quarta-feira, 3 de julho de 2024

A luta contra a inflação não acabou e exige vigilância

 

É a grande ideia a reter do Fórum do BCE, areópago de discussão de política monetária, que decorreu em Sintra, de 1 a 3 de julho, sob a batuta de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), com a presença de Roberto Campos Neto, governador do Banco Central do Brasil (BCB), e de Jerome Powell, presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos (FED).

Christine Lagarde, no discurso de abertura, afirmou que foi possível “encontrar um caminho na incerteza e [que] já chegámos longe na luta contra a inflação”, mas alertou que a luta “ainda não acabou”, sendo necessário continuar a vigilância. E, para frisar que o BCE enfrentou a incerteza, mas conseguiu avançar com o primeiro corte de juros, em junho, citou Alex Ferguson, antigo treinador de futebol, enquanto decorria o jogo da seleção de Portugal: “Por vezes, não tens a certeza, duvidas e tens de adivinhar e, às vezes, simplesmente sabes.”

Apesar de a inflação estar relativamente controlada, a presidente do BCE salientou que a trajetória da política monetária “travou o crescimento económico”, pelo que, “dada a magnitude do choque inflacionista, ainda não está garantida uma aterragem suave”, Ou seja, é possível evitar uma recessão ou uma grande deterioração do emprego, nomeadamente devido à resiliência que tem demonstrado o mercado de trabalho. Todavia, persistem fatores de incerteza quanto à inflação futura, sobretudo em termos de como evoluirá o nexo entre lucros, salários e produtividade, bem como no atinente à possibilidade de novos choques do lado da oferta afetarem a economia.

Assim, o BCE continua determinado em “seguir uma abordagem dependente dos dados e reunião a reunião, na tomada de decisões”, sem compromisso com futuros cortes das taxas diretoras, na sequência corte das taxas diretoras em 25 pontos-base decidido em junho (a próxima reunião está marcada para dia 18 de julho).

A presidente do BCE concluiu o discurso, citando Bobby Robson, futebolista e treinador – “os primeiros 90 minutos são os mais importantes –, para garantir: “Não descansaremos, até termos ganho o jogo e a inflação ter regressado a 2%.”

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A Zona Euro está “muito adiantada” no caminho de redução dos preços, devendo convergir para a meta oficial de inflação de 2% (está no “processo de desinflação”), mas a rota das reduções de taxas de juro tem de ser “avaliada e reavaliada constantemente”, “tem de ser um passo de cada vez”, declarou Christine Lagarde.

No painel de debate do segundo dia, que reuniu três banqueiros centrais – Christine Lagarde, Campos Neto e Jerome Powell – a líder do BCE declarou que, no concernente à Zona Euro, “estamos muito adiantados no processo de desinflação”. Ou seja, as pressões sobre os preços estão a reduzir-se, bem como as pressões de segunda ordem (salários e lucros das empresas, que deixaram de ser a ameaça mais grave e latente. Ainda assim, há várias incertezas quanto à inflação futura, em termos da evolução do nexo entre lucros, salários e produtividade. Em todo o caso, tudo considerado, foi esse avanço no processo de “desinflação” que deu “confiança” ao BCE para reduzir taxas de juro em 0,25 pontos percentuais (de níveis máximos históricos), no início de junho (com a taxa de depósito, a nova referência de taxa principal, a cair de 4% para 3,75%). Foi a primeira descida em quase dois anos de aumentos severos e repetidos.

A 2 de julho, o Eurostat revelou que a inflação da Zona Euro voltou cair ligeiramente de 2,6%, em maio, para 2,5%, em junho (variação homóloga). Compara com o máximo histórico da Zona Euro de 10,6%, em outubro de 2022. Expurgando as componentes de bens de energia e alimentares, também diminuiu, mas o nível continua elevado, fixou-se em 2,8% em junho.

No debate, Lagarde comentou o valor da inflação de junho, que classificou de “positivo” (desceu uma décima, face a maio), mas repetiu o que já vem dizendo, que o caminho até ao final deste ano, pelo menos, “vai ser acidentado”.

