quinta-feira, 18 de julho de 2024

Mais uma vez BCE mantém inalteradas taxas de juro, devido à inflação

 

Após ter realizado, em junho, o primeiro corte das taxas diretoras, em quase cinco anos, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE), fazendo uma pausa na política monetária, decidiu, a 18 de julho, manter inalteradas as três taxas de juro diretoras, decisão que reflete a avaliação contínua das perspetivas de inflação, a médio prazo e que, segundo a presidente do BCE, foi tomada por unanimidade.

Na conferência de imprensa após o anúncio da decisão, Christine Lagarde voltou a frisar a determinação da autoridade monetária da área do euro em assegurar que a inflação regresse ao objetivo de 2%, no médio prazo, mas reconheceu que “a inflação doméstica permanece elevada” e que os salários estão a aumentar a ritmo elevado. Por outro lado, apontou que “o crescimento dos custos laborais permanecerá elevado no curto prazo”, embora os dados recentes sobre a remuneração dos trabalhadores estejam “em linha com as expectativas”.

Antecipando os próximos meses, Lagarde referiu que “a inflação deverá flutuar próxima dos níveis atuais, durante o resto do ano”, mas antecipa que “o IHPC [Índice Harmonizado de Preços no Consumidor] baixe para a meta do BCE, na segunda metade do próximo ano”. Por isso, não se compromete com cortes futuros das taxas de juro, apesar de prever uma estabilidade da inflação até ao final do ano, por conta do também crescimento elevado dos salários.

Lagarde vincou, por duas ocasiões, que o BCE “não está a comprometer-se com nenhum prazo”, para realizar novos cortes nas taxas de juro, salientando que “os dados recebidos indicam que a economia da Zona Euro cresceu no segundo trimestre, mas provavelmente a ritmo mais lento do que no primeiro”. E acrescentou que “os serviços continuam a liderar a recuperação, enquanto a produção industrial e as exportações de bens têm sido fracas”.

Quanto às perspetivas de crescimento da área do euro, a presidente do BCE mostrou-se cautelosamente otimista, esperando que “a recuperação seja apoiada pelo consumo”. No entanto, advertiu que “os indicadores de investimento apontam para um crescimento moderado em 2024”.

Sublinhou que o mercado do trabalho “permanece resiliente” e que “é provável que mais empregos tenham sido criados, no segundo trimestre, principalmente no setor dos serviços”. Porém, alertou para os riscos com que se depara a economia do euro, afirmando que “os salários, os lucros e a geopolítica são riscos ascendentes para a inflação”, enquanto “os riscos para o crescimento estão inclinados para o lado negativo”.

A próxima reunião do Conselho do BCE está agendada “para depois do verão”, num encontro marcado para 12 de setembro (ainda é verão), prevendo os economistas, ao invés do que esperavam para agora, novo corte nas taxas de juro diretoras.

***

A decisão não foi surpresa para o mercado, que já a antecipava . Desta forma, a taxa de facilidade permanente de depósito mantém-se nos 3,75%, enquanto a taxa de juro aplicada às operações principais de refinanciamento e a taxa de juro aplicada à facilidade permanente de cedência de liquidez permanecem nos 4,25% e 4,50%, respetivamente.

O conselho do BCE sustenta a sua decisão com a necessidade obter mais dados antes de proceder a novas reduções, particularmente num ambiente marcado pelo facto de a inflação, especialmente nos serviços, permanecer elevada e de os salários continuarem a crescer, o que pode perpetuar a inflação acima da meta dos 2% do BCE. “A informação que tem vindo a ser disponibilizada corrobora amplamente a anterior avaliação do Conselho do BCE das perspetivas de inflação a médio prazo”, refere o BCE em comunicado, vincando que, “embora algumas medidas da inflação subjacente tenham subido um pouco, em maio, devido a fatores pontuais, a maioria das medidas permaneceu estável ou desceu ligeiramente em junho”.

