sábado, 27 de julho de 2024

Deplora-se “zombaria do cristianismo” e vinca-se espírito olímpico

 

Uma paródia da Última Ceia, protagonizada por drag queens, durante a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos Paris 2024, provocou uma onda de reações de indignação. 

A encenação recordava a última ceia de Jesus Cristo com os seus apóstolos. Sobre a mesa, o cantor Philippe Katerine apareceu pintado de azul e quase nu, com ares de Dionísio.

Em comunicado de imprensa, divulgado a 27 de julho, o dia subsequente à abertura dos Jogos Olímpicos, a Conferência Episcopal Francesa (CEF) criticou as “cenas de escárnio e de zombaria contra o cristianismo, que deploramos profundamente”. 

“Agradecemos às pessoas de outras confissões religiosas que manifestaram a sua solidariedade. Esta manhã, pensamos em todos os cristãos de todos os continentes que foram afetados pelo ultraje e pela provocação de certas cenas”, considerou a CEF. 

O presidente da liga de futebol profissional de Espanha, La Liga, Javier Tebas Medrano, considerou, através do X (antigo Twitter), a blasfémia “inaceitável, desrespeitosa, infame utilizar a imagem da Última Ceia nos Jogos Olímpicos de Paris é um insulto àqueles que são cristãos”. E questionou: “Onde está o respeito pelas crenças religiosas?”  

O arcebispo de Santiago do Chile, Fernando Chomali, manifestou, através do X, a sua dor e deceção perante “a paródia grotesca do que os católicos temos de mais sagrado, a Eucaristia”. 

“A intolerância dos ‘tolerantes’ não tem limites. Não é assim que se constrói uma sociedade fraterna. Assistimos ao niilismo na sua máxima expressão”, protestou. 

Dom Robert Barron, bispo de Winona Rochester, no Minnesota, um dos prelados mais conhecidos dos Estados Unidos da América (EUA), encorajou os católicos a “fazerem ouvir a sua voz”, em resposta ao que chamou de “zombaria grosseira da Última Ceia”. Numa publicação no X, D. Robert Barron disse que o ato blasfemo foi uma a mostra emblemática de “uma sociedade pós-moderna profundamente secularizada” que identifica o cristianismo como seu inimigo. 

Frei Nelson Medina, padre dominicano colombiano que desenvolve um vasto apostolado nas redes sociais, disse que não verá “sequer uma cena dos Jogos Olímpicos”. “Que nojo o que eles fizeram, zombando do Senhor Jesus Cristo e do seu maior dom de amor. E são covardes: não se meteriam com Maomé”, atirou. 

O Bispo de Madison, nos EUA, D. Donald Hying, encorajou os católicos a “jejuar e rezar, renovar a nossa devoção à Eucaristia, ao Sagrado Coração e à Virgem Maria”. “Que Jesus seja adorado e amado em todos os tabernáculos do Mundo”, escreveu o bispo, numa publicação no X, na qual agradeceu a Deus pela Eucaristia, pela Última Ceia e pelo seu “amor por nós”. 

O padre espanhol Juan Manuel Gôngora, que tem milhares de seguidores no X, reagiu ao escárnio com uma citação de J.R.R. Tolkien, o famoso escritor católico da saga O Senhor dos Anéis: “O mal não pode criar nada de novo, apenas corromper ou arruinar o que as forças do bem inventaram ou construíram.” 

O bispo de Brownsville, no Texas, nos EUA, D. Daniel Flores, também reagiu rapidamente, dizendo: “O meu vocabulário não é suficientemente amplo para encontrar uma palavra para o que sinto no fundo do meu estômago”, acrescentando que os cristãos “merecem mais respeito”. 

Os sentimentos de D. Flores foram partilhados por alguns não cristãos. “Mesmo sendo judeu, estou furioso com este insulto ultrajante a Jesus e ao cristianismo”, afirmou o Dr. Eli David, que lamentou que a cerimónia tenha demonstrado que a Europa está a morrer culturalmente. 

O padre Francisco Javier Bronchalo, da diocese espanhola de Getafe, lamentou que, “hoje, Paris 2024 começou a rir na cara de milhões de pessoas. Ridicularizam o sagrado para o prejudicar. É evidente que a grande defensora que faz frente ao mal é a Igreja Católica. É por isso que os ataques estão se tornando cada vez mais diabólicos”, explanou. 

O homem mais rico do Mundo, Elon Musk, também disse que o espetáculo era “tremendamente desrespeitoso para com os cristãos”. 

O senador católico norte-americano Marco Rubio também reagiu ao que considerou um “espetáculo de aberrações”, citando a passagem bíblica Judas 1,18: “No fim dos tempos haverá escarnecedores que seguirão as suas próprias paixões ímpias.”

A eurodeputada francesa Marion Maréchal, neta do líder de direita Jean Marie Le-Pen, dirigiu-se, através do X, “a todos os cristãos que foram insultados por esta paródia drag queen da Última Ceia: saibam que não é a França que está falando” na abertura, “mas uma minoria de esquerda pronta para qualquer provocação”.

