Nos últimos tempos, as Forças Armadas (FA) estiveram,
pela mão do governo, no centro das atenções da opinião pública. Com efeito, de
uma penada, o Conselho de Ministros adotou, a 26 de julho, um pacote de nove
medidas com peso na remuneração dos militares das FA e no benefício dos Antigos
Combatentes.
Ainda que telegraficamente, vale a pena recordá-las: aumento do suplemento da condição
militar; equiparação salarial entre FA e Guarda Nacional Republicana (GNR); ajuste
no suplemento de residência; aumento do suplemento de serviço aéreo; aumento do
suplemento de embarque; criação do suplemento de deteção e inativação de
engenhos explosivos; criação do suplemento de operador de câmara hiperbárica; nova
compensação especial por invalidez permanente ou morte; e comparticipação em medicamentos
para antigos combatentes.
Entretanto, a 30 de julho, foi notícia
que o ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, após
o acompanhamento de uma patrulha na mata nacional, na Marinha Grande, relevou o
papel das FA na prevenção e deteção dos incêndios rurais. “Os militares não estão nos quartéis, estão, todos os dias, a trabalhar
para o benefício das populações. Isso vale para a prevenção dos fogos, como
vale para as ações de busca e de salvamento, para a emergência médica, para o
transporte de órgãos, para o combate ao tráfico de pessoas ou combate ao
tráfico de drogas”, frisou Nuno Melo.
O governante, para quem as FA “estão sempre lá”, o que
“é muito relevante”, considerou que o papel delas é o de “deteção de incêndios,
em colaboração com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
[ICNF], juntamente com outras entidades, para que, de forma articulada, seja
mais eficaz essa missão”, de modo a que, no final da época de incêndios, “eles
não tenham acontecido”. E, se não aconteceram, é porque “houve prevenção e essa
prevenção dá muito trabalho e implica muito investimento e muito esforço
coordenado”.
Há 32 patrulhas na vigilância do território florestal,
no apoio ao ICNF. “Temos também os destacamentos de engenharia, que são
essenciais para moldar o terreno, para que os bombeiros consigam fazer o ataque
ao próprio incêndio. Depois temos os nossos pelotões, que fazem o rescaldo, a
vigilância e mitigam possíveis reacendimentos”, explicou o coronel Tiago Lopes,
comandante da Unidade de Apoio Militar de Emergência.
Nuno Melo salientou que a sua presença numa das
patrulhas mostra aos Portugueses que “os militares, em tempo de paz,
desempenham múltiplas tarefas em benefício diário das populações e entre essas
tarefas, ações de prevenção de incêndio”. “E, quando os incêndios não acontecem
em Portugal, muitas vezes, é precisamente porque as forças armadas, a par de
outras entidades, estão empenhadas nestas ações, que são fundamentais”, vincou
o governante, que desvaloriza o número baixo de municípios que tem protocolo
com o exército (nove municípios: Braga, Boticas, Loulé, Mafra, Monchique, São
Brás de Alportel, Sintra, Tavira e Viana do Castelo). “Não diria que é
exatamente curto, se tivermos em conta que os militares estão nas zonas mais
críticas. O risco de incêndio acontece no plano nacional, mas há locais de
maior risco do que outros e os militares estão certamente nos pontos de maior
risco dando o seu contributo”, adiantou, ao garantir que as FA, “por vocação e
natureza”, estão “disponíveis para aquilo a que possam ser úteis, quando
chamadas”.
Desde 15 de maio, momento em que as FA passaram a
integrar o Plano de apoio ao Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais
(DECIR), foram empenhadas na vigilância do território nacional 659 patrulhas,
que percorreram 86 mil quilómetros, num total de 1500 militares envolvidos.
Na verdade, os elementos do DECIR e os seus recursos
são provenientes dos Bombeiros, da Força Especial de Proteção Civil, da GNR, da
Polícia de Segurança Pública (PSP), do ICNF e da AFOCELCA. E existe o
contributo das FA, nomeadamente por parte da Força Aérea Portuguesa (FAP) no
atinente aos concursos para contratação dos meios aéreos de combate a incêndios
e na dimensão de vigilância aérea, que é articulada com a GNR. O Exército e a
Marinha desenvolvem ações de vigilância ativa, no pós-rescaldo dos incêndios de
maiores dimensões.
