sábado, 29 de junho de 2024

Os apóstolos São Pedro e São Paulo são celebrados juntos

 

A 29 de junho, a Igreja celebrou a solenidade de São Pedro e de São Paulo juntos. Entretanto, há algumas dúvidas sobre as verdadeiras razões para o martírio de ambos os apóstolos ser celebrado no mesmo dia, o que, a se seguir, se explica.

- No ano 395, num sermão, o doutor da Igreja, santo Agostinho de Hipona (354-430), considerou que Pedro e Paulo, “na realidade, eram como um só”. Na verdade, “deram o mesmo testemunho, apesar de terem sido martirizados em dias diferentes”. Pedro foi à frente e Paulo seguiu-o. Por isso, celebramos o dia festivo consagrado, para nós, pelo sangue dos dois apóstolos, e amamos “a fé, a vida, os trabalhos, os sofrimentos, os testemunhos e as pregações destes dois apóstolos”.

- Ambos foram martirizados em Roma, depois de terem sido detidos na prisão Mamertina, também chamada Tullianum, localizada no foro romano, possivelmente por ordem do imperador Nero. Pedro passara os seus últimos anos, em Roma, a liderar a Igreja durante a perseguição e até ao seu martírio, no ano 64. Foi crucificado de cabeça para baixo, a pedido próprio, por não se considerar digno de morrer como o seu Senhor. Foi enterrado na colina do Vaticano e a Basílica de São Pedro está edificada sobre o seu túmulo. Paulo foi preso e levado a Roma, onde foi decapitado no ano 67, não tendo sido crucificado, por ter invocado o título de “cidadão romano”. Está enterrado em Roma, na basílica de São Paulo Extramuros.

- São ambos fundadores da Igreja de Roma. Efetivamente, em 2012, na homilia de 2012 da solenidade de São Pedro e São Paulo, o Papa Bento XVI afirmou que “a sua ligação como irmãos na fé adquiriu um significado particular em Roma”, pois “a comunidade cristã desta Cidade viu neles uma espécie de antítese dos mitológicos Rómulo e Remo, o par de irmãos a quem se atribui a fundação de Roma”.

- São padroeiros de Roma e representantes do Evangelho. Com efeito, na mesma homilia, o referido Santo Padre chamou esses dois apóstolos de “padroeiros principais da Igreja de Roma”, já que, “desde sempre, a tradição cristã tem considerado São Pedro e São Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o Evangelho de Cristo”.

- São a versão contrária de Caim e de Abel, ou seja, fazem um paralelismo oposto à irmandade apresentada, no Antigo Testamento, entre Caim e Abel. “Enquanto nestes vemos o efeito do pecado pelo qual Caim mata Abel, Pedro e Paulo, apesar de humanamente bastante diferentes e não obstante os conflitos que não faltaram no seu mútuo relacionamento, realizaram um modo novo e autenticamente evangélico de serem irmãos, tornado possível, precisamente pela graça do Evangelho de Cristo que neles operava”, afirmou Bento XVI.

- Pedro é a “rocha”, como recorda esta celebração. De facto, Pedro foi escolhido por Cristo – “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” – e, humildemente, aceitou a missão de ser “a rocha” da Igreja e de apascentar o rebanho de Deus, apesar das suas fragilidades humanas. Os Atos dos Apóstolos ilustram o seu papel como líder da Igreja, depois da ressurreição e da ascensão de Cristo. Pedro dirigiu os apóstolos como o primeiro Papa e assegurou que os discípulos mantivessem a verdadeira fé. Como afirmou, na sua homilia, Bento XVI, “na passagem do evangelho de são Mateus [...], Pedro faz a sua confissão de fé em Jesus, reconhecendo-O como Messias e Filho de Deus; fá-lo também em nome dos outros apóstolos”. Em resposta, “o Senhor revela-lhe a missão que pretende confiar-lhe, ou seja, a de ser a ‘pedra’, a ‘rocha’, o fundamento visível sobre o qual está construído todo o edifício espiritual da Igreja”.