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Não obstante, no seu comunicado de imprensa, a CEF não se ficou pela crítica e pelo lamento. Antes, foi equilibrada e positiva, sem deixar de verberar o sucedido. Saudou os “momentos maravilhosos de beleza, de alegria, ricos de emoções”, ao mesmo tempo em que dirigiu o seu pensamento “aos cristãos de todos os continentes, que foram feridos pelo excesso e pela provocação de certas cenas”.

A este respeito, Jean-Benoît Harel, no Estado-Cidade do Vaticano, expôs ao portal do Vaticano, Vatican News, os factos e a sua valoração.

“Foi uma cerimónia de todos os superlativos. Uma inédita primeira cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos no rio Sena, com desfile de delegações desportivas em 85 barcos, inúmeros quadros artísticos e performances de artistas de todo o Mundo como a estadunidense Lady Gaga ou a canadense Céline Dion”, frisou.

“A cerimónia de abertura […] de ontem à noite ofereceu ao Mundo inteiro momentos maravilhosos de beleza, de alegria, ricos de emoções e universalmente elogiados”, reconheceu a Conferência dos Bispos de França. No entanto, a cerimónia “incluiu cenas de escárnio e zombaria do cristianismo, que deploramos profundamente”, dizem os bispos.

No centro das críticas nas redes sociais esteve uma reprodução do quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, por cerca de dez travestis.

A solidariedade de outras religiões não se fez esperar.

Após a cerimónia, transmitida em mundovisão, muitos líderes de outras confissões religiosas expressaram a sua solidariedade para com a Igreja Católica francesa, como informa o comunicado de imprensa. “Pensamos em todos os cristãos de todos os continentes que foram feridos pelo excesso e pela provocação de certas cenas”, asseguraram os bispos. “Desejamos que eles compreendam que a celebração olímpica vai muito além dos preconceitos ideológicos de alguns artistas”, continuou a CEF, no comunicado.

O secretário-geral da CEF, padre Hugues de Woillemont, destacou, na rede social X, a contradição entre “a inclusão demonstrada e a exclusão efetiva de certos fiéis, não é necessário ferir as consciências para promover a fraternidade e a sororidade”. Quer dizer: incluem-se uns e umas e excluem-se muitos e muitas. Basta serem crentes

D. François Touvet, presidente do Conselho de Comunicação da CEF, bispo coadjutor da Diocese de Fréjus-Toulon, “associou-se fortemente” a este comunicado de imprensa da Igreja na França. Numa postagem nas redes sociais, declarou “protestar, como muitos, contra este insulto escandaloso e grave feito aos cristãos de todo o Mundo, sem esquecer os outros excessos do espetáculo”.

Ante os pedidos de explicações, Michaël Aloïsio, porta-voz do Comité Organizador dos Jogos Olímpicos Paris 2024, reagiu, a 27 de julho, na Franceinfo: “Assumimos que ultrapassamos a linha.”

A CEF concluiu o seu comunicado, recordando que o desporto “é uma atividade maravilhosa que encanta profundamente os corações dos atletas e dos espectadores”, e que as Olimpíadas são um “movimento ao serviço desta realidade de unidade e fraternidade humana”.

Foi com um tom de esperança, unanimemente apreciado pelos espectadores, que a cerimónia de abertura terminou, com um dos pontos altos da noite: quando Céline Dion concluiu o Hino ao Amor, de Edith Piaf, no primeiro andar da Torre Eiffel, deixando as últimas palavras da canção ressoarem na noite parisiense: “Deus reúne aqueles que se amam”.

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Já nos alvores da democracia, a Última Ceia foi ridicularizada numa rábula teatral em televisão, o que levou a Junta de Salvação Nacional (JSN) a intervir. A rábula concitou a crítica de muitos católicos portugueses, incluindo a sua hierarquia; e a intervenção da JSN suscitou mal-estar nas ‘alminhas’ para quem a democracia válida é apenas a sua.

Estas linhas trazem à memória o facto de, na sede do concelho onde moro, em tempos, também um espetáculo de teatro de rua, o Imaginarius, que atrai enorme massa de visitantes, ridicularizou a cena da crucifixão de Cristo.

Valha-nos Deus! Há tantas formas de diversão, de humor, de rábulas, de teatro, de espetáculo, que se torna pobre, soez e ridículo faltar ao respeito das pessoas e das comunidades, vilipendiando os seus símbolos religiosos, culturais políticos e sociais. As pessoas merecem respeito. Todavia, para muitos, a sua liberdade de expressão pode usar todos os meios, mas a dos outros não.

Por fim, é caso para dizer que os democratas, às vezes, são responsáveis por determinadas críticas de partidos populistas da extrema-direita (como é o caso), que se armam, em muitas ocasiões, como provedores do bom senso e defensores dos espezinhados, enquanto outros se exibem e outros se refugiam num laicismo hipócrita (não falo do verdadeiro laicismo), para nada dizerem.

No entanto, a França pode orgulhar-se da cerimónia que organizou para abrir os Jogos Olímpicos; e é modelar o equilíbrio mostrado no comunicado da CEF, ou invés de outros, sem qualquer tipo de vandalismo verbal. Com efeito, não resulta meter as pessoas no inferno!   

2024.07.27 – Louro de Carvalho

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