Quase esquecida a polémica indemnização da Transportes Aéreos Portugueses (TAP) a Alexandra Reis, vem à tona, a agitar a
política nacional, o valor recebido pela secretária de Estado da Mobilidade, ao
desvincular-se da Empresa Comboios de Portugal, EPE (CP), para
ir para administradora da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT). Em
2022, a oposição atacou o governo do Partido Socialista (PS); agora o visado é
o da Aliança Democrática (AD).
Cristina Pinto Dias saiu, a 22 de julho de 2015, da
vice-presidência da CP com a indemnização de 79087 euros, no âmbito do plano de saídas
voluntárias da empresa, aprovada pelo conselho de administração, apesar de a
saída ser motivada pela ida para administradora AMT.
Ao
invés do que era exigido, na empresa, a saída por mútuo acordo não foi alvo de
parecer, segundo afirmou aos deputados da Comissão Pedro Moreira, presidente
executivo da CP. De acordo com o Correio
da Manhã, Cristina Dias saiu da empresa em julho de 2015, mas, sete dias
antes, o governo já tinha comunicado à Assembleia da República (AT) que ela seria
uma das personalidades a designar para o regulador.
A
secretária de Estado da Mobilidade rejeitou a necessidade de parecer para a
tramitação da sua saída. O PS insistiu que, segundo as regras na CP, a saída
obrigava a parecer em como ela podia ser dispensada sem substituição. E, segundo
o Público, a ora governante foi receber, na
administração da AMT, um salário e despesas de representação na ordem dos 13440
euros por mês, quase o dobro dos cerca de sete mil euros que auferia na CP.
Cristina
Dias – ouvida, a 19 de junho, na AR, a pedido do PS, pelos deputados da
Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, sobre o processo de saída da
CP para a AMT, afirmou que, ao aceitar ir para a AMT, não sabia que salário
iria auferir, dado que o mesmo é fixado pela comissão de vencimentos daquela
entidade. Percebe a comparação que tem sido feita entre a sua saída e a de
Alexandra Reis da TAP, mas afasta semelhanças. “Não saí de uma empresa pública
para ir para uma empresa pública. Não saí da CP para ir para a TAP, não saí da TAP
para ir para a NAV Portugal e não saí da NAV para ir para a
Águas de Portugal”, declarou.
“Percebo que se esteja a fazer comparação entre a minha saída da CP
e a saída de Alexandra Reis da TAP. Não vou fugir a essa
comparação”, afirmou, na AR, referindo-se à saída da ex-administradora executiva
da companhia aérea com a indemnização bruta de 500 mil euros, que a Inspeção
Geral de Finanças (IGF) considerou parcialmente ilegal.
Porém,
negou qualquer favorecimento. “Abdiquei de um emprego seguro
e de uma carreira na CP, de 18 anos, para um mandato único e irrepetível numa
entidade reguladora”, apontou, garantindo que o seu
processo de saída e a indemnização que recebeu seguiram os trâmites normais na
empresa. “A minha saída dos quadros da CP era obrigatória por lei. Não havia
figura de licença sem vencimento, apenas um mecanismo de saída voluntária”,
sublinhou.
O
acordo de saída “não correspondeu a negociação entre a CP e a técnica ou entre
o governo e a técnica”, seguindo-se “um processo análogo ao de outras centenas
de trabalhadores” da empresa de comboios. “Não houve negociação, não houve
regatear, o valor [da indemnização] decorre de uma tabela de Excel que existia, desde 2010, e o cálculo foi automático”,
frisou, vincando que, na AMT, serviu cinco governos de PS e de Partido Social
Democrata (PSD) e “nunca, em momento algum”, a saída da CP foi “problema ou
obstáculo”, pelo que estranha a postura do PS.
No entanto, o PS sustenta que a saída de Cristina Dias da CP com a
indemnização de 79 mil euros foi “tratamento de favor” e de
questionável legalidade. Por isso, insta o Executivo a avaliar a
continuidade da governante no cargo. “Penso que é o momento certo para a
senhora secretário de Estado, para o senhor ministro e para o governo por
inteiro, inclusive o primeiro-ministro avaliarem, se há condições para a senhora
secretária de Estado se manter em funções, para se manter a gerir dinheiros
públicos e se podemos confiar na transparência, ética e moral da
senhora secretária de Estado”, afirmou Pedro Coimbra, após a audição,
sustentando não haver dúvida quanto à falta de moralidade, de transparência e
quanto à falta de ética do processo.
