sábado, 1 de junho de 2024

Já nem os eleitores da AD dão crédito ao Presidente da República

 

De acordo com o barómetro político da Aximage para o Diário de Notícias (DN), para o Jornal de Notícias (JN) e para a TSF Rádio Notícias (TSF), publicado a 1 de junho, o Presidente da República (PR) recebe 60% de avaliações negativas, com destaque para os homens e para os mais velhos – a pior avaliação de sempre, não havendo registo de uma tão vincada impopularidade do chefe de Estado. Ao invés, o primeiro-ministro (PM) estreia-se com nota positiva. Pedro Nuno Santos também tem boa avaliação, mas atrás de Rui Tavares. Já André Ventura, Paulo Raimundo e Nuno Melo são os mais “negativos”.

É preciso sublinhar que, da última sondagem, em abril, para esta, os inquiridos deixaram de ter a opção de classificar a atuação como “nem boa, nem má”. Não obstante, esta diferença de método não parece justificar a dimensão do recuo na avaliação do PR. Chamados a escolher entre nota positiva e negativa, 60% dos inquiridos optam pela negativa e apenas 32% consideram positivo o desempenho do PR, nos últimos trinta dias. Recebe quase duas avaliações negativas (60%) por cada nota positiva (32%).  

A mesma alteração se fez para a avaliação dos nove líderes maiores partidos. Quanto a estes, é de referir que há quatro em terreno positivo, quando o habitual era estarem todos no vermelho. E, comparativamente com Marcelo Rebelo de Sousa, só André Ventura está pior.

Se na última sondagem da Aximage, Marcelo parecia descolar das avaliações negativas – o saldo (diferença entre notas positivas e negativas) foi positivo – e os inquiridos aplaudiam as decisões, por exemplo, sobre as dissoluções da Assembleia da República (AR) e da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, agora, mantém os 32% de opiniões favoráveis que tinha, mas vê engrossar de 25% para 60% as avaliações negativas, considerando 36% a sua atuação, nos últimos 30  dias, “má” e 24% “muito má”. Assim, o saldo é negativo e é a pior avaliação de que há registo nesta série de barómetros, iniciados em junho de 2020: 28% de saldo negativo.

Pelo contrário, o PM ainda goza do voto de confiança dos inquiridos que, além de lhe darem um saldo favorável de 25 pontos, entre avaliações positivas e negativas (que o coloca no topo da tabela), também distribuem de forma mais equilibrada a confiança entre o PM e o PR.

Em abril, havia dois segmentos que mantinham Marcelo no verde: as mulheres (nos homens a avaliação já era negativa) e os eleitores da Aliança Democrática (AD). Com efeito, entre os restantes já tinha caído em desgraça, incluindo os socialistas, que foram, nos últimos anos, a trave-mestra da sua popularidade. Neste mês de junho, o saldo é negativo em todos os segmentos da amostra (regiões, género, idades, classe social. A debandada inclui até os eleitores da AD (défice de 21 pontos).

Agora, 32% dizem confiar em Marcelo, mas outros 30% escolhem Montenegro e 26% confiam nos dois em igual grau. A diferença entre o PR e o PM é mínima. Ao invés, no longo período de convivência entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, nunca houve dúvidas sobre quem tinha a confiança do povo: o Presidente esteve sempre acima dos 40 pontos e o ex-primeiro-ministro sempre abaixo dos 20.

Analisando por segmentos, o chefe de Estado tem pior imagem entre os homens (saldo negativo de 38 pontos) e nas duas faixas etárias mais velhas (chega aos 36 pontos negativos nos que têm 65 ou mais anos). São, pois, mais críticos os homens. Todavia, tem a confiança das mulheres (36%), das faixas etárias intermédias (35 a 64 anos), dos dois escalões com menores rendimentos e dos que votam à Esquerda – Partido Socialista (PS), Bloco de Esquerda (BE), Coligação Democrática Unitária (CDU), Livre e partido da Pessoas-Animais e Natureza (PAN).

Note-se que, mesmo nos seus piores momentos, o PR foi sempre o político mais popular do país. Ao longo dos últimos quatro anos, há apenas um registo de uma avaliação negativa: foi em dezembro de 2023, depois da sua decisão de demitir o governo, dissolver a AR e convocar eleições legislativas antecipadas. Em termos regionais, o castigo é mais pesado na Área Metropolitana do Porto e em particular no Sul e Ilhas (saldo negativo de 40 pontos). 

