Após
ter realizado, em junho, o primeiro corte das taxas diretoras, em quase cinco
anos, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE), fazendo uma pausa na política
monetária, decidiu, a 18 de julho, manter inalteradas as três taxas de juro
diretoras, decisão que reflete a avaliação contínua das
perspetivas de inflação, a médio prazo e que, segundo a presidente do BCE, foi
tomada por unanimidade.
Na
conferência de imprensa após o anúncio da decisão, Christine Lagarde voltou a
frisar a determinação da autoridade monetária da área do euro em assegurar que
a inflação regresse ao objetivo de 2%, no médio prazo, mas reconheceu que “a inflação doméstica permanece elevada” e que os
salários estão a aumentar a ritmo elevado. Por outro lado, apontou que “o
crescimento dos custos laborais permanecerá elevado no curto prazo”,
embora os dados recentes sobre a remuneração dos trabalhadores estejam “em
linha com as expectativas”.
Antecipando
os próximos meses, Lagarde referiu que “a inflação
deverá flutuar próxima dos níveis atuais, durante o resto do ano”, mas
antecipa que “o IHPC [Índice Harmonizado de Preços no Consumidor] baixe para a
meta do BCE, na segunda metade do próximo ano”. Por isso, não se compromete com
cortes futuros das taxas de juro, apesar de prever uma estabilidade da inflação
até ao final do ano, por conta do também crescimento elevado dos salários.
Lagarde
vincou, por duas ocasiões, que o BCE “não
está a comprometer-se com nenhum prazo”, para realizar novos cortes nas taxas
de juro, salientando que “os dados recebidos indicam que a
economia da Zona Euro cresceu no segundo trimestre, mas provavelmente a ritmo
mais lento do que no primeiro”. E acrescentou que “os serviços continuam a
liderar a recuperação, enquanto a produção industrial e as exportações de bens
têm sido fracas”.
Quanto às perspetivas de crescimento da área do
euro, a presidente do BCE mostrou-se cautelosamente otimista, esperando que “a recuperação seja
apoiada pelo consumo”. No entanto, advertiu que “os indicadores de investimento
apontam para um crescimento moderado em 2024”.
Sublinhou que o mercado do trabalho “permanece resiliente” e
que “é provável que mais empregos tenham sido criados, no segundo trimestre,
principalmente no setor dos serviços”. Porém, alertou para
os riscos com que se depara a economia do euro, afirmando que
“os salários, os lucros e a geopolítica são riscos ascendentes para a
inflação”, enquanto “os riscos para o crescimento estão inclinados para o lado
negativo”.
A
próxima reunião do Conselho do BCE está agendada “para depois do verão”, num
encontro marcado para 12 de setembro (ainda é verão), prevendo os economistas,
ao invés do que esperavam para agora, novo corte nas taxas de juro diretoras.
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A decisão não foi surpresa para o mercado, que já a antecipava .
Desta forma, a taxa de facilidade permanente de depósito
mantém-se nos 3,75%, enquanto a taxa de juro aplicada às operações
principais de refinanciamento e a taxa de juro aplicada à facilidade permanente
de cedência de liquidez permanecem nos 4,25% e 4,50%, respetivamente.
O conselho do BCE sustenta a sua decisão com a
necessidade obter mais dados antes de proceder a novas reduções, particularmente num ambiente marcado pelo facto de a
inflação, especialmente nos serviços, permanecer elevada e de os salários
continuarem a crescer, o que pode perpetuar a inflação acima da meta dos 2% do
BCE. “A informação que tem vindo a ser disponibilizada corrobora amplamente a
anterior avaliação do Conselho do BCE das perspetivas de inflação a médio
prazo”, refere o BCE em comunicado, vincando que, “embora algumas medidas da
inflação subjacente tenham subido um pouco, em maio, devido a fatores pontuais,
a maioria das medidas permaneceu estável ou desceu ligeiramente em junho”.