- Paulo também é coluna do edifício espiritual da Igreja, pois foi o Apóstolo dos Gentios. Antes da sua conversão, era chamado Saulo, mas depois do encontro com Cristo e da conversão, continuou seguindo para Damasco, onde foi batizado e recuperou a visão. Adotou o nome de Paulo e passou o resto da vida a pregar o Evangelho, sem descanso, às nações do Mundo mediterrâneo.

“A iconografia tradicional apresenta São Paulo com a espada, e sabemos que esta representa o instrumento do seu martírio. Mas, repassando os escritos do Apóstolo dos Gentios, descobrimos que a imagem da espada se refere a toda a sua missão de evangelizador. Por exemplo, quando já sentia aproximar-se a morte, escreveu a Timóteo: ‘Combati o bom combate’ (2Tm 4,7). Não se trata seguramente do combate de um comandante, mas do de um arauto da Palavra de Deus, fiel a Cristo e à sua Igreja, por quem se consumou totalmente. Por isso mesmo, o Senhor lhe deu a coroa de glória e o colocou, juntamente com Pedro, como coluna no edifício espiritual da Igreja”, disse Bento XVI na sua homilia.

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Este é também o Dia do Papa, sucessor de Pedro, pois esta celebração recorda que São Pedro foi eleito por Cristo: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. E ele aceitou a missão de ser “a rocha” da Igreja. De igual modo, o Papa, como sucessor de Pedro e vigário de Cristo, é o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade, tanto dos bispos como da multidão de fiéis. É pastor de toda a Igreja e tem, nela, poder pleno, supremo e universal.

Do mesmo modo, comemora-se Paulo, o apóstolo dos gentios, que, antes de sua conversão foi, um vigoroso perseguidor dos cristãos e, depois de ser constituído apóstolo, em processo diferente do de Pedro, passou, com a sua vida, a ser um ardoroso evangelizador para todos, sem reservas no anúncio do Evangelho. Como o Papa Bento XVI disse, em 2012, “a tradição cristã tem considerado são Pedro e são Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o Evangelho de Cristo”.

“Apesar de serem humanamente bastante diferentes e não obstante os conflitos que não faltaram no seu mútuo relacionamento, realizaram um modo novo e autenticamente evangélico de ser irmãos, tornado possível precisamente pela graça do Evangelho de Cristo que neles operava. Só o seguimento de Cristo conduz a uma nova fraternidade”, observou o Papa Ratzinger.

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Por sua vez, o Papa Francisco, na homilia da solenidade deste ano, exorta a que fixemos o olhar no “pescador da Galileia que Jesus fez pescador de homens” e no “fariseu perseguidor da Igreja transformado pela Graça em evangelizador dos gentios”. Convém que, à luz da Palavra de Deus, nos deixemos “inspirar pelas suas histórias e pelo zelo apostólico que marcou o caminho das suas vidas”, pois, “ao encontrarem o Senhor, fizeram uma verdadeira experiência pascal: foram libertados e abriram-se, diante deles, as portas de uma vida nova”.

Nas vésperas do ano jubilar de 2025, o Santo Padre apelou a que nos detenhamos na imagem da porta, visto que “o Jubileu será um tempo de graça, no qual abriremos a Porta Santa”, para todos poderem “atravessar o limiar daquele santuário vivo que é Jesus e, n’Ele, experimentar o amor de Deus que revigora a esperança e renova a alegria”. “Também na História de Pedro e de Paulo, há portas que se abrem”, verifica o Pontífice.

Os Atos dos Apóstolos relatam o episódio da libertação de Pedro da prisão, que tem imagens evocativas da experiência da Páscoa: ocorre durante a festa dos Ázimos; Herodes recorda a figura do Faraó do Egito; a libertação tem lugar de noite, como aconteceu com os Israelitas; o anjo dá a Pedro as mesmas instruções que foram dadas a Israel: ‘Levanta-te depressa, põe o cinto, calça as sandálias’ (cf At 12,8; Ex 12,11). Portanto, é-nos narrado um novo êxodo: Deus liberta a Igreja, o seu povo acorrentado, e mostra-se como o Deus da misericórdia que sustenta o seu caminho.

