sexta-feira, 7 de junho de 2024

As alterações climáticas, a poluição e a água na Europa

Para garantir um futuro para a Europa, tem de se resolver o problema da água.
Henk Ovink, diretor executivo e comissário fundador da Comissão Mundial sobre a Economia da Água, um dos convidados do debate sobre a resiliência da água, realizado a 29 de maio, no âmbito da Green Week da União Europeia (UE), em Bruxelas, sustentou que “não há solução para o clima, se não nos centrarmos na água.”
O painel animado pelo jornalista Jeremy Wilks teve a participação de Florika Fink-Hooijer, diretora-geral do Ambiente da Comissão Europeia, e de Arnaud Valleteau de Moulliac, diretor-geral da Veolia Water Technologies, filial do grupo Veolia, com sede em França, que gere o tratamento da água, no valor de 1,65 mil milhões de euros.
A água é tema muito importante, sobretudo, a partir do momento em que nos demos conta da sua escassez e dos problemas relacionados com ela. Uma sondagem da Comissão Europeia revela que a poluição é a principal preocupação dos Europeus. Na verdade, 69% das pessoas inquiridas afirmaram-se preocupadas com o efeito da poluição na segurança da água.
A água está a tornar-se cada vez mais escassa. Apesar disso, a sua procura atingiu o nível mais elevado de sempre e estima-se que duplique até 2030.
A água, na Europa, provém tanto do interior do Continente, água azul dos rios e dos lagos, como do seu exterior, a água verde que viaja através das plantas e da chuva. Por isso, é fundamental garantir a limpeza destas duas fontes de água, pois a proteção da água é crucial para o ciclo hidrológico, para a biodiversidade, para a alimentação e para a economia. A água é a base de que depende toda a nossa vida. “Não há alternativa. Não podemos beber areia ou qualquer outra coisa”, frisou Henk Ovink.
Em comparação com o resto do Mundo, a água europeia é relativamente saudável, mas os peritos dizem que é preciso manter uma atitude de vigilância, pois a água afeta a nossa saúde e a das gerações futuras, como afeta a saúde dos nossos sistemas alimentares que são afetados pela industrialização, pela poluição e pelos produtos químicos atirados para as águas.
Entre as substâncias preocupantes encontradas nas águas, há os “produtos químicos eternos” ou PFAS, substâncias perfluoroalquiladas, que são uma grande família de milhares de substâncias químicas sintéticas amplamente utilizadas na sociedade e encontradas no ambiente. Todas contêm ligações de carbono-flúor, que são uma das ligações químicas mais fortes na química orgânica. Isto significa que resistem à degradação, quando utilizadas no ambiente. A maior parte dos PFAS são facilmente transportados no ambiente, percorrendo longas distâncias desde a fonte da sua libertação. Os PFAS contaminam as águas subterrâneas, as águas superficiais e o solo. É tecnicamente difícil e dispendiosa a limpeza de locais poluídos. Se as libertações persistirem, continuarão a acumular-se no ambiente, na água potável e nos alimentos.
 