No entanto, mal falou no sucesso do processo de desinflação, conservou o registo “água na fervura” a que habituou a Zona Euro, dizendo que a descida de taxas de juro por parte do BCE “não é um processo linear nem tem um caminho pré-determinado, é um passo de cada vez”, um processo que “exige constantemente avaliações e reavaliações” de acordo com os novos dados que forem surgindo. Entretanto, reiterou que a inflação do euro vai “na direção certa” (ao invés do que sustenta o presidente da FED), desvalorizou a importância da inflação no setor dos serviços, referindo não ter sofrido grandes alterações e que o BCE “não precisa que a inflação dos serviços esteja em 2%”, para se sentir confiante em prosseguir a sua missão.

“Obviamente, não precisamos que a inflação nos serviços esteja em 2%, porque a inflação dos bens da indústria transformadora está abaixo dos 2% e […] isso levará a um equilíbrio entre bens e serviços”, atirou Lagarde, tendo em mente que a inflação dos bens industriais (sem energia), segundo o Eurostat, está nos 0,7%, abaixo dos 2%, desde janeiro deste ano. E acrescentou que “necessitamos de ver os lucros das empresas a absorver os aumentos salariais”, para haver maior tranquilidade e maiores certezas quando ao passo seguinte nos preços gerais da economia e, ato contínuo, nas taxas de juro.

Até agora, como explicou a líder do BCE, a 1 de julho, as pressões salariais, que chegaram a ser temidas como grande problema para domar a inflação, estão a ser acomodadas pelas empresas, pois os lucros destas são elevados e os salários reais (mesmo que subam) são relativamente baixos. Ou seja, a resiliência do mercado laboral advém da capacidade de as empresas “acumularem” força de trabalho (pessoas) que aceita ganhos salariais de poder de compra (ganhos reais) baixos, apesar do contexto agreste (taxas de juro e de custo de vida agravado, desde o início de 2022.

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Para Lagarde, a prioridade é a política orçamental – à custa dos salários baixos e, por conseguinte, da pobreza da maior parte das pessoas –, nomeadamente agora que já se concretizou a reforma do quadro orçamental “dentro do qual os estados-membros têm de operar e controlar a direção da dívida e garantir que se mantém sustentável”. Têm de o fazer com flexibilidade, com foco na produtividade e no crescimento, com o investimento que estes dois elementos postulam. E a presidente o BCE espera que, “operando dentro do quadro orçamental europeu, os países olhem para as mudanças estruturais que têm de continuar a fazer, para terem um conjunto de ferramentas” que permitam a melhoria da produtividade.

Por isso, o BCE está preocupado com as regras orçamentais que têm de ser respeitadas na União Europeia (UE) e com as reformas estruturais conducentes à melhoria da produtividade, que é a única forma de a UE se manter forte e prosperar. E um dos países com a situação orçamental mais preocupante é a França, por causa da crise política em curso; e, embora Lagarde se tenha escusado a comentar e este caso específico, admitiu que o BCE está atento, pois a instituição tem de estar atenta à estabilização dos mercados financeiros. “O BCE tem de fazer o que tem de fazer, o nosso mandato é a estabilidade dos preços e estamos atentos a isso, porque é parte do nosso trabalho”, garantiu Christine Lagarde, salientando que estas são as coisas que monitorizam.

Do lado dos Estados Unidos da América (EUA), o presidente da FED salientou que o país (na incerteza do futuro, devido às eleições que se avizinham) “está com um défice muito elevado” e que o nível de dívida pública “não é insustentável, mas a trajetória neste momento é”. “Devia ser um foco para a frente, pensar como voltamos a ter uma trajetória sustentável" para a dívida pública, alertou Jerome Powell.

Por seu turno, o governador do BCB, também alertou para os riscos da dívida pública elevada, apontando que o custo do serviço da dívida dos EUA, da UE e do Japão está a aumentar, tendo impacto no mercado. Segundo Campos Neto, “a dívida global é muito alta e vai começar a tirar liquidez dos mercados” e os “países de baixo rendimento já estão a sentir isto”. Com efeito, há várias “contas para pagar no futuro”: o custo da transição verde, o da fragmentação, o da pandemia nos países de baixo rendimento e a energia e inovação. Por isso, importa pensar como conseguir uma “trajetória estável da dívida”.

