É
a grande ideia a reter do Fórum do BCE, areópago de discussão de política monetária,
que decorreu em Sintra, de 1 a 3 de julho, sob a batuta de Christine Lagarde,
presidente do Banco Central Europeu (BCE), com a presença de Roberto Campos
Neto, governador do Banco Central do Brasil (BCB), e de Jerome Powell, presidente
da Reserva Federal dos Estados Unidos (FED).
Christine
Lagarde, no discurso de abertura, afirmou que foi possível “encontrar um
caminho na incerteza e [que] já chegámos longe na luta contra a inflação”, mas alertou
que a luta “ainda não acabou”, sendo necessário continuar a vigilância. E, para
frisar que o BCE enfrentou a incerteza, mas conseguiu avançar com o primeiro
corte de juros, em junho, citou Alex Ferguson, antigo treinador de futebol,
enquanto decorria o jogo da seleção de Portugal: “Por vezes, não tens a
certeza, duvidas e tens de adivinhar e, às vezes, simplesmente sabes.”
Apesar
de a inflação estar relativamente controlada, a presidente do BCE salientou que
a trajetória da política monetária “travou o crescimento económico”, pelo que, “dada
a magnitude do choque inflacionista, ainda não está garantida uma aterragem suave”, Ou seja, é possível evitar
uma recessão ou uma grande deterioração do emprego, nomeadamente devido à
resiliência que tem demonstrado o mercado de trabalho. Todavia, persistem fatores
de incerteza quanto à inflação futura, sobretudo em termos de como evoluirá o
nexo entre lucros, salários e produtividade, bem como no atinente à
possibilidade de novos choques do lado da oferta afetarem a economia.
Assim,
o BCE continua determinado em “seguir uma abordagem dependente dos dados e
reunião a reunião, na tomada de decisões”, sem compromisso com futuros cortes
das taxas diretoras, na sequência corte das taxas diretoras em 25 pontos-base
decidido em junho (a próxima reunião está marcada para dia 18 de julho).
A
presidente do BCE concluiu o discurso, citando Bobby Robson, futebolista e
treinador – “os primeiros 90 minutos são os mais importantes –, para garantir: “Não
descansaremos, até termos ganho o jogo e a inflação ter regressado a 2%.”
***
A Zona Euro está “muito adiantada” no caminho de redução dos preços, devendo
convergir para a meta oficial de inflação de 2% (está no “processo de
desinflação”), mas a rota das reduções de taxas de juro tem de ser “avaliada e
reavaliada constantemente”, “tem de ser um passo de cada vez”, declarou
Christine Lagarde.
No painel de debate do segundo dia, que reuniu três banqueiros centrais –
Christine Lagarde, Campos Neto e Jerome Powell – a líder do BCE declarou que,
no concernente à Zona Euro, “estamos muito adiantados no processo de
desinflação”. Ou seja, as pressões sobre os preços estão a reduzir-se, bem como
as pressões de segunda ordem (salários e lucros das empresas, que deixaram de
ser a ameaça mais grave e latente. Ainda assim, há várias incertezas quanto à
inflação futura, em termos da evolução do nexo entre lucros, salários e
produtividade. Em todo o caso, tudo considerado, foi esse avanço no processo de
“desinflação” que deu “confiança” ao BCE para reduzir taxas de juro em 0,25
pontos percentuais (de níveis máximos históricos), no início de junho (com a taxa
de depósito, a nova referência de taxa principal, a cair de 4% para 3,75%). Foi
a primeira descida em quase dois anos de aumentos severos e repetidos.
A 2 de julho, o Eurostat revelou que a inflação da Zona Euro voltou cair
ligeiramente de 2,6%, em maio, para 2,5%, em junho (variação homóloga). Compara
com o máximo histórico da Zona Euro de 10,6%, em outubro de 2022. Expurgando as
componentes de bens de energia e alimentares, também diminuiu, mas o nível
continua elevado, fixou-se em 2,8% em junho.
No debate, Lagarde comentou o valor da inflação de junho, que classificou
de “positivo” (desceu uma décima, face a maio), mas repetiu o que já vem
dizendo, que o caminho até ao final deste ano, pelo menos, “vai ser
acidentado”.
