (NFP) conquistou, 28% dos votos; e o partido de Emmanuel Macron, o Renaissance, ficou em terceiro lugar, com 21%
dos votos.
Em face dos resultados, Marine Le Pen pediu ao eleitorado que dê ao RN,
atualmente a primeira força política, a maioria absoluta na Assembleia Nacional
(AN), a câmara baixa Parlamento francês. Porém, Jean-Luc Mélenchon, líder do
movimento França Insubmissa, um dos partidos da Nova Frente Popular, garantiu
que, se passassem os três partidos e se a NFP ficar em terceiro lugar e a União
Nacional em primeiro, a coligação partidária da esquerda retiraria a
candidatura, para travar a extrema-direita na segunda volta, a 7 de julho.
Os resultados são uma grande derrota para Emmanuel Macron e poderão
provocar um terramoto político em França. Porém, o presidente francês não
baixou os braços e pediu ao eleitorado que bloqueie a extrema-direita, na
segunda volta.
Apesar de um em cada
três eleitores franceses ter apoiado o RN, as coisas não estão decididas, mercê
do sistema eleitoral único que rege a eleição da AN.
A votação foi convocada depois de a coligação liberal de Macron ter tido desastroso
desempenho nas eleições para o Parlamento Europeu (PE), a 9 de junho, e pouco
contribui para inverter a maré a favor do presidente quase isolado. Ao
dissolver, prontamente, a AN, logo que os resultados da UE foram conhecidos,
Macron desafiou os cidadãos a decidirem se estão preparados para serem
governados por um partido nacionalista que enviou 30 eurodeputados para
Bruxelas.
Para já, a resposta foi afirmativa. Com os novos aliados dos Republicanos
divididos – derrotados nas eleições europeias – o partido anteriormente
conhecido como Frente Nacional aumentou a quota de votos em quase dois pontos
percentuais, para 33,1%.
A França é um dos dois países da Europa que não seguem o sistema de
representação proporcional nas eleições parlamentares; o outro é o Reino Unido.
Todavia, os dois sistemas não são iguais. A França tem segunda volta, havendo
ainda muito para jogar, com 577 lugares em disputa. Em contraste com os seus
aliados, o Reino Unido, deverá eleger um governo trabalhista de
centro-esquerda, 4 de julho, de acordo com o sistema de votação por círculos
eleitorais.
Em França, os candidatos só podem ganhar um círculo eleitoral na primeira
volta, se obtiverem maioria absoluta apoiada por, pelo menos, 25% dos eleitores
recenseados. Historicamente, foram poucos os que o conseguiram – apenas, cinco
em 2022, quatro dos quais com o partido de esquerda de Jean-Luc Mélenchon,
França Insubmissa (LFI). É um sinal da mudança sísmica que está a ocorrer na
política francesa o facto de, desta vez, o RN ter conquistado 39 lugares. A
maior parte destas vitórias, nesta primeira volta, situa-se no extremo Norte de
França, mas há também um grupo significativo no Sudeste, que, apesar da
reputação glamorosa da Côte d’Azur, alberga algumas das comunidades mais
precárias do país. E a Nova Frente Popular – aliança construída em torno do LFI
de Mélenchon, que ficou em segundo lugar, com 28% dos votos nacionais –
conquistou 32 lugares na primeira volta, na sua maioria círculos eleitorais em
Paris e arredores.
Embora o resultado do RN tenha sido o mais mediático, a votação da primeira
volta viu o centro virar, tanto para a esquerda como para a direita.
Os restantes 501 círculos eleitorais serão objeto da segunda volta. Todos
os candidatos apoiados pelo equivalente a 12,5% dos eleitores recenseados podem
passar à ronda seguinte. A afluência às urnas de 30 de junho, que registou um
recorde de duas pessoas a votar por cada três elegíveis. É muito, o que abre
caminho a um exercício maciço de votação tática na próxima ronda.
