quinta-feira, 27 de junho de 2024

São já 2,15 milhões a passar fome na Faixa de Gaza

 

A fome e a carência de medicamentos e de outros bens essenciais têm sido uma constante desde que Israel retaliou o ataque do Hamas, invadindo a Palestina e a Faixa de Gaza. Porém, contas feitas revelam que, agora, 2,15 milhões estão a passar fome na Faixa de Gaza, o que corresponde a 96% da população atingida. De acordo com dados divulgados, a 25 de junho pela Integrated Food Security Phase Classification (IPC), a situação é dramática. Os médicos que trabalham em unidades móveis de saúde já alertaram para a carência de víveres nos abrigos.
A Save the Children documentou, em apenas cinco semanas, cerca de 40 casos de crianças com desnutrição grave e potencialmente fatal, numa das suas clínicas, aonde também chegam adultos que apresentam peso muito baixo, fadiga, tensão arterial baixa e outras doenças associadas à fome. Os apoios que chegam à região são decisivos para a sobrevivência das pessoas que habitam o território, pelo que a Save the Children apela à concessão de acesso livre e absoluto às agências de ajuda humanitária e a outras organizações de auxílio, para se salvar o máximo possível de vidas. Com efeito, estas entidades têm muita dificuldade em entrar em Gaza, sem restrições.
Rachael Cummings, chefe da equipa da Save the Children em Gaza, lamenta que, sabendo a organização prevenir e tratar a desnutrição, não lhe deem a oportunidade de o fazer. As restrições severas e significativas à ajuda e os combates intensos impedem uma regular gestão das clínicas como já o fizeram noutras inúmeras situações de emergência, para salvar vidas. Ali, a taxa de deterioração da população é extraordinária. As comunidades anteriormente saudáveis estão a definhar. E assiste-se ao aumento do número de crianças com diarreia, com icterícia, com problemas respiratórios, doenças que, aliadas à fome extrema, podem matar uma criança em dias.
As estatísticas da IPC mostram que cerca de 745 mil pessoas, em Gaza, enfrentam condições de emergência de insegurança alimentar, que se carateriza por desnutrição aguda e por crescente risco de morte conexa com a fome. O relatório revela que, sem o fim das hostilidades e sem a imediata melhoria do acesso à ajuda, todas as crianças de Gaza correm o risco de passar fome.
De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, pelo menos 34 pessoas, a maioria das quais crianças, já morreram de desnutrição grave. E a IPC menciona que, embora a população do Norte de Gaza tenha sido temporariamente retirada do limiar da fome, prevista para maio, isso deve-se ao facto de ter sido permitida a chegada de uma ajuda limitada aos mais necessitados. Ao invés, no sul de Gaza, a situação de fome piorou, substancialmente, na sequência do recrudescimento das hostilidades e da diminuição do acesso à ajuda.
Para evitar que as crianças morram de fome e de subnutrição, é preciso chegar até elas, fazer-lhes o rastreio e tratá-las. É preciso ter acesso às comunidades, fornecer alimentação suplementar às crianças e às mulheres grávidas e lactantes, para evitar que as crianças fiquem subnutridas. E as famílias precisam de ver cumpridos os seus direitos fundamentais à água potável, ao saneamento e ao serviço de saúde, para evitar que mais crianças fiquem ainda mais doentes. Inúmeros médicos que trabalham no território alertam, também, para a falta de víveres. “Há uma grave escassez de medicamentos necessários para o cancro e até de antibióticos para as crianças”, refere Bassam Abu Hamad, consultor de saúde, considerando que, em termos de equipamento, é complicado, porque o sistema de saúde foi destruído, nomeadamente muitas ambulâncias.
Lubna Yousif Sabbah, coordenadora dos programas de saúde e psicossociais, citada pelo Conselho Mundial das Igrejas apela à oração: “Encorajamo-nos a continuar a ajudar e a servir as pessoas necessitadas. […] Podeis rezar para acabar com esta guerra e com a violência contra pessoas inocentes em Gaza. Rezai para que a paz, a prosperidade e a justiça prevaleçam.”
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Não foi, pois, sem razão que 90 professores e investigadores da Universidade do Minho (UM) lançaram, a 11 de junho, ao reitor e à presidente do conselho geral daquela academia, um repto no sentido de a instituição assumir uma posição pública e inequívoca contra o genocídio em curso em Gaza, como fez, no passado, sobre a invasão da Ucrânia. Além disso, exigem a interrupção de qualquer cooperação científica com Israel e que se efetuem parcerias académicas com a Palestina.
