Fica-se,
muitas vezes, com a ideia de que os santos e as santas foram avessos/as ao Mundo.
E efetivamente, alguns/algumas o foram. Foram santos/as, não por isso, mas
apesar disso.
O Mundo, que
Deus criou, mereceu que o Filho de Deus o viesse salvar. Não é possível viver
em paz fugindo dele ou evitando-o. Outra coisa é desligar-se do espírito
mundano, que se afasta do Mundo que Deus criou e salvou, afastar-se do apego
aos bens terrenos e aspirar às coisas do Alto. Na verdade, somos peregrinos no
Mundo, não seus proprietários, nem seus habitantes em definitivo. Os crentes
sabem que a sua pátria definitiva é o céu. Por conseguinte, são de apreciar os
santos/as que, no quadro da fraternidade, praticaram e incentivaram a amizade
entre as pessoas.
É possível que muitos de nós sejamos ricos e ainda não nos tenhamos
dado conta. A Palavra de Deus já nos ensinava desde o Antigo Testamento: “Amigo
fiel é proteção poderosa e quem o encontrar, terá encontrado um tesouro. Amigo
fiel não tem preço, e o seu valor é incalculável. Amigo fiel é remédio que cura,
e os que temem ao Senhor encontrá-lo-ão” (Sir
6,14-16).
Se Jesus, que é Deus, quis
precisar de amigos para seguir a sua caminhada neste Mundo, imagine-se a nossa condição.
O ser humano não pode viver como uma ilha. É como afirmou São João Bosco: “Deus
colocou-nos no Mundo para os outros”. Podemos dizer que, a partir de Cristo, a
amizade tomou novo sentido: o amigo é o que descobriu o valor e a dignidade do
irmão, à luz do Evangelho. Essa sincera amizade, no genuíno sentido humano e
cristão, propagou-se entre os primeiros cristãos refugiados nas catacumbas. A História
da Igreja é marcada por exemplos de profundas amizades entre os santos padres,
como São Basílio e São Gregório, entre os grandes santos, como Francisco de
Assis e Clara, Ambrósio e Mónica e muitos outros.
São Gregório Nazianzeno,
um dos padres da Igreja, escreveu sobre o amigo São Basílio e explicou como
viviam, profundamente, a amizade: “Encontramo-nos em Atenas. Como o curso de um
rio, que, partindo da única fonte, se divide em muitos braços, Basílio e eu tínhamo-nos
separado para buscarmos a sabedoria em diferentes regiões. Mas voltamos a reunir-nos,
como se nos tivéssemos posto de acordo, sem dúvida, porque Deus assim quis. Nesta
ocasião, eu não só admirava o meu grande amigo Basílio, vendo-lhe a seriedade
de costumes e a maturidade e prudência das suas palavras, mas ainda tratava de
persuadir outros, que não o conheciam bem, a fazerem o mesmo. Logo começou a
ser considerado por muitos que já conheciam a sua reputação.”
Ele foi quase o único, entre todos os que iam estudar em
Atenas, a ser dispensado da lei comum; e parecia ter obtido maior estima do que
comportava a condição de novato. Este foi o prelúdio da amizade dos dois, a
centelha que fez surgir a intimidade e foram tocados pelo amor mútuo.
Com o passar do tempo, confessaram um ao outro o seu desejo:
a Filosofia era o que almejavam. Desde então, eram tudo um para o outro: moravam
juntos, faziam as refeições à mesma mesa, estavam sempre de acordo, aspiravam aos
mesmos ideais e cultivavam, cada dia, mais estreita e firmemente a sua amizade.
Movia-os igual desejo de obterem o que há de mais invejável: a ciência. Não tinham
inveja, mas valorizavam a emulação. Lutavam, não para ver quem tirava o
primeiro lugar, mas para cedê-lo ao outro. Cada um considerava como própria a
glória do outro.
Parecia que tinham uma só alma em dois corpos. E, embora não
se deva dar crédito aos que dizem que tudo se encontra em todas as coisas, no caso
deles, podia afirmar-se que, de facto, cada um se encontrava no outro e com o
outro.
O único objetivo era a virtude e as esperanças futuras, de
tal modo que, mesmo antes de partirem desta vida, tivessem emigrado dela. Nesta
linha, organizaram toda a sua vida e modo de agir. Deixaram-se conduzir pelos
mandamentos divinos, estimulando-se mutuamente à prática da virtude. Eram um
para o outro a regra e o modelo para discernir o certo e o errado.
Assim como cada pessoa tem um sobrenome recebido dos pais ou
adquirido por si próprio, isto é por causa da atividade ou orientação de sua
vida, para ambos, a maior atividade e o maior nome era serem cristãos e como
tal reconhecidos.
A verdadeira amizade, além
de ser relação entre pessoas, é ajuda mútua e caminho espiritual. Numa de suas
catequeses, o Papa Bento XVI destacou: “Essa é uma caraterística
dos santos: cultivam a amizade, porque é uma das manifestações mais nobres do
coração humano e tem em si algo de divino, como Tomás explicou em algumas quaestiones da Summa Theologiae,
na qual escreveu: ‘A caridade é a amizade do homem com Deus em primeiro lugar,
e com os seres que a Ele pertencem’.”
