segunda-feira, 24 de junho de 2024

Lince ibérico não está em vias de extinção, mas é uma espécie vulnerável

 

Até há pouco tempo, o lince ibérico estava na lista das espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Isto, porque o número destes animais, conhecidos como gatos salvagens de tamanho médio, tem vindo a diminuir, devido à caça excessiva, à caça furtiva e à perda de habitats adequados; e porque o coelho europeu, a sua presa principal, está a tornar-se mais escassa, por causa de doenças, como a mixomatose (causada pelo vírus myxoma, originário de coelhos selvagens brasileiros, podendo provocar quebra do sistema imunitário, o que propicia o aparecimento de infeções bacterianas, causando a morte dos animais).

Há boas notícias para a vida selvagem, uma vez que um dos principais carnívoros da Europa está a recuperar da “quase extinção”. Estima-se que, atualmente, a população total de linces ibéricos seja superior a dois mil. Porém, o coordenador do projeto LIFE Lynx-Connect refere que ainda há muito trabalho a fazer.

Seja como for, a UICN alterou, na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas, o estatuto do lince ibérico de “ameaçado” para “vulnerável”, pois a espécie continua “ recuperar da quase extinção, graças aos esforços de conservação sustentados”. “No momento em que a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas celebra o 60.º aniversário, a sua importância não pode ser subestimada como a mais completa fonte de informação sobre o estado da biodiversidade mundial”, afirmou Grethel Aguilar, diretora-geral da UICN, vincando que “é uma ferramenta essencial que mede o progresso para travar a perda de Natureza e alcançar os objetivos globais de biodiversidade para 2030”.

A população do lince ibérico aumentou, exponencialmente, de 62 indivíduos adultos, em 2001, para 648, em 2022, contabilizando-se, agora, um total de mais de dois mil, incluindo linces jovens e adultos. Os esforços de conservação desta espécie têm-se centrado no aumento do número de presas, como o coelho europeu, na proteção e recuperação do seu habitat e na redução do número de mortes causadas pela atividade humana. Também tem sido fundamental para aumentar o número de linces ibéricos a expansão da diversidade genética da espécie, através de translocações e de um programa de reprodução ex situ. Assim, desde 2010, mais de 400 linces ibéricos foram reintroduzidos em partes de Portugal e Espanha. E o lince ibérico ocupa, atualmente, pelo menos, 3320 km2, um aumento em relação aos 49 km2 de 2005.

O coordenador do projeto LIFE Lynx-Connect, que liderou a ação de conservação, frisou que esta é “a maior recuperação de uma espécie felina alguma vez conseguida através da conservação”. “Este sucesso é o resultado da colaboração empenhada entre organismos públicos, instituições científicas, ONG [organizações não-governamentais], empresas privadas e membros da comunidade, incluindo proprietários locais, agricultores, guarda-caça e caçadores, e do apoio financeiro e logístico do projeto LIFE da União Europeia”, relevou Francisco Javier Salcedo Ortiz. Porém, entende que há muito trabalho a fazer, para garantir a sobrevivência das populações de linces ibéricos e a recuperação da espécie.

O lince ibérico continua ameaçado, principalmente devido a potenciais flutuações na população de coelhos europeus, que são, muitas vezes, causadas por surtos de vírus. A caça furtiva e os atropelamentos de veículo continuam a constituir ameaças, em especial nos locais onde estradas muito movimentadas atravessam o habitat do lince. As alterações de habitat relacionadas com as alterações climáticas são também uma ameaça crescente.

A primeira avaliação do Estatuto Verde das Espécies da UICN – padrão global para medir a recuperação das espécies e avaliar o impacto da conservação – classifica o lince ibérico como largamente empobrecido. No entanto, o seu elevado legado de conservação reflete o impacto dos esforços de conservação até à data, e “subsiste um habitat adequado suficiente para que a espécie possa atingir o estatuto de totalmente recuperada dentro de 100 anos, assumindo que os esforços de conservação continuam com a máxima eficácia”, explicou a UICN.

Ainda em 2021, o lince ibérico era considerado o felino mais ameaçado do Mundo. Contudo, pela primeira vez, em duas décadas, a população de lince ibérico excedia, então, os mil exemplares. Segundo dados do governo espanhol, em toda a Península Ibérica, havia mais de 1100 destes felinos em estado selvagem, o número mais elevado desde que há monitorização.