No entanto, mal falou no sucesso do processo de desinflação, conservou o
registo “água na fervura” a que habituou a Zona Euro, dizendo que a descida de
taxas de juro por parte do BCE “não é um processo linear nem tem um caminho
pré-determinado, é um passo de cada vez”, um processo que “exige constantemente
avaliações e reavaliações” de acordo com os novos dados que forem surgindo. Entretanto,
reiterou que a inflação do euro vai “na direção certa” (ao invés do que sustenta
o presidente da FED), desvalorizou a importância da inflação no setor dos
serviços, referindo não ter sofrido grandes alterações e que o BCE “não precisa
que a inflação dos serviços esteja em 2%”, para se sentir confiante em
prosseguir a sua missão.
“Obviamente, não precisamos que a inflação nos serviços esteja em 2%,
porque a inflação dos bens da indústria transformadora está abaixo dos 2% e […]
isso levará a um equilíbrio entre bens e serviços”, atirou Lagarde, tendo em
mente que a inflação dos bens industriais (sem energia), segundo o Eurostat, está
nos 0,7%, abaixo dos 2%, desde janeiro deste ano. E acrescentou que
“necessitamos de ver os lucros das empresas a absorver os aumentos salariais”,
para haver maior tranquilidade e maiores certezas quando ao passo seguinte nos
preços gerais da economia e, ato contínuo, nas taxas de juro.
Até agora, como explicou a líder do BCE, a 1 de julho, as pressões
salariais, que chegaram a ser temidas como grande problema para domar a
inflação, estão a ser acomodadas pelas empresas, pois os lucros destas são
elevados e os salários reais (mesmo que subam) são relativamente baixos. Ou
seja, a resiliência do mercado laboral advém da capacidade de as empresas
“acumularem” força de trabalho (pessoas) que aceita ganhos salariais de poder
de compra (ganhos reais) baixos, apesar do contexto agreste (taxas de juro e de
custo de vida agravado, desde o início de 2022.
***
Para Lagarde, a prioridade é a política
orçamental – à custa dos salários baixos e, por conseguinte, da pobreza da maior
parte das pessoas –, nomeadamente agora que já se concretizou a reforma do
quadro orçamental “dentro do qual os estados-membros têm de operar e controlar
a direção da dívida e garantir que se mantém sustentável”. Têm de o fazer com
flexibilidade, com foco na produtividade e no crescimento, com o investimento
que estes dois elementos postulam. E a presidente o BCE espera que, “operando
dentro do quadro orçamental europeu, os países olhem para as mudanças
estruturais que têm de continuar a fazer, para terem um conjunto de ferramentas”
que permitam a melhoria da produtividade.
Por
isso, o BCE está preocupado com as regras orçamentais que têm de ser
respeitadas na União Europeia (UE) e com as reformas estruturais conducentes à melhoria
da produtividade, que é a única forma de a UE se manter forte e prosperar. E um
dos países com a situação orçamental mais preocupante é a França, por causa da
crise política em curso; e, embora Lagarde se tenha escusado a comentar e este
caso específico, admitiu que o BCE está atento, pois a instituição tem de estar
atenta à estabilização dos mercados financeiros. “O BCE tem de fazer o que tem
de fazer, o nosso mandato é a estabilidade dos preços e estamos atentos a isso,
porque é parte do nosso trabalho”, garantiu Christine Lagarde, salientando que
estas são as coisas que monitorizam.
Do
lado dos Estados Unidos da América (EUA), o presidente da FED salientou que o
país (na incerteza do futuro, devido às eleições que se avizinham) “está com um
défice muito elevado” e que o nível de dívida pública “não é insustentável, mas
a trajetória neste momento é”. “Devia ser um foco para a frente, pensar como
voltamos a ter uma trajetória sustentável" para a dívida pública, alertou Jerome
Powell.
Por
seu turno, o governador do BCB, também alertou para os riscos da dívida pública
elevada, apontando que o custo do serviço da dívida dos EUA, da UE e do Japão
está a aumentar, tendo impacto no mercado. Segundo Campos Neto, “a dívida
global é muito alta e vai começar a tirar liquidez dos mercados” e os “países
de baixo rendimento já estão a sentir isto”. Com efeito, há várias “contas para
pagar no futuro”: o custo da transição verde, o da fragmentação, o da pandemia
nos países de baixo rendimento e a energia e inovação. Por isso, importa pensar
como conseguir uma “trajetória estável da dívida”.