Os signatários são oriundos das escolas de Engenharia, de Letras, Artes e Ciências Humanas, de Economia e Gestão, de Direito, de Ciências, de Medicina, e de Psicologia; dos institutos de Ciências Sociais, e de Educação; e dos centros de Investigação em Educação, Interdisciplinar de Ciências Sociais, de Estudos de Comunicação e Sociedade, de Estudos Humanísticos, e de Ética, Política e Sociedade, bem como do Arquivo Distrital de Braga.
“O terror progride em Gaza. Mais de 37 mil mortos, dos quais 20 mil crianças. 70% das estruturas civis destruídas. A fome e a sede usadas como armas de guerra. Simultaneamente, a arbitrariedade e a violência acentuam-se, de forma intolerável, nos territórios ocupados de toda a Palestina”, descrevem os subscritores da missiva a que deram o título “Calar é consentir”. Neste contexto, os 90 abaixo-assinados manifestam-se “publicamente solidários e próximos dos muitos milhares de vítimas do genocídio em curso”.
Os signatários congratulam-se “com as posições desassombradas assumidas por estudantes em todo o Mundo e, também, no nosso país” e na UM. “São as suas vozes que, no meio de um ensurdecedor silêncio e, por vezes, enfrentando a agressão policial, se têm erguido contra a metódica destruição de Gaza e a violência extrema que, há décadas, se exerce sobre a Palestina.”
Para Luís Soares Barbosa, professor catedrático no departamento de Informática da UM, este ato conjunto surge da estranheza que vários membros da comunidade académica sentiram, face à “ausência de uma posição explícita e substantiva da Universidade sobre o genocídio em Gaza, sobretudo em comparação com a rapidez com que esta instituição tomou uma posição parecida aquando da invasão da Ucrânia pela Rússia”.
“As universidades são instituições de saber, de valores humanistas, de valores das ‘Luzes’ e, portanto, não podem pactuar com uma situação tão aberrante como aquela que se vive em Gaza. Por outro lado, e nós dizemos isso também na carta, entre os milhares de mortos que tem havido em Gaza, uma grande percentagem são crianças e jovens, muitos dos quais têm a idade dos nossos alunos”, refere Barbosa, acrescentando: “Isso é para nós particularmente tocante. As pessoas que nós temos nas salas de aula, todos os dias, cheias de ideias, de sonhos, com direito a uma vida e a um futuro abertos, em Gaza, estão a ser chacinadas, em nome de uma política colonial velha de 70 anos e que tem sido desde então um desastre.[…] Por estas razões, os signatários consideram que a Universidade do Minho tem a obrigação de tomar uma posição.”
O documento, além do já referido, pede que a UM não exiba “a bandeira ou qualquer outra insígnia do agressor” e que “exerça toda a sua capacidade de influência para exigir um cessar-fogo imediato, incondicional e definitivo”.
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Entretanto, o relatório da Comissão Internacional Independente de Inquérito (CIII) da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Território Palestiniano Ocupado, de 12 de junho, revela que as autoridades israelitas são responsáveis por crimes de guerra e por crimes contra a Humanidade nas operações militares e nos ataques em Gaza e conclui que os grupos armados palestinianos são responsáveis por crimes de guerra cometidos em Israel. “É imperativo que todos os que cometeram crimes sejam responsabilizados. […] A única forma de pôr termo aos ciclos recorrentes de violência, incluindo a agressão e a retaliação de ambas as partes, é garantir o estrito cumprimento do direito internacional”, diz Navi Pillay, presidente da CIII.
“Israel deve cessar, imediatamente, as operações militares e os ataques em Gaza, incluindo o assalto a Rafah, que custou a vida a centenas de civis e deslocou novamente centenas de milhares de pessoas para locais inseguros, sem serviços básicos e assistência humanitária” […] O Hamas e os grupos armados palestinianos devem cessar imediatamente os ataques com foguetes e libertar todos os reféns. A tomada de reféns constitui um crime de guerra”, apontou Pillay.