O Homem continua a ser a principal ameaça. “A principal causa de morte, certamente no ambiente natural da vida selvagem, está relacionada com atividades humanas, mortes na estrada, caça furtiva, encontros indesejados. Assim, quanto mais longe estiver e menos contacto direto a vida selvagem tiver com os humanos, compreendemos que será melhor”, afirmava Antonio Rivas, diretor do Centro de Reprodução de Lince Ibérico de El Acebuche.

No entanto, existem outros perigos que ameaçam a sobrevivência dos Linces Ibéricos. São várias as doenças que podem afetar a saúde destes felinos inclusive a que, havia mais de um ano, ameaçava também a sobrevivência humana, a infeção pelo novo coronavírus. A veterinária no Centro de Reprodução de Lince Ibérico de El Acebuche, Yasmin El Bouyafrouri, explicava que “os felinos são, de facto, sensíveis ao SARS-CoV-2, que foi detetado em gatos e em grandes felinos, em alguns zoológicos. Não têm sintomas importantes. Os que morreram, tendo sido detetado o SARS-CoV-2, tinham outra patologia e foi essa que lhes causou a morte”.

O Centro de Cria Lince El Acebuche, no Parque Nacional de Doñana, na Andaluzia, é um dos cinco centros de reprodução de Linces Ibéricos criados, no início do século, para aumentar o número destes felinos na natureza. Quatro estão em Espanha e um em Silves, no Sul de Portugal.

Os esforços dos dois países têm dado frutos. São várias as crias de lince ibérico que estão a ser treinadas nestes centros, para serem introduzidas Na natureza.

Apesar das boas notícias, há ainda muito trabalho a fazer para recuperar uma população que ultrapassava os cem mil exemplares, no início do século XIX. O Lince Ibérico é considerado o felino mais ameaçado do Mundo e foi classificado como “criticamente em perigo” pela UICN.

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Há quatro anos, nasceu em cativeiro, foi libertado há três, no Vale do Guadiana, e andava pelos arredores de Barcelona, num turismo selvagem, com a coleira identificativa (avariada). Em maio, um coelho serviu de isco e assistiu, heroico e ileso, à captura do lince pelas autoridades. A partir de então, o Lítio, integrado num programa de conservação de animais em risco de extinção, conhece o lado selvagem da Andaluzia. Parece um gato um pouco maior, com coleira, mas um olhar atento não deixa passar os caraterísticos tufos de pelo negro em forma de pincel nas orelhas. Porém, é um lince ibérico e não responde pelo nome de Lítio, porque é um animal selvagem. Foi o nome que lhe deram, ao nascer em cativeiro. Na Catalunha não se via um lince ibérico desde o princípio do século XX, mas Lítio sabe que a Ibéria é Portugal e a Espanha. 

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Dantes considerado subespécie do lince euroasiático (Lynx lynx), o lince ibérico é classificado como espécie separada. Ambas as espécies percorriam a Europa central no período Pleistoceno, separadas só por escolhas de habitat. Crê-se que o lince ibérico (nome científico Lynx pardinus), tal como os outros linces, evoluiu a partir do Lynx issiodorensis.

A linhagem dos linces divergiu da dos outros felídeos há cerca de 7,2 milhões de anos. O género Lynx começou a diversificar-se há cerca de 3,24 milhões de anos, e o lince ibérico separou-se do lince euroasiático há cerca de 1,18 milhão de anos.

O isolamento do ancestral comum entre as espécies, no Sul da Península Ibérica, em refúgios, na Era do Gelo, culminou no surgimento do lince ibérico, resultando na diminuição do porte desta espécie. Tal diminuição é observada no registo fóssil e, provavelmente, deu-se pela especialização do felídeo em caçar coelhos.