***
A chefe máxima da autoridade monetária acentuou que “apenas cerca de 15% das aterragens
suaves bem-sucedidas desde 1970 – isto é, em que se evitou recessão ou grande
destruição de emprego – foram alcançadas na sequência de choques nos preços da
energia”. Por isso, dadas as atuais circunstâncias, avisou que “não está garantida
uma aterragem suave da economia” da Zona Euro, nem se pode excluir a ocorrência
de novos choques externos sobre a inflação e perturbações na rota de descida
das taxas de juro. E explicou como esta crise foi diferente de outras, no
passado, pois tornou muito mais difícil medir o grau de enraizamento da
inflação.
Ao
mesmo tempo, apesar de ter iniciado a descida de taxas de juro, Lagarde advertiu
que a economia pode estar a assimilar o aumento passado e muito forte das taxas
de juro do BCE, ao mesmo tempo que não se pode colocar de parte um novo choque
externo sobre os preços (do lado da oferta, como nova subida no custo da energia
ou dos alimentos). Tal levaria o BCE a ter de ir mais devagar, na descida dos
juros, ou a interromper o ritmo do alívio.
Perante
a audiência de banqueiros centrais, de investidores e muitos economistas e
investigadores académicos, a presidente do BCE admitiu progressos positivos no
combate à inflação, recordando que, dado o enorme choque na inflação
(exponenciado pelo começo da guerra contra a Ucrânia), no início de 2022,
“sabíamos que estávamos longe de onde precisávamos de estar”, em termos de
taxas de juro. Até julho de 2022, as taxas do BCE estiveram em zero, em mínimos
históricos. Nessa altura, o fator mais importante foi colmatar o hiato, o que
ainda faltava, o mais rapidamente possível”. “Por isso, tivemos uma subida
historicamente acentuada, no início da nossa trajetória de taxas, com aumentos
de 0,75 e 0,5 pontos percentuais nas nossas primeiras seis subidas de taxas”, lembrou
a presidente do BCE.
Porém
Christine Lagarde assumiu que os dados dizem para tirar o pé do travão das
taxas, embora não se perceba se o crescimento económico e o emprego se manterão
incólumes a estes dois anos de apertos. “A nossa trajetória de política ajudou
a controlar a inflação, mas também enfraqueceu o crescimento económico. […] As
taxas de juro subiram de forma constante e permaneceram elevadas, enquanto a
economia estagnou durante cinco trimestres consecutivos. […] Este padrão é
inevitável, quando os bancos centrais enfrentam choques que empurram a inflação
e a produção em direções opostas”, [mas, desta vez], “os custos da desinflação
foram contidos em comparação com episódios semelhantes no passado”, explanou Lagarde.
“Se
olharmos para os ciclos históricos das taxas desde 1970, podemos ver que,
quando os principais bancos centrais aumentavam as taxas de juro, enquanto os
preços da energia estavam elevados, os custos para a economia eram geralmente
bastante altos”, vincou. a também ex-ministra das Finanças de França, mostrando-se
confiante, pois este ciclo não seguiu os padrões do passado, tendo a inflação
atingido “um pico muito mais elevado do que durante as aterragens suaves
anteriores”, mas abrandado “mais rapidamente”. Para já, o crescimento
manteve-se no intervalo dos anteriores episódios de aterragem suave, “embora
próximo do limite inferior desse intervalo” e o desempenho do mercado de
trabalho tem sido “excecionalmente benigno”.
Apesar
do abrandamento do Produto Interno Bruto (PIB), o emprego continuou a crescer
(“mais 2,6 milhões de pessoas desde o final de 2022”) e o desemprego na Zona
Euro “está em mínimos históricos”, indica Lagarde, considerando: [Assim], “a
resiliência do mercado de trabalho é em si um reflexo da combinação invulgar de
choques que atingiu a área do euro, com a escassez de mão-de-obra a levar as
empresas a acumular mais mão-de-obra, e lucros mais elevados e salários reais
mais baixos tornando-lhes mais fácil fazê-lo.”
Contudo,
para a chefe do BCE, mercê das várias incertezas apontadas, levará tempo “até
reunirmos dados suficientes, para termos a certeza de que os riscos de inflação
acima do nosso objetivo já passaram”. Ou seja, o tempo será crucial para o BCE
avaliar se pode continuar a descer juros, na sequência do que se começou em
junho. Com efeito, “o mercado de trabalho forte significa que podemos reservar tempo
para recolher novas informações, mas também precisamos de estar conscientes do
facto de que as perspetivas de crescimento permanecem incertas” – diz a presidente
da autoridade de política monetária da Zona Euro.
Enfim,
continua a exigência de baixos salários, para que a finança não tenha prolemas.
2024.07.03 –
Louro de Carvalho
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