Por fim, confrontado com as queixas das associações
profissionais militares, Nuno Melo relevou que o secretário de Estado Adjunto e
da Defesa Nacional, Álvaro Castelo Branco as recebeu e ouviu, “entregaram um
caderno de encargos”, sendo que “vários dessas propostas foram tidas em conta e
muitas melhorias acabaram por acontecer”. “Portanto, foram ouvidas. Foram até
mais do que isso, foram escutadas. É importante que todos sejam considerados,
porque todos são absolutamente essenciais. E fico muito satisfeito por aquilo
que foram vitórias muito justas também das forças de segurança”, rematou.
***
As FA constituem
o conjunto das organizações e forças de combate e de defesa. Dependendo do
país, podem adotar designações alternativas como “forças de autodefesa”, “forças
militares” ou “exércitos”. Na maioria dos casos, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e
na disciplina, sob a autoridade direta do ministro da Defesa ou
equivalente e sob autoridade suprema do chefe de Estado ou de
governo, conforme o regime político. Destinam-se, essencialmente, à defesa
militar do país, podendo, se a lei o determinar ou permitir, cooperar na
garantia dos poderes constitucionais e na defesa da lei e da ordem interna.
São instituições nacionais autorizadas pela nação a
usar a força, pelo emprego de armas, em defesa do país (incluindo atacar outros
países, em defesa dos interesses nacionais), fazendo-o pelo combate real ou
pela ameaça do uso da força. Muitas vezes, funcionam como sociedade dentro da
sociedade, com as suas próprias comunidades, servidas de leis (Código de
Justiça Militar, Regulamento de Disciplina Militar, Estatuto dos Militares da
Forças Armadas, Tribunais Militares, sobretudo em tempo de guerra), de economia,
de educação, de saúde e de outras áreas.
Ao estudo das FA, do seu uso, da estratégia e da tática,
das metodologias e das técnicas, das ações, dos símbolos e das solenidades,
chama-se “ciências militares”, as quais enquadram três níveis de atuação
ofensiva e defensiva – o estratégico, o tático e o operacional – para atingir os
objetivos.
Normalmente, as FA dividem-se em três grandes
organizações (forças, componentes, exércitos ou ramos) a cada uma das quais
corresponde um ambiente específico de atuação: o mar, a terra e o ar. Assim,
temos: a força naval, marinha ou armada; a força terrestre, exército ou
exército de terra; e a força aérea, aeronáutica ou exército do ar. Porém,
há países com quatro e cinco ramos; outros não têm marinha, por falta de ação com
o mar; outros constituem uma única organização; e outros não dispõem de FA, confiando
a sua defesa militar a outro país (um vizinho poderoso).
Nas FA de maior dimensão, a diferença de doutrina e de
cultura entre ramos pode ser acentuada, apesar da tendência de integração que
vem ocorrendo desde a II Guerra Mundial. No passado, os ramos eram quase
autónomos, havendo poucos ou nenhuns órgãos de coordenação central. Até era
comum os ramos serem tutelados por diferentes ministros (por
exemplo, Portugal no Estado Novo). Porém, desde a II Guerra Mundial, os países
concentraram a tutela das FA num só ministro e criaram órgãos de comando
conjunto. Assim, na maioria dos países, o conjunto das FA encontra-se sob a
tutela de um membro do governo, o ministro da Defesa, sob a direção política do
governo; e existe um órgão militar central (em Portugal, o EMGFA – Estado-Maior
Geral das Forças Armadas, dirigido pelo CEMGFA) que comanda ou coordena a ação
dos ramos. Em Portugal, após as últimas alterações legislativas nas FA, o EMGFA
passou a deter superior poder de comando e direção, ficando reduzida a
autonomia dos estados-maiores dos ramos.
Conforme o nível de profissionalização do pessoal, as
FA podem ser permanentes, milicianas ou semipermanentes. As permanentes são constituídas
por militares profissionais que não dispõem de outra profissão a não ser a de
se prepararem e de se empenharem em operações de guerra. Em eficiência, é o
melhor modelo, pois os especialistas dedicam-se, por inteiro, à atividade
militar.