Já Luís Montenegro recolhe melhores resultados entre o eleitorado masculino e dos mais jovens e, além da aprovação dos eleitores da AD, também regista à volta de 60%, entre quem assume ter votado nos liberais, e 40%, entre os eleitores do Chega. É, pois, o favorito dos homens (34%), dos dois extremos da pirâmide etária (mais novos e mais velhos), dos dois escalões de maiores rendimentos e dos que votam à Direita – AD, Iniciativa Liberal (IL) e Chega.

Os resultados são bastante lisonjeiros para Luís Montenegro, que vence nas regiões do Norte, Porto e Centro, enquanto Marcelo Rebelo de Sousa lidera em Lisboa e no Sul.

Se o chefe do governo lidera a tabela da avaliação, o segundo é Rui Tavares, com 11 pontos e só depois, em terceiro, surge Pedro Nuno Santos com três pontos e empatado com Rui Rocha, da IL. A partir daí, todos os líderes partidários estão em terreno negativo, com destaque para o fim da tabela, ocupado por André Ventura, com um saldo negativo de 33 pontos (tem 65% de avaliações negativas). Paulo Raimundo, da CDU, e Nuno Melo, do partido do Centro Democrático Social (CDS) completam o trio dos que têm pior avaliação.

Apesar de o governo ter mudado, os inquiridos mantêm que o grau de exigência do Presidente para com o governo dever ser maior.

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Aduz-se, como explicação plausível para esta derrocada, o rol de comentários controversos de Marcelo Rebelo de Sousa, nas vésperas do 25 de Abril, perante correspondentes da imprensa estrangeira: os “comportamentos rurais” de Luís Montenegro, a lentidão de um António Costa “oriental” ou a necessidade de “pagar os custos” da escravatura e do colonialismo (tema complexo a discutir em sede própria e sem ignorar o esforço de cooperação que tem estado a ser feito, ainda que insuficiente). Porém, do meu ponto de vista, isso foi apenas a gota de água. A razão funda do fenómeno tem a ver com a complexidade da personagem Marcelo, a sua maneira de ser, o seu estilo e, mesmo, suas ambições. Por outro lado, emerge a sua luta contra a solidão ou contra a inatividade. Neste aspeto, a leitura da peça jornalística de Ângela Silva, na “Revista” do Expresso, de 31 de maio, supostamente sobre a fé do PR à frente de um regime laico, sem trazer surpresas, é elucidativa.

Começa por referir que a sua casa “está pejada de livros e quadros e [que] tem as paredes do hall ‘forradas’ de pagelas de santos”. E, mais adiante, explana: “Quando a frenética agenda de Presidente da República lhe troca as voltas, vai à missa onde e quando pode – seja em Goa, em Brasília ou em Chipre, onde participou numa celebração ortodoxa, coisa fácil para quem iniciou o mandato de Presidente com uma cerimónia inter-religiosa na Mesquita de Lisboa. Mas sem igreja, sem missa e sem rezas é que Marcelo não passa.”

Em vez do sacerdócio, escolheu a política e, nela, chegou ao cargo cimeiro do Estado. E a jornalista atira: “Foi lá que despenteou e dessacralizou a função e somou níveis de popularidade estratosféricos e é lá que está a viver uma das curvas mais apertadas do seu caminho.”

Depois, mencionando a última sondagem da Universidade Católica, sublinha que “Marcelo tem, pela primeira, vez nota negativa”. E, embora continue a receber nota positiva da maioria dos inquiridos (60%), numa avaliação média na escala de 0 a 20, à pergunta “Como avalia este segundo mandato?”, os Portugueses atribuem-lhe 9,4 valores, quando, em novembro de 2016, idêntica sondagem registava uma avaliação média de 16,3 valores e uma taxa de avaliações positivas de 97%. Assim, “Marcelo, dizem os amigos, anda triste.”

Outra nota de Ângela Silva: “Atropelado por casos que geriu mal e por uma frenética agitação política que o deixará ligado a um recorde de demissões de governos no continente e nas ilhas, aparecendo como um fator de instabilidade, Marcelo passou de ‘político star’ a bombo da festa e é acusado de tudo: de ter banalizado o cargo, de ter gasto a palavra, de cada vez menos o levarem a sério, de se embrulhar no que diz, de estar velho e cansado, de fazer o que não deve e não fazer o que deve, de degradar a função.”

E, prosseguindo, aponta: “O ‘caso gémeas’ foi um terramoto que o afetou onde mais lhe dói — na seriedade avessa a ‘familiagates’ de que sempre fez um princípio de vida e na convicção de que, por vingança, o quiseram tramar.”

Porém, segundo a pena da jornalista, “a cereja no bolo foi o recente jantar à vontadinha com jornalistas estrangeiros, em que passou quatro horas a falar de mais e se tramou a si próprio; e a fervura foi tal que chegou a questionar-se se ele estaria bem da cabeça”.

Faz cenários, comenta tudo e todos, antecipa jogadas, pensa por chavetas, “que vê bem ao longe e que adora programar e controlar”. Porém, é providencialista. E, após oito anos no topo do Estado, vê as suas causas marcarem passo, “seja o crescimento económico do país, o combate às desigualdades, à pobreza e aos sem-abrigo (uma guerra que perdeu), o mau estado da Justiça, o travão aos novos populismos ou a estabilidade política (apeou uma maioria socialista do poder e viu a sua direita chegar lá, mas coxa e com prazo de validade incerto)”. E pensa que, se a coisas não correram como pensava, foi a Providência que assim determinou.

 

Eduardo Barroso vê-o, no futuro, a trabalhar com os sem-abrigo ou a fazer voluntariado nos cuidados paliativos, sem descartar que “também possa acabar a fazer comentário na TV”.

A direita queixou-se de ele andar com António Costa ao colo e a ala mais conservadora da Igreja chegou a ver na sua prática progressismo a mais. A devoção a Fátima leva-o a ter perto da Cova da Iria uma cabeleireira que lhe corta o cabelo. Por outro lado, é muito religioso, mas escuda-se no individualismo ou no grupo informal. Não cedeu às abordagens dos que tentaram levá-lo para a Opus Dei, nem se deixou encantar pelo mais recente movimento Comunhão e Libertação.

Com medo de cair na inatividade, segundo a jornalista, “anda em conversas com Moedas e Montenegro, para ver o que ainda é possível fazer, antes de deixar Belém”.

No atinente à ação social, supera-se: visita pobres e doentes, ajuda a ensacar latas de atum no Banco Alimentar contra a Fome e instituições de apoio social, senta-se ao lado dos sem-abrigo na rua a comer papos-secos e leva sempre no bolso notas de cinco e 10 euros para distribuir por quem precisa (caridade à moda antiga). Pedem-lhe, nas instituições, que não o faça e ele chega a passar as notas a assessores que o acompanham para serem eles a dar.

A coabitação entre o PR e o devoto esteve na berlinda, quando a Comissão Independente investigou a prática de abusos sexuais contra menores na Igreja. Marcelo defendeu o trabalho da comissão, incentivou as vítimas a falarem e enviou ao Ministério Público uma denúncia de um bispo, por alegado ocultamento, tendo poupado outro. Porém, considerou que o número de casos (400) nem eram muitos. E, quando a Comissão Independente tornou públicas as conclusões, arrasou a Conferência Episcopal: “Uma desilusão.”

E Ângela Silva conclui: “A vingança do Presidente católico serve-se fria.”

Por último, uma verificação da jornalista: “Com o país política e socialmente mais partido do que nunca, fazer pontes exige verdadeiros milagres e a vida do Presidente da República não está fácil.”

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Precisamos de um PR sensato, comedido e cuja palavra seja sempre acatada, queira ele ser rei, queira ele ser árbitro. Se não resiste a um microfone, comentando tudo e todos (com o risco de ficar ensarilhado nas suas palavras), se faz o que não deve e não faz o que deve ou se se deixa guiar pelas suas preferências, pelas suas ambições ou pelos seus ódios de estimação, corre o risco de atirar o país para a instabilidade. O Presidente não pode adiantar a desilusão e deve sempre preservar a dignidade do cargo. As selfies cansam!

2024.06.01 – Louro de Carvalho

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