O Conselho do BCE destaca também que a política monetária manterá as
condições de financiamento restritivas, notando que, “ao mesmo tempo, as pressões internas sobre os preços continuam a ser altas e a
inflação dos preços dos serviços é elevada, sendo provável que a
inflação global permaneça acima do objetivo, ainda durante grande parte do
próximo ano”. E volta a referir a determinação de assegurar o retorno atempado
da inflação ao seu objetivo de médio prazo de 2%, recordando, mais uma vez, que,
para isso, “manterá as taxas de juro diretoras suficientemente restritivas,
enquanto for necessário”, e continuará a seguir uma abordagem
dependente dos dados, reunião a reunião, na definição do nível e da duração
adequados da restritividade”.
Isto quer dizer que as decisões tomadas pelos governadores dos bancos
centrais dos 20 países da área do euro, em matéria de taxas de juro, se basearão
na avaliação das perspetivas de inflação, à luz dos dados económicos e
financeiros que forem sendo disponibilizados, da dinâmica da inflação
subjacente e da robustez da transmissão da política monetária.
O Conselho do BCE revela ainda que a carteira do programa de
compra de ativos (asset purchase programme – APP) está “a diminuir a um ritmo
comedido e previsível”, destacando que “o Eurossistema já não reinveste
todos os pagamentos de capital de títulos vincendos adquiridos ao abrigo do
programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (pandemic emergency
purchase programme – PEPP), reduzindo a carteira do PEPP, em média, em 7,5 mil
milhões de euros por mês.”
Nesse sentido, “continuará a aplicar flexibilidade no
reinvestimento dos reembolsos previstos no âmbito da carteira do PEPP, a
fim de contrariar os riscos para o mecanismo de transmissão da política
monetária, relacionados com a pandemia”. E, ao nível das operações de
refinanciamento, sustenta que, “como os bancos estão a reembolsar os montantes
dos empréstimos obtidos no contexto das operações de refinanciamento de prazo
alargado direcionadas, o Conselho do BCE avaliará, regularmente, a forma como
estas operações e a continuação do reembolso das mesmas estão a contribuir para
a orientação da política monetária”.
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Em suma, a
taxa de juro das operações principais de refinanciamento, que é a taxa que os
bancos pagam, quando pedem dinheiro emprestado ao BCE, durante uma semana, foi
mantida em 4,25%; a taxa da facilidade permanente de depósito, que os bancos
podem utilizar para efetuar depósitos pelo prazo overnight no Eurossistema,
foi mantida em 3,75%; a taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez,
que oferece crédito pelo prazo overnight aos bancos junto do Eurossistema,
permanece em 4,50%. A tónica continua a ser colocada na garantia de que a
inflação regressa ao seu objetivo de médio prazo de 2% “de forma atempada”, Por isso, o BCE “manterá as taxas diretoras suficientemente
restritivas durante o tempo necessário para atingir este objetivo”.
Os decisores
políticos sublinharam que o corte de junho não assinala uma redução linear das
taxas de juro. Além disso, não se registou qualquer evolução significativa dos
dados, desde junho, tendo os membros do Conselho de Administração sido
amplamente favoráveis à espera das novas projeções macroeconómicas trimestrais
de setembro.
Segundo os
dados publicados pelo Eurostat, a 17 de julho, a taxa de inflação homóloga da
área do euro foi de 2,5%, em junho de 2024, contra 2,6%, em maio. Um ano antes,
a taxa era de 5,5%. A inflação anual da União Europeia (UE) foi de 2,6%, em
junho de 2024, contra 2,7%, em maio,
Segundo o
Eurostat, as taxas anuais mais baixas foram registadas na Finlândia (0,5%), na Itália
(0,9%) e na Lituânia (1,0%). As taxas anuais mais elevadas foram registadas na
Bélgica (5,4%), na Roménia (5,3%), na Espanha e na Hungria (ambas com 3,6%). Em
comparação com maio de 2024, a inflação anual diminuiu, em 17 Estados-Membros,
permaneceu estável, num e aumentou, em nove.
Em junho de
2024, o maior contributo para a taxa de inflação anual da área do euro veio dos
serviços (+1,84 pontos percentuais, pp), seguido dos produtos alimentares,
álcool e tabaco (+0,48 pp), dos produtos industriais não energéticos (+0,17 pp)
e da energia (+0,02 pp).
