sábado, 8 de junho de 2024

A utilidade do período de reflexão em véspera das eleições

 

Também desta vez se observou o período de reflexão em véspera de eleições para o Parlamento Europeu (PE), apesar de muitos observadores entenderem que esta medida não faz sentido nos tempos atuais. Outros, como o Presidente da República, dizem que a medida deve ser repensada.    

No entanto, os períodos de reflexão na campanha política antes do escrutínio, embora de diferente duração – do blackout total, dois dias antes do escrutínio, à plena liberdade de expressão –, são comuns nos estados-membros da União Europeia (UE), com Portugal entre os mais restritivos

As proibições de propaganda eleitoral afetam os diferentes meios de comunicação social, que deixam de poder partilhar informações sobre os candidatos ou de poder comentar as sondagens de opinião. O objetivo é proporcionar aos eleitores um período de reflexão sem serem influenciados por elementos externos.

De acordo com um estudo do PE, a maioria dos eleitores já sabe antecipadamente em quem vai votar, mas os eleitores mais jovens, sem hábitos de voto estabelecidos, são mais suscetíveis de tomar uma decisão de última hora. Em alguns países, a decisão é tomada nos dias que antecedem a votação ou até no próprio dia. Entre os países com a decisão mais tardia, encontram-se a Finlândia (30%), a Suécia (33%) e os Países Baixos (42%).

Dos 27 países da UE, nove não impõem restrições ao discurso dos candidatos nos meios de comunicação social ou ao comentário de sondagens de opinião: a Áustria, a Bélgica, a Dinamarca, a Estónia, a Finlândia, a Alemanha, a Lituânia, os Países Baixos e a Suécia. Nos restantes dezoito, os meios de comunicação envolvidos, o tipo de conteúdo e a duração do período de silêncio variam. A maioria dos países impõe uma regra de silêncio aos candidatos e aos meios de comunicação social, sobre os conteúdos relacionados com as eleições e com as sondagens de opinião, mas com algumas variações na sua aplicação.

Os países mais rigorosos são a Itália, Portugal, a Eslováquia e a Espanha.

Os Italianos elegeram os seus 76 deputados ao PE nos dias 8 e 9 de junho. A Itália tem o período de reflexão mais longo, visto que a lei sobre a igualdade de tratamento proíbe a divulgação dos resultados das sondagens de opinião, duas semanas antes das eleições, neste caso, a partir de 25 de maio. Todas as televisões, as rádios e os outros meios de comunicação social também tiveram de respeitar um período de silêncio sobre as eleições, a partir da meia-noite de 6 de junho.

Na Eslováquia, o período de silêncio começou no dia 6, para uma votação no dia 8. A partir desse momento, todos os meios de comunicação social estavam proibidos de enviar ou de publicar informações sobre candidatos, sobre partidos políticos ou sobre coligações, “a seu favor ou contra, por palavra, escrita, som ou imagem”.

Em Portugal, as sondagens de opinião, as declarações dos candidatos e todos os conteúdos relacionados com as eleições não podem ser difundidos em nenhum meio de comunicação social a partir da “meia-noite do segundo dia anterior ao dia designado para as eleições”, ou seja, desta vez, das 0h00 do dia 7, para a votação do dia 9, visando a escolha dos seus 21 eurodeputados.

Em Espanha, os Espanhóis puderam aceder às últimas estimativas das sondagens até 4 de junho, cinco dias antes, enquanto os candidatos podem exprimir-se nos meios de comunicação social e nas redes sociais até à véspera das eleições, isto é, até à meia-noite do dia 8.

Em Chipre, na Croácia, na França, na Grécia, na Irlanda, na Letónia, em Malta, na Polónia, em Portugal e na Roménia, é imposto um silêncio de 24 horas à propaganda eleitoral.

Em Chipre, desde 26 de maio até ao ato do escrutínio, não é permitida a publicação de sondagens de opinião, devido a um período de silêncio de sete dias úteis que lhes é imposto. Enquanto na maioria dos países, a proibição é imposta a todos os meios de comunicação social, na Grécia não diz respeito às publicações online. Na Irlanda, a proibição não é regulada por uma “lei eleitoral” propriamente dita, mas é imposto um período de silêncio nas diretrizes da Broadcasting Authority. Na Roménia, o período de silêncio não se aplica a partir da meia-noite do dia anterior às eleições, mas a partir das 7 horas do próprio dia. Em França, um “période de réserve” proíbe os altos funcionários, como os ministros ou outros agentes públicos, de exprimirem uma opinião ou de fazerem comunicações, cerca de uma semana antes das eleições (27 de maio), com algumas exceções. Quanto aos candidatos, podem fazer campanha até à meia-noite do dia 8.