“Em pouco tempo viu-lhe atribuída uma indemnização de quase 80 mil euros, e
tudo isto num processo tratado de forma muito rápida, com um conselho de
administração convocado de forma extraordinária, com um pedido de indemnização
deferido de forma muito rápida, sem parecer jurídico”, argumentou o deputado
socialista.
Pedro Coimbra julga este caso mais grave do que o de
Alexandra Reis. O caso desta
levou à demissão da CEO da TAP, do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno
Santos, e de Alexandra Reis, que era secretária de Estado do Tesouro, quando o
pagamento foi noticiado. E o deputado do PS, à laia de conclusão, justificou: “O caso da Alexandra Reis já foi avaliado pelos Portugueses e teve
consequências políticas. Este caso envolve montantes diferentes, mas tem uma
gravidade maior, porque aqui há uma falta de transparência e uma ‘via verde’
para atribuição de uma indemnização e um favorecimento da senhora secretária de
Estado.”
***
A Iniciativa Liberal (IL) anunciou que apresentaria um
projeto de resolução, na AR, a recomendar ao governo que solicite uma auditoria
abrangente da IGF que avalie todas as saídas com direito a indemnização.
Na exposição de motivos que acompanha o projeto, o partido aponta que, no caso da saída de Alexandra Reis da TAP, foi
questionado se haveria situações similares, mas “não foram dados passos
adicionais no sentido de averiguar realmente a quantidade e
profundidade de casos em que possam ter ocorrido indemnizações dúbias ou mesmo
ilegais, permanecendo uma sombra sobre estes mecanismos de compensação dos
dirigentes de cargos públicos”.
Depois, refere o caso em apreço, como exemplo de demonstração do sentimento de
desconfiança nas instituições. Por isso, é de solicitar à IGF auditoria transversal a toda a Administração Pública (AP) para o
levantamento das situações de saída de cargos de gestão pública, nos
termos da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, e do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27
de março (novo EGP – Estatuto do Gestor Público),
nomeadamente, avaliando a legalidade dessas indemnizações em casos de passagem
direta de um cargo de gestão pública para outro, identificando datas, cargos,
montantes, entidades e personalidades envolvidas. “Ao contrário de todas as outras
empresas, há uma situação nas empresas públicas que nos parece em tudo
condenável. Os quadros da CP e, eventualmente, de outras empresas
públicas além de receberem o seu salário ainda recebem uma espécie de PPR
informal, em que, quando decidem sair da empresa, têm à
espera umas dezenas de milhares de euros de bónus”, afirmou o deputado
Carlos Guimarães Pinto aos jornalistas.
“No caso da CP, foram mais de 400 pessoas a receber este bónus na sua saída
[…], mas precisamos de perceber se houve mais casos semelhantes noutras
empresas. Nas últimas duas décadas, quantas pessoas dentro das empresas
públicas saindo por mutuo acordo receberam e quanto é que receberam e se isto é
uma prática reiterada”, questionou o deputado. “Se isto acontece na CP, não
será surpreendente que haja muito mais casos noutras empresas”, disse.
“Em vez de os programas de rescisão mútua serem para poupar
dinheiro ao Estado, servem para o oposto: para dar um salário adicional
a quadros destas empresas. É uma forma absolutamente má de tratar os dinheiros
públicos”, explanou.
Questionado sobre as semelhanças entre o caso de
Cristina Dias e o de Alexandra Reis, disse haver questões paralelas e
questões diferentes. Em paralelo, há uma responsável política que recebe
indemnização, quando opta por sair de uma empresa; na diferença, destaca-se o conflito
de Alexandra Reis com a CEO que queria que ela saísse, ao passo que, neste caso,
nem isso. A administração não a tinha como pessoa incompetente, mas como pessoa
competente e ela saiu por mútuo acordo. Em todo o caso, o deputado não defendeu a demissão da secretária de Estado,
considerando não haver questões sobre “a sua competência”, mas que “fica fragilizada”.
Enfim,
o PS não poupa nas críticas. Pode não haver ilegalidade, mas “há tremenda falta de transparência e de equidade” o que “é
extremamente grave”. Não ético e moral um alto gestor público
pedir indemnização por mudar para lugar, por sua vontade, com remuneração muito
superior à que tinha, paga pelos contribuintes. Se o trabalhador mostra vontade
em sair, há rescisão unilateral, sem direito a compensação,
muito menos numa empresa pública. E o deputado da IL diz que centenas de
pessoas beneficiaram deste PPR informal tolerado por todos os partidos.
