A cerimónia de abertura dos Jogos
Olímpicos de Paris 2024, a primeira na História da competição a acontecer fora
de um estádio, arrancou no dia 26 de julho, às 19h30 (hora de França
continental), com a exibição de um vídeo em que se destacavam Jamel Debbouze,
ator franco-marroquino, e o ex-futebolista franco-argelino Zinedine Zidane.
Após a chegada da chama olímpica,
Paris iluminou-se num espetáculo de pirotecnia com as cores de França sobre uma
das pontes do Sena. Seguiu-se, ao longo
de seis quilómetros, o desfile das 206 delegações em embarcações pelo rio que atravessa a capital francesa. Pelo
meio, debaixo de chuva, houve atuações musicais de Lady Gaga e de Aya Nakamura,
espetáculos do Moulin Rouge, de ópera e de rock, com alusões à História de
França.
Abriu o desfile a delegação da
Grécia, como é da tradição, aparecendo, em segundo lugar, a equipa olímpica dos
refugiados, que transportou a bandeira do Comité Olímpico Internacional (COI).
O
primeiro momento musical coube à norte-americana Lady Gaga, que, em espetáculo
de cabaré, cantou “Mon Truc en Plumes”, de Zizi Jeanmaire, em Francês. Os
artistas do Moulin Rouge saudaram as delegações que iam desfilando pelo Sena com
o Cancan francês. A cantora franco-maliana Aya Nakamura atuou sobre o Sena,
acompanhada de elementos da Guarda Republicana, interpretando “Djadja”, uma das
suas canções mais famosas. E, do telhado do Grand Palais, Axelle Saint-Cirel,
uma mezzo-soprano francesa, usando um vestido com as cores da bandeira
francesa, cantou o hino de França.
A
comitiva portuguesa foi a 151.ª a ser apresentada, com o canoísta Fernando
Pimenta e a atleta Ana Cabecinha como porta-estandartes, num barco partilhado
com o Catar e a Coreia do Norte.
A
última delegação a desfilar foi a anfitriã França, quase duas horas após o
início do desfile.
Sob
copiosa chuva e com a noite bem instalada, foi hasteada a bandeira olímpica em
frente ao maior símbolo de Paris, a Torre Eiffel, ao som do hino olímpico
interpretado por 60 coristas do Coro da Radio France e 90 músicos da orquestra
nacional. Acesa a chama olímpica em Paris – em pira sobre um balão de ar
quente, que levantou voo, em seguida, e que ficará a sobrevoar o Jardim das
Tulherias – o espetáculo foi encerrado por Céline Dion, que interpretou
“L’hymne à l’amour”, de Édith Piaf, em plena Torre Eiffel, depois de quatro
anos sem dar qualquer concerto, devido a problemas de saúde.
***
Os atletas refugiados estão prestes a subir ao palco
em Paris, quando o recorde de migração e o aumento do populismo de extrema-direita
afetam grande parte do Mundo, com os partidos de muitos países a restringirem a
imigração e o asilo. Assim,
pouco mais de um terço da Equipa Olímpica de Refugiados nestes jogos é constituída
por mulheres, pois a representação feminina continua a diminuir, desde a
criação da equipa, em 2015. No entanto, a taxa de 38% de mulheres na equipa não
é a única queda a registar. A Equipa Paralímpica de Refugiados tem menos de 13%
de mulheres. Tudo isto contrasta com o número de refugiados, que triplicou na
última década. No final de 2023, havia 43,4 milhões de refugiados no Mundo, de
acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR). E cerca
de metade dos refugiados, deslocados internos ou apátridas são mulheres.
O COI sublinha que o evento será o
primeiro da História com igualdade de género. Porém, os casos desportivos
individuais revelam uma realidade diferente da do quadro geral. Para Michele
Donnelly, professora associada do Departamento de Gestão Desportiva da
Universidade de Brock, o COI não cumpre o seu compromisso em matéria de igualdade
entre homens e mulheres, porque não pode aplicá-lo numa equipa sobre a qual tem
controlo. “Diria que é mais simbólico do que uma representação efetiva dos
problemas a nível mundial”, acentua Michele Donnelly.
De acordo com a organização de
beneficência Women for Women International, além da pobreza e de outros
problemas dos refugiados, “as mulheres refugiadas têm uma camada adicional de
opressão devido à discriminação de género”, que pode ser vista como “trabalho
não remunerado em casa”, seja cuidar de crianças, seja cuidar de familiares
mais velhos, cozinhar, limpar, diz Rachel Williams, diretora de política e
assuntos públicos da instituição Women in Sport.
