sábado, 8 de junho de 2024

Francisco Gomes Teixeira, o matemático mais prestigiado do seu tempo

 
Enquanto estudava escreveu “Desenvolvimento das Funções em Fracções Contínuas”, a sua primeira obra de Matemática, que mereceu o espanto e rasgados elogios dos seus professores e de outros matemáticos que lecionavam fora da cidade de Coimbra, como foi o caso de Daniel Augusto da Silva (1814-1878).
Francisco Gomes Teixeira, filho de pai comerciante, nasceu a 28 de Janeiro de 1851, no distrito de Viseu, no concelho de São Cosmado (este espaço administrativo passaria, a 24 de outubro de 1855,  a integrar, como freguesia – hoje, com a categoria de vila –, o concelho de Armamar, no reagrupamento administrativo então realizado). No cimo do povo, uma lápide assinala a casa onde nasceu o matemático, místico e político.
Fez os estudos elementares na terra natal e, depois, foi para o Colégio do Padre Roseira, em Lamego, a fim de frequentar o ensino secundário, que concluiu com distinção. E, em outubro de 1869, com a idade de 17 anos, matriculou-se em Matemática, na Universidade de Coimbra, então a única instituição do género, vencidas as reticências familiares que lhe apontavam o seminário e a Teologia. Concluiu a licenciatura, em 1874, com a classificação máxima, de Muito Bom por Unanimidade, com 20 valores. Em 1875, doutorou-se com a tese “A integração das equações às derivadas parciais de 2.ª ordem”, merecendo a classificação máxima. 
Circulava então, nos meios académicos, um vento de rebeldia (caso de Antero de Quental e a “Questão do Bom Senso e do Bom Gosto”, a que se seguiriam as Conferências do Casino, em Lisboa, em 1870). A vida académica e política de Gomes Teixeira não revela notória rebeldia, mas deve, nesse contexto cultural de reação à decadência nacional, o vento da mudança ter surtido nele o seu efeito, não pela agitação social, mas pelo estudo e pela investigação, sobressaindo, a partir do saber, face à vulgaridade, e contribuindo, a seu modo, para o progresso. Terá começado aí a construção da imagem do cientista. Em 1871, aos 20 anos, já publicava um estudo de Matemática na Imprensa da Universidade.
Pelo caminho ficou o curso que o próprio equacionara, o da Engenharia Militar, então em moda, pelas ligações ao progresso técnico da altura, a saber: construção de estradas, de pontes, do caminho de ferro e do telégrafo. Todavia, o percurso auspicioso, como estudante dedicado, abriu-lhe as portas da docência, para a qual fez provas concursais nos finais de 1874 (a 4, 7 e 11 de dezembro) em Geometria Analítica, tomando posse nas 1.ª2.ª  a 4.ª cadeiras de Matemática. Por despacho régio de 16 de Junho de 1877, foi nomeado lente substituto. Entretanto, em 1876, tornara-se sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Preocupado com o isolamento científico nacional, fundou, em 1877, o Jornal de sciencias matemáticas e astronómicas, que foi publicado durante 28 anos, e que, pela sua especialidade e por ser o único de natureza exclusivamente científica, em Portugal, lhe granjeou o respeito dos pares e a admiração geral, abrindo-lhe as portas às relações científicas internacionais. Foi a revista mais importante na Matemática portuguesa, no século XIX e teve a colaboração de alguns dos mais importantes matemáticos europeus da época, tais como o francês Charles Hermite (1822-1901) e o italiano Giusto Bellavitis (1803-1880). Em 1905, já com Gomes Teixeira no Porto, o deu origem aos “Annaes Scientíficos da Academia Politécnica do Porto”.
Publicou o matemático 149 artigos, nas revistas científicas internacionais de prestígio da altura, e 83, mas revistas nacionais.
Após passagem fugaz, de julho a novembro de 1878, como terceiro astrónomo do Observatório Astronómico de Lisboa, que acabava de ser montado, regressou a Coimbra, para ocupar o lugar de professor. Por carta régia de 22 de abril de 1880, foi provido como lente proprietário ou catedrático, de Calculo Differencial e Integral, da Faculdade de Matemática, lugar que assegurou até 1884, ano em que, por ter decidido sair de Coimbra, pediu, aos 32 anos, transferência para a Academia Politécnica do Porto (ainda não havia universidade no Porto), onde dirigiu a cadeira de Cálculo diferencial e integral e publicou, em 1887, o Curso de Análise Infinitesimal, Cálculo Diferencial (um volume), atualizando o ensino da Matemática em Portugal.
Em 1889, publicou o primeiro volume do Curso de Análise Infinitesimal, Cálculo integral, e o segundo volume em 1892. Nesta obra, faz uma síntese dos progressos realizados pela análise e introduz um novo nível de rigor na apresentação da Matemática.