Mélenchon comprometeu-se a retirar os seus candidatos das eleições nos
círculos eleitorais em que ficaram em terceiro lugar, para aumentar as
hipóteses de derrotar o candidato do RN. E fez o mesmo o Ensemble (Juntos pela
República), o agrupamento liderado pelo partido Renascimento de Macron. “Perante
a ameaça de uma vitória da extrema-direita, apelamos a todas as formações
políticas para que atuem de forma responsável e façam o mesmo”, declarou o
Ensemble, em comunicado, na noite de 30 de junho.
Roland Lescure, atual ministro macronista da Indústria e Energia, que
obteve 39% dos votos no seu círculo eleitoral, resumiu o dilema que muitos
eleitores enfrentarão subsequente fim de semana. “Estou convencido de que,
apesar das personalidades censuráveis que assombram o França Insubmissa, em
primeiro lugar, as mais proeminentes de entre elas, não vão tomar o poder”,
disse Lescure, que não é fã do incendiário Mélenchon, acrescentando: “Apelo a
todos os eleitores a que não hesitem em bloquear a extrema-direita, votando no
candidato alternativo que ficou mais bem classificado na primeira volta.”
Lescure enfrenta a segunda volta num dos 11 círculos eleitorais que
representam os cidadãos franceses que vivem no estrangeiro, no seu caso
expatriados nos Estados Unidos da América (EUA) e no Canadá – outra peculiaridade
do sistema eleitoral francês.
A propensão dos liberais franceses para engolirem sapos e votarem na
aliança de Mélenchon – cujos membros vão desde comunistas desconstruídos a um
Partido Socialista encolhido, que já foi o lar político do antigo banqueiro de
investimento Macron – pode determinar, em grande parte, se o presidente do RN,
Jordan Bardella, de 28 anos, será o próximo primeiro-ministro de França.
Os apoiantes do LFI, o que resta dos Republicanos e outros terão de fazer
escolhas difíceis.
***
Pela segunda vez, em
menos de um mês, a coligação centrista de Emmanuel Macron sofreu um duro golpe desferido
pelo RN, de extrema-direita, que garantiu a primeira posição na primeira volta
das eleições legislativas antecipadas.
Macron dissolveu a AN e convocou eleições, depois de o RN ter vencido as
eleições europeias, obtendo mais do dobro dos votos da coligação centrista de
Macron. Tal decisão precipitada foi descrita pelos comentadores como um
estratagema que lhe poderia garantir a maioria absoluta, perdida há dois anos,
ou como uma aposta perigosa que poderia levar a extrema-direita a liderar um
governo, pela primeira vez, no país.
O RN, liderado por
Jordan Bardella, de 28 anos, parece ter cimentado a sua posição como a
principal força política, ao assegurar mais de 33% dos votos. E, se o resultado
se confirmar, poderá obter entre 230 e 280 lugares – no segundo caso, apenas
nove lugares a menos do que a maioria absoluta. E Bardella já prometeu ser “o primeiro-ministro de todos os Franceses, respeitoso da oposição,
aberto ao diálogo e sempre preocupado com a unidade do povo”,
ao mesmo tempo que criticou a aliança de Macron e a Nova Frente Popular, de
esquerda.
Em 2017, a então Frente
Nacional (hoje, RN) obteve 13% dos votos na primeira volta e, em 2022, 18% dos
votos. Agora, segundo Tara Varma, membro visitante da Brookings Institution, em
Washington DC, “as
pessoas já não têm vergonha de votar no Rassemblement National”
e “não só já não têm
vergonha de o fazer, como também já não têm vergonha de o dizer”.
O cenário em que o RN
ganha a maioria absoluta no Parlamento pode não ser o “mais provável”, mas não está “excluído”.
A coligação centrista
de Macron, Ensemble, sofreu outro golpe devastador, ao ficar em terceiro lugar
com apenas 21% dos votos. São, respetivamente, 12 pontos e sete pontos abaixo
da coligação de extrema-direita RN e da coligação de esquerda NFP.
Cerca de 300 dos seus
candidatos ainda estão na disputa por um lugar no hemiciclo de 577 lugares. Se
o resultado da primeira volta se confirmar, significará que a coligação
centrista perderá até 180 lugares, mantendo apenas entre 70 e 100 deputados.