As milicianas são compostas por cidadãos que exercem as mais
diversas profissões e que só servem as FA em períodos de instrução ou por
mobilização, em caso de necessidade. É o modelo mais económico e envolve a
maioria dos cidadãos na defesa. Tem a desvantagem da falta de eficiência por
não haver profissionais dedicados exclusivamente às FA. Outra desvantagem é a
necessidade da conscrição, obrigando ao alistamento de muitos cidadãos contra a
sua vontade, muitos com pouca ou nenhuma vocação militar.
Entre os dois anteriores, situa-se é o modelo de FA
semipermanentes. Dispõem de um pequeno quadro de militares profissionais
(normalmente, oficiais e sargentos) que servem de esqueleto para instruir,
enquadrar e aprontar uma força maior. Em guerra ou em caso de exceção, o esqueleto
é preenchido por conscritos ou por reservistas mobilizados. Neste modelo, existe
o serviço militar obrigatório (SMO), em que os cidadãos recebem treino militar,
de modo a estarem aptos para a mobilização. Este sistema permite eficiência
elevada em algumas unidades constituídas apenas por profissionais e mantém a
capacidade das FA aumentarem, rapidamente, de tamanho, em caso de necessidade.
Era o modelo português até 2004, quando o SMO acabou.
O benefício óbvio é a proteção que as FA oferecem
contra ameaça estrangeira. Mas há outros. Por exemplo, ultimamente, as FA têm
sido empregues em operações de emergência civil em larga escala, como o socorro
a grandes catástrofes. Por outro lado, a posse de FA eficientes dá à política
diplomática e económica externa de um país mais prestígio e eficácia. Além
disso, as FA, por lidarem com situações de vida ou de morte, onde não pode
haver falhas, desenvolvem sistemas tecnológicos e procedimentos de vanguarda,
que são aplicados no âmbito civil. De facto, através de empresas
derivadas, muitas inovações tecnológicas, originalmente desenvolvidas
para uso militar, foram transferidas para o uso civil, com as necessárias adaptações.
Por fim, a capacidade de organização e de liderança revela-se em tempo de crise.
Em Portugal, foram militares que geriram a distribuição e a aplicação de
vacinas contra a covid-19.
Como não há bela sem senão, é óbvio que as FA implicam
avultados custos em instalações, em equipamento, em tempos de missão e em
remunerações, tal como absorvem recursos humanos especializados que seriam necessários
noutras áreas.
Portugal escapa aos modelos indicados. Tem um escol de
oficiais e de sargentos com formação académica e recruta um conjunto de voluntários
a quem dá qualificação e contrata por limitado período de tempo, dificultando o
ingresso no trabalho ao regressarem à vida civil. Tem muitos comandados e poucos
comandados. E já pôs a GNR em ações de combate, em vez das FA.
***
Em suma, nos termos da Constituição da República
Portuguesa (CRP), às FA (cuja organização “é única para todo o território”) “incumbe a defesa
militar da República”, bem como satisfazer os compromissos militares internacionais
do Estado e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas
organizações internacionais de que Portugal faça parte. Obedecem aos órgãos de
soberania, estão ao serviço do povo,
são apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da arma, do posto
ou da função para intervenção política. E podem ser incumbidas de colaborar em missões de proteção civil, em
tarefas conexas com a satisfação de necessidades básicas e com a melhoria da
qualidade de vida das populações, e em ações de cooperação técnico-militar, no
âmbito da política nacional de cooperação. E as leis dos estados de sítio e de emergência fixam as condições do
emprego das FA nessas situações (cf CRP,
artigo 275.º).
No estado de
sítio, é estabelecida a subordinação das autoridades civis às autoridades
militares ou a sua substituição por estas; e as forças de segurança ficarão
colocadas, para efeitos operacionais, sob o comando do CEMGFA, por intermédio
dos respetivos comandantes-gerais. No estado de emergência, reforça-se o
poder das autoridades administrativas civis e o apoio às mesmas da parte das FA
(cf Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, artigo 8.º e 9.º).
Tudo isto é assumido como missão das FA no artigo 24.º
da Lei de Defesa Nacional e no artigo 4.º da Lei Orgânica de Bases da Organização
da Forças Armadas.
2024.07.30 –
Louro de Carvalho
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