segunda-feira, 17 de junho de 2024

Plano +Aulas +Sucesso: a mezinha para acabar com alunos sem aulas

 

Para o final do 1.º período do próximo ano letivo ficar marcado pela redução de, pelo menos, 90% no número de alunos sem aulas e para o ano letivo terminar com aulas para todos os alunos e sem interrupções prolongadas, o Conselho de Ministros aprovou, a 14 de junho, o “Plano +Aulas +Sucesso”, que define um conjunto medidas de combate a um problema que põe em causa a igualdade de oportunidades no ensino, podendo causar danos irreversíveis no percurso de aprendizagem dos estudantes.

O governo, reconhecendo que o problema é estrutural, releva que, em setembro de 2023, havia 324228 alunos sem aulas a uma disciplina (equivalente a 18 680 turmas) e, em 31 de maio de 2024, havia 22116 alunos (1126 turmas) sem acesso a uma disciplina. Assim, desde setembro, há 939 alunos – 47 turmas – sem aulas a uma disciplina, problema de 163 agrupamentos de escolas em 51 concelhos, situando-se 119 agrupamentos na Área Metropolitana de Lisboa (AML).

Para obviar a esta situação, foram definidos três eixos de ação: i)apoiar mais”, com enfoque na melhoria das condições de trabalho dos docentes, através de medidas de simplificação do trabalho administrativo e da remuneração do trabalho extraordinário; ii)gerir melhor”, dando às escolas instrumentos que permitam aos diretores mais eficaz gestão de professores para reduzir o número de alunos sem aulas; e iii)reter e atrair docentes”, criando incentivos para colocação nas escolas com alunos sem aulas.

No âmbito do primeiro eixo “apoiar mais”, simplifica-se o trabalho docente, com o reforço de técnicos superiores para apoio administrativo às direções de turma, ou seja, colocando 140 técnicos nas escolas sinalizadas, a partir de setembro de 2024; e flexibiliza-se o regime de horas extraordinárias e de acumulação de funções, atribuindo mais 30 mil horas extraordinárias nos grupos de recrutamento com défice de professores e nas escolas sinalizadas, na impossibilidade de as escolas suprirem as necessidades pela contratação, subindo para 10 horas semanais o limite de horas extraordinárias a atribuir a cada docente e autorizando os docentes com redução de carga letiva ao abrigo do artigo 79.º do ECD (Estatuto da Carreira Docente) a prestar trabalho extraordinário.

No âmbito do segundo eixo “gerir melhor”, flexibiliza-se a gestão da componente letiva, pelo desenho dos horários, evitando a sobreposição de disciplinas críticas, para permitir compensar a ausência de professores; acelera-se o processo de contratação, durante o ano letivo, permitindo-se a seleção de candidatos de forma mais célere, todos os dias da semana; procede-se à redução de horários incompletos e temporários, permitindo-se a agregação de horários no mesmo ou em agrupamento distinto daquele em que o docente está colocado (horários incompletos), disponibilizando três mil horas de crédito; permite-se o recrutamento anual de professores, alargando, de três meses para um ano, o período da substituição dos docentes cuja junta médica indica incapacidade para exercício de funções durante todo o ano letivo; e reduz-se em 25% o total de mobilidades estatutárias atribuídas a docentes de grupos de recrutamento deficitários no ano letivo 2024/2025.

No âmbito do terceiro eixo “reter e atrair docentes”, viabiliza-se, a partir de 2025, a contratação de docentes aposentados, com a devida compensação (tem-se apontado o índice 167 do início da carreira, atualmente, 1657,53€ brutos), acumulável com a pensão; e incentiva-se o prolongamento da vida ativa dos professores (a expressão “vida ativa” é ofensiva; era preferível dizer serviço ativo ao Estado, pois há muitos pensionistas com vida muito ativa, porque a necessidade e a resiliência o impõem), atribuindo-se uma remuneração adicional, até 750€ mensais brutos, para quem atingir a idade de reforma e queira continuar a dar aulas.

