sábado, 15 de junho de 2024

Portugal precisa de coesão territorial e social, que parece marcar passo

 
As Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, neste ano, decorreram no distrito de Leiria, nos concelhos de Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Castanheira de Pera – afetados pelos incêndios florestais de 2017 –, e na cidade de Coimbra (para a inauguração das comemorações do V Centenário do Nascimento de Camões), assim como em Genebra, em Berna e em Zurique, na Suíça, com a comunidade portuguesa da diáspora que vive e trabalha naquele país.
As comemorações tiveram início a 9 de junho, no Memorial de Homenagem às Vítimas dos Incêndios Florestais de 2017, na zona de Pobrais, em Pedrógão Grande, com a Cerimónia do Içar da Bandeira Nacional, seguida de Homenagem às Vítimas dos Incêndios Florestais de 2017. Ao fim da manhã, foi celebrada Missa na igreja matriz de Figueiró dos Vinhos, dedicada às Vítimas.
De tarde, em Castanheira de Pera, decorreu a apresentação de cumprimentos do Corpo Diplomático ao Presidente da República, seguida de receção. E o primeiro dia terminou com um concerto e com um espetáculo multimédia na Praia das Rocas, em Castanheira de Pera.
O programa de dia 10 começou em Pedrógão Grande, com a Cerimónia Militar Comemorativa do Dia de Portugal, na qual participaram mais de 1300 militares dos três ramos das Forças Armadas. Após a Cerimónia Militar, o Presidente da República (PR), acompanhado pelo primeiro-ministro (PM), partiu para Coimbra, para as celebrações dos 500 anos de Camões. Na Universidade de Coimbra, visitou a Biblioteca Joanina e presidiu à Cerimónia Evocativa dos 500 anos de Camões, terminando o dia com um espetáculo musical no Páteo das Escolas.
Na manhã do dia 11, o PR e o PM partiram para a Suíça, para continuarem as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas de 2024.
As Comemorações foram uma minidiáspora interna e externa.
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No seu discurso, o chefe de Estado pediu um futuro mais igual e menos discriminatório para todas as terras do país, sem novas tragédias. “Que este 10 de junho de 2024 queira dizer: tragédias como as de 2017 nunca mais, futuro mais igual e menos discriminatório para todas as terras, e para todos os Portugueses, dever de missão, lugar para a esperança, a confiança, e o sonho, sempre, mesmo nos instantes mais sofridos da nossa vida coletiva”, afirmou em Pedrógão Grande. E, considerando que este 10 de junho celebra Portugal “todo, uno, na sua diversidade”, interrogou: “Que outro 10 de junho conseguiria ser tão completo assim, não omitindo a tragédia e a morte, mas sonhando com a redenção e a vida?”
Declarou, expressamente, que “Portugal não é só mar, oceano, litorais”, nem “só interiores, mais ou menos profundos”, nem feito só da História, da Cultura, da Ciência dos letrados, nem da “História, da Cultura, da Ciência do povo anónimo”, nem se resume à “memória das glórias”, nem “dos fracassos, dos dramas, das tragédias”. E acrescentou: “Portugal é tudo isso, e é um só, um mesmo Portugal. E o 10 de junho, ao celebrar Portugal, celebra-o todo, uno, na sua diversidade. Celebra-o tão depressa junto ao oceano, como no interior mais recôndito. Celebra-o no urbano metropolitano mais recente, como no rural das raízes mais antigas. Celebra-o nas glórias mais esplendorosas, como nas tragédias mais dolorosas.”
O chefe de Estado pretendeu que as Comemorações fossem “um retrato fiel desse Portugal, uno na sua diversidade”. Por isso, começaram “em terras longe do mar, que não são nem foram capitais de distrito ou sedes de diocese”. E o 10 de junho “evoca o passado, mas quer, sobretudo, dizer futuro, reconstrução, novos jovens, novos residentes, nacionais e estrangeiros, novos sonhos” para estes territórios. As populações que aqui vivem não podem ser vistas como “menos portugueses, menos cidadãos, menos cultos, na cultura da vida, como na cultura das letras, menos portadores de esperança”, defendeu o PR.
Descreveu os Portugueses como povo orgulhoso do passado, que supera adversidades e tragédias. A este propósito, elogiou os militares portugueses: “Que o digam os nossos antigos combatentes, os nossos soldados, os de ontem como os de hoje, os do futuro, tantos aqui presentes, garantes da nossa soberania, da nossa liberdade, da nossa vocação universal”. “Portugal é assim. Portugal é assim aqui em Pedrógão Grande, em Castanheira de Pera, em Figueiró dos Vinhos. Mas também em Leiria, em Coimbra e mais [n]as dezenas de concelhos devastados em 2017, e renascidos e a quererem renascer, sem autocompaixões, com exigência, com coragem, com ambição”, acentuou.