Há restrições apenas às sondagens de opinião na Bulgária, na Chéquia, na Hungria, no Luxemburgo e na Eslovénia.

Nestes países, os candidatos são autorizados a fazer campanha e a falar nos meios de comunicação social. No entanto, os resultados das sondagens de opinião não podem ser tornados públicos, pelo menos no dia das eleições europeias. É o caso da Bulgária, da Hungria e da Eslovénia. O período é mais longo para a Chéquia, onde as sondagens não estão disponíveis a partir de 5 de junho para uma votação no dia 7, até ao dia seguinte, e no Luxemburgo, as sondagens de opinião são proibidas cinco dias antes das eleições, ou seja, 4 de junho.

Os períodos de silêncio (reflexão) podem ser difíceis de aplicar de um país para outro, especialmente na era das redes sociais e das ligações globalizadas. De facto, as sondagens podem ser publicadas online a partir de outro país e, por conseguinte, não são regulamentadas. É também difícil regular e moderar as redes sociais, onde, mesmo que os candidatos não se exprimam, a desinformação pode ser predominante.

O PE tentou trazer mais clareza ao votar uma resolução, em maio de 2022, apelando a uma reforma eleitoral, a nível da UE, para unificar as regras relativas ao período eleitoral e ao silêncio (reflexão), bem como para implementar listas transnacionais. Esta reforma deve ser avaliada pelos estados-membros da UE e é pouco provável que seja aprovada rapidamente.

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Dia de reflexão é a designação dada, em Portugal, ao dia imediatamente antes daquele em que decorre o ato eleitoral, durante o qual está vedado às formações partidárias apelar ao voto. Embora não esteja consagrado como tal na lei, é consequência direta da regra legal que estipula o início e o fim da campanha eleitoral, às 24 horas da antevéspera do dia das eleições, em vigor desde 1975. A proibição consta do n.º 1 do artigo 141.º da Lei Eleitoral da Assembleia da República (AR) – Lei n.º 14/79, de 16 de maio, na redação atual –, que dispõe que “aquele que no dia da eleição ou no anterior fizer propaganda eleitoral por qualquer meio será punido com prisão até seis meses”, sendo multado num valor que oscila entre 2,49 a 24,94 euros.

Por seu turno, o artigo 1.º da Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu (Lei n.º 14/87, de 29 de abril, na redação atual) estabelece: “A eleição dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal rege-se pela presente lei, pelas normas comunitárias aplicáveis e, na parte nelas não prevista ou em que as mesmas normas remetam para as legislações nacionais, pelas normas que regem a eleição de deputados à Assembleia da República, com as necessárias adaptações.”

Embora as várias leis eleitorais proíbam a propaganda na véspera de eleições, a interpretação desta lei se modificou, desde que, em 1982, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) entendeu que a proibição de propaganda eleitoral significava a impossibilidade de transmitir “notícias, reportagens ou entrevistas que, de qualquer modo, possam ser entendidas como favorecendo ou prejudicando um concorrente às eleições, em detrimento ou vantagem de outro”. Em 2014, a CNE foi mais longe na interpretação, pronunciando-se especificamente sobre o Facebook: “Tratando-se, quer de cronologias pessoais, quer de páginas do Facebook, elas não podem registar qualquer ação de propaganda praticada após as 00h00 da véspera da eleição”, a não ser em posts reservados a amigos ou amigos dos amigos.

As dúvidas sobre a utilidade do dia de reflexão vêm aumentando, considerando a omnipresença da propaganda política nas redes sociais e o voto antecipado. Em março de 2021, a Iniciativa Liberal (IL) apresentou, na AR, um projeto de lei, que acabava com o dia de reflexão, por entender que representa um “paternalismo estatal”, resultante de uma lei anacrónica. O projeto recebeu a simpatia de várias bancadas. A 22 de abril, o projeto de lei foi proposto a votação, sendo rejeitado com os votos contra do Partido Socialista (PS), do Partido Social Democrata (PSD), do Partido Comunista Português (PCP), do Partido do Centro Democrático Social (CDS) e do Partido Ecológico os Verdes (PEV), mas obtendo os votos a favor do Bloco de Esquerda (BE), do Chega, da IL e das deputadas não inscritas, Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira, bem como a abstenção do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN).

