terça-feira, 30 de julho de 2024

O relevante e diversificado papel das Forças Armadas Portuguesas

 

Nos últimos tempos, as Forças Armadas (FA) estiveram, pela mão do governo, no centro das atenções da opinião pública. Com efeito, de uma penada, o Conselho de Ministros adotou, a 26 de julho, um pacote de nove medidas com peso na remuneração dos militares das FA e no benefício dos Antigos Combatentes.

Ainda que telegraficamente, vale a pena recordá-las: aumento do suplemento da condição militar; equiparação salarial entre FA e Guarda Nacional Republicana (GNR); ajuste no suplemento de residência; aumento do suplemento de serviço aéreo; aumento do suplemento de embarque; criação do suplemento de deteção e inativação de engenhos explosivos; criação do suplemento de operador de câmara hiperbárica; nova compensação especial por invalidez permanente ou morte; e comparticipação em medicamentos para antigos combatentes.

Entretanto, a 30 de julho, foi notícia que o ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, após o acompanhamento de uma patrulha na mata nacional, na Marinha Grande, relevou o papel das FA na prevenção e deteção dos incêndios rurais. “Os militares não estão nos quartéis, estão, todos os dias, a trabalhar para o benefício das populações. Isso vale para a prevenção dos fogos, como vale para as ações de busca e de salvamento, para a emergência médica, para o transporte de órgãos, para o combate ao tráfico de pessoas ou combate ao tráfico de drogas”, frisou Nuno Melo.

O governante, para quem as FA “estão sempre lá”, o que “é muito relevante”, considerou que o papel delas é o de “deteção de incêndios, em colaboração com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas [ICNF], juntamente com outras entidades, para que, de forma articulada, seja mais eficaz essa missão”, de modo a que, no final da época de incêndios, “eles não tenham acontecido”. E, se não aconteceram, é porque “houve prevenção e essa prevenção dá muito trabalho e implica muito investimento e muito esforço coordenado”.

Há 32 patrulhas na vigilância do território florestal, no apoio ao ICNF. “Temos também os destacamentos de engenharia, que são essenciais para moldar o terreno, para que os bombeiros consigam fazer o ataque ao próprio incêndio. Depois temos os nossos pelotões, que fazem o rescaldo, a vigilância e mitigam possíveis reacendimentos”, explicou o coronel Tiago Lopes, comandante da Unidade de Apoio Militar de Emergência.

Nuno Melo salientou que a sua presença numa das patrulhas mostra aos Portugueses que “os militares, em tempo de paz, desempenham múltiplas tarefas em benefício diário das populações e entre essas tarefas, ações de prevenção de incêndio”. “E, quando os incêndios não acontecem em Portugal, muitas vezes, é precisamente porque as forças armadas, a par de outras entidades, estão empenhadas nestas ações, que são fundamentais”, vincou o governante, que desvaloriza o número baixo de municípios que tem protocolo com o exército (nove municípios: Braga, Boticas, Loulé, Mafra, Monchique, São Brás de Alportel, Sintra, Tavira e Viana do Castelo). “Não diria que é exatamente curto, se tivermos em conta que os militares estão nas zonas mais críticas. O risco de incêndio acontece no plano nacional, mas há locais de maior risco do que outros e os militares estão certamente nos pontos de maior risco dando o seu contributo”, adiantou, ao garantir que as FA, “por vocação e natureza”, estão “disponíveis para aquilo a que possam ser úteis, quando chamadas”.

Desde 15 de maio, momento em que as FA passaram a integrar o Plano de apoio ao Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), foram empenhadas na vigilância do território nacional 659 patrulhas, que percorreram 86 mil quilómetros, num total de 1500 militares envolvidos.

Na verdade, os elementos do DECIR e os seus recursos são provenientes dos Bombeiros, da Força Especial de Proteção Civil, da GNR, da Polícia de Segurança Pública (PSP), do ICNF e da AFOCELCA. E existe o contributo das FA, nomeadamente por parte da Força Aérea Portuguesa (FAP) no atinente aos concursos para contratação dos meios aéreos de combate a incêndios e na dimensão de vigilância aérea, que é articulada com a GNR. O Exército e a Marinha desenvolvem ações de vigilância ativa, no pós-rescaldo dos incêndios de maiores dimensões.