Segundo o PR, Camões “teve um pouco de tudo dos diversos Portugais” e deve ser uma inspiração “até no instante final da sua vida, quando, pobre, ignorado, ostracizado, esquecido por quase todos, se imagina que temeu que, com a sua partida, pudesse partir também a independência” do país. Por fim, “Portugal restauraria a sua independência, Camões seria reconhecido e admirado e o nosso caminho secular continuaria até hoje”, salientou.
O PR, afirmando que “o nosso caminho secular continuou até hoje”, desafiou: “Não se iludam outros e não nos iludamos nós. Portugal e os Portugueses são sempre melhores do que as antevisões dos arautos dos infortúnios. Somos sempre melhores do que o que pensamos e do que outros gostam de pensar. […] Desengane-se quem olha para nós, cá dentro e lá fora, e pensa que cedemos ao primeiro contratempo, que nós baqueamos à primeira tragédia.” “Por isso”, vincou, “nós orgulhosamente vivemos quase 900 anos de passado sempre feito de futuro”.  
Finalmente, lembrou que, neste ano, se assinalam os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões: “Todos, mas todos, com Camões, que foi combatente, como tantos dos nossos, século após século; […] poeta lírico e épico, contador da nossa História, a antiga e aquela que ele próprio fez”, declarou, assumindo que o poeta tem de ser também “o nosso inspirador”.
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O secretário-geral do Partido Socialista (PS) afirmou partilhar o apelo de unidade do PR e frisou que os maiores investimentos no interior foram feitos por governos socialistas. Disse rever-se, sobretudo, “no apelo à unidade e na necessidade de se trabalhar em conjunto, de se seguir juntos”. “Por estes territórios falta fazer muito. Desde logo, é preciso investimento, designadamente investimento empresarial. Precisamos de habitação, de mais mobilidade e de empresas. Essa é a única forma de trazermos mais gente para trabalharmos no interior. Esse é o segredo para que o interior trave o despovoamento.”
Interrogado se o PS tem responsabilidades na persistência de desigualdades ao nível do território nacional, Pedro Nuno Santos contrapôs: “Há uma coisa que sei, os maiores investimentos no interior de Portugal foram feitos por governos do PS. […] Há muito para fazer por este território do país, que não pode ficar sempre para depois. Temos de continuar a identificar os bloqueios e os problemas, desatando os nós. Não conseguimos resolver os problemas todos de uma vez. E há problemas novos que temos de ir resolvendo ao longo do tempo.”
Hugo Soares, líder parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), corroborou que “as políticas públicas devem, precisamente, visar a coesão do território e, quanto mais coeso for o território, mais formas temos de evitar tragédias como aquelas que já aconteceram”. “Mas também quanto mais coeso for o território, mais próspero e mais oportunidade há para todos, e é nisso que nós estamos apostados no governo, nesta nova legislatura, em fazer todo o território mais próximo, mais coeso e mais unido”, declarou, dizendo que “o governo deve governar e o parlamento deve escrutinar o governo” pois é “assim que deve ser e é assim que tem acontecido”.
O líder parlamentar do Chega considerou que o PR fez um bom discurso de apelo à coesão territorial, mas que o interior está esquecido e que pode haver novos incêndios como os de 2017. Foi “um discurso bom […], curto, mas muito virado para dentro do país, e isso é fundamental”, frisou o deputado, esperando que “os políticos não tenham apenas palavras”, pois, o que tem acontecido no nosso país é que os políticos têm tido muitas palavras para o interior, mas poucos atos”. Com efeito, “o investimento tem faltado”. Em seu entender, a região “está preparada para acontecer uma nova tragédia, porque as estradas continuam sem limpeza, as florestas continuam a crescer desalmadamente”, portanto, as coisas continuam todas mais ou menos da mesma maneira, pouco ou nada mudou ali, “e particularmente no IC8, desde 2017 até agora”.
Também o presidente da Iniciativa Liberal (IL) considerou que muitas das promessas, feitas após a tragédia dos incêndios de 2017, não foram cumpridas e, evocando recentes posições assumidas pelo chefe de Estado, exigiu “reparações” aos Portugueses do interior do país, “reparações aos Portugueses que têm queixas de Portugal”, pois, quando o PR fala em reparações, “são as reparações para as zonas do interior com que o país se deve preocupar”. “Um exemplo são as questões das comunicações, já que este território continua com zonas-sombra. Esse foi um dos fatores negativos que condicionou muito o que aconteceu nessa tragédia”, atirou.