Os
participantes no mercado consideram quase certo um novo movimento, em setembro,
tendo os futuros cortes de taxas de juro até 80% de probabilidades implícitas
de ocorrerem.
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O BCE e a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed)
deverão cortar taxas de juro, “entre duas a três vezes”, nos próximos 12 meses, antecipa a JPMorgan Asset Management (AM), com a
gestora de ativos a antecipar um ciclo de descidas gradual, rumo à normalização
das taxas de juro.
Segundo Elena Domecq, responsável pela equipa de clientes e estratégia para
Portugal da JPMorgan AM, a presidente do BCE tem mantido
uma retórica conservadora, não se comprometendo com cortes de juros adicionais.
Ao contrário da JPMorgan AM, que espera até três cortes, no espaço de 12
meses, a maioria dos economistas considera muito provável nova redução de taxas,
em setembro, seguindo-se mexidas a cada trimestre. Uma sondagem da Bloomberg junto de vários especialistas aponta
para um corte de 25 pontos base por trimestre, com o BCE a utilizar as
reuniões em que atualiza as projeções económicas, para aliviar a política
monetária até a taxa dos depósitos atingir 2,5% num ano.
Já atinente à Fed, a JPMorgan AM antecipa que a primeira mexida nos juros
se materialize depois do verão, prevendo, tal como no BCE, “duas a três
descidas nos próximos 12 meses”. “Há uma grande probabilidade de que [a Fed]
baixe taxas em setembro”, mas “o mais importante é que o próximo movimento vai
ser uma descida”, refere.
Se o primeiro corte deste ciclo vai acontecer em setembro ou dezembro,
Elena Domecq diz que “não é importante”, o que interessa “é a tendência” e essa
é no sentido de uma normalização da política monetária. No respeitante a
ativos, a gestora do JPMorgan mantém uma visão mais otimista para o mercado de
ações, nomeadamente para os Estados Unidos da América (EUA), com a evolução dos
títulos a ser determinada pelo crescimento dos resultados, que deverão manter
uma trajetória de recuperação.
Os
dados da inflação de junho acabaram por matar o cenário de corte seguido de
juros. O ritmo de crescimento anual do índice de preços no consumidor (IPC) da
Zona Euro desceu uma décima, em junho, para 2,5%, mas a
inflação subjacente, que exclui alimentos e energia, permaneceu,
inesperadamente, em 2,9%. No entanto, mais preocupante foi a evolução dos preços dos
serviços, que está a revelar-se bem mais persistente do que o esperado. A inflação, neste segmento, atingiu 4,1%, em junho,
igualando o registo de maio, mês em que tinha aumentado quatro décimas.
A
inflação nos serviços não registou qualquer alívio mensal em 2024, o que reforça a necessidade de postura cautelosa e
vigilante, até que os sinais de desinflação sejam mais evidentes.
Na frente da atividade
económica, os últimos indicadores têm sido favoráveis ao alívio da política
monetária, já que sinalizam um abrandamento. Os indicadores apontam para forte
travagem em junho, sendo a evolução do setor
dos serviços insuficiente para compensar o regresso da indústria a terreno
negativo. Os dados do produto interno bruto do segundo
trimestre, a publicar no final de julho, deverão confirmar a travagem da
economia da Zona Euro.
Contudo,
há três razões para cortes em setembro: o crescimento do PIB no segundo
trimestre deverá ficar aquém dos 0,4%; os analistas estimam um abrandamento no crescimento dos salários no
segundo trimestre, considerando que a aceleração no primeiro
trimestre foi motivada por pagamentos extraordinários e reflexo das negociações
referentes a períodos anteriores; e há um apoio mais abrangente para novo corte
de juros, mercê dos progressos obtidos na inflação.
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Porém,
o BCE insiste em considerar que o maior quinhão de responsabilidade pela alta
da inflação está nos salários, embora também mencione os custos de produção, os
lucros desmedidos, a inflação subjacente e a geopolítica. Ora, não há
verdadeira economia baseada em salários baixos.
2024.07.18 – Louro de Carvalho
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