terça-feira, 18 de junho de 2024

Conselho Europeu aprovou, finalmente, a Lei do Restauro da Natureza

 

Os ministros do Ambiente dos países da União Europeia (UE), reunidos no Luxemburgo, a 17 de junho, aprovaram em votação final, embora com alguns meses de atraso, a controversa Lei do Restauro da Natureza (LRN), que estabelece uma política fundamental para restaurar a Natureza degradada, tornando-se a primeira lei ambiental aprovada desde as eleições para o Parlamento Europeu (PE) e que entrará, finalmente, em vigor.
A LRN, que já tinha sido aprovada pelo PE, recebeu agora o apoio do Conselho de Ministros do Ambiente da UE, com o voto favorável de 20 estados-membros, incluindo Portugal, seis contra e uma abstenção.
Efetivamente, o PE aprovou a LRN, em sessão plenária, a 27 de fevereiro de 2024, em Estrasburgo, apesar da contestação dos grupos de direita e dos agricultores. A lei passou com 329 votos a favor, 275 contra e 24 abstenções, uma margem maior do que a inicialmente esperada. O resultado suscitou aplausos e vivas por parte dos socialistas e dos verdes, com os eurodeputados de direita a manterem-se em silêncio.
A lei, que foi bastante enfraquecida nas negociações com os governos dos 27 Estados-membros da UE,  havia de votar a ser apreciada pelo Conselho da UE (que reúne os ministros da UE com esta tutela) para votação final, o que aconteceu agora.
A legislação visa reabilitar pelo menos 20% das áreas terrestres e marítimas da UE, até 2030, e todos os ecossistemas degradados, até 2050. Estabelece obrigações e objetivos em diferentes domínios de ação, tais como as terras agrícolas, os polinizadores, os rios, as florestas e as zonas urbanas, para inverter, gradualmente, os danos ambientais causados pelas alterações climáticas e pela atividade humana.
Nestes termos, a LRN implica que os estados-membros introduzam medidas de recuperação da Natureza num quinto dos seus territórios terrestres e marinhos da UE, até 2030; visa inverter o declínio dos habitats naturais da Europa, 81% dos quais estão classificados como estando em mau estado de conservação; e inclui objetivos específicos, como a recuperação de turfeiras para que possam absorver as emissões de dióxido de carbono (CO2).
Para que os estados-membros introduzam as respetivas medidas, devem transpor a LRN para as suas legislações e criar os Planos Nacionais de Restauro da Natureza (PNRN).
“Foi uma negociação difícil, que durou bastante tempo, mas com um final bom”, resumiu Maria da Graça Carvalho, ministra portuguesa do Ambiente e Energia.
Porém, a Bélgica absteve-se e a Finlândia, a Hungria, a Itália, os Países Baixos, a Polónia e a Suécia (seis países) votaram contra. E, nos Países Baixos, por exemplo, a política de proteção da Natureza foi tida como ameaça à expansão dos parques eólicos e de outras atividades económicas.
A ecologista Leonore Gewessler, ministra federal da Áustria, para a ação climática, Ambiente, Energia, Mobilidade, Inovação e Energia, votou o favor, o que irritou o Partido Popular Austríaco (ÖVP), o partido conservador do chanceler Karl Nehammer, que se opõe à lei. E Karoline Edtstadler, ministra para os Assuntos Europeus e Constituição, afirmou que o voto favorável de Leonore Gewessler seria inconstitucional.
O ÖVP, que integra o Partido Popular Europeu (PPE), partido do líder do governo de Viena, moveu um processo-crime contra Gewessler. “O Partido Popular apresentou um processo-crime contra a ministra do Ambiente, Gewessler, por abuso de poder”, declarou Christian Stocker, secretário-geral do ÖVP, em comunicado.
De acordo com a interpretação jurídica do ÖVP e do serviço constitucional da Chancelaria, Gewessler não estava legalmente habilitada a votar a favor. E, em carta enviada antes da votação à presidência belga do Conselho da UE, o chanceler austríaco afirmou que a ministra “não tem o direito de comprometer a República da Áustria”.
Cabe ao Ministério Público austríaco decidir se aceita o caso ou se avança para a acusação.