Por fim, confrontado com as queixas das associações profissionais militares, Nuno Melo relevou que o secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Álvaro Castelo Branco as recebeu e ouviu, “entregaram um caderno de encargos”, sendo que “vários dessas propostas foram tidas em conta e muitas melhorias acabaram por acontecer”. “Portanto, foram ouvidas. Foram até mais do que isso, foram escutadas. É importante que todos sejam considerados, porque todos são absolutamente essenciais. E fico muito satisfeito por aquilo que foram vitórias muito justas também das forças de segurança”, rematou.

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As FA  constituem o conjunto das organizações e forças de combate e de defesa. Dependendo do país, podem adotar designações alternativas como “forças de autodefesa”, “forças militares” ou “exércitos”. Na maioria dos casos, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade direta do ministro da Defesa ou equivalente e sob autoridade suprema do  chefe de Estado ou de governo, conforme o regime político. Destinam-se, essencialmente, à defesa militar do país, podendo, se a lei o determinar ou permitir, cooperar na garantia dos poderes constitucionais e na defesa da lei e da ordem interna.

São instituições nacionais autorizadas pela nação a usar a força, pelo emprego de armas, em defesa do país (incluindo atacar outros países, em defesa dos interesses nacionais), fazendo-o pelo combate real ou pela ameaça do uso da força. Muitas vezes, funcionam como sociedade dentro da sociedade, com as suas próprias comunidades, servidas de leis (Código de Justiça Militar, Regulamento de Disciplina Militar, Estatuto dos Militares da Forças Armadas, Tribunais Militares, sobretudo em tempo de guerra), de economia, de educação, de saúde e de outras áreas.

Ao estudo das FA, do seu uso, da estratégia e da tática, das metodologias e das técnicas, das ações, dos símbolos e das solenidades, chama-se “ciências militares”, as quais enquadram três níveis de atuação ofensiva e defensiva – o estratégico, o tático e o operacional – para atingir os objetivos.

Normalmente, as FA dividem-se em três grandes organizações (forças, componentes, exércitos ou ramos) a cada uma das quais corresponde um ambiente específico de atuação: o mar, a terra e o ar. Assim, temos: a força naval, marinha ou armada; a força terrestre, exército ou exército de terra; e a força aérea, aeronáutica ou exército do ar. Porém, há países com quatro e cinco ramos; outros não têm marinha, por falta de ação com o mar; outros constituem uma única organização; e outros não dispõem de FA, confiando a sua defesa militar a outro país (um vizinho poderoso).

Nas FA de maior dimensão, a diferença de doutrina e de cultura entre ramos pode ser acentuada, apesar da tendência de integração que vem ocorrendo desde a II Guerra Mundial. No passado, os ramos eram quase autónomos, havendo poucos ou nenhuns órgãos de coordenação central. Até era comum os ramos serem tutelados por diferentes ministros  (por exemplo, Portugal no Estado Novo). Porém, desde a II Guerra Mundial, os países concentraram a tutela das FA num só ministro e criaram órgãos de comando conjunto. Assim, na maioria dos países, o conjunto das FA encontra-se sob a tutela de um membro do governo, o ministro da Defesa, sob a direção política do governo; e existe um órgão militar central (em Portugal, o EMGFA – Estado-Maior Geral das Forças Armadas, dirigido pelo CEMGFA) que comanda ou coordena a ação dos ramos. Em Portugal, após as últimas alterações legislativas nas FA, o EMGFA passou a deter superior poder de comando e direção, ficando reduzida a autonomia dos estados-maiores dos ramos.  

Conforme o nível de profissionalização do pessoal, as FA podem ser permanentes, milicianas ou semipermanentes. As permanentes são constituídas por militares profissionais que não dispõem de outra profissão a não ser a de se prepararem e de se empenharem em operações de guerra. Em eficiência, é o melhor modelo, pois os especialistas dedicam-se, por inteiro, à atividade militar.