A atual Equipa Olímpica de Refugiados
tem 29 atletas, dos quais 10 são mulheres. Manizha Talash, afegã de 21 anos,
que vai participar numa competição olímpica de breakdance pela primeira vez,
depois de ter fugido dos talibãs para Espanha, é uma das histórias inspiradoras
sobre estas mulheres migrantes que fazem as manchetes dos jornais. “É
importante a visibilidade, em especial, para as raparigas que praticam
desporto, e a inspiração que as raparigas podem obter ao verem as mulheres a
destacarem-se no desporto”, vincou Williams.
Apesar de a Women in Sport preferir o
lado otimista e celebrar o facto de quase 40% da sua equipa ser feminina, a
opinião não é consensual. “Não acho que seja suficiente”, disse Donnelly,
sustentando: “Os locais onde o COI tem o controlo total devem servir de modelo
às expectativas de todos, por isso as equipas devem ser iguais em termos de
género. […] Nem toda a gente tem a mesma experiência de ser refugiado, e
existem riscos e desafios acrescidos para as mulheres, as minorias de género e
as pessoas com deficiência enquanto refugiados, e tudo isso influencia quem
acaba por fazer parte das equipas olímpicas e paraolímpicas de refugiados.”
A maioria dos atletas da equipa é
apoiada pelo Programa de Bolsas de Estudo para Atletas Refugiados, gerido pela
Fundação Olímpica para os Refugiados (ORF) e financiado pela Solidariedade
Olímpica. A Comissão Executiva do COI selecionou a Equipa Olímpica de
Refugiados. Devem ser atletas de elite no desporto respetivo e refugiados no
país de acolhimento, reconhecido pelo ACNUR. “A representação equilibrada em
termos de desporto, género e regiões também será tida em consideração”, afirmou
a ORF.
No entanto, Donnelly acredita que a
transparência e a responsabilidade são deficitárias. Não há muita informação
sobre a forma como os atletas são selecionados para as equipas de refugiados,
pelo que ficamos a pensar “como é que chegámos a um ponto em que não há um
número igual de homens e mulheres atletas nas equipas de refugiados”.
***
Nenhum homem vai competir em natação
sincronizada, apesar de Paris 2024 ter prometido ser a primeira edição com
igualdade de género na História dos Jogos. Os 96 atletas selecionados por 18 nações
diferentes são mulheres. Em 2022, a World Aquatics permitiu que até dois homens
fossem selecionados para uma equipa de natação sincronizada de oito atletas. O
organismo que rege os desportos aquáticos a nível mundial está “desiludido” por
nenhum nadador artístico masculino ter sido selecionado para um momento que
poderia ser “marcante para o desporto”.
Sem nenhum homem escolhido para
Paris, o italiano Giorgio Minisini, quatro vezes medalha de ouro em Mundiais, disse
competir, pela última vez, aos 28 anos. “A obsessão é um jogo de jovens”,
escreveu no Instagram, a 23 de julho.
Minisini e Bill May, dos Estados
Unidos da América (EUA), eram os dois pioneiros olímpicos elegíveis para Paris
como os primeiros homens a competir na natação artística, modalidade desportiva
estreada nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, como natação
sincronizada. Minisini, especialista no dueto misto, que não integra o programa
olímpico, não foi selecionado para a prova por equipas. E May integrou a
seleção dos EUA que ganhou as medalhas de prata e de bronze no número
acrobático por equipas, nos dois últimos campeonatos mundiais. Aos 45 anos, não
faz parte da equipa olímpica. “Todos nós, na comunidade da natação artística,
temos de trabalhar ainda mais para aumentar as oportunidades dos atletas
masculinos neste desporto”, disse a World Aquatics, esperando introduzir o
dueto misto nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028.
Em março, o COI – que não decide
sobre as escolhas das federações nacionais – afirmou que iria estabelecer uma
quota de 50/50 para homens e mulheres competirem nos Jogos. “Estamos prestes a
celebrar um dos momentos mais importantes da história das mulheres nos Jogos Olímpicos
e no desporto em geral”, afirmou o presidente do COI, Thomas Bach.
Entretanto, a participação das
mulheres nos Jogos Olímpicos mais do que duplicou nos últimos 40 anos, passando
de 22,9%, nos Jogos de Los Angeles, em 1984, para 50%, nos Jogos de Paris 2024.
Nos Jogos de verão deste ano, 28 dos 32 desportos serão totalmente igualitários
em termos de género, afirmou o COI. Haverá “um número mais equilibrado de
eventos com medalhas, com 152 eventos femininos, 157 eventos masculinos e 20
eventos mistos”.
***
Paris quer realizar os Jogos Olímpicos
mais sustentáveis da História e criar um novo modelo.
