quinta-feira, 25 de julho de 2024

Resistência ao quesito da paridade nas instituições europeias

 

A União Europeia (UE) proclama, no quadro dos direitos humanos, os direitos das mulheres e, consequentemente, a igualdade de género. Por outro lado, levou a que os seus estados-membros tivessem legislado no sentido do estabelecimento de quotas de género, o que se tem designado, embora impropriamente, de lei da paridade.

Assim, nas eleições para os parlamentos nacionais e regionais, para o Parlamento Europeu (PE), para as assembleias das autarquias e para a administração das empresas públicas e das grandes empresas privadas, as respetivas listas reservam uma quota significativa de lugares para as mulheres. Todavia, isso não acontece nas principais instituições da UE, exceto na liderança de topo do PE, cargo ocupado por Roberta Metsola e, provavelmente, na chefia da diplomacia, com a ocupação do cargo por Kaja Kallas, por indicação do Conselho Europeu, a contrastar com a chefia deste, ocupada por António Costa.     

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Efetivamente, a 10.ª legislatura do PE é assegurada por 720 eurodeputados, mais 15 do que a anterior, mas a percentagem de mulheres diminuiu. Por outro lado, a média de idades aumentou ligeiramente e metade são estreantes. Apenas 38,7% dos membros são mulheres. Assim, o areópago europeu da democracia está mais longe da paridade.

Doru Frantescu, Fundador e CEO de EU.Matrix (plataforma líder de investigação sociopolítica adaptada à era digital), reconhece que é a primeira vez, desde que se realizaram eleições para o PE, desde 1979, ou seja, em 45 anos, que a proporção de mulheres diminuiu, em comparação com o mandato anterior. Não sendo grande diminuição (apenas 1%), ainda assim, é a primeira vez que não se verificou a tendência de aumento com vista à paridade.

Apenas os verdes atingem a paridade, com 50.9% de mulheres. As mulheres são cerca de 45% dos membros tanto no Grupo da Esquerda (esquerda radical) como no Renovar a Europa (centro-liberal). Mas a percentagem vai baixando em todos os outros grupos, sendo o valor mais baixo, de 21,7%, no grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR).

A situação depende de vários fatores, mas um dos principais é os partidos à direita, no espetro político, terem conquistado mais assentos, enquanto os da esquerda os perderam. Com efeito, por tradição, há maior representação de mulheres nos grupos de centro e de esquerda. É um fenómeno sociológico que não tem a ver com a possibilidade de participação das mulheres na política.

A nível etário, grande parte dos eurodeputados são pessoas de meia-idade e há bom equilíbrio entre a faixa dos mais jovens (20,4% têm menos de 40 anos de idade) e a dos mais velhos (19,4% têm mais de 60 anos de idade). Lena Schilling, de 23 anos, é a mais nova e Leoluca Orlando, de 76 anos, é o mais velho. Perante este cenário, Doru Frantescu sustenta que a proporção entre jovens e idosos permanece, praticamente, a mesma. A média de idade no PE aumentou ligeiramente, passando dos 49,5 para os 50 anos. Porém, é de ter em conta que, nos últimos cinco anos, a esperança de vida da sociedade europeia também aumentou. Não obstante, há diferenças entre as várias famílias políticas. Os mais jovens optam por partidos mais recentes, tal como o dos Verdes (41,5%) e por alguns dos novos partidos da esquerda. Já os partidos mais tradicionais têm uma média de idade um pouco maior.

Os menores de 40 anos também estão bem representados em grupos da direita radical, tais como o Europa das Nações Soberanas (ESN), com 32,1%, e o Patriotas para a Europa, com 28,5%. No ECR (direita radical), no Renovar a Europa (RE) e nos Socialistas e Democratas (S&D), do centro-esquerda), representam cerca de 20% dos membros. E apenas no Partido Popular Europeu (PPE), do centro-direita, não vão além dos 11,1%.

