Decorrido o
ato eleitoral para o Parlamento Europeu (PE) da União Europeia (UE), os agentes
da instalação do areópago com a nova composição já estão a trabalhar para dotar
as instituições europeias dos titulares cujo mandato é definido no tempo, por
força das eleições.
Assim, a seu
tempo, os eurodeputados reunirão para a verificação de poderes, com a definição
ou redefinição dos diversos grupos parlamentares, bem como as diversas
comissões e grupos de trabalho. Ao mesmo tempo, perfilam-se as candidaturas
para a presidência da Comissão Europeia, tendo-se candidatado, para o efeito,
alguns dos cabeças de lista dos principais grupos que têm assento no PE. Parece
que a presidente em exercício terá dificuldades na eventual recondução. Não
obstante, é-lhe reconhecida grande capacidade de negociação. Veremos se vai ser
nomeada e se o plenário da grande assembleia europeia a confirmará.
Entretanto, os
governos dos 27 estados-membros indigitarão os comissários, que terão de passar
pelo crivo do PE, em que sobressai o Alto
Representante da UE para os Assuntos Externos e Política de Segurança (chefe da diplomacia da UE); e o Conselho Europeu (chefes
de Estado e de Governo dos países da UE) escolherá o seu presidente permanente.
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Estas diligências,
de si morosas, não podem ofuscar a premência de alguns temas importantes para o
bloco europeu. E um deles é o atinente ao mercado único.
A este
respeito, o ex-primeiro-ministro italiano Enrico Letta, autor de um relatório
sobre o mercado único encomendado pelo Conselho Europeu, sustenta que “o
mercado único, tal como funciona hoje, não é suficiente, porque foi concebido
para um Mundo que já não existe”.
“Quando
Jacques Delors lançou o mercado único, a União Soviética ainda existia, a
Alemanha não estava unida, a China e a Índia juntas representavam 4% do PIB [produto
interno bruto] mundial. A nossa noção de ‘grande’ tem de ser maior, porque as
dimensões da China, dos EUA [Estados Unidos da América] e dos BRIC [Brasil,
Rússia, Índia e China] mudaram completamente”, observou Enrico Letta.
Efetivamente,
a 14 de abril de 2011, com a admissão da África do Sul, o grupo passou a
designar-se por BRICS; e, a 1 de janeiro deste ano de 2024, aderiram o Egito, a
Etiópia, o Irão, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU), ficando o bloco
a ser designado por BRICS+
O mercado
único europeu foi criado em 1993, há 31 anos, mas, desde então, o Mundo mudou.
Nessa altura, a União Soviética ou
União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS) já não existia formalmente,
pois, com a queda do muro de Berlim, em 1989, os acontecimentos evoluíram para
o que sucedeu em 1991. A dissolução
da URSS ocorreu a 26 de dezembro de 1991, em resultado da
declaração n.º 142-Н do Soviete Supremo, que reconheceu a independência
das antigas repúblicas soviéticas e criou a Comunidade de
Estados Independentes (CEI). No dia anterior, o presidente soviético Mikhail
Gorbatchev, o oitavo e último líder da URSS, renunciou, declarou o seu
cargo extinto e entregou seus poderes – incluindo o controlo dos códigos
do arsenal nuclear soviético – ao presidente russo, Boris Ieltsin. Às 19h32,
foi arriada do Kremlin, em Moscovo, a bandeira soviética e içada a bandeira
russa da era pré-revolucionária.
De agosto a
dezembro, as repúblicas individualmente, incluindo a Rússia, separaram-se da
URSS. Na semana anterior da dissolução formal da URSS, já 15 repúblicas –
todas, exceto os estados bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) e a Geórgia
– tinham assinado o Protocolo de Alma-Ata, a estabelecer, formalmente,
a Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e declarando que a URSS tinha
deixado de existir. Estes acontecimentos assinalaram o fim da Guerra Fria.
Várias
das ex-repúblicas soviéticas têm mantido laços estreitos com a Federação
Russa e, para reforçarem a cooperação económica e militar, formaram
organizações multilaterais, como a Comunidade Económica Eurasiática,
a União da Rússia e Bielorrússia e a União Aduaneira da Eurásia. Porém,
algumas, já se distanciaram da Rússia e juntaram-se à Organização do
Atlântico Norte (NATO/OTAN) e à UE; e outras estão em vias de o fazerem.