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A chefe máxima da autoridade monetária acentuou que “apenas cerca de 15% das aterragens suaves bem-sucedidas desde 1970 – isto é, em que se evitou recessão ou grande destruição de emprego – foram alcançadas na sequência de choques nos preços da energia”. Por isso, dadas as atuais circunstâncias, avisou que “não está garantida uma aterragem suave da economia” da Zona Euro, nem se pode excluir a ocorrência de novos choques externos sobre a inflação e perturbações na rota de descida das taxas de juro. E explicou como esta crise foi diferente de outras, no passado, pois tornou muito mais difícil medir o grau de enraizamento da inflação.

Ao mesmo tempo, apesar de ter iniciado a descida de taxas de juro, Lagarde advertiu que a economia pode estar a assimilar o aumento passado e muito forte das taxas de juro do BCE, ao mesmo tempo que não se pode colocar de parte um novo choque externo sobre os preços (do lado da oferta, como nova subida no custo da energia ou dos alimentos). Tal levaria o BCE a ter de ir mais devagar, na descida dos juros, ou a interromper o ritmo do alívio.

Perante a audiência de banqueiros centrais, de investidores e muitos economistas e investigadores académicos, a presidente do BCE admitiu progressos positivos no combate à inflação, recordando que, dado o enorme choque na inflação (exponenciado pelo começo da guerra contra a Ucrânia), no início de 2022, “sabíamos que estávamos longe de onde precisávamos de estar”, em termos de taxas de juro. Até julho de 2022, as taxas do BCE estiveram em zero, em mínimos históricos. Nessa altura, o fator mais importante foi colmatar o hiato, o que ainda faltava, o mais rapidamente possível”. “Por isso, tivemos uma subida historicamente acentuada, no início da nossa trajetória de taxas, com aumentos de 0,75 e 0,5 pontos percentuais nas nossas primeiras seis subidas de taxas”, lembrou a presidente do BCE.

Porém Christine Lagarde assumiu que os dados dizem para tirar o pé do travão das taxas, embora não se perceba se o crescimento económico e o emprego se manterão incólumes a estes dois anos de apertos. “A nossa trajetória de política ajudou a controlar a inflação, mas também enfraqueceu o crescimento económico. […] As taxas de juro subiram de forma constante e permaneceram elevadas, enquanto a economia estagnou durante cinco trimestres consecutivos. […] Este padrão é inevitável, quando os bancos centrais enfrentam choques que empurram a inflação e a produção em direções opostas”, [mas, desta vez], “os custos da desinflação foram contidos em comparação com episódios semelhantes no passado”, explanou Lagarde.

“Se olharmos para os ciclos históricos das taxas desde 1970, podemos ver que, quando os principais bancos centrais aumentavam as taxas de juro, enquanto os preços da energia estavam elevados, os custos para a economia eram geralmente bastante altos”, vincou. a também ex-ministra das Finanças de França, mostrando-se confiante, pois este ciclo não seguiu os padrões do passado, tendo a inflação atingido “um pico muito mais elevado do que durante as aterragens suaves anteriores”, mas abrandado “mais rapidamente”. Para já, o crescimento manteve-se no intervalo dos anteriores episódios de aterragem suave, “embora próximo do limite inferior desse intervalo” e o desempenho do mercado de trabalho tem sido “excecionalmente benigno”.

Apesar do abrandamento do Produto Interno Bruto (PIB), o emprego continuou a crescer (“mais 2,6 milhões de pessoas desde o final de 2022”) e o desemprego na Zona Euro “está em mínimos históricos”, indica Lagarde, considerando: [Assim], “a resiliência do mercado de trabalho é em si um reflexo da combinação invulgar de choques que atingiu a área do euro, com a escassez de mão-de-obra a levar as empresas a acumular mais mão-de-obra, e lucros mais elevados e salários reais mais baixos tornando-lhes mais fácil fazê-lo.”

Contudo, para a chefe do BCE, mercê das várias incertezas apontadas, levará tempo “até reunirmos dados suficientes, para termos a certeza de que os riscos de inflação acima do nosso objetivo já passaram”. Ou seja, o tempo será crucial para o BCE avaliar se pode continuar a descer juros, na sequência do que se começou em junho. Com efeito, “o mercado de trabalho forte significa que podemos reservar tempo para recolher novas informações, mas também precisamos de estar conscientes do facto de que as perspetivas de crescimento permanecem incertas” – diz a presidente da autoridade de política monetária da Zona Euro.

Enfim, continua a exigência de baixos salários, para que a finança não tenha prolemas.

2024.07.03 – Louro de Carvalho

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