quarta-feira, 24 de julho de 2024

A polémica em torno da questão da descida do IRC

 
Há muito tempo que os governos mais conotados à direita vêm preconizando a descida do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC). O último governo do Partido Socialista (PS) inscreveu no seu programa uma descida seletiva, ou seja, atingindo as empresas que reúnam determinadas condições. Porém, o seu ministro da Economia preconizou, em declarações públicas, que a descida do IRC seria transversal a todas as empresas, no que foi desmentido pelo governo. Daí resultou que a descida não se concretizou nem de um modo nem de outro.
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Entretanto, a 4 de julho, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, no final do Conselho de Ministros que decorreu em Oliveira de Azeméis, anunciou que o governo avançaria com a redução da taxa de IRC, de 21% para 19%, já em 2025, atingindo os 15%, em 2027, como previsto no programa eleitoral da Aliança Democrática (AD). Assim, em 2026, a taxa baixará para 17% e, em 2027, para 15%. O impacto será de 500 milhões de euros por ano, ao nível da perda de receita, perfazendo um custo global de 1500 milhões de euros. 
Segundo o ministro das Finanças, a descida de 2% significa cerca de 500 milhões de euros, por ano, de efeito direto, sem contabilizar os efeitos indiretos pelo aumento da receita de IRC e de outros impostos, por maior crescimento, por criação de emprego e por melhores salários.
“Para termos empresas mais capitalizadas, vamos proceder ao cumprimento do programa do Governo de reduzir até 15% a taxa IRC, até 2027. Para termos empresas com mais escala, mais preparadas para investir”, começou por salientar o primeiro-ministro, Luís Montenegro.
Esta medida integra o pacote de 60 medidas para “acelerar a economia”, apresentado pelo ministro da Economia, Pedro Reis, e aprovado pelo Executivo. O objetivo do governo é “que o crescimento das empresas não implique perda de apoio, pelo facto de se tornarem maiores”, defendeu Luís Montenegro. “Há pequenas e médias empresas que, ao passarem a ser grandes, perdem, de uma assentada, quase todos os instrumentos de apoio. Este Conselho de Ministros evita que isto aconteça. Queremos que as micro possam ser pequenas e as médias possam ser grandes e que as grandes se internacionalizem mais”, argumentou.
Assim, o governo apresentará à Assembleia da República (AR) a proposta de lei para a redução gradual da taxa de IRC em 2% até 15%, no final da legislatura, “com o objetivo de impulsionar o crescimento económico e o investimento, estimular a capacidade de investimento das empresas e melhorar salários”, lê-se no documento rubricado pelo Conselho de Ministros.
Para que o alívio fiscal se aplique “a todas as empresas”, o Conselho de Ministros aprovou a redação da taxa reduzida de 12,5%, a aplicar às pequenas e médias empresas (PME), para os lucros até 50 mil euros. Assim, no caso das pequenas ou médias empresas e empresas de pequena-média capitalização (Small Mid Cap), a redução gradual da taxa, em três anos, será de 17% para 12,5%, sendo aplicada aos primeiros 50 mil euros de matéria coletável. Na verdade, segundo o governo, Portugal tem a segunda taxa de IRC marginal mais alta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da União Europeia (UE), pelo que a redução do imposto “para valores médios dos nossos concorrentes terá um efeito muito significativo no aumento de investimento e na atração do investimento estrangeiro”.
Por outro lado, o Fundo Monetário Internacional (FMI), no seu sumário executivo, concluiu que a redução do IRC é fundamental para atrair investimento e para pagar melhores salários, conclusão a que chegou também um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A descida do IRC tem oposto Partido Social Democrata (PSD) e o PS, ao longo dos últimos anos, com os governos socialistas a darem primazia à diminuição gradual do imposto sobre rendimentos do trabalho e pensões, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS). Nas bancadas à esquerda, tanto o PS como os restantes partidos sustentam que são poucas as empresas, em Portugal, que pagam IRC e que a medida apenas beneficiará as de maior dimensão.