***
Politicamente, a discussão passou para o grau de gravidade dos dois
casos. Segundo o PSD, o de Alexandra Reis, que levou à demissão de
governantes, a comissão de inquérito (CPI) e a “bicicletas atiradas contra
vidros e pugilato dentro de um ministério” não tem comparação com o da
secretária de Estado da Mobilidade. Já o PS vê aqui há falta de
transparência, ‘via verde’ para atribuição de indemnização e favorecimento.
A saída de Cristina Dias da CP aconteceu por vontade
da própria, para abraçar novo desafio
profissional na AMT, mas não informou o conselho de administração de que
deixava a empresa para ir para a AMT. Ao invés, Alexandra Reis foi
empurrada pela CEO da TAP. Na CPI, a gestora francesa assumiu ter dito
ao ministério das Infraestruturas que queria alguém com perfil diferente para a
equipa executiva e que o ministro anuiu. Além disso, Alexandra Reis não saiu para
outro cargo, mas, cerca de cinco meses após deixar a TAP, ingressou na NAV.
E, em dezembro de 2022, saiu dessa empresa pública de navegação aérea para
secretária de Estado do Tesouro.
Nos dois casos, as saídas aconteceram por mútuo
acordo, mas a de
Alexandra Reis tem uma cambiante de relevo: foi comunicada ao mercado como renúncia
da administradora, fazendo crer que não teria havido indemnização. Mais
tarde, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) obrigou a TAP a corrigir o comunicado, para
dizer que a saída “ocorreu na sequência de um processo negocial de iniciativa
da TAP, no sentido de ser consensualizada
por acordo a cessação de todos os vínculos contratuais existentes entre Alexandra
Reis e a TAP”. E abriu um processo de contraordenação por prestação de informação
não verdadeira, que resultou na aplicação da coima de 50 mil euros à
companhia aérea.
A Alexandra Reis foi atribuída a indemnização de 500
mil euros brutos, substancialmente
encurtada pela IGF, que a obrigou a devolver 266,4 mil euros, contabilizando só
o montante devido pelos anos em que esteve ao serviço da TAP. Cristina Dias teve direito à indemnização de 79087 euros, valor minúsculo
comparativamente com o de Alexandra Reis.
A indemnização a Alexandra Reis resultou de negociação entre os advogados das
partes. A ex-administradora executiva pediu 1479250 euros, montante que
seria reduzido para 500 mil euros e que Pedro Nuno Santos autorizou em mensagem
de WhatsApp ao seu secretário de
Estado. Já Cristina Dias recebeu a indemnização, sem negociar, ao abrigo do
programa de saídas voluntárias, que abrangeu 420 trabalhadores. Porém, rescindiu com a CP no dia em que foi nomeada para a administração
da AMT. A indemnização foi aprovada pelo conselho de administração dias depois.
A indemnização atribuída a Alexandra Reis foi tida
como ilegal pela IGF, por não cumprir o
EGP, que não prevê o pagamento de
indemnização em caso de renúncia. No caso de Cristina Dias, não há indicação de
que o pagamento tenha sido ilegal. O PS apenas critica a ausência de parecer exigido
pelas regras da CP, bem como a falta de ética da indemnizada.
***
Os dois casos pecam por denúncia só quando as envolvidas são chamadas para
o governo (no que a Justiça e a comunicação social são useiras e vezeiras).
Porém, o caso de Cristina Dias reporta-se a 2015, tempo em que as galinhas não
tinham dentes. É vergonhoso que seja mencionado agora. No entanto, ambos, diferentes
em valores e em circunstâncias, surgem ao arrepio do EGP, com uma diferença: Cristina Dias (administradora, não trabalhadora)
não tem direito a compensação, por ter saído por sua vontade (devia compensar a
CP), Alexandra Reis foi cinicamente empurrada para renúncia, primeiro, e para rescisão
por mútuo acordo, depois. Não foi destituída por erros, mediante processo
disciplinar, nem por sua vontade, nem por fim de mandato, mas chutada. Era,
pois, justo que fosse compensada. Todavia, ambas são arma de arremesso partidário!
2024.06.20 –
Louro de Carvalho
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