O relatório
de Enrico Letta conclui que a fragmentação dos setores da energia, dos serviços
financeiros e das telecomunicações prejudica a competitividade da UE. “Temos
100 operadores de telecomunicações na Europa, fragmentados em três, quatro,
cinco operadores em cada país. Nos EUA, existem três [e], na China, cada
operador tem mais de 467 milhões de clientes. Os nossos 27 mercados financeiros
não estão suficientemente integrados, não são suficientemente atrativos, são
demasiado pequenos e o mercado norte-americano está a ter este efeito de
atração”, observou Enrico Letta.
O relatório sugere
a criação de uma união de poupança e de investimento que, combinada com fundos
públicos, levaria à política europeia de zero emissões de carbono. “Se
continuarmos a não responder à questão de como financiar a transição ecológica,
os agricultores serão os primeiros de uma longa sequência de pessoas a
protestar; a seguir, serão os trabalhadores da indústria automóvel; [e], a
seguir, serão outros trabalhadores, outros empresários, outros cidadãos”,
considerou o antigo primeiro-ministro italiano.
De acordo
com o documento, as grandes empresas têm dinheiro e pessoal necessários para
operar em países com regimes jurídicos diferentes, mas as empresas mais
pequenas não têm esse apoio. E Enrico Letta propõe uma simplificação do
sistema. “A ideia seria criar um 28.º sistema jurídico que é uma espécie de
outro país europeu, um país virtual, com o seu próprio sistema jurídico”,
explanou o antigo chefe de governo italiano.
É uma ideia
que agrada ao lóbi das pequenas e médias empresas (PME) de tecnologia. “Acho
que é uma ideia brilhante. Se tiver de criar uma empresa, terei de a criar no
meu país, sou italiano, vou criá-la em Itália, mas, se quiser fazer negócios,
por exemplo, em França ou na Polónia, tenho de criar outra empresa nesses
países. É algo muito complicado”, afirmou Sebastiano Toffaletti, secretário-geral
da DigitalSME, Aliança Europeia para as PME Digitais.
Os quatro
pilares do mercado único europeu são a liberdade de circulação de bens,
serviços, capitais e pessoas. Porém, Enrico Letta propõe a criação de uma 5.ª
liberdade para a inovação, investigação e educação. “Nas reuniões em que
participei por toda a Europa, muitos jovens, diretores de startups, disseram-me que queriam ir para os EUA e que a Europa não
era o sítio onde podiam desenvolver as suas ideias”, contou Enrico Letta.
Na área da
investigação médica, o livre acesso aos artigos e aos respetivos dados já está
a contribuir para acelerar as descobertas europeias no domínio da saúde. “Vemos,
regularmente, publicações de artigos baseados na utilização de um conjunto de
dados gerado por outro laboratório, possivelmente noutro país. Acho que isso é
fantástico. Significa que talvez dez laboratórios não estejam todos a
fazer a mesma coisa, o que custa muito dinheiro”, frisou Isabelle Chemin, diretora
de investigação do INSERM, em França.
***
A UE
pretende garantir que os seus cidadãos possam estudar, viver, fazer compras,
trabalhar ou reformar-se em qualquer estado-membro, bem como beneficiar de produtos
de toda a Europa. Para tanto, assegura a livre circulação de bens, serviços,
capitais e pessoas no mercado único europeu. E, ao suprimir entraves técnicos,
jurídicos e burocráticos, permite ainda aos cidadãos desenvolver atividades
comerciais e empresarias livremente.
Desde a sua criação, o mercado único tornou-se mais aberto à concorrência,
criou novos empregos e reduziu obstáculos ao comércio. O Ato para o Marcado Único foi proposto em duas partes,
em 2011 e em 2012, ambas com propostas para explorar mais as oportunidades do
mercado único, a fim de impulsionar o emprego e de melhorar a confiança nas
empresas europeias.
A UE está também a criar a união dos
mercados de capitais, para facilitar a angariação de fundos pelas PME e para
tornar a Europa mais atrativa para investir. Além disso, o mercado único
digital contribuirá para a digitalização das liberdades do mercado único europeu,
com regras à escala da UE, para os serviços de telecomunicações, para os direitos
de autor e para a proteção de dados.