Questionado se teme que a proposta de descida do IRC não passe pelo crivo da AR, Miranda Sarmento mostrou-se confiante, garantindo que o governo falará “com todos os partidos”. “E com todos, procuraremos aprovar estas medidas”, vincou.
A taxa mínima obrigatória de 15% sobre multinacionais, com faturação anual superior a 750 milhões de euros, que decorre de diretiva comunitária em vigor desde 1 de janeiro de 2024, será transposta para a nossa legislação. O respetivo diploma, que tem ano e meio de atraso, seria aprovado, quanto antes, para garantir que as multinacionais terão uma taxa efetiva de 15%.
Ainda no reforço de capitalização das empresas, reduzir-se-á o prazo máximo para pagamentos do Estado a fornecedores para 30 dias. Assim, avançar-se-á com a “redução dos prazos de pagamento do Estado a fornecedores, através de modelos de pagamento de faturas em 30 dias nas entidades públicas”, até ao final da legislatura. E criar-se-á uma conta-corrente entre a Autoridade Tributária (AT) e as empresas, a alargar, mais tarde, a toda a Administração Central.
Também foram aprovadas medidas para incentivar o investimento por parte de pequenos aforradores. É o caso do alargamento, a partir de 2025, a todas as operações de capitalização de empresas, do incentivo à capitalização de empresas, pela dedução em IRS aos dividendos e às mais-valias realizadas de 20% das entradas de capital, sujeito aos limites aplicáveis (atualmente é só aplicável a operações de recapitalização de empresas com insuficiência de capitais próprios).
Foi ainda revisto o regime de dedutibilidade fiscal do “goodwill”. Para promover operações de concentração de empresas, o governo quer alargar o âmbito da aplicação da dedução em ativos e operações agora excluídas, como a aquisição de participações sociais, a partir de 2025.
Para evitar a dupla tributação de rendimentos distribuídos em participações relevantes, foi flexibilizado o regime de “participation exemption”, isentando os dividendos e eventuais mais-valias obtidos por sociedades residentes em Portugal, desde que detenham, por período superior a um ano, participação igual ou superior a 5% do capital social ou direitos de voto da entidade que distribui os lucros (atualmente 10%).
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Por seu turno, o PS defende uma nova “estratégia” para a reforma do IRC, em vez da redução transversal da taxa nominal, de 21% para 15%. Isto significa aprofundar os benefícios fiscais em setores estratégicos e em empresas que reinvistam os lucros. Contudo, para evitar a violação da regra europeia para as ajudas de Estado, será necessário negociar com Bruxelas, caso contrário a taxa geral teria de baixar para todas as empresas.
Atualmente, já dão um desconto no imposto vários regimes, como o Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial (SIFIDE), o incentivo fiscal à valorização salarial ou o incentivo à capitalização. “Por exemplo, o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) já atingiu o limite do benefício”, apontou Carlos Lobo, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especializado em Finanças Públicas. Para aprofundar este instrumento, é preciso negociar com a Comissão Europeia, sob pena de Portugal infringir as regras dos auxílios do Estado. Segundo Carlos Lobo, há limites a respeitar, que têm como referência a taxa global; e, se queremos descer mais o imposto sobre algumas empresas, para que a diferença face ao imposto global não ultrapasse o teto definido, é preciso que taxa geral também baixe.
A contraproposta para a descida do IRC apresentada pelo governo está a ser cozinhada no seio do PS, mas os pressupostos assentam no que já estava plasmado no programa eleitoral e na política seguida pelos anteriores governos de António Costa: não baixar transversalmente a taxa, mas oferecer incentivos fiscais, em sede de IRC, a empresas que invistam em investigação e desenvolvimento, que aumentem salários, designadamente, as que se encontrem em setores estratégicos para a competitividade da economia. 