A Comissão entende que as autoridades israelitas são responsáveis pelos crimes de guerra de fome como método de guerra, de homicídio ou de morte intencional, de dirigir intencionalmente ataques contra civis e contra objetos civis, de transferência forçada, de violência sexual, de tortura e de tratamento desumano ou cruel, de detenção arbitrária e de ultrajes à dignidade pessoal. E conclui que foram cometidos crimes contra a Humanidade, de extermínio, de perseguição sexual contra homens e contra rapazes palestinianos, de assassínio, de transferência forçada, de tortura e de tratamentos desumanos e cruéis.
Por isso, o relatório insta o governo de Israel a aplicar, imediatamente, um cessar-fogo, a pôr termo ao cerco de Gaza, a garantir a entrega de ajuda humanitária e a pôr termo ao ataque contra civis e infraestruturas civis. Ao mesmo tempo, apela ao governo do Estado da Palestina (a ONU chama-lhe estado) e às autoridades, de facto, de Gaza para que cessem, imediatamente, todos os ataques com rockets contra Israel, libertem incondicionalmente todos os reféns e investiguem, de forma exaustiva e imparcial, as violações cometidas. Solicita, de igual modo, que as autoridades palestinianas julguem os responsáveis pelos crimes, incluindo os cometidos, em 7 de outubro e desde então, por membros de grupos armados palestinianos não estatais em Israel.
O relatório divulgado em Genebra releva que, “em meses de perdas e desespero, de retaliação e de atrocidades, o sofrimento de palestinos e israelenses piorou”; e põe a nu o impacto do conflito sobre mulheres e crianças.
Para os especialistas, o ataque do Hamas, de 7 de outubro, marca um “ponto de viragem claro”, para Israelitas e para Palestinianos, e constitui um momento decisivo que pode mudar o rumo do conflito, com “um risco real de consolidar e alargar ainda mais a ocupação”.
Para Israel, o ataque resultou na morte de centenas de pessoas e em sequestros, bem como “traumas dolorosos de perseguições passadas, não apenas para Judeus israelitas, mas para o povo judeu em todos os lugares”; e, para os Palestinianos, a retaliação israelita desproporcionada fica registada como a série dos “mais longos, maiores e mais sangrentos” ataques, desde 1948.
De forma deliberada, os envolvidos “mataram, feriram, maltrataram, fizeram reféns e cometeram atos sexuais e de género contra civis”. As vítimas incluem cidadãos israelitas e estrangeiros. 
Atos similares foram cometidos contra membros das Forças de Segurança de Israel (ISF), incluindo soldados fora de combate.  O relatório acentua que essas ações podem ser consideradas crimes de guerra, violações e abusos do direito internacional humanitário e dos direitos humanos. Autoridades de Israel rejeitam as conclusões da CIII. Porém, a série de padrões apontando para violência sexual foram examinados em vários locais.
Para os autores do relatório, as autoridades israelitas “falharam em proteger civis no Sul de Israel, em quase todas as frentes”, incluindo a mobilização rápida das forças de segurança suficientes para proteger civis e evacuá-los de locais civis. Também falharam em garantir que as provas forenses fossem sistematicamente recolhidas por autoridades envolvidas e que estas agissem, particularmente, em relação a alegações de violência sexual”. A situação “mina a possibilidade de futuros procedimentos judiciais, [de] responsabilização e [de] justiça”.
A CIII crê que o imenso número de vítimas civis e a destruição generalizada de bens civis e de infraestruturas vitais foram os “resultados inevitáveis da estratégia escolhida por Israel para o uso da força” nos confrontos. Para o Estado Palestino e para as autoridades, de facto, em Gaza, o apelo é que garantam a libertação imediata e incondicional de todos os reféns, bem como a sua proteção, incluindo contra violência sexual e de género.
Outras recomendações são prestar informações sobre o estado de saúde e bem-estar, autorizar contactos com a Cruz Vermelha e o atendimento médico, assegurar o tratamento segundo leis humanitárias de direitos humanos e parar com os disparos indiscriminados de foguetes, de morteiros e de outras munições contra populações civis por parte de grupos palestinianos.
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É a guerra no seu pior e que insiste em não parar!

2024.06.27 – Louro de Carvalho

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