***
Eis 15 ensinamentos dos
santos sobre a amizade:
1. “Nem sempre o que é indulgente connosco é nosso amigo,
nem o que nos castiga, nosso inimigo. São melhores as feridas causadas por um
amigo do que os falsos beijos de um inimigo. É preferível amar com severidade a
enganar com suavidade.” – Santo Agostinho
2. “Amando o próximo e cuidando
dele, vais percorrendo o teu caminho. Ajuda, portanto, o que tens ao lado,
enquanto caminhas neste Mundo, e chegarás junto daquele com quem desejas
permanecer para sempre.” – Santo Agostinho
3. “Disse muito bem quem definiu o
amigo como metade da própria alma. Eu tinha, de facto, a sensação de que as nossas
duas almas fossem uma em dois corpos.” – Santo Agostinho
4. “A amizade é tão verdadeira e
tão vital, que nada mais santo e vantajoso se pode desejar no Mundo.” – Santo
Agostinho
5. “A amizade é a mais verdadeira
realização da pessoa.” – Santa Teresa D’Ávila
6. “A amizade com Deus e a amizade com
os outros é uma e mesma coisa, não podemos separar uma da outra.” – Santa Teresa
D’Ávila
7. “A amizade, cuja fonte é Deus, não se
esgota nunca”. – Santa Catarina de Sena
8. “Qualquer amigo verdadeiro quer
para o seu amigo: que exista e viva; todos os bens; fazer-lhe o bem; deleitar-se
com a sua convivência; e compartilhar com ele as suas alegrias e tristezas,
vivendo com ele um só coração.” – Santo Tomás de Aquino
9. “A amizade diminui a dor e a tristeza.” – Santo Tomás
de Aquino
10. “Quem com palavras, com conversas
ou com ações der escândalos, não é amigo, mas assassino de almas.” – São João
Bosco
11. “Temos de ir à procura das pessoas,
porque podem ter fome de pão ou de amizade.” – Santa Madre Teresa de Calcutá
12. “As palavras de amizade e
conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável.” – Santa Madre
Teresa de Calcutá
13. “Ama a todos os homens com um grande
amor de caridade cristã, mas não traves amizade senão com as pessoas cujo
convívio te pode ser proveitoso; e quanto mais perfeitas forem estas relações,
tanto mais perfeita será a tua amizade.” - São Francisco de Sales
14. “No mundo, é preciso que os que se
entregam à prática da virtude se unam por santa amizade, para mutuamente se
animarem e conservarem nesses santos exercícios.” – São Francisco de Sales
15. “Faz-nos tanto bem, quando
sofremos, ter corações amigos, cujo eco responde à nossa dor.” – Santa Teresa
de Lisieux
***
Há um conjunto de 10 santos, bem
conhecidos, que descobriram o tesouro da amizade e testemunharam ao Mundo que é
possível ter uma amizade bonita, fecunda e centrada no Senhor.
1. São Francisco e Santa Clara de Assis, italianos. A sua amizade é uma das mais conhecidas na Igreja Católica. Quando Francisco
de Assis conheceu Clara, tomou a decisão de “retirar do Mundo malvados tão
precioso dom para enriquecer com ele o seu Divino Mestre”. Em 1212, a jovem
fugiu de casa para se consagrar a Deus na igreja de são Damião e prometeu
obedecer a Francisco em tudo. Logo depois, fundou a ordem das clarissas e
cuidava dos doentes que Francisco lhe enviava. Em 1225, atendeu o amigo, que
sofria, devido aos estigmas e cuja saúde havia piorado. E Francisco, antes de
morrer, em 1226, enviou uma mensagem de encorajamento a Clara, para que não
desanimasse com a sua partida.
2. São João Paulo II e Santa Teresa de Calcutá. A amizade entre o Papa polaco e a fundadora albanesa
das missionárias da caridade é uma das que mais comove os fiéis na atualidade. João
Paulo II chamava-a de “minha mãe”. O Papa peregrino desenvolveu a vocação
religiosa no meio da guerra e do comunismo, enquanto ela descobria a vocação a
servir os mais necessitados em Calcutá, uma das cidades mais pobres da Índia. Teresa
de Calcutá visitou-o, várias vezes, no Vaticano; e, em 1986, o Papa visitou a
Índia, onde conheceu o asilo “Nirmal Hriday” (Sagrado Coração) que ela fundou.
A religiosa disse que esse foi “o dia mais feliz” da sua vida.
3. São Vicente de Paulo e Santa Luísa de Marillac. O principal motor da vida destes santos franceses
foi a caridade. Aos 36 anos, Vicente de Paulo sentiu a vocação a servir os
pobres. Fundou a Congregação da Missão (Vicentinos), para evangelizar os mais
necessitados e para trabalhar na formação do clero. Alguns anos depois,
conheceu uma corajosa e determinada viúva chamada Luísa de Marillac. O santo
decidiu dar-lhe formação espiritual e, juntos, fundaram, em 1633, a Companhia
das Filhas da Caridade.