O Conselho do BCE destaca também que a política monetária manterá as condições de financiamento restritivas, notando que, “ao mesmo tempo, as pressões internas sobre os preços continuam a ser altas e a inflação dos preços dos serviços é elevada, sendo provável que a inflação global permaneça acima do objetivo, ainda durante grande parte do próximo ano”. E volta a referir a determinação de assegurar o retorno atempado da inflação ao seu objetivo de médio prazo de 2%, recordando, mais uma vez, que, para isso, “manterá as taxas de juro diretoras suficientemente restritivas, enquanto for necessário”, e continuará a seguir uma abordagem dependente dos dados, reunião a reunião, na definição do nível e da duração adequados da restritividade”.

Isto quer dizer que as decisões tomadas pelos governadores dos bancos centrais dos 20 países da área do euro, em matéria de taxas de juro, se basearão na avaliação das perspetivas de inflação, à luz dos dados económicos e financeiros que forem sendo disponibilizados, da dinâmica da inflação subjacente e da robustez da transmissão da política monetária.

O Conselho do BCE revela ainda que a carteira do programa de compra de ativos (asset purchase programme – APP) está “a diminuir a um ritmo comedido e previsível”, destacando que “o Eurossistema já não reinveste todos os pagamentos de capital de títulos vincendos adquiridos ao abrigo do programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (pandemic emergency purchase programme – PEPP), reduzindo a carteira do PEPP, em média, em 7,5 mil milhões de euros por mês.”

Nesse sentido, “continuará a aplicar flexibilidade no reinvestimento dos reembolsos previstos no âmbito da carteira do PEPP, a fim de contrariar os riscos para o mecanismo de transmissão da política monetária, relacionados com a pandemia”. E, ao nível das operações de refinanciamento, sustenta que, “como os bancos estão a reembolsar os montantes dos empréstimos obtidos no contexto das operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas, o Conselho do BCE avaliará, regularmente, a forma como estas operações e a continuação do reembolso das mesmas estão a contribuir para a orientação da política monetária”.

***

Em suma, a taxa de juro das operações principais de refinanciamento, que é a taxa que os bancos pagam, quando pedem dinheiro emprestado ao BCE, durante uma semana, foi mantida em 4,25%; a taxa da facilidade permanente de depósito, que os bancos podem utilizar para efetuar depósitos pelo prazo overnight no Eurossistema, foi mantida em 3,75%; a taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez, que oferece crédito pelo prazo overnight aos bancos junto do Eurossistema, permanece em 4,50%. A tónica continua a ser colocada na garantia de que a inflação regressa ao seu objetivo de médio prazo de 2% “de forma atempada”, Por isso, o BCE “manterá as taxas diretoras suficientemente restritivas durante o tempo necessário para atingir este objetivo”.

Os decisores políticos sublinharam que o corte de junho não assinala uma redução linear das taxas de juro. Além disso, não se registou qualquer evolução significativa dos dados, desde junho, tendo os membros do Conselho de Administração sido amplamente favoráveis à espera das novas projeções macroeconómicas trimestrais de setembro.

Segundo os dados publicados pelo Eurostat, a 17 de julho, a taxa de inflação homóloga da área do euro foi de 2,5%, em junho de 2024, contra 2,6%, em maio. Um ano antes, a taxa era de 5,5%. A inflação anual da União Europeia (UE) foi de 2,6%, em junho de 2024, contra 2,7%, em maio,

Segundo o Eurostat, as taxas anuais mais baixas foram registadas na Finlândia (0,5%), na Itália (0,9%) e na Lituânia (1,0%). As taxas anuais mais elevadas foram registadas na Bélgica (5,4%), na Roménia (5,3%), na Espanha e na Hungria (ambas com 3,6%). Em comparação com maio de 2024, a inflação anual diminuiu, em 17 Estados-Membros, permaneceu estável, num e aumentou, em nove.

Em junho de 2024, o maior contributo para a taxa de inflação anual da área do euro veio dos serviços (+1,84 pontos percentuais, pp), seguido dos produtos alimentares, álcool e tabaco (+0,48 pp), dos produtos industriais não energéticos (+0,17 pp) e da energia (+0,02 pp).