A união dos mercados de capitais
(UMC) é um plano para criar um mercado único de capitais. O objetivo é fazer
com que o dinheiro – investimentos e poupanças – flua por toda a UE, para poder
beneficiar consumidores, investidores e empresas, independentemente da sua
localização.
A UMC visa: proporcionar às empresas maior
escolha de financiamento a custos mais baixos e, em particular às PME, o
financiamento de que necessitam; apoiar a recuperação económica pós-covid-19 e
criar empregos; oferecer novas oportunidades a poupadores e a investidores; criar
uma economia mais inclusiva e resiliente; ajudar a Europa a concretizar o seu acordo
verde e a sua agenda digital; reforçar a competitividade e a autonomia globais
da UE; e tornar o sistema financeiro mais resiliente para se adaptar melhor à
saída do Reino Unido da UE.
A 21 de fevereiro deste ano, a
Comissão Europeia apresentou um conjunto de ações para promover a inovação, a
segurança e a resiliência das infraestruturas digitais. Este pacote sobre
conetividade digital tem por objetivo iniciar um debate, com vista a um
consenso, sobre propostas concretas com as partes interessadas, os estados-membros
e os parceiros que partilham as mesmas ideias sobre a forma de definir a política
da UE. A competitividade da economia europeia depende das infraestruturas e
serviços de rede digitais avançados, visto que uma conetividade rápida, segura
e generalizada é essencial para a implantação das tecnologias que nos levarão
ao Mundo de amanhã: a telemedicina, a condução automatizada, a manutenção
preditiva dos edifícios ou a agricultura de precisão.
Assim, o livro branco intitulado “Como suprir as necessidades da Europa no domínio
das infraestruturas digitais?” analisa os desafios que a Europa enfrenta
na implantação de redes de conectividade e apresenta possíveis cenários para
atrair investimentos, para promover a inovação, para aumentar a segurança e para
obter um verdadeiro mercado único digital. E a Recomendação relativa à segurança e resiliência das infraestruturas de
cabos submarinos apresenta um conjunto de ações, a nível nacional e
da UE, para melhorar a segurança e a resiliência dos cabos submarinos, através
de uma melhor coordenação em toda a UE, tanto em termos de governação como de
financiamento.
Enfim, a UE deve promover uma
comunidade dinâmica de inovadores europeus, fomentando o desenvolvimento de
uma conectividade integrada e de
infraestruturas informáticas colaborativas.
Para alcançar este objetivo, o livro
branco prevê a “rede de computação colaborativa conectada” (“rede 3C”), para criar infraestruturas
e plataformas integradas de extremo a extremo para a computação, em nuvem e
periférica, de operadores de telecomunicações, que poderia servir para
coordenar o desenvolvimento de tecnologias inovadoras e de aplicações de inteligência
artificial (IA) para vários casos de utilização. Além disso, a UE deve explorar,
plenamente, o potencial do mercado único digital das telecomunicações, ponderando
medidas que assegurem condições de
concorrência equitativas, e repensar o âmbito de aplicação e os objetivos do seu atual quadro
regulamentar. E, a fim de proteger as infraestruturas de rede e
computação da Europa, um elemento essencial da nossa segurança económica, a UE
deve incentivar a implantação e
reforçar a segurança e a resiliência das infraestruturas estratégicas de cabos
submarinos.
No entanto, subsistem entraves no
mercado único, pelo que a UE está empenhada em garantir uma maior harmonização dos
sistemas fiscais nacionais fragmentados; dos diferentes mercados nacionais dos
setores dos serviços financeiros, da energia e dos transportes; das diferentes
regras, normas técnicas e práticas nacionais no domínio do comércio eletrónico;
e de regras complexas em matéria de reconhecimento de qualificações profissionais.
***
Há muito que fazer. A UE, um gigante burocrático
(no dizer de Georgia Meloni, primeira-ministra italiana) é demasiado lenta na
produção legislativa e os estados-membros demora, uma eternidade em transpor
para os ordenamento jurídicos nacionais as diretivas da UE. Assim, é difícil a UE
não se deixar ultrapassar pelos acontecimentos e pelas outras potências políticas,
militares e económicas do resto do Mundo. É preciso estudar e trabalhar,
discutir, decidir, executar e avaliar.
2024.06.11 – Louro de Carvalho
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