A edição 2024 tem uma particularidade:
muitas competições têm lugar no centro da cidade, perto dos monumentos mais
emblemáticos de Paris. Cerca de 95% das infraestruturas já existiam outras são
temporárias. Os custos reduziram para cerca de nove mil milhões de euros, os
Jogos mais baratos das últimas décadas. Porém, a Câmara Municipal está convicta
de que o evento deixará enorme legado. “Os Jogos foram um grande acelerador
para a cidade”, declarou Pierre Rabadan, vice-presidente, responsável pelo
Desporto, vincando que, em quatro ou cinco anos, se concluíram obras que teriam
levado 10 ou 15 anos, o que permitiu transformar bairros inteiros. O Norte de
Paris foi alvo de grandes investimentos. A aldeia olímpica, a maior
infraestrutura permanente construída em Seine Saint Denis, o distrito mais
pobre da França continental, é apresentada como bairro ecológico de
vanguarda com futuro.
Depois dos Jogos, transformar-se-á
num bairro para seis mil habitantes, mas não é fácil comprar os apartamentos. O
preço médio de 7000 euros por metro quadrado é muito elevado para a população
de Seine Saint Denis. Este distrito da região parisiense é um local chave para
os Jogos. Acolhe o Stade de France, que foi renovado, e um novo centro aquático
de 175 milhões de euros.
Todavia, em Seine-Saint-Denis, o
desporto continua um luxo. A maior parte das instalações desportivas têm entre
40 e 50 anos”, explica Serge Reitchess, antigo professor de desporto, membro da
CoPer 93, movimento local dedicado à promoção do desporto escolar e à luta pela
igualdade no acesso à prática desportiva. “Temos 16 instalações por cada 10 mil
habitantes, enquanto a média da região da Grande Paris é de 25 e a média
nacional é de 50”, refere.
Os Jogos Olímpicos desbloquearam mais
de mil milhões de euros para o bairro, mas os habitantes dizem que pouco foi
investido nas instalações desportivas locais. As renovações e as novas
instalações continuam demasiado escassas e mal distribuídas, segundo os
administradores locais. Há anos que pedem um plano de investimento público. Além
disso, as renovações nem sempre têm em conta as necessidades dos habitantes
locais. Alix Rivière, porta-voz da Federação de Pais da FCP 93, explica que os
alunos perdem, em média, uma hora para ir e vir das aulas de desporto.
Há quem tenha sido esquecido pelos
Jogos e há os que afirmam terem sido postos de lado. Os Jogos Olímpicos
apresentam-se como “abertos” e “inclusivos”. Mas o coletivo “O Reverso da
Medalha” (que reúne quase cem associações) acusa os organizadores de terem
levado a cabo um “ano de limpeza social”, antes dos Jogos Olímpicos e
Paralímpicos. Mais de 12500 pessoas foram despejadas no último ano, quase
40% mais do que em 2021-2022. As instituições de solidariedade social dizem que
as pessoas são obrigadas a sair dos locais onde vivem.
“Há meses que a única coisa que a
Prefeitura quer fazer, com a cumplicidade da Câmara Municipal, é despejar tudo
o que não quer ver durante os Jogos Olímpicos”, diz Mathieu Pastor, do coletivo
de moradores 20ème Solidaire.
Os menores não acompanhados e todas
as pessoas que dormem na rua são expulsos e a única proposta que recebem é
entrar em autocarros para irem para Orleães, Angers ou Marselha. No início de
junho, cerca de 200 menores migrantes não acompanhados saíram do centro cultural
“Maison des Métallos”, levados para um ginásio municipal, em Paris – mais um
caso de limpeza social provocada pelos Jogos Olímpicos! Em Paris, dezenas de
jovens não têm o estatuto de menores, pois assim ninguém precisa de se ocupar
deles. A Câmara recusa lidar com a situação, apesar de aceder a centenas de
milhares de casas vazias, que poderia requisitar, mas diz querer soluções para
quem dorme na rua, independentemente dos Jogos Olímpicos: a cidade disponibiliza
locais, mas, se há instalações, há que pagar às associações que acolhem as
pessoas.
Questionado sobre o facto de o
município não ter pensado nisto com antecedência, Rabadan responde: “Não é da
nossa responsabilidade. O Estado tem de disponibilizar os recursos”.
Irá a França criar um novo modelo
para os próximos Jogos, mesmo com altos e baixos? As medalhas virão antes
das respostas. A tocha passou para os atletas e máquina olímpica está virada
para Los Angeles 2028.
Entretanto, participarão, em Paris,
73 atletas portugueses distribuídos por 15 modalidades (37 estreantes), em paridade
de género (36 homens e 37 mulheres). Conseguirão medalhas e condecorações nacionais?
2024.07.26 – Louro de Carvalho
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