O seu Tratado de las Curvas Especiales Notables foi premiado, em 1899, pela Real Academia de Ciências de Madrid. Uma tradução francesa, revista e aumentada, que foi publicada, em 1908, com o título Traité des Courbes Spéciales Remarquables, recebeu, em 1917, o prémio Binoux da Academia Francesa de Ciências e foi reeditada duas vezes: em 1971, pela Chelsea Publishing Co, N. York, e, em 1995, por Éditions Jacques Gabay, Paris.
Com a fundação da Universidade do Porto, em 1911 (e com a conversão da Academia Politécnica em Faculdade de Ciências), o referido periódico mudou de nome, outra vez, passando a chamar-se “Anais Científicos da Faculdade de Ciências do Porto”.
No início do século XX, em 1921, Gomes Teixeira recebeu o primeiro de dois doutoramentos honoris causa fora de Portugal, pela Universidade de Madrid e, dois anos volvidos, em 1923, pela Universidade de Toulouse, o que confirmava o seu reconhecimento além-fronteiras. Com efeito, o matemático português mais prestigiado do seu tempo, a nível nacional e internacional, distinguiu-se nos campos da Análise Matemática, da Geometria e da História da Matemática.
As lições de Análise que ensinou estão na origem do Curso de Análise Infinitesimal, um tratado dividido em duas partes (a primeira com o título Cálculo Diferencial e a segunda com o título Cálculo Integral) publicado entre 1887 e 1892. O interesse que o livro despertou na comunidade matemática pode ser aferido pelas suas quatro edições. Porém, o mais impressionante testemunho de reconhecimento da sua qualidade veio dos Estados Unidos da América (EUA), em 1904, da parte do professor James Pierpont da Universidade de Yale: “Ao usar este livro, senti-me permanentemente triste por a língua portuguesa não ser mais conhecida no nosso país. De outra maneira, esta obra admirável sobre o Cálculo gozaria uma popularidade generalizada entre nós.”
A Real Academia de Ciências de Madrid atribuiu-lhe um prémio, em 1897, pelo trabalho intitulado “Tratado das Curvas Especiais Notáveis”. Vinte anos mais tarde, a tradução desta obra para francês haveria de ser também premiada pela Academia das Ciências de Paris com o prémio Binoux (para a história da ciências).
Com a fundação da Universidade do Porto, Francisco Gomes Teixeira foi eleito Reitor. Ocupou o cargo até 1917, sendo-lhe, a partir dessa data, atribuído o título de Reitor Honorário. Anos mais tarde, na imponente Faculdade de Ciências (em frente aos leões), no cimo das escadas estava uma estátua de Gomes Teixeira, que aí ficou, durante muitos anos, até à atual mudança de instalações.
Nos últimos anos de vida, Gomes Teixeira publicou cinco livros de caráter muito diferente dos anteriormente mencionados: “Panegíricos e Conferências” (1925); “Santuários de Montanha – Impressões de Viagem” (1926); “Apoteose de S. Francisco de Assis – sua vida e obra” (1928); “Uma Santa e uma Sábia – Clara de Assis e Sofia Kowalewsky” (1930); e, por fim, “Santo António de Lisboa – história, tradição e lenda” (1931). O seu último livro, “História das Matemáticas, só foi publicado postumamente em 1934. 
Redigiu em francês os principais resultados da sua tese de doutoramento e submeteu-os, para publicação, a revistas internacionais. Os artigos vieram a lume nas “Mémoires de la Societé de Sciences Physiques et Naturelles de Bordeaux”, nos “Comptes Rendues de la Académie des Sciences de Paris”, entre outros famosos periódicos. Muitas das revistas estrangeiras em que as suas obras vieram à luz, contavam-se entre as de maior impacto na época. Merece especial realce a sua colaboração com os jornais de Liouville (onde publicou grande parte dos trabalhos de geometria e teoria dos números) e o jornal de Crelle. Salienta-se o facto de ter sido o primeiro matemático português a publicar na reputada “Acta Mathematica”, fundada, em Estocolmo, por Mittag-Leffler (1846-1927). Figura entre os autores da revista “L’Enseignement Mathématique”, de cujo comité científico foi membro. Colaborou com 46 periódicos (como o “Quarterly Journal” ou o “Instituto”), de elevado prestígio e rigorosa política editorial.
Gomes Teixeira jubilou-se, em 1929, por ter atingido o limite legal de idade para continuar no ativo. Muitas foram as homenagens a um dos mais carismáticos e importantes matemáticos portugueses de sempre. Estátuas e nomes de ruas podem ver-se, em Portugal, em homenagem a este extraordinário investigador. 