A água contém também vestígios de antibióticos, de hormonas, de produtos químicos industriais, de cianotoxinas, de nanomateriais e de muitos outras substâncias. “O que encontramos na nossa água é o que vem do nosso ambiente. Embora não nos devamos surpreender com o facto de os subprodutos das indústrias europeias acabarem na nossa água, podemos controlar o afluxo desses produtos e tratar a água”, afirmou Valleteau de Moulliac.
De acordo com Florika Fink-Hooijer, a Diretiva relativa à água potável é um passo na direção certa. Com efeito, a Diretiva Quadro da Água (Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000) é o principal instrumento da política da UE relativa à água, estabelecendo um quadro de ação comunitária para a proteção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas. Foi transposta para o Direito português pela Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro.
“Dissemos que os PFAS terão de ser eliminados até 2026, ou separados e monitorizados, e agora estamos a dar orientações sobre como fazê-lo”, afirmou Florika Fink-Hooijer.
Há também propostas para combater os poluentes das águas superficiais e subterrâneas. “É por isso que é importante regulamentar e fazer com que os estados-membros concordem com essa necessidade”, observou a diretora-geral do Ambiente da Comissão Europeia.
Relativamente aos PFAS, a Dinamarca, a Alemanha, a Suécia, os Países Baixos e a Suécia estão a trabalhar em conjunto e solicitaram à Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) a sua proibição total. Com efeito, os PFAS proliferaram, devido à sua utilidade em setores como a aeronáutica e a medicina. Contudo, podem demorar milhares de anos a decompor-se e, inclusivamente, poluir longe da sua fonte.
Uma das principais utilizações da água é a agricultura. Cerca de 70% de toda a água extraída vai para a agricultura a fim de produzir alimentos. Se a água estiver poluída, afeta a saúde. Por isso, deve dar-se prioridade às políticas de apoio aos agricultores que adotem métodos mais sustentáveis que reduzem os poluentes libertados na água. Porém, o agricultor não é o único culpado pelos poluentes que acabam no ambiente. É o sistema que o rodeia que temos de mudar.
Referindo-se ao potencial de utilização dos resíduos da indústria alimentar para produzir fertilizantes, Valleteau de Moulliac afirmou que é possível  “criar energia com a poluição”.
As soluções devem ser adaptadas à dimensão do problema. Fink-Hooijer lembrou a importância da Diretiva de 1991, relativa ao tratamento de águas residuais urbanas. De início, centrava-se nas grandes aglomerações, permitindo que as mais pequenas continuassem a despejar águas residuais, por não ultrapassarem o limiar para ter instalações de tratamento de águas residuais urbanas. A diretiva foi alterada para abranger um leque mais vasto de situações.
Para garantir a longevidade de um ciclo hidrológico benéfico para o ser humano, é preciso criar soluções naturais escaláveis, para os rios e para as paisagens urbanas. “Temos de encarar a água como um tema local. Há um impacto global, mas é um tema local”, afirmou Valleteau de Moulliac.
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Em França, há quem use a água da chuva para as suas necessidades diárias. Há dois anos, um antigo engenheiro mandou enterrar no jardim um tanque de sete mil litros para recolher e filtrar a água da chuva. O projeto custou oito mil euros. “Agora que está a chover, a água escorre do telhado e desce pelos dois tubos de queda do algeroz. As duas caleiras convergem, depois, para o tanque”, disse o antigo engenheiro.
A poluição atmosférica e os poluentes concentrados no telhado tornam a água da chuva imprópria para consumo, pelo que, no interior da casa, há outra série de filtros, incluindo os de carvão ativado, que são utilizados nas estações de tratamento de água potável. Há duas torneiras na cozinha. Uma com água não potável e outra com água potável, neste caso possibilitada por filtros que eliminam cerca 99,9% das bactérias. “Não confiávamos muito na água da rede, que é potável, mas tratada quimicamente. Agora, estamos a utilizar um processo de tratamento que controlamos e que pensamos ser mais saudável”, diz o empreendedor.
Em França, não é permitido recuperar a água da chuva e torná-la potável, como não é proibido (vazio legal). Porém, a Direção-Geral de Saúde diz que os sistemas de filtragem da água nem sempre são suficientes, pelo que não é recomendável beber água da chuva filtrada.
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As bacias hidrográficas de todo o Mundo, que eram, outrora, regularmente cobertas de neve estão cada vez mais a ver a sua massa de neve diminuir e a culpa é das alterações climáticas. Muitas das bacias mais populosas pairam no precipício de um rápido declínio da neve.
