Jesus usa, por várias vezes, o símile do Reino de Deus
com a semente. E, evocando, a 16 de junho, a liturgia do 11.º domingo do Tempo
Comum no Ano B, nomeadamente o trecho do Evangelho de Marcos (Mc
4,26-34), o Papa Francisco aponta para a necessidade da reflexão sobre
“uma atitude importante ligada à imagem da semente, que é a expetativa confiante”.
De facto, Jesus compara o Reino de Deus a uma pequena
semente, de aparência insignificante, mas capaz de mudar a paisagem do Mundo. Cresce
sem se notar, sem dar nas vistas, sem publicidade, mas com o dinamismo de Deus,
dinamismo capaz de fazer nascer o Mundo novo que Jesus, por mandato do Pai nos
trouxe como presente de Deus para os seus filhos.
Na verdade, como diz o Santo Padre, na sementeira, por
melhor e mais abundante que seja a semente que o agricultor espalha e por
melhor que prepare a terra, as plantas não brotam de imediato: é necessária a
paciência da espera que o tempo impõe. Por isso, é imperioso que, depois da
sementeira, o semeador saiba esperar com confiança, para permitir que as
sementes germinem no momento propício e que os rebentos brotem da terra e
cresçam, suficientemente fortes, para garantirem, no fim, uma colheita
abundante. Dentro da terra, o milagre está a acontecer, há um desenvolvimento
enorme, mas invisível, que requer paciência e a continuação do cuidado dos
torrões, regando-os e mantendo-os limpos.
Assim é o
Reino de Deus. O Senhor deposita em nós as sementes da Palavra e da Graça, boas
e abundantes, e, sem nunca deixar de nos acompanhar, espera pacientemente. Continua
a cuidar de nós, com a confiança de pai, e dá tempo para que as sementes abram,
cresçam e se desenvolvam até darem frutos de boas obras. Isto, porque deseja que
nada se perca no seu campo, que tudo chegue à plena maturidade e quer que todos
cresçamos como espigas cheias de grãos.
Ao fazê-lo,
o Senhor dá-nos um exemplo: ensina-nos a semear o Evangelho com confiança onde
estamos e, depois, a esperar que a semente lançada cresça e dê fruto em nós e
nos outros, sem desânimo e sem deixarmos de nos apoiar e ajudar uns aos outros,
mesmo quando, apesar do nosso esforço, não vemos resultados imediatos. Com
efeito, muitas vezes, entre nós, para lá das aparências, o milagre já está em
curso e, a seu tempo, dá frutos abundantes.
Estamos na Galileia, nas margens do lago de
Tiberíades, junto de Cafarnaum. Grande multidão está com Jesus, interessada em
escutar o seu ensinamento. Jesus “sobe para um barco e senta-se”, ficando a multidão
na margem, a escutá-Lo. Para que o anúncio do Reino de Deus chegue ao coração
dos que O seguem, usa linguagem acessível, viva, interpeladora, concreta,
pedagógica. As suas histórias curtas, incisivas, recamadas de imagens, são
catalogáveis na categoria das “parábolas”, que são linguagem habitual da
literatura dos povos do Médio Oriente: o génio oriental ao discurso lógico,
frio, racional prefere a fala por imagens, por comparações, por alegorias. De
resto, a linguagem parabólica tem vantagens em relação a um discurso mais
racional e expositivo. É uma excelente arma de controvérsia, já que permite
levar o interlocutor a admitir certos pontos que, de outro modo, não mereceriam
a sua concordância. É, pois, bom instrumento de diálogo, sobretudo em contextos
polémicos, como era o contexto em que Jesus pregava.
Por outro lado, a imagem ou comparação é mais rica, em
força de comunicação e em poder de evocação, do que a exposição teórica. Como é
mais evocadora, mexe mais com os ouvintes.
Além disso, mais do que outro tipo de linguagem,
espicaça a curiosidade e incita à busca. Assim, constitui um verdadeiro método
pedagógico, que leva as pessoas a pensar por si, a medir os prós e os contras,
a tirar conclusões, a interiorizar soluções e a integrá-las na própria vida.