Os participantes no mercado consideram quase certo um novo movimento, em setembro, tendo os futuros cortes de taxas de juro até 80% de probabilidades implícitas de ocorrerem.

***

O BCE e a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) deverão cortar taxas de juro, “entre duas a três vezes”, nos próximos 12 meses, antecipa a JPMorgan Asset Management (AM), com a gestora de ativos a antecipar um ciclo de descidas gradual, rumo à normalização das taxas de juro.

Segundo Elena Domecq, responsável pela equipa de clientes e estratégia para Portugal da JPMorgan AM, a presidente do BCE tem mantido uma retórica conservadora, não se comprometendo com cortes de juros adicionais.

Ao contrário da JPMorgan AM, que espera até três cortes, no espaço de 12 meses, a maioria dos economistas considera muito provável nova redução de taxas, em setembro, seguindo-se mexidas a cada trimestre. Uma sondagem da Bloomberg junto de vários especialistas aponta para um corte de 25 pontos base por trimestre, com o BCE a utilizar as reuniões em que atualiza as projeções económicas, para aliviar a política monetária até a taxa dos depósitos atingir 2,5% num ano.

Já atinente à Fed, a JPMorgan AM antecipa que a primeira mexida nos juros se materialize depois do verão, prevendo, tal como no BCE, “duas a três descidas nos próximos 12 meses”. “Há uma grande probabilidade de que [a Fed] baixe taxas em setembro”, mas “o mais importante é que o próximo movimento vai ser uma descida”, refere.

Se o primeiro corte deste ciclo vai acontecer em setembro ou dezembro, Elena Domecq diz que “não é importante”, o que interessa “é a tendência” e essa é no sentido de uma normalização da política monetária. No respeitante a ativos, a gestora do JPMorgan mantém uma visão mais otimista para o mercado de ações, nomeadamente para os Estados Unidos da América (EUA), com a evolução dos títulos a ser determinada pelo crescimento dos resultados, que deverão manter uma trajetória de recuperação.

Os dados da inflação de junho acabaram por matar o cenário de corte seguido de juros. O ritmo de crescimento anual do índice de preços no consumidor (IPC) da Zona Euro desceu uma décima, em junho, para 2,5%, mas a inflação subjacente, que exclui alimentos e energia, permaneceu, inesperadamente, em 2,9%. No entanto, mais preocupante foi a evolução dos preços dos serviços, que está a revelar-se bem mais persistente do que o esperado. A inflação, neste segmento, atingiu 4,1%, em junho, igualando o registo de maio, mês em que tinha aumentado quatro décimas.

A inflação nos serviços não registou qualquer alívio mensal em 2024, o que reforça a necessidade de postura cautelosa e vigilante, até que os sinais de desinflação sejam mais evidentes.

Na frente da atividade económica, os últimos indicadores têm sido favoráveis ao alívio da política monetária, já que sinalizam um abrandamento. Os indicadores apontam para forte travagem em junho, sendo a evolução do setor dos serviços insuficiente para compensar o regresso da indústria a terreno negativo. Os dados do produto interno bruto do segundo trimestre, a publicar no final de julho, deverão confirmar a travagem da economia da Zona Euro.

Contudo, há três razões para cortes em setembro: o crescimento do PIB no segundo trimestre deverá ficar aquém dos 0,4%; os analistas estimam um abrandamento no crescimento dos salários no segundo trimestre, considerando que a aceleração no primeiro trimestre foi motivada por pagamentos extraordinários e reflexo das negociações referentes a períodos anteriores; e há um apoio mais abrangente para novo corte de juros, mercê dos progressos obtidos na inflação.

***

Porém, o BCE insiste em considerar que o maior quinhão de responsabilidade pela alta da inflação está nos salários, embora também mencione os custos de produção, os lucros desmedidos, a inflação subjacente e a geopolítica. Ora, não há verdadeira economia baseada em salários baixos.

2024.07.18 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário