segunda-feira, 10 de junho de 2024

Noite eleitoral de vitórias, de perdas e de vaidades

 

Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu (PE), de 6 a 9 de junho, não ficaram muito longe do previsto. Contava-se com uma subida da extrema-direita, o que veio a verificar-se, mas sem o terramoto que alguns prometeram, e manteve-se o centrão europeu, formado pelo Partido Popular Europeu (PPE), pelos Socialistas e Democratas (S&D) e pelos Liberais.

É certo que a formação partidária de Georgia Meloni ganhou na Itália, a União Nacional (extrema-direita de Le Pen ganhou em França, o que Levou o presidente Emanuel Macron a dissolver a Assembleia Nacional (com eleições a 30 de junho, primeira volta, e 7 de julho, segunda volta), a Alternativa para a Alemanha (AfD) ficou em segundo lugar e a União Cívica Húngara (Fidesz), que venceu as eleições europeias com 44% dos votos, mas caiu 11%, em relação às eleições gerais de 2022. Já nos Países Baixos, os sociais-democratas empataram com a extrema-direita.

Por sua vez, o governo alemão ficou desiludo, ao ver-se ultrapassado pela União Democrata-Cristã da Alemanha (CDU), mas o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) mantém-se ao leme, sem problemas de maior.   

Em Portugal, contava-se com um bom resultado do Chega, embora menor do que nas eleições legislativas de 10 de março, duvidava-se de que a Iniciativa Liberal (IL) conseguisse eleger um eurodeputado, tal como o Bloco de Esquerda (BE), a Coligação Democrática Unitária (CDU) e o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN). Por sua vez, o Livre, que apostou em cheio nesta campanha, esperava eleger, ao menos, o seu cabeça de lista. A liderança disputava-se, grosso modo, entre o Partido Socialista (PS), sob a batuta de Marta Temido, com experiência governativa (válida, embora um pouco chamuscada), e a Aliança Democrática (AD), conduzida por Sebastião Bugalho, um jovem recém-chegado à política, mas com formação superior em Ciência Política.

Terminada a campanha eleitoral, marcada pelas buscas policiais à casa de Marta Temido e pela constituição de arguido do ex-secretário de Estado da Saúde, decorreu o ato eleitoral no dia aprazado, 9 de junho, com a inovação do voto em mobilidade (o eleitor pôde exercer o direito de voto no lugar onde se encontrasse, dirigindo-se a uma secção de voto, munido do cartão de identificação pessoal) e com a possibilidade do voto antecipado, exercido no dia 2 de junho (havia, pelo menos, uma assembleia de voto em cada concelho). 

Encerradas as urnas, passou-se ao exercício fastidioso da noite eleitoral, com base em projeções de diversas proveniências, mas dando todas o empate técnico entre o PS e a AD, ainda que o PS tivesse vantagem. Já se apontava perda para o Chega e não se garantia a eleição de eurodeputados da IL, do BE, da CDU e do PAN. E o Livre contava com a eleição do seu cabeça de lista, atendendo ao trabalho desenvolvido na campanha eleitoral.

A razão por que não começavam a cair resultados era porque as urnas não tinham encerrado em Itália. Assim, o período de comentários, em Portugal e em toda a União Europeia (UE), com base em projeções, prolongouse quase indefinidamente. E os comentadores tiveram oportunidade de falar sobre tudo e mais alguma coisa, desde a fragilidade do PS, à ação governativa ou propagandística da governação da AD, passando pelo passado governativo da cabeça de lista do PS ou pela fragilização do partido, em resultado da perda das eleições legislativas, das eleições regionais nos Açores e na Madeira. E não deixo de registar um comentário algo disparatado. Ao perguntarem ao representante da AD, num canal de televisão, o que dizer se a AD perdesse, respondeu: “A AD perdeu, porque perdeu.” Ainda bem que não respondeu como uma militante do Partido Social Democrata (PSD), depois das eleições gerais de janeiro de 2022, que disse que o seu partido perdeu por culpa do povo.

À medida que os resultados começaram a aparecer e a primeira curiosidade começou a ficar satisfeita, os comentadores, embora advertissem que tudo podia ainda acontecer, afinavam os comentários, uns a justificar ganhos, outros a justificar perdas e outros a desvalorizar perdas ou ganhos. Uns tentaram nacionalizar as eleições, que restringiam, dantes, à área europeia; outros, que as consideraram a segunda volta das legislativas (na noite eleitoral, passaram a ser a segunda demão das legislativas), conhecidos os resultados, passaram a confiná-las à Europa. 

Cada um celebrava o que podia. Poucos reconheceram a derrota, pura e simplesmente. O PN foi exceção, ao reconhecer que, efetivamente, não conseguira o objetivo por que lutara, mas prometeu continuar a luta pelas suas causas. E o Chega reconheceu que os seus resultados ficaram aquém do esperado, vindo o líder do partido, reconhecer a sua responsabilidade pessoal pelo insucesso.

Obviamente, todos apontaram o Chega como o grande derrotado, sobretudo, comparativamente com a sua ascensão em março passado. No entanto, é de registar uma asserção patusca do líder do partido do Centro Democrático Social (CDS), de que o resultado do Chega (que perdeu no Algarve, onde ganhara em março) se deve ao facto de ter sido muleta do PS.

O BE e a CDU, que estiveram na corda bamba por não saber se conseguiriam algum mandato, logo que tiveram a certeza de que tinha sido eleito o respetivo cabeça de lista, vieram à liça festejar a permanência das suas representações partidárias no PE, garantindo a continuidade da luta pelas suas ideias e projetos, em articulação com a respetiva família partidária europeia que integram. 