Trata-se, pois, de linguagem subversiva, porque leva o povo a pensar, a ser
crítico, a descobrir onde está a verdade. E isso incomoda os defensores do
mundo velho e da ordem estabelecida.
Uma linguagem tão sugestiva não podia ser ignorada por
Jesus no anúncio do reino de Deus. O trecho em causa apresenta-nos duas das
mais conhecidas parábolas de Jesus.
A primeira é a do grão que germina e
cresce por si. Situa a intervenção do agricultor no ato de semear e no ato de
ceifar. Cala qualquer menção às demais ações do agricultor: arar a terra, regar
a semente, tirar as ervas daninhas e as excrescentes. Ao narrador interessa
que, entre a sementeira e a colheita, a semente cresça e amadureça, sem que o
homem intervenha para impedir ou acelerar o processo. O essencial não é o que o
agricultor faz, mas o dinamismo vital da semente. O fruto não depende dos
esforços e da habilidade do homem, mas do dinamismo da semente lançada à terra.
Assim, o narrador ensina que o Reino de Deus (a semente) é iniciativa divina: é
Deus quem age no silêncio da noite, no tumulto do dia ou na turbulência da
História, para que o Reino aconteça, e nenhum óbice pode frustrar o seu plano.
A parábola dirige-se a todos os que pretendiam forçar a vinda do Reino: os
zelotas, que queriam instaurar o Reino pela violência das armas; os fariseus,
que pretendiam a concretização do Reino pela obediência à disciplina legal; e os
apocalípticos que faziam cálculos sobre a data da irrupção do Reino. Ora, é Deus
que dirige a marcha da História e que fará com que o Reino aconteça, de acordo
com o seu tempo e o seu desígnio. Deste modo, a parábola convida à serenidade e
à confiança no Deus que não dorme, nem se demite e que não deixará de realizar
o seu plano para os homens e para o Mundo.
A segunda parábola é a do grão de mostarda, que realça
o contraste entre a pequenez da semente (a semente da mostarda negra tem cerca de
1,6 milímetros de diâmetro e, no entendimento popular, era a semente mais pequena)
e a grandeza da árvore (nas margens do lago da Galileia atingia a altura de
dois a quatro metros). Quer dizer que a semente do Reino lançada pelo anúncio
de Jesus pode parecer uma pequena e insignificante realidade, mas está
destinada a atingir todos os cantos do Mundo, cada pessoa, cada povo, cada sociedade,
cada cultura. O Reino de Deus, ainda que tenha inícios modestos ou com sinais
de debilidade e de pequenez aos olhos do Mundo, tem irresistível força, pois
encerra em si o dinamismo de Deus. Além disso, a parábola acentua um tema comum
com a primeira leitura: Deus serve-Se do que é pequeno e insignificante aos
olhos do Mundo para concretizar os seus projetos de salvação e de graça em
favor dos homens. Enfim, a parábola convida à esperança, à confiança e à
paciência. Na simplicidade e normalidade de cada dia, na insignificância dos
meios, esconde-se o dinamismo de Deus que age na História e nos oferece
caminhos de salvação e de Vida plena.
Portanto, é
oportuno o questionário que o Papa deixa para meditação: Deixo semear a Palavra
em mim? Semeio com confiança a Palavra de Deus nos ambientes em que vivo? Sou
paciente na espera, ou desanimo porque não vejo resultados imediatos? Sou capaz
de confiar serenamente tudo ao Senhor, dando o meu melhor para anunciar o
Evangelho?
E é óbvia a
pertinência da conclusão papal: “A Virgem Maria, que acolheu e fez crescer em Si
a semente da Palavra, nos ajude a ser semeadores generosos e confiantes do
Evangelho.”
***
Na primeira
leitura (Ez 17,22-24), o
profeta Ezequiel assegura ao Povo de Deus, exilado na Babilónia, que Deus não
esqueceu a Aliança, nem as suas promessas. Apesar das vicissitudes, dos desastres
e das crises que a História comportam, Israel deve confiar no Deus fiel, que
nunca desiste de oferecer ao Povo um futuro de tranquilidade, de justiça e de
paz sem fim.
No ano de 609 a. C., o faraó Necao derrotou o rei Josias
e pôs no trono de Judá Joaquim, que foi vassalo do Egito. Contudo, em 605 a.C.,
Nabucodonosor derrotou os Assírios e os Egípcios em Carquemish, prosseguiu em
direção ao Egito e assumiu o controlo da Síria e da Palestina. Joaquim ficou a
pagar tributo à Babilónia. Quando, em 601, Nabucodonosor não conseguiu
conquistar o Egipto, Joaquim julgou chegada a hora de se libertar da Babilónia.
Porém, Nabucodonosor sitiou Jerusalém, em 598 a. C., e Joaquim morreu durante o
cerco ou foi deportado para a Babilónia. Sucedeu-lhe Jeconias que, ao fim de
três meses de resistência, se rendeu (597 a.C.).
Nabucodonosor instalou, no trono de Judá, Sedecias.
Durante algum tempo, Judá manteve-se tranquilo, pagando os tributos aos
Babilónios, mas, aproveitando a conjuntura política favorável, Sedecias
aliou-se aos Egípcios e deixou de pagar o tributo. Nabucodonosor enviou um
exército que cercou Jerusalém. Apesar do socorro de um exército egípcio, Jerusalém
teve de se render (586 a.C.). Sedecias, ao tentar evadir-se, foi feito
prisioneiro, viu os seus filhos serem assassinados e ele foi deportado para a
Babilónia, onde acabou os seus dias.
Ezequiel, o profeta da esperança, exerceu o seu
ministério na Babilónia no meio dos exilados judeus. O profeta fez parte do
primeiro grupo de exilados que, em 597 a.C., foram levados para Babilónia, após
a derrota de Jeconias.
A primeira fase do seu ministério decorreu entre 593
a.C. e 586 a.C. Nesta fase, o profeta visava a destruição das falsas esperanças
dos exilados (convictos de que o exílio terminaria e que regressariam em breve)
e a denúncia da multiplicação das infidelidades a Javé pelos membros do Povo
judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
É neste contexto que Ezequiel propõe uma parábola. Uma
águia (Nabucodonosor), que “veio do Líbano comer a ponta do cedro [a casa de
David]. Apanhou o ramo mais elevado” (Jeconias) e levou-o “para o país dos
comerciantes” [a Babilónia]. Em seu lugar, plantou outra árvore [Sedecias].
Porém, esta árvore, uma “videira”, não prosperará, apesar das tentativas de
aliança com o Egito. Será levada para a Babilónia, para o exílio, e aí morrerá.
A parábola é dirigida aos exilados da primeira leva
que se entusiasmam com as alianças políticas entre Sedecias e os Egípcios.
Convictos de que os Babilónios serão derrotados, esperam voltar em breve.
Ezequiel convida-os a não terem ilusões: as políticas de Sedecias não
significarão a liberdade dos exilados, mas deportação e destruição de
Jerusalém.
Aqui, Ezequiel encaixa, subitamente, o oráculo de
salvação: apesar das dramáticas circunstâncias do tempo presente, Deus não
abandonou o seu Povo, mas construirá com ele uma História nova, de salvação e
de graça. Deus garante aos exilados que não esqueceu a promessa que tinha feito
a David de que a sua descendência e o seu trono subsistiriam para sempre. É
verdade que Jeconias, o rei de Judá que descendia David (o “ramo mais elevado”
do “cedro”) foi derrotado pela águia babilónica, mas o próprio Deus vai tomar
um “ramo novo”, plantá-lo na “excelsa montanha de Israel” (Jerusalém), fazê-lo
dar frutos e torná-lo uma árvore resistente e de grande porte). A restauração
da dinastia davídica assegurará a Judá um futuro de Vida, de felicidade e de
paz.
Neste oráculo, Ezequiel deixa aos exilados a forte
mensagem de esperança. Lembra-lhes a omnipotência e a majestade de Deus, o seu
poder mil vezes demonstrado e que tantas vezes salvou o Povo. Quem preside à
História dos homens não é Nabucodonosor, mas Javé, que tem um projeto de
salvação e conduzirá a caminhada dos homens de acordo com esse projeto. O poder
orgulhoso dos impérios humanos nada pode contra Javé, o Senhor da História.
Depois, Ezequiel recorda que Javé sempre foi e sempre
será fiel às suas promessas. Deus não falha, não esquece os seus compromissos,
não abandona o Povo com o qual se comprometeu. Mesmo afogado na angústia e no sofrimento
ou mergulhado num horizonte de desespero, Judá tem de aprender a confiar em
Deus. Os líderes políticos falham e levam o Povo por caminhos de desgraça e
morte, mas Deus é sempre o rochedo firme a que o Povo se pode agarrar.
É certo que Nabucodonosor detém um poder que parece
inquebrável e que Judá está vencido e indefeso em terra estrangeira. Mas isso
nunca será obstáculo para Deus: como Israel experimentou tantas vezes, Deus
toma o que é insignificante aos olhos dos homens e vence o orgulho, a
prepotência, a soberba e a arrogância dos poderosos. Prefere os pequenos, os
débeis, os pobres (os que na humildade e simplicidade estão sempre disponíveis
para acolher os desafios e os dons de Deus); e, através deles, concretiza o seu
desígnio de salvação e de graça.
A promessa do surgimento de “um ramo novo” que será
plantado por Deus em Jerusalém e que se tornará uma árvore vigorosa onde as
aves do céu poderão construir os seus ninhos, alimentará, durante algum tempo, nos
exilados a esperança de um regresso e da restauração da dinastia davídica; mas,
com o passar do tempo, a promessa foi adquirindo uma dimensão messiânica.
Passou a ser uma referência ao “ungido de Deus” (o Messias) que havia de vir,
para concretizar, em pleno, as promessas de Deus e para restaurar o reino de
seu pai David.
***
A segunda
leitura (2Cor 5,6-10) recorda-nos que a vida na terra, marcada pela
finitude e pela transitoriedade, deve ser vivida como peregrinação ao encontro
de Deus. O cristão deve estar consciente de que o Reino de Deus, embora já
presente na nossa atual caminhada pela História, só atingirá a sua plena
maturação no final dos tempos, quando todos os homens e mulheres se sentarem à
mesa de Deus e receberem de Deus a vida que não acaba.
A vida terrena, passageira e mortal é, para Paulo, um
exílio “longe do Senhor”. Esse tempo de exílio carateriza-se por um
conhecimento de Deus parcial: é o tempo da fé. Paulo – como todos os
verdadeiros crentes – anseia pelo tempo “da visão” – isto é, pelo tempo do
encontro face a face com Deus. Então, a vida caduca dará lugar à vida gloriosa
e indestrutível.
A leitura literal destes versículos poderia dar a
ideia de que Paulo negligencia a vida terrena. Porém, não é essa a ideia do
apóstolo, para quem a perspetiva dessa outra vida nova, plena e eterna não
significa alheamento das responsabilidades que temos, como crentes, enquanto
caminhamos neste mundo finito e transitório. Aos crentes compete, enquanto
“habitam este corpo” mortal, viver segundo as exigências de Deus, caminhar à
luz da fé, assumir as suas responsabilidades enquanto discípulos comprometidos
com Cristo e com o Reino. A perspetiva dessa Vida plena que nos espera para lá
desta terra deve estar permanentemente no horizonte do crente que caminha pela
História, fundamentar e iluminar o seu compromisso e a sua fidelidade a Jesus
Cristo e ao Evangelho.
A preocupação de Paulo não é apresentar a doutrina
escatológica perfeitamente definida, mas lembrar aos cristãos a sua condição de
peregrinos, que “não têm morada permanente” aqui: o destino final de cada homem
ou mulher é o encontro com o Senhor, com a Vida plena e definitiva.
2024.06.17 – Louro de Carvalho
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