4. Santa Teresa do Menino Jesus e Santa Elisabete da Trindade. Foram duas religiosas carmelitas francesas cuja
amizade se baseava na sua profunda vida espiritual. Conheceram-se no Carmelo de
Dijon, localizado no Leste da França. Isabel, conhecida como a “irmã
espiritual” de Santa Teresa, escreveu diversos livros sobre a Santíssima
Trindade. Ambas desejavam fervorosamente chegar ao céu e estar junto com o seu
amado Jesus. Morreram antes de completarem 30 anos de idade. Teresa de Lisieux
morreu, em 1897, e a sua amiga, nove anos depois.
5. Santa Rosa e São Martinho de Lima. São os dois santos mais importantes do Peru e conhecidos pelo testemunho
de humildade e de serviço aos mais necessitados. Segundo a tradição, ambos
foram batizados na igreja de São Sebastião, com dois anos de diferença, e
receberam o sacramento da Crisma das mãos de Santo Toríbio de Mogrovejo,
segundo arcebispo de Lima. Cresceram em amizade enquanto atendiam doentes e
escravos na cidade. Além disso, pertenciam à ordem dominicana. Rosa de Lima era
terciária, enquanto Martinho era religioso.
6. Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier, espanhóis. Conheceram-se na Universidade de La Sorbona, em
Paris, na França. Inácio de Loyola tinha aproximadamente 33 anos, quando o seu
discípulo São Pedro Fabro o apresentou a Francisco Xavier. A princípio,
Francisco considerou Inácio antipático, por sempre repetir a frase de Cristo:
“Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”. Pouco a
pouco, o jovem deixou de lado a vaidade e fez os exercícios espirituais criados
pelo fundador da Companhia de Jesus (jesuítas). Em 1540, o Papa Paulo III
aprovou a criação da Companhia e Inácio foi escolhido como seu primeiro
superior geral e Francisco Xavier partiu como missionário para Índia e para o Japão.
7. Santa Teresa d’Ávila e Aão João da Cruz. Teresa era uma jovem sonhadora e determinada, quando emitiu os votos no
Carmelo, em 1536, aos 21 anos de idade. No Carmelo, percebeu que as carmelitas,
na Espanha e em outros lugares, tinham diminuído e se converteram em centro
social para todos os que desejavam vida fácil e relaxada. Quando começou a
encontrar os novos conventos carmelitas, conheceu o jovem frade chamado João e,
depois de o entrevistar, convidou-o a fazer parte da reforma do Carmelo, a fim
de revitalizar o carisma original da pobreza e da oração. Esses amigos também
escreveram lindos poemas baseados nas suas provações e alegrias espirituais. O
mais conhecido de Teresa d’Ávila é “Nada te turbe” e de João Cruz é “A noite
escura da Alma”.
8. São João Bosco e São Domingos Sávio. Após ser ordenado sacerdote, em 1841, João Bosco criou um oratório onde
reuniu centenas de jovens para os formar. Naquela época, um sacerdote
apresentou-o a um menino chamado Domingos. O santo ficou impressionado com a
vida espiritual e a alegria do menino. Por isso, decidiu acolhê-lo e tornou-se
seu diretor espiritual. Numa noite, Dom Bosco encontrou-o a tremer de frio na
cama e coberto apenas com um lençol. Quando chamou a atenção de Domingos Sávio,
o menino brincou dizendo: “Nosso Senhor não pegou nenhuma pneumonia no estábulo
em Belém”. Domingos morreu em 1857. Dois anos depois, Dom Bosco fundou a ordem
dos salesianos junto com um grupo de jovens.
9. São Cornélio e São Cipriano. O Papa Cornélio
e Cipriano, Bispo de Cartago, testemunharam a sua fé durante a perseguição que
sofreram por parte do Império Romano. Este Papa enfrentou o sacerdote
Novaciano, que proclamou a heresia de que a Igreja Católica não tinha o poder
para perdoar os pecados. O santo enfrentou-o e foi apoiado, no debate pelo seu
amigo Cipriano. Cornélio foi enviado para o exílio e morreu decapitado, em 253.
Por sua parte, Cipriano foi martirizado da mesma maneira, cinco anos depois.
10. Santas Felicidade e Perpétua. Perpétua
era uma jovem mãe de 22 anos, de família rica e Felicidade era a sua escrava. Foram
presas por serem cristãs. Na prisão, Felicidade deu à luz uma menina e os
cristãos ajudaram para que Perpétua pudesse permanecer com o seu bebé durante
os últimos dias de vida. Receberam a comunhão, antes de serem lançadas a uma
vaca selvagem e morrerem decapitadas, em 203. Os cristãos criaram a filha de
Felicidade, enquanto as tias e a avó de Perpétua foram responsáveis pela
educação do seu filho.
***
É bom que
nos disponhamos a aprender com os santos e, como eles, cultivar as relações
interpessoais e a vivência em conexão com a comunidade eclesial. Em vez de
tentarmos explorar seus eventuais defeitos ou de passarmos o tempo a divertir-nos
à sua custa, devemos imitá-los naquilo em que são exemplo a seguir.
2024.07.22 – Louro de Carvalho
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