Naquela noite, abrem-se milagrosamente as portas da prisão; diz-se, de Pedro e do anjo que o acompanha, que estão diante da “porta de ferro que dá para a cidade, a qual se abriu por si mesma”. E considera o Papa: “Não são eles que abrem a porta, ela abre-se por si mesma. É Deus que abre as portas, é Ele quem liberta e abre caminhos. A Pedro – como ouvimos no Evangelho – Jesus tinha confiado as chaves do Reino; mas ele experimenta que é o Senhor quem abre primeiro as portas. Ele vai sempre à nossa frente.”

Ao invés, Pedro, depois de as portas da prisão terem sido abertas pela força do Senhor, encontrará dificuldades para entrar na casa da comunidade cristã, pois quem vai à porta pensa que é um fantasma, e não abre. Tantas vezes a comunidade não aprende a sabedoria de “abrir as portas”!

Por outro lado, Francisco sustenta que o caminho de Paulo é uma experiência pascal. Primeiro, é transformado pelo Ressuscitado, no caminho de Damasco; depois, na contemplação contínua de Cristo crucificado, descobre a graça da fraqueza: quando somos fracos, é que somos realmente fortes, porque já não nos apegamos a nós mesmos, mas a Cristo (cf. 2Cor 12,10). E, apanhado pelo Senhor e crucificado com Ele, Paulo escreve: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

Não estamos, porém, considera o Papa, ante uma religiosidade intimista e consoladora, como querem alguns movimentos na Igreja, com “espiritualidade de salão”; ao invés, o encontro com o Senhor acende em Paulo o zelo da evangelização. De facto, na segunda Carta a Timóteo, no fim da sua vida, Paulo declara: “O Senhor esteve comigo e deu-me forças, para que, por meu intermédio, o anúncio fosse plenamente proclamado e todos os gentios o escutassem” (2Tm 4,17).

Para ilustrar como o Senhor lhe deu tantas oportunidades de anunciar o Evangelho, Paulo recorre à imagem das portas abertas. Da sua chegada a Antioquia com Barnabé, diz-se que, mal chegaram, “reuniram a igreja e contaram tudo o que Deus fizera com eles e como abrira aos pagãos a porta da fé” (At 14,27). E, escrevendo aos Coríntios, diz: “Abriu-se ali uma porta larga e propícia” (1Cor 16,9); e exorta os Colossenses: “Orai também por nós, para que Deus abra uma porta à nossa pregação, a fim de que eu anuncie o mistério de Cristo” (Cl 4,3).

A concluir a reflexão sobre a saga apostólica de Pedro e de Paulo, Francisco reitera que ambos fizeram a experiência da graça: “Tocaram com as mãos a obra de Deus, que lhes abriu as portas da sua prisão interior e das prisões reais onde estavam encerrados por causa do Evangelho. E abriu-lhes as portas da evangelização, para que pudessem experimentar a alegria do encontro com os irmãos e irmãs das comunidades nascentes e levar a todos a esperança do Evangelho.”

É, nestes termos que nos preparamos “para abrir a Porta Santa, neste ano”.

Por fim, recordou que os arcebispos metropolitanos nomeados no último ano receberam, neste dia, o pálio, visto que, em comunhão com Pedro e seguindo o exemplo de Cristo, porta das ovelhas, “são chamados a ser pastores zelosos, que abrem as portas do Evangelho e que, com o seu ministério, ajudam a construir uma Igreja e uma sociedade de portas abertas”. Depois, saudou a Delegação do Patriarcado Ecuménico, à qual agradeceu por ter vindo manifestar o desejo comum da plena comunhão entre as nossas Igrejas, pelo que enviou “uma sentida saudação cordial ao meu irmão, ao meu caro irmão Bartolomeu”. E fez votos por que “os Santos Pedro e Paulo nos ajudem a abrir a porta da nossa vida ao Senhor Jesus, que eles intercedam por nós, pela cidade de Roma e pelo Mundo inteiro”.

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Em suma, no Dia de São Pedro e de São Paulo – Dia do Papa –, pretende-se uma Igreja que saiba abrir portas. Já que tem o poder das chaves, que não o use para fechar, mas para abrir.

2024.06.29 – Louro de Carvalho

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