Porém, desde que nenhuma outra aliança obtenha a maioria absoluta, Macron
poderá, em tese, formar coligação governamental (incluindo os Socialistas e os
Verdes, à esquerda, e os Republicanos, à direita), o que será difícil pois, não
é claro se encontrarão uma base de negociação ou se terão, em conjunto, os 289
lugares necessários. No entanto, o campo presidencial tem rejeitado qualquer
ideia de trabalhar com o partido de extrema-esquerda, La France Insoumise
(LFI), tendo Macron afirmado que, se o RN, ou o LFI, chegassem ao poder, isso
poderia levar a uma “guerra civil”. Outros falam de caos!
Poucos minutos depois
de a sondagem à boca das urnas ter mostrado o RN na liderança, os líderes
políticos da esquerda começaram a apelar a uma chamada “frente republicana”. Comprometeram-se a retirar os
candidatos que ficaram em terceiro lugar e que se qualificaram para a segunda
volta, na tentativa de evitarem que o RN ganhasse lugares devido a uma divisão
de votos entre os outros partidos. O LFI, os socialistas, os Verdes e os
comunistas, bem como alguns membros da coligação centrista de Macron estão a
fazer o mesmo.
“Digo isto com toda a força que cada um dos nossos eleitores deve reunir.
Nem um único voto deve ir para o Rassemblement National”, disse o primeiro-ministro Gabriel Attal no seu discurso. E outros
membros da coligação do Presidente apelaram aos seus eleitores a que não
apoiassem os membros do LFI, afirmando que nem o RN nem o partido de Jean-Luc
Mélenchon, que faz parte da coligação de esquerda, deviam receber um voto.
Para Mathias Bernard,
especialista em História política francesa e presidente da Universidade de
Clermont Auvergne, “as desistências ou,
pelo contrário, as disputas triangulares são a chave da eleição”. Se cada um dos três blocos se apresentar sozinho na segunda volta, o RN obterá
a maioria absoluta, o que lhe será difícil, se houver uma espécie de frente
republicana.
O interesse pelo
escrutínio convocado por Macron foi intenso, com vários eleitores a dizerem,
antes da votação, que estavam desiludidos com as políticas do Presidente e que
queriam mudanças. A afluência às urnas, que é usualmente baixa em França,
aumentou significativamente durante estas eleições. E os resultados deram
origem a protestos no país, com milhares de eleitores de esquerda a reunirem-se
contra os ganhos da extrema-direita.
***
Em caso de vitória, o
RN pode causar desentendimentos na União Europeia (UE). A extrema-direita já
não fala do Frexit ou de saída do euro, mas algumas das suas propostas
desencontram-se do compromisso assumido pela França com a UE. Bardella já
propôs, por exemplo, a redução da contribuição da França para o orçamento da UE
em dois mil milhões de euros (o orçamento é delineado segundo o princípio da
equidade: quem mais tem mais contribui).
No atinente à
imigração, as ideias do partido de extrema-direita podem colidir com os valores
e princípios da UE, pois o partido tem o compromisso de abrir negociações
para reformar a liberdade de circulação no espaço Schengen, “reservando-a aos
cidadãos europeus”, bem como a ideia de “controlos de imigração mais rigorosos”,
possivelmente apoiados por um referendo para colocar a lei francesa acima da
lei europeia.
No que diz respeito a políticas de energia da UE, o RN quer que a França
saia das “regras europeias de fixação dos preços
da energia”. E Bardella quer negociar uma derrogação do mercado da
eletricidade igual ao modelo ibérico, de que são beneficiários a Espanha e
Portugal.
O RN quer a redução do IVA sobre a energia e os combustíveis, bem como
reverter a reforma das pensões adotada pela maioria de Emmanuel Macron (embora
o projeto não seja de competência europeia, é recomendado, para controlar o
défice público).
Assim, mesmo não saindo da UE, o programa do RN desafia a UE, o que
também será feito por uma frente de esquerda, a partir de França, se obtiver o
poder executivo.
***
Enfim, o crescimento da extrema-direita na Europa tem consequências!
2024.07.01 – Louro de Carvalho
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