Em geral, os jovens que pretendam envolver-se na política têm de encontrar o caminho mais rápido para chegar ao topo. E o caminho mais rápido não é pelos partidos tradicionais, pois ainda têm o protagonismo de muitas personalidades de peso. Assim, têm de procurar os novos partidos. Por isso, proliferam os novos partidos em todo o continente, incluindo na direita radical, porque os jovens querem envolver-se, o que é bom para a democracia. Contudo, é mais negativo, em termos de estabilidade e de previsibilidade do espetro político. Feitas as contas, a vida política se está a tornar mais dinâmica.

Também é relevante que 61,5% dos eurodeputados foram eleitos por partidos que não estão no poder, nos seus estados-membros. De facto, há mais eurodeputados provenientes de partidos da oposição, o que significa que não têm interesse em apoiar o que o seu governo defende, ao nível do Conselho Europeu (chefes de Estado e de governo). Por isso, comportam-se como oposição ao Conselho e à Comissão, porque não são os seus partidos que escolhem os comissários. No caso da Comissão Europeia, têm mais interesse em criticar e em fiscalizar. No entanto, o quadro vai mudando. Por exemplo, o centro-direita, que é oposição, na Alemanha, pode regressar ao poder.

A França é o país onde a estratégia de punição dos governos nacionais pelas eleições europeias é mais visível, já que 85% dos deputados franceses no PE não pertencem aos partidos do atual governo do presidente Emmanuel Macron. Por isso, a maioria dos deputados criticará tudo o que Macron faz no Conselho Europeu. Na Alemanha, os partidos no poder tiveram um desempenho fraco, já que a maioria dos deputados vem da União Democrata-Cristã (CDU), do centro-direita) e da Alternativa para a Alemanha (AfD), da extrema-direita. Apenas em alguns países, como a Itália, a Polónia e a Grécia, os partidos do governo venceram as eleições.

Depois, vem o facto de 54,3% dos membros serem estreantes. Apesar de terem, muitas vezes, experiência ao nível dos parlamentos nacionais, a dinâmica legislativa e as regras da negociação política nesta instituição da UE são diferentes. Na verdade, o PE é diferente daquilo a que muitos políticos estão habituados, porque não se trata de apoiar um governo. As alianças mudam de uma votação para outra. O poder está mais fragmentado. A maquinaria das instituições da UE é cada vez mais complexa. Os novos eurodeputados levarão tempo a compreender o que está na agenda, como fazer as coisas. Os que regressam são vistos como os seniores, que sabem como se tornar mais influentes e conseguem, mais facilmente, ser relatores e presidentes das comissões.

Quer dizer, a composição do PE obedece a todas as paridades (etárias, governos-oposições, estreantes-seniores), com exceção da paridade de género. É significativo. Obviamente, em tese, não deviam existir quotas e cada um ou cada uma deveria ser passível de escolha em função da capacidade e do mérito. No entanto, bem sabemos como as mulheres têm maior dificuldade do que os homens em aceder a funções de topo no Estado e nas grandes empresas.

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A paridade de género pode estar em risco também na Comissão Europeia, o executivo comunitário, como se explica a seguir. 

Tal como em 2019, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, agora reeleita, pediu aos governos dos estados-membros que indicassem dois nomes, um feminino e um masculino para o órgão executivo da UE, mas alguns resistem e só propuseram um candidato.

Embora os Estados-membros tenham até 30 de agosto, como prazo-limite, para propor os candidatos a comissários, para o próximo mandato, nenhum país se mostrou ainda disposto a apresentar candidatos de ambos os sexos, em conformidade com o pedido da líder da Comissão.

“Quero escolher os candidatos mais bem preparados que partilhem o compromisso europeu. Mais uma vez, o meu objetivo é que haja igualdade entre homens e mulheres na mesa do Colégio”, afirmou von der Leyen, no plenário do PE, em Estrasburgo, após a sua reeleição, a 18 de julho.