Faleceu a 8 de fevereiro de 1933, no Porto. Está sepultado na Igreja Matriz de São Cosmado, em sarcófago de granito, na parede lateral do lado do Evangelho, com a inscrição: “Seraphico Francisco Assissiensi Ataque Divo Antonio Olyssipponensi Hoc monumentum erexit Franciscus Gomes Teixeira Qui hi jacet.”
Foi um sábio português, admirado em vida pela sua inteligência, pelas suas qualidades de  mestre, pela superioridade da sua alma de místico e pelo prestígio da sua integridade moral.
O facto de as citações a Gomes Teixeira aparecerem, na atualidade, referenciadas no ISI Web of Knowledge, indicador internacional de ciência de reconhecido prestígio, é sinal do relevo da sua obra matemática, atendendo a que a sua atividade científica decorreu nos lustros finais do século XIX e nos começos do século XX. O seu monumental “Tratado das Curvas” é uma das maiores glórias da Matemática portuguesa.
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No período inicial da sua carreira universitária, desenvolveu atividade política, sendo eleito deputado pelo Partido Regenerador, nas eleições de 1878, como candidato pelo círculo n.º 67, de Armamar, para a legislatura a iniciar em Janeiro de 1879. A sua vitória foi indiscutível (3678 votos, num total de 4213). A sua eleição foi repetida em 1881. Esteve, assim, no parlamento, nas sessões legislativas, que decorriam, geralmente, nos primeiros seis meses do ano, em 1879, 1882, 1883 e 1884, embora, nesta última, já com muitas faltas e com escassa participação.
Como deputado, não foi orador frequente nem destacado. A novidade política e oratória vinha do seu colega na Academia Politécnica do Porto, Rodrigues de Freitas, eleito em 1878, como o primeiro deputado republicano português, além de outras figuras históricas dos partidos que se alternavam no poder (Regeneradores e Progressistas), com vários deputados de Coimbra (José Frederico Laranjo ou António José Teixeira). E, em 1883, também pelo Partido Regenerador, chegava como deputado o seu colega de Coimbra, Bernardino Machado (eleito nos finais de 1882 pelo círculo n.º 66. de Lamego), com quem subscreveria vários projectos conjuntos.
Gomes Teixeira era reconhecido como cientista prestigiado, com reputação internacional, e representava o partido no poder. Neste quadro, veio a integrar importantes comissões que lhe davam um labor significativo, surgindo o seu nome em múltiplos pareceres e projetos. Integrou a comissão de verificação de poderes e as comissões da Instrução pública, da Estatística, e, sobretudo, a da Fazenda (que exigia pareceres sobre o orçamento sobre todas as propostas e projetos que implicassem despesa ou receita). No último mandato, integrou as comissões da instrução superior e especial e dos negócios da administração pública nas províncias ultramarinas.
A sua ação parlamentar não equacionou apenas as grandes causas da política nacional, revelando-se em três linhas de ação: as questões nacionais ligadas aos problemas da fazenda nacional, as questões do ensino e as questões locais e regionais.
Logo em 3 fevereiro de 1879, um mês após a abertura da Câmara dos Deputados, propunha alterações ao ensino da Matemática na Universidade, vincando o atraso observado e procurando que, além da Geometria Descritiva, se ensinasse a Geometria Superior. O projecto não teria caído bem em Coimbra, vindo a suscitar um outro, também por um deputado que era lente, Antonio José Teixeira, que  apresentou uma versão mais de acordo com os poderes universitários.
Outros projetos tinham a ver com: vencimento de funcionários públicos, melhoramentos em Armamar (incluindo a anexação de Granja do Tedo), navegação para o Ultramar, ensino de Farmácia, concessão de bens do estado, minas de Aljustrel, combate ao desastre da filoxera no Douro, ensino agrícola, importação de cereais do Ultramar, produção de tabaco nas Ilhas e no Douro, caminho de ferro do Douro, aguardentes nacionais, propostas sobre Geologia e Minas para a Academia Politécnica do Porto (com Wenceslau de Lima), financiamento do Instituto de Coimbra, Antropologia para  Universidade de Coimbra (com Bernardino Machado), criação do Conselho Superior de Instrução Pública. No entanto, a sua desilusão política foi um facto. O ano de 1884 foi o tempo do canto do cisne para a sua carreira parlamentar. Nestes tempos da monarquia constitucional e do rotativismo, o caciquismo dominava, violentos conflitos estalavam com frequência e as desconfianças tinham razão de ser, como reconhecia o progressista José Luciano de Castro, em 1886: “Se fossemos a fazer política só com gente honesta, ficávamos só com meia dúzia de pessoas… o meu Partido não é que me leva ao poder. Sou eu que levo o meu partido ao poder (J. A. Maltez, Tradição e Revolução, 1.º, 456).”
Assim vai a política. Hoje como dantes!

2024.05.08 – Louro de Carvalho

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