No dia 16, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, tinha adiantado ao Azul que Portugal votaria a favor da LRN. “A lei do restauro ambiental tem uma enorme importância para Portugal, porque vem promover a recuperação de ecossistemas degradados, a preservação da biodiversidade e a melhoria da resiliência ambiental”, afirmou Maria da Graça Carvalho, numa resposta por escrito. Já depois da votação, frisou que a aprovação do regulamento vai obrigar cada estado-membro a fazer o seu PNRN.
Em Portugal, o desenho do Plano Nacional de Restauro ficará a cargo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), tarefa que será feita juntamente com a academia e com a sociedade civil, incluindo agricultores, pescadores e comunidades locais, “num grande diálogo, para que se tenha atenção às características socioculturais de cada uma das regiões”.
“Temos um país muito diverso”, sublinhou a ministra, notando que, na sua versão negociada, a lei “vai permitir flexibilidade e tem em conta a diversidade regional e local”. Entre os territórios que serão beneficiados, estão as florestas atingidas por incêndios, “todo esse património ardido em catástrofes”, assim como a recuperação dos rios.
Em julho de 2023, quando a LRN foi votada no PE, em primeira votação, antes de seguir para negociações com o Conselho da UE, alguns eurodeputados do Partido Social Democrata (PSD) votaram contra as propostas dos relatores da Comissão de Ambiente do PE, esvaziando a proposta que o PE levou às negociações no “trílogo” (Comissão Europeia, PE e Conselho Europeu).
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A ação empenhada e rápida, as ferramentas certas e o dinheiro são os três importantes fatores para o sucesso da LRN, a nível da UE, identificados num artigo publicado na revista Science, a 13 de junho, que analisa as potencialidades e as armadilhas da importante legislação que quer restaurar os ecossistemas, contribuindo para a estratégia da biodiversidade da UE.
“Tem de se proceder à disponibilização de instrumentos eficazes para atingir os objetivos, em prazos curtos, reconhecendo o tempo necessário para a recuperação da natureza”, lê-se no artigo de Daniel Hering, do Departamento de Ecologia Aquática, da Universidade de Duisburg-Essen, em Essen, na Alemanha, e de mais 15 investigadores de diferentes instituições académicas de vários países europeus como a Espanha, a Finlândia, a Irlanda, a Noruega, o Reino Unido e os Países Baixos.
A LRN estabelece uma série de objetivos de recuperação de habitats, tanto de terra como marinhos, de rios e de ecossistemas florestais e urbanos – objetivos que têm percentagens definidas crescentes, relativamente a 2030, a 2040 e a 2050. Por exemplo, a nível de sítios que pertencem à Rede Natura 2000, a legislação exige que se atinja o bom estado em 30% da área, até 2030, em 60%, até 2040, e 90%, até 2050.
Ao todo, estima-se que 80% dos habitats europeus estão degradados. Segundo a Comissão Europeia, calcula-se que cada euro investido no restauro da Natureza renderá entre oito e 38 euros. Além disso, o restauro dos ecossistemas ambiciona evitar 25% das emissões de dióxido de carbono vindas do solo, ajudando a cumprir o Acordo de Paris.
O regulamento abrange ecossistemas terrestres, costeiros e de água doce, florestais, agrícolas e urbanos, incluindo zonas húmidas, pradarias, florestas, rios e lagos, bem como ecossistemas marinhos, incluindo ervas marinhas e leitos de corais. E estabelece objetivos específicos para os habitats em mau estado de conservação. E os estados-membros terão de garantir que não ocorre deterioração significativa em áreas que atingiram boas condições graças à restauração.
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Apresentada, pela primeira vez, pela Comissão Europeia, em junho de 2022, a lei ganhou maior importância após o acordo histórico sobre biodiversidade selado na COP15 das Nações Unidas.
Contudo, em 2023, tornou-se alvo de campanha oposicionista, por parte dos conservadores, nomeadamente do PPE, a maior formação do PE, a alegar que ameaçaria a subsistência dos agricultores europeus, perturbaria cadeias de abastecimento, há muito estabelecidas, diminuiria a produção alimentar, faria subir os preços para os consumidores e até destruiria áreas urbanas para dar lugar a espaços verdes. Os argumentos foram contestados por grupos de esquerda, pela Comissão Europeia, por dezenas de organizações não-governamentais, por milhares de cientistas do clima, pela indústria das energias renováveis e por grandes empresas, que insistiram que o objetivo de recuperar a Natureza era compatível com a atividade económica e essencial para garantir a viabilidade, a longo prazo, dos solos europeus.