Um estudo sobre as quantidades de neve, desde 1981, publicado, a 10 de janeiro, pela revista Nature, encontrou um limiar fundamental para o futuro dos montes de neve no hemisfério norte: -8°C. Nos locais onde a temperatura média do inverno é mais fria do que isso, o manto de neve sobrevive, muitas vezes, por ser suficientemente frio. Mas as zonas com temperaturas médias de inverno superiores a -8ºC tendem a ver as suas maravilhas de inverno derreter. E isso está a acontecer rapidamente. “Estamos potencialmente num regime de perdas muito rápidas e aceleradas com o aquecimento”, afirma o autor principal, Alexander Gottlieb, cientista de sistemas terrestres do Dartmouth College, nos Estados Unidos da América (EUA).
A maioria dos estudos anteriores debruçou-se sobre a cobertura de neve, que é uma medida simples do facto de o solo ter ou não neve. Esta investigação analisou a camada de neve, uma medida mais abrangente que inclui a profundidade e a quantidade, no seu pico geral, em março.
O manto de neve da primavera é essencial para o fornecimento regular de água potável e de irrigação a milhares de milhões de pessoas, causando problemas os derretimentos maiores e mais precoces.
Elizabeth Burakowski, cientista de sistemas terrestres da Universidade de New Hampshire, que não participou na investigação, afirma que o estudo mostra, “sem margem para dúvidas, que os seres humanos são responsáveis pelo declínio da camada de neve, em dezenas de bacias hidrográficas do Hemisfério Norte” e que o degelo da neve “aumentará com cada grau”.
Assim, o futuro da nossa neve depende do caminho que tomarmos para agir.
Gottlieb e Justin Mankin, cientistas climáticos de Dartmouth, examinaram 169 bacias hidrográficas do Hemisfério Norte, encontrando uma tendência significativa de 40 anos de descida em 70 das bacias hidrográficas, uma tendência de aumento numa dúzia e nenhuma tendência nas outras. Em 23 desses blocos de neve em declínio, utilizando variações de técnicas científicas padrão, demonstraram que as alterações climáticas contribuíram, claramente, para o degelo. Em oito bacias hidrográficas, na Sibéria oriental, descobriram que as alterações climáticas contribuíram para a acumulação de neve, já que a precipitação aumentou, mas as temperaturas mantiveram-se suficientemente baixas para a preservar.
A Europa e a América do Norte estão a sofrer algumas das maiores perdas de neve, na primavera.
Um bom exemplo da redução da camada de neve é o curso superior da bacia do rio Colorado, no Colorado e em partes do Wyoming, diz Gottlieb. Ali, a temperatura média no inverno é de cerca de -5°C, aparentemente suficientemente fria para nevar, porque está abaixo de zero, mas não é bem assim, diz ele. “Este é um local onde começámos a ver estes tipos de perdas aceleradas começarem a surgir”, esclarece Gottlieb. “Vemos esta imagem muito clara da perda antropogénica de neve nas florestas nos últimos 40 anos ou mais.”
Gottlieb e Mankin documentaram as impressões digitais do aquecimento provocado pelo homem, utilizando o método padrão de atribuição climática, que consiste em comparar o que aconteceu nos últimos 40 anos de aquecimento real com milhares de modelos informáticos que mostram o que aconteceria a estas bacias hidrográficas, num planeta fictício sem alterações climáticas.
Os locais mais frios do que -8ºC representam 81% da massa de neve do Hemisfério Norte, mas não albergam muitas pessoas, apenas 570 milhões. Mais de dois mil milhões de pessoas vivem em zonas onde o inverno tem uma média de temperaturas entre -8º e 0°C.
O que é fundamental, sobretudo, para o abastecimento de água, é que, “à medida que o aquecimento acelera, a mudança da camada de neve vai acelerar muito mais rapidamente do que tem acontecido”, diz Daniel Scott, cientista da Universidade de Waterloo que não esteve envolvido no estudo. Isto porque o que está a acontecer não é gradual. Acima de uma determinada temperatura, o degelo move-se rapidamente. Abaixo dessa marca de -8ºC, está suficientemente frio para que a humidade extra no ar resultante das alterações climáticas possa resultar em mais neve e aumentar o volume de neve. O limiar de -8ºC “diz-nos, mais claramente, qual o risco que existe e onde”, diz o cientista do gelo da Universidade do Colorado, Waleed Abdalati, antigo cientista chefe da NASA que não participou no estudo.
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Enfim, alterações climáticas (secas, chuvas torrenciais aquecimento global e degelo), aliadas à poluição, põem en causa a saúde e atividades económicas, como a agricultura e o turismo de inverno (o esqui, por exemplo). E a água perde-se, por falta de armazenamento.

2024.06.07 – Louro de Carvalho


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