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O discurso do PR foi antecedido da intervenção de Rui Rosinha, bombeiro na corporação de Castanheira de Pera, gravemente ferido (aos 39 anos) nos incêndios de 17 de junho de 2017, que declarou que não podemos esquecer “uma das maiores e mais mortíferas” tragédias que afetou aquela zona do país. As “cicatrizes nas nossas terras e almas são profundas e irreparáveis”, disse, pedindo que não se esqueçam as vítimas, os feridos e assuas famílias, assim como quem perdeu tudo nos incêndios. “Não devemos esquecer aqueles que bravamente combateram aquele inferno”, apelou, recordando a morte do bombeiro Gonçalo da Conceição Correia.
Segundo Rosinha, a região afetada mostrou ao Mundo a força da solidariedade portuguesa: “Uma nação inteira chorou e ajudou na reconstrução. Muito se falou e prometeu, mas pouco chegou ao território. A burocracia é pesada e demorada. Todos os dias, tentamos transformar a dor em esperança. Nem sempre conseguimos. O caminho para a recuperação tem sido difícil, mas como beirões resilientes que somos continuamos a tentar pelos que partiram e pelos que ficaram.”
Foi bombeiro até aos 43 anos, acumulando 26 anos, oito meses e 10 dias no corpo ativo, tendo estado, nos últimos três anos e meio desse tempo, de baixa ao serviço, na esperança de voltar ao ativo, mas não lhe foi possível voltar. Pertence ao quadro de honra da Associação. 
A tragédia que mostrou muitas vulnerabilidades, destacou a nossa união e resiliência como nação. E o bombeiro não se arrepende de “nunca ter deixado este território, como muitos, infelizmente, tiveram de fazer”. Sustenta que não podemos esquecer as vítimas mortais, nem “os muitos feridos que sobreviveram”, nem “as suas famílias que necessitam de apoio contínuo, para reconstruírem as suas vidas, pois o processo de recuperação é doloroso, longo e, em muitos casos, interminável”.
Reconhece que as Forças Armadas foram verdadeiros esteios de força, de organização e de profissionalismo, no caos que se instalou na região, em que “as forças policiais, naqueles fatídicos dias, tanto sofreram também”. Reforçou que o caminho para a recuperação tem sido difícil, “mas como beirões resilientes que somos, continuamos a tentar”. Quer que a região afetada se recupere e se fortaleça, “com infraestruturas mais seguras, serviços de emergência mais musculados e políticas ambientais e florestais [que] previnam futuras tragédias, já que as alterações climáticas são uma realidade diária”. E julga essencial investir em atividades económicas sustentáveis que garantam um futuro digno para os habitantes da região.
Com efeito, quem deseje ali estabelecer-se, investir ou fazer turismo encontra “problemas estruturantes que precisam de ser urgentemente resolvidos ou drasticamente minimizados”. E Rosinha mencionou: o difícil acesso à Saúde e à Educação; a falta de emprego; a falta de transportes públicos; os problemas atinentes às vias de comunicação (o Itinerário Complementar IC8, que rasga a região, tem de ser revisto, pois é uma via extremamente perigosa, onde há acidentes quase diariamente, muitos deles mortais); e as telecomunicações na região, “que falham constantemente e continuam a ter as famosas zonas-sombra, situação que tanta celeuma deu aquando do incêndio e continua a dar até aos dias de hoje”.
O orador requer “séria e verdadeira coesão territorial, social e estrutural”, não só “medidas em papel, sem concretização efetiva”. “Só unidos, coesos e plenos de vontade, conseguiremos que o nosso interior fique mais perto do litoral. Haja força, coragem, empreendedorismo, vincou. O bombeiro otimista espera um Portugal onde todos os cidadãos, independentemente do local de residência, possam viver com dignidade, segurança, esperança e sem discriminação negativa”; e que “todos os Portugueses […] aprendam com o passado, se unam no presente e trabalhem juntos por um futuro onde a segurança, a prosperidade e o bem-estar seja uma realidade para todos”.
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Acredito que o discurso pelo interior, da parte do PR, dos partidos e do orador oficial deste 10 de junho seja genuíno. Porém, o olhar sobre o passado e sobre o presente em nada tranquiliza. Inúmeros serviços públicos e serviços de atendimento ao público têm encerrado; a agricultura e a pecuária quase desapareceram; há quem desaconselhe o investimento em algumas regiões; não há incentivos ao fluxo para lá nem à permanência ali; a população flui para o litoral; os distritos do interior perdem deputados; e a regionalização não se faz nem se discute (Não a querem!).
O interior precisa de política fortes e coerentes, caso contrário a coesão territorial continuará a marcar passo e, consequentemente, a coesão social abrirá fendas cada vez maiores.  

2024.06.15 – Louro de Carvalho

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