A tentativa de fazer descarrilar a posição comum do PE, liderada pelo PPE, fracassou em julho de 2023, depois de um punhado de conservadores se ter rebelado e quebrado as fileiras para votar a favor. Os eurodeputados puderam, então, encetar negociações com o Conselho da UE e chegar a acordo provisório, em novembro, que se esperava fosse aprovado por ambas as instituições. No entanto, a eclosão, em janeiro, de protestos de agricultores em toda a Europa revigorou a reação contra o Pacto Ecológico Europeu (PEE), com o setor agrícola a culpar, diretamente, os regulamentos ambientais do bloco pela carga burocrática excessiva.
A LRN foi mais uma vez atirada para o centro da tempestade política.
“Continuamos a acreditar que a Lei da Recuperação da Natureza está mal redigida e nunca esteve à altura da tarefa que temos pela frente”, afirmou Manfred Weber, líder do PPE, a 27 de fevereiro, antes da votação, acrescentando: “A inflação é, atualmente, impulsionada pelo aumento dos preços dos alimentos nos supermercados. Temos de pedir aos nossos agricultores que produzam mais e não menos para estabilizar a inflação.”
Da parte dos Socialistas e Democratas (S&D), Pedro Marques, eurodeputado português, rebateu as afirmações e acusou os conservadores de espalharem desinformação: “Esta ideia de que estão a votar (contra a lei) porque se preocupam com os agricultores é absolutamente inaceitável. Isto é apenas populismo. Isto é enganar os europeus e certamente os nossos agricultores. […] Negar o Pacto Ecológico, negar a emergência climática não é certamente a forma de resolver os nossos problemas.”
A sobrevivência da lei é  vital para o PEE, que está sob crescente pressão dos partidos de direita e liberais, do setor agrícola e das associações industriais. No início de fevereiro, a presidente da Comissão Europeia decidiu retirar um projeto de lei polémico que visava reduzir para metade a utilização e os riscos dos pesticidas até 2030. “Só se os nossos agricultores puderem viver da terra é que poderão investir no futuro. E, só se atingirmos juntos os nossos objetivos climáticos e ambientais, é que os agricultores poderão continuar a ganhar a vida. Os nossos agricultores estão bem cientes disso. Devemos confiar mais neles”, afirmou Ursula von der Leyen.
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A biodiversidade está a diminuir a um ritmo alarmante. Os países da UE estão empenhados em restaurar a Natureza e em preservar a diversidade biológica. E os seus esforços espelham-se em mais legislação, além da LRN, nomeadamente: as Diretivas Aves e Habitats; a Diretiva-Quadro da Água; e a Diretiva-Quadro Estratégia Marinha. Os atos legislativos sobre setores como a poluição, as espécies exóticas invasoras e as alterações climáticas também contribuem para conservar a biodiversidade, na medida em que atuam sobre as causas da sua perda.
Para financiar ações, no terreno, de proteção e de restauro da Natureza, a UE criou o programa LIFE. Lançado em 1992, é o programa de financiamento da UE consagrado, em exclusivo, a objetivos ambientais e climáticos. Desde a sua criação, cofinanciou mais de cinco mil projetos.
A biodiversidade, base da vida, é essencial aos seres vivos, ao ambiente e à proteção do clima. Proporciona alimentos, água e ar puro e tem importante papel na manutenção do equilíbrio da Natureza. Ajuda a combater as alterações climáticas e previne a propagação de doenças infeciosas. Segundo o Fórum Económico Mundial, quase metade do produto interno bruto (PIB) mundial (cerca de 40 mil biliões de euros) depende dos recursos naturais. Deles dependem, em grande medida, os maiores setores da economia (construção, agricultura e indústria alimentar e de bebidas), que dão, em conjunto, quase 7,3 biliões de euros à economia mundial.

2024.06.18 – Louro de Carvalho

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