A presidente da Comissão formalizou o seu pedido através de carta enviada aos governos da UE, na manhã do dia 25 de julho. Um porta-voz do executivo confirmou que a carta apresenta explicitamente o plano de von der Leyen para alcançar um equilíbrio entre ambos os géneros.

Além dos dois estados-membros, de que emergem a presidente da comissão (a alemã Ursula von der Leyen) e a chefe da diplomacia ou Alta Representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança Comum (a estoniana Kaja Kallas), mais nove já confirmaram os seus candidatos, que terão de ser avaliados por Ursula von der Leyen a partir de meados de agosto e sobreviver à votação nas comissões do PE, antes de poderem garantir um lugar no novo “colégio” de comissários. Com efeito, a presidente da Comissão espera que “a nova equipa” venha a “passar com sucesso nas audições” perante os eurodeputados.

Dos nove apontados, seis estados-membros apresentaram novos candidatos, mas nenhum acedeu ao pedido de Ursula von der Leyen. Os restantes três – Letónia, Países Baixos e Eslováquia – renomearam os comissários em exercício, pelo que não nomearem um homem e uma mulher.

O primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, disse aos jornalistas que apenas nomeará o antigo ministro das Finanças, Michael McGrath, apesar de levar a paridade de género “extremamente a sério”. E afirmou que o governo de Dublin “não envia o seu ministro das Finanças a Bruxelas, de ânimo leve”, o que significa que o governo poderá estar relutante em propor outra candidata para competir com o peso-pesado McGrath.

O primeiro-ministro checo, Petr Fiala, juntou-se a Harris, ao nomear apenas um candidato masculino, quando confirmou que o seu governo tinha escolhido o ministro da Indústria e do Comércio, Jozef Síkela, para concorrer a um lugar no executivo da UE.

A Croácia também nomeou um único candidato do sexo masculino, enquanto a Finlândia, a Espanha e a Suécia nomearam apenas uma mulher.

“Penso que o pedido da presidente foi claro para os Estados-membros – que o seu objetivo é ter uma proporção igual de homens e mulheres na mesa do colégio e, por esta razão, está a pedir dois nomes”, disse um porta-voz da Comissão Europeia, que acrescentou: “A Comissão Europeia irá, naturalmente, realizar as suas entrevistas e selecionar com base nos méritos dos candidatos. […] Penso que é bastante claro qual é o seu objetivo.”

Uma fonte parlamentar afiançou que os futuros candidatos a comissários podem esperar “um escrutínio rigoroso [...] independentemente da nacionalidade ou do portfólio que o candidato ou candidata a comissário venha a assumir”.

Entre os critérios enumerados pela dita fonte, está “a competência, a preparação, o equilíbrio e a garantia de que qualquer candidato a comissário está alinhado com os interesses da União e com os ideais democráticos que o Parlamento Europeu preconiza”.

A Comissão cessante de Ursula von der Leyen tinha um equilíbrio de género de 13 mulheres e 14 homens. Von der Leyen é a primeira mulher a presidir ao órgão executivo da UE e prometeu desenvolver um “roteiro para os direitos das mulheres”, durante o seu segundo mandato, a fim de colmatar as disparidades salariais e de pensões entre homens e mulheres, de combater a violência contra as mulheres e de conciliar a vida profissional e familiar.

Nestes aspetos, são de registar afinidades com o ex-primeiro-ministro Português, António Costa, eleito presidente do Conselho Europeu, e do atual primeiro-ministro, Luís Montenegro.

Contudo, Portugal não é propriamente um exemplo. Embora tenha aumentado o número de ministras e secretarias de Estado ou de diretoras-gerais, o certo é que nunca elegemos uma presidente da República (e as candidatas obtiveram percentagens quase ridículas), só tivemos uma presidente do Parlamento e apenas uma primeira-ministra, mas de um governo de 100 dias, que não resultou de eleições legislativas. Por outro lado, as líderes partidárias também foram ou são muito poucas.

O papel da mulher na política ainda não é tão preponderante quanto desejável.

2024.07.25 – Louro de Carvalho

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