Também conhecido como libernelobo-cervalgato-fantasmagato-cerval e gato-lince, é uma espécie de mamífero da família Felidae e do género Lynx. Apresenta muitas das caraterísticas típicas dos linces, como orelhas peludas, pernas longas, cauda curta e colar de pelo, que se assemelha a barba. Ao invés dos parentes mais próximos, tem cor castanho-amarelada com manchas. O comprimento da cabeça e do corpo é de 85 a 110 centímetros, com a pequena cauda a acrescentar o comprimento adicional de 12 a 30 centímetros. O macho é maior do que a fêmea e podem pesar até cerca de 27 quilogramas. A longevidade máxima na Natureza é de 13 anos.

Endémicos da Península Ibérica, são especialistas na caça de coelhos, que representam a maioria da sua dieta, com grande dificuldade em se adaptarem a outra alimentação. O macho necessita de um coelho por dia; a fêmea grávida come três coelhos por dia. A queda das populações da sua principal fonte de alimento, em resultado de doenças, contribuiu para o declínio do felino, afetado pela perda de matagal, seu habitat principal, pelo desenvolvimento humano, incluindo mudanças no uso do solo (como o monocultivo de árvores) e pela construção de barragens e de estradas. O atropelamento com veículos é a principal causa de morte não natural.

O lince ibérico foi espécie em perigo crítico, até 2015, e, até 2024, espécie em perigo. Ainda assim, é a espécie de felino mais ameaçada no Mundo e o carnívoro em maior perigo na Europa. Se o lince ibérico desaparecesse, seria a primeira espécie de felino a ficar extinta desde os tempos pré-históricos. Em 2024, a população aumentou para 2021 espécimes, levando à reclassificação de espécie em perigo para espécie vulnerável.

Este felino prefere um ambiente heterogéneo de pastagem aberto, com arbustos densos como o medronheiro, a aroeira e o zimbro, ou árvores, como a azinheira e o sobreiro. Está, em grande parte, restrito a áreas montanhosas, com alguns grupos encontrados na floresta de várzea ou em densos matagais maquis.

É caçador especializado e apresenta adaptações que lhe melhoram a capacidade de capturar e de matar pequenas presas. Tem crânio encurtado, que maximiza a força da mordidela dos caninos. Os focinhos são mais estreitos e têm mandíbulas mais longas e caninos menores do que animais que se alimentam de presas maiores. Como os demais felídeos, tem pupilas verticais e visão excelente, quando há pouca visibilidade. Tem reflexos apurados: os bigodes fornecem dados táteis detalhados e as orelhas propiciam excelente audição. A maioria é silenciosa, exceto quando se sente a ameaça ou quando os juvenis se encontram em perigo.

Também caça outros mamíferos (sobretudo roedores e insetívoros), aves, répteis e anfíbios, mais ativamente no crepúsculo e à noite. Por vezes, caça jovens veados, gamos, corças, muflões e patos. Compete com a raposa vermelha, o sacarrabos (Herpestes ichneumon) e o gato-bravo. Caça sozinho: persegue a presa ou deita-se à espera por detrás de um arbusto ou de uma pedra, até a presa estar suficientemente perto, para poder atacar com poucos passos. Marca o seu território, que depende da comida disponível, com urina, com excrementos deixados pela vegetação e com marcas de arranhões nas cascas de árvores.

O cio ocorre de janeiro a julho, predominantemente em janeiro-fevereiro (a reprodução é anual). Na época de acasalamento a fêmea deixa o seu território à procura de um macho. A gestação dura cerca de dois meses; as crias nascem entre março e setembro, com o pico de nascimentos em março e abril. Uma ninhada consiste em duas ou três crias (raramente uma, quatro ou cinco). As crias pesam entre 200 e 250 gramas, tornam-se independentes dos sete aos 10 meses, mas permanecem com a mãe até aos 20 meses. Entre os oito e os 23 meses, os machos dispersam-se (as fêmeas dispersam-se mais tarde). 

No estado selvagem, machos e fêmeas atingem a maturidade sexual com um ano de idade, embora raramente se reproduzam sem que um território fique vago e tenha qualidade suficiente.

A dificuldade em encontrar parceiros leva à endogamia, de que resultam menos crias e maior taxa de morte não traumática, bem como menor qualidade de sémen e maior taxa de infertilidade entre os machos, dificultando os esforços para aumentar a aptidão da espécie.

A preservação do lince e do seu habitat impõe a sua proteção e a proibição da sua caça.

2024.06.24 – Louro de Carvalho

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