A 29 de janeiro de 2022, o dia de reflexão das legislativas de 2022, aproveitando a mensagem de apelo ao voto, o chefe de Estado defendeu a “oportuna reponderação” do dia de reflexão na véspera das eleições, pensado para “outra época e outras preocupações” (não tem razão: o aludido projeto foi rejeitado por esmagadora majoria parlamentar), assim como uma revisão da lei eleitoral, por se revelar rígida em tempos de pandemia. O voto antecipado, a 17 daquele mês, não foi abrangido pela regra legal, para ele não existindo, por isso, dia de reflexão. Todavia, a 2 de junho, a IL foi advertida pela CNE por tido praticado atos de propaganda a menos de 500 metros de uma assembleia de voto antecipado, o que a IL reconheceu que “não devia ter acontecido”.   

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Segundo a CNE, a lei não proíbe a realização de eventos, na véspera e no dia da eleição, mas é necessário observar o seguinte: é proibida a propaganda, por qualquer meio, na véspera e no dia da eleição; não pode haver aproveitamento dos eventos festivos ou de outros, no sentido de serem entendidos como propaganda eleitoral; em eventos que impliquem a deslocação de eleitores para fora dos locais em que estejam recenseados, devem criar-se condições para que estes possam votar; é proibido perturbar o regular funcionamento das assembleias de voto, o que pode implicar que um evento se realize em local distante das mesmas; e é proibida a caça no dia da eleição, nos termos do n.º 4 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de novembro.

Os candidatos podem participar em eventos na véspera e/ou no dia da eleição. Porém, não devem assumir posição de relevo na sua realização, nem podem praticar quaisquer atos que, direta ou indiretamente, possam ser entendidos como propaganda eleitoral ou contribuir, de alguma forma, para que outrem os pratique. Também é permitida a participação de titulares de cargos públicos em eventos na véspera e/ou no dia da eleição, desde que adotem um comportamento de total distanciamento, face à eleição e às candidaturas.

Já não pode realizar-se uma inauguração promovida por uma entidade pública, na véspera ou no dia da eleição, pois trata-se de evento que pode ser entendido como propaganda eleitoral. E é proibida a publicidade institucional, aliás como durante a campanha eleitoral.

Obviamente, não pode realizar-se um evento no interior ou junto da assembleia de voto.

Pode realizar-se uma procissão no dia da eleição, mas devem ser tomadas as providências necessárias de modo a não prejudicar o normal funcionamento da assembleia de voto, nem revestir qualquer forma de propaganda. Recordo que, a 6 de dezembro de 1980, véspera da eleição presidencial, o funeral do primeiro-ministro constituiu verdadeira manifestação partidária. Tantas eram as bandeiras afetas à coligação que apoiava o governo.  

Pode realizar-se prova ou evento desportivo na véspera e/ou no dia da eleição. Todavia, não deve a realização pôr em causa o exercício do direito de voto por parte dos participantes.

É permitido lançar foguetes ou quaisquer fogos-de-artifício no dia da eleição, se forem cumpridas as respetivas normas legais. E, nesse dia, podem distribuir-se alimentos, a aliciar eleitores?

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Há aspetos em que se regrediu. Por exemplo, artigo 55.º do Decreto-lei n.º 93-C/76, de 29 de janeiro estabelecia que “desde o início da campanha eleitoral e até ao dia imediato ao da eleição é proibida a divulgação dos resultados de sondagens ou inquéritos relativos à atitude dos eleitores perante os concorrentes à eleição”. A publicação de sondagens em campanha eleitoral é dos fatores que mais influenciam os indecisos. A isto, que é novo, acresce o facto de os comentadores “orientarem”, convenientemente, o sentido do conteúdo das declarações dos candidatos e os casos que a Justiça faz cair em plena campanha eleitoral. Mesmo assim, votamos!

2024.05.08 – Louro de Carvalho

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