As milicianas são compostas por cidadãos que exercem as mais diversas profissões e que só servem as FA em períodos de instrução ou por mobilização, em caso de necessidade. É o modelo mais económico e envolve a maioria dos cidadãos na defesa. Tem a desvantagem da falta de eficiência por não haver profissionais dedicados exclusivamente às FA. Outra desvantagem é a necessidade da conscrição, obrigando ao alistamento de muitos cidadãos contra a sua vontade, muitos com pouca ou nenhuma vocação militar.

Entre os dois anteriores, situa-se é o modelo de FA semipermanentes. Dispõem de um pequeno quadro de militares profissionais (normalmente, oficiais e sargentos) que servem de esqueleto para instruir, enquadrar e aprontar uma força maior. Em guerra ou em caso de exceção, o esqueleto é preenchido por conscritos ou por reservistas mobilizados. Neste modelo, existe o serviço militar obrigatório (SMO), em que os cidadãos recebem treino militar, de modo a estarem aptos para a mobilização. Este sistema permite eficiência elevada em algumas unidades constituídas apenas por profissionais e mantém a capacidade das FA aumentarem, rapidamente, de tamanho, em caso de necessidade. Era o modelo português até 2004, quando o SMO acabou.

O benefício óbvio é a proteção que as FA oferecem contra ameaça estrangeira. Mas há outros. Por exemplo, ultimamente, as FA têm sido empregues em operações de emergência civil em larga escala, como o socorro a grandes catástrofes. Por outro lado, a posse de FA eficientes dá à política diplomática e económica externa de um país mais prestígio e eficácia. Além disso, as FA, por lidarem com situações de vida ou de morte, onde não pode haver falhas, desenvolvem sistemas tecnológicos e procedimentos de vanguarda, que são aplicados no âmbito civil. De facto, através de empresas derivadas, muitas inovações tecnológicas, originalmente desenvolvidas para uso militar, foram transferidas para o uso civil, com as necessárias adaptações. Por fim, a capacidade de organização e de liderança revela-se em tempo de crise. Em Portugal, foram militares que geriram a distribuição e a aplicação de vacinas contra a covid-19.

Como não há bela sem senão, é óbvio que as FA implicam avultados custos em instalações, em equipamento, em tempos de missão e em remunerações, tal como absorvem recursos humanos especializados que seriam necessários noutras áreas.

Portugal escapa aos modelos indicados. Tem um escol de oficiais e de sargentos com formação académica e recruta um conjunto de voluntários a quem dá qualificação e contrata por limitado período de tempo, dificultando o ingresso no trabalho ao regressarem à vida civil. Tem muitos comandados e poucos comandados. E já pôs a GNR em ações de combate, em vez das FA.  

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Em suma, nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP), às FA (cuja organização “é única para todo o território”) “incumbe a defesa militar da República”, bem como satisfazer os compromissos militares internacionais do Estado e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte. Obedecem aos órgãos de soberania, estão ao serviço do povo, são apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da arma, do posto ou da função para intervenção política. E podem ser incumbidas de colaborar em missões de proteção civil, em tarefas conexas com a satisfação de necessidades básicas e com a melhoria da qualidade de vida das populações, e em ações de cooperação técnico-militar, no âmbito da política nacional de cooperação. E as leis dos estados de sítio e de emergência fixam as condições do emprego das FA nessas situações (cf CRP, artigo 275.º).

No estado de sítio, é estabelecida a subordinação das autoridades civis às autoridades militares ou a sua substituição por estas; e as forças de segurança ficarão colocadas, para efeitos operacionais, sob o comando do CEMGFA, por intermédio dos respetivos comandantes-gerais. No estado de emergência, reforça-se o poder das autoridades administrativas civis e o apoio às mesmas da parte das FA (cf Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, artigo 8.º e 9.º).

Tudo isto é assumido como missão das FA no artigo 24.º da Lei de Defesa Nacional e no artigo 4.º da Lei Orgânica de Bases da Organização da Forças Armadas.

2024.07.30 – Louro de Carvalho

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