Do lado do governo, o primeiro-ministro admite sentar-se à mesa para conversar, mas sem violar o espírito do programa do governo, “o único em vigor”, como afirmou no debate do estado da nação, a 17 de julho. E Hugo Soares, líder da bancada parlamentar do PSD, afirmou a disponibilidade para discutir a modelação da descida do IRC, ainda que o partido insista na baixa transversal do imposto, argumentando que “98% das empresas que pagam IRC são micro empresas e essas pagam cerca de 48% do IRC”, como salientou Hugo Carneiro, vice-presidente do grupo parlamentar social-democrata, no espaço de comentário da SIC Notícias. “Se às micro juntarmos as médias empresas, no conjunto pagam 63% do IRC”, referiu.
Segundo o PS, as soluções do Executivo são erradas, porque assentam em diagnósticos errados, contra-argumentou o deputado do PS e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. “A receita do IRC não decorre apenas da taxa geral de IRC, decorre da taxa geral do IRC, que é de 21% das derramas estadual e municipal e das tributações autónomas e a esmagadora maioria das PME e das micro, ainda mais, o que pagam de IRC não tem a ver com a taxa geral, mas com as tributações autónomas, nomeadamente sobre as viaturas”, esclareceu.
Segundo o socialista, o governo quer perder 1500 milhões de euros, receita decorrente da taxa de IRC, paga pelas empresas que têm mais lucros. Sem querer “diabolizar as grandes empresas”, que são sobretudo “dos setores financeiro – banca e seguradoras – e da distribuição, dos supermercados”, o deputado denunciou que, “tipicamente, usam a margem de lucro, não para fazer reinvestimento em setores produtivos e industriais, mas para fazer distribuição de dividendos aos seus acionistas”. Por isso, a descida transversal do IRC “é uma medida que, do ponto de vista económico, não tem a virtualidade que a AD quer vender”, concluiu.
Para o PS, há que dar maior alívio fiscal a empresas que reinvistam os lucros em inovação, em tecnologia, que paguem melhores salários e em setores estratégicos de maior valor acrescentado e de forte cariz exportador, como refere o programa com que concorreu às legislativas. E João Leão, antigo ministro das Finanças, reconheceu que a trajetória de Pedro Nuno Santos “está em linha com o anterior governo, designadamente com os Orçamentos do Estado para 2023 e 2024”. “Em vez de reduzir o IRC de forma geral, o PS está focado em quem reinveste lucros e investe em áreas chave para a Comissão Europeia, como o setor automóvel, designadamente os carros elétricos, os semicondutores, a inteligência artificial, saúde, biotecnologias, energia”, especificou.
Em pré-campanha eleitoral, o secretário-geral do PS defendeu um “desígnio nacional para a próxima década”, que passa por “selecionar um número mais limitado de áreas estratégicas onde concentrar os apoios durante uma década; concentrar a maior parte dos apoios nestas áreas, na investigação nestas áreas, nos centros de transferência de conhecimento destas áreas, no desenvolvimento de produtos e tecnologias destas áreas e nas empresas com projetos que se insiram nestas áreas estratégicas”. O objetivo é “uma economia mais sofisticada, diversificada e complexa para produzir com maior valor acrescentado, pagar melhores salários e gerar as receitas para financiar um Estado Social avançado”.
Porém, o economista professor da Nova SBE António Nogueira Leite sustenta que restringir a baixa do IRC a determinados setores ou a empresas que reinvistam lucros é redutor, é questão ideológica de como se remunera o capital, é limitação do direitos dos acionistas a dispor de capital; estamos ante um PS ideológico, com dificuldade em concetualizar a importância do capital no contexto internacional, de economia aberta, de países com taxas de IRC mais baixas.
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Duvido de que a baixa transversal do IRC gere mais investimento e melhores salários, tal como duvidei do mérito das privatizações (por supostamente os privados gerirem melhor do que o Estado) em nos darem melhores produtos e melhores serviços, a custos mais baixos. E temo que tal medida contribua para beneficiar os mais ricos, pela distribuição mais grada de dividendos.
Seja como for, qualquer descida de impostos deverá ser articulada entre a AD e o PS.

2024.07.23 – Louro de Carvalho

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