O cabeça de lista da IL veio, com razão, festejar a sua eleição (que tinha sido considerada incerta) e a da sua companheira de corrida. 

A feira das vaidades foi protagonizada pela AD e pelo PS. Enquanto o BE e a CDU puseram a falar dos resultados os respetivos cabeças de lista e, só depois, vieram os líderes partidários dar uma palavra o seu eleitorado sobre o trabalho desenvolvido, na AD e no PS, primeiro, falaram os chefes e, só depois, os cabeças de lista.

O primeiro-ministro parecia ter preparado bem o discurso. Reconheceu a derrota da AD (em termos aritméticos), pois, quem se candidata a uma eleição fá-lo com o objetivo de obter mais votos do que o adversário e, possivelmente, maior número de mandatos, o que a AD não conseguiu. Todavia, logo atirou que o PS perdeu um eurodeputado, em comparação com as eleições europeias de 2019. A seguir, em autêntico comício de propaganda governamental, encareceu a inovação do voto em regime de mobilidade, agradecendo a todos os que trabalharam para que o mecanismo resultasse. E, com justeza, frisou que o mecanismo foi criado pelo governo anterior do PS, pela mão do então ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro.

Aproveitou a oportunidade para dizer que, se António Costa se candidatar a presidente do Conselho Europeu (“a candidatura só depende dele, da família e do PS”, esclareceu em resposta a um jornalista), o governo de Portugal, não só apoiará a candidatura, como tudo fará para que ela tenha sucesso. E disse que os seus pares no Conselho Europeu sabem disso, desde o tempo em que ainda não era primeiro-ministro.       

Porém, encareceu o saber e a juventude do cabeça de lista da AD e, sobretudo, fez política sobre a governação, realçando a humildade (Que humildade?) e o diálogo. Sublinhou que, no PE, os moderados continuam a ser a maior força e que Portugal é exemplo de moderação leitoral. Disse que o governo não fez propaganda eleitoral; o que fez foi apresentar as medidas com que se comprometeu na campanha eleitoral para as eleições de março. E continuará, pois, se o Parlamento não contesta o programa do governo, permitirá que o governo siga o seu programa.

Seguiu-se a entrada em cena do partido que venceu as eleições. O secretário-geral do PS, ladeado pelo presidente do partido, Carlos César, e pela cabeça de lista, Marta Temido, criticou o facto de o governo ter nacionalizado as eleições europeias e enalteceu a vitória do PS, frisando ter sido a primeira vez que uma mulher ganhou eleições a nível nacional e que desenvolveu um trabalho notável na candidatura. Deu os parabéns a cada um dos/as eleitos/as e realçou que o candidato português mais jovem, no PE, é do PS, tal como a única representação da Madeira no PE é do PS.

Mais disse que o seu partido recuperou os distritos de Faro, da Guarda e do Porto.    

Obviamente também vincou que, embora a extrema-direita tenha subido na Europa, em Portugal isso não aconteceu, sendo Portugal um exemplo de moderação e ficando reforçada a representação do PPE e do S&D, no PE.

Em relação ao governo, Pedro Nuno Santos – que parecia falar de improviso, em resposta a Luís Montenegro – frisou que a ação governativa tem sido de propaganda para estas eleições. Com efeito, as medidas foram apresentadas à pressa, sem calendarização detalhada, na sua execução e sem suporte orçamental. Referiu que não está, com estas eleições, em causa o governo ou o seu programa, mas o modo de governar: sem diálogo, desrespeitando o Parlamento, que os eleitores escolheram, e privilegiando a governação por decreto-lei. O PS não será fator de instabilidade, mas lutará pelas suas ideias e projetos no Parlamento. E, fora do Parlamento, já agendou os estados gerais, com militantes e simpatizantes, para ampla discussão dos grandes temas.     

A meu ver, as intervenções dos cabeças de lista do PS e da AD, embora legítimas, oportunas e adequadas, ficaram sem o interesse que mereciam.

Fui dormir, convicto de que o PS tinha vencido as eleições, com oito eurodeputados, vindo, a seguir, a AD, com sete, o Chega e a IL, com dois cada um, e o BE e a CDU, cada um com um eurodeputado.

Quando, no dia seguinte, comprei o jornal, vi os comentários mais esquisitos: um empate ao centro e mudança à direita. Não, o empate não existiu e só foi empate técnico na fase de projeções de resultados, não depois. O suposto empate não foi ao centro, quando muito, seria no centrão. É certo que houve mudança à direita (o Chega perdeu votos e a IL ganhou votos), mas, se considerarmos a AD como direita, a direita, no total, tem mais votos do que a esquerda toda.

São comentários ao sabor dos apetites de quem parece ter querido outros resultados. Parece que alguma comunicação social estava a torcer pela derrota do PS. Não podia perder tantas eleições consecutivas! Se formos a raciocinar até às últimas consequências, concluiremos que a maior parte dos Portugueses não votaram no PS, nem na AD, pois a abstenção rondou os 63%. Porém, as regras – e todos as conhecem – estabelecem que os resultados se contabilizam pelos votos validamente expressos. Os abstencionistas entregam, tacitamente, o seu voto aos vencedores.   

Penso que os ganhadores devem cantar vitória e ser fiéis ao que prometeram, os perdedores devem assumir a derrota, não minimizando a vitória ou os ganhos do adversário, e continuar as suas lutas e os comentadores devem exercer o seu múnus, de modo mias isento, sem paixão. Quem ganhará será a democracia.

2024.05.10 – Louro de Carvalho

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