Ainda no âmbito deste eixo, visando a recuperação de docentes que abandonaram a carreira, será lançada uma campanha de sensibilização, para potenciar o regresso de docentes à profissão, e criar-se-á um regime de mobilidade intercarreiras na administração pública (AP), com o devido reposicionamento na carreira docente.

Ao mesmo tempo, proceder-se-á ao recrutamento de bolseiros de doutoramento, com a acumulação até 10 horas; incentivar-se-á a reconversão de mestres e doutorados com formação científica correspondente aos grupos de recrutamento deficitários para o exercício de funções docentes, incentivando, através de bolsa, a qualificação profissional para a docência; abrir-se-á o acesso à profissão a docentes e investigadores doutorados, sendo integrados na carreira docente do básico e secundário, tendo em conta o tempo de serviço prestado em instituições de ensino superior, com a obrigatoriedade de frequência da adequada formação pedagógica; proceder-se-á à simplificação dos procedimentos conducentes ao reconhecimento de habilitações para a docência e integração no sistema educativo português de professores imigrantes; e incentivar-se-á a procura de formação para a docência, atribuindo-se duas mil bolsas por ano a alunos que ingressem em Licenciaturas e Mestrados em Ciências da Comunicação /Ensino.

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Há quem veja, nestas medidas, uma revolução no sistema educativo. Por mim, considero que o elenco apresenta dados positivos, embora residuais, e alguns de difícil execução.

O recrutamento de técnicos superiores e de técnicos de outro nível é bem-vindo, embora não seja novidade. Porém, pô-los a auxiliar o diretor de turma em funções administrativas é problemático. A direção de turma é atividade eminentemente pedagógica, pelo que está a cargo de professor. Para o auxiliar nas tarefas administrativas, bastam os assistentes administrativos (que deviam ter melhor remuneração).  

Subir o limite de horas extraordinárias para 10 horas semanais parece boa solução, mas limita-se a sobrecarregar o docente, a menos que se pense que o dinheiro resolve tudo. Por outro lado, se o montante ganho em horas extraordinárias não for tributado autonomamente em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), a remuneração torna-se insuficiente.

O ministro da Educação explicasse o que significa evitar “a sobreposição de disciplinas críticas”.

Já é positiva a medida da contratação diária (em vez de semanal) de docentes de substituição, mas não era necessária muita coragem para isso.

Também se avança pouco na questão dos horários incompletos e temporários. Com efeito, a agregação de horários no mesmo ou em agrupamento distinto pode ser dolorosa, se obrigar a sucessivas deslocações do docente, em caso de escolas dispersas ou em caso de agrupamentos distantes. Do meu ponto de vista, deve haver apenas um horário incompleto em cada grupo disciplinar. E o docente que for contratado para o assumir deve ser remunerado pela totalidade da componente letiva e da componente não letiva, devendo estar disponível para o desempenho de outras tarefas. A agregação de horários incompletos só deveria ocorrer em casos em que as escolas em causa fossem relativamente próximas.

Aplaude-se a contratação anual de substituto de docente com baixa médica prolongada, mas não se determina a remuneração do substituto pela totalidade das componentes letiva e não letiva, pois muitos docentes a substituir têm redução da componente letiva ao abrigo do artigo 79.º do ECD.

A redução do total de mobilidades estatutárias atribuídas a docentes já foi experimentada noutras ocasiões. Porém, há circunstâncias que implicam a resistência ou por força da lei ou pelo enorme peso das instituições.   

A crítica maior, da minha parte, vai para o estabelecido no quadro do terceiro eixo, no atinente ao incentivo à permanência na escola de docentes com mais de 67 anos e ao incentivo aos docentes aposentados a que voltem à escola. Ora, sendo Portugal um dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em que os professores são mais velhos, estas medidas só agravam a situação. Ao mesmo tempo, é de referir que a maior parte dos professores, quando se aposentam, já estão saturados, parecendo rejuvenescer com a aposentação. Insisto: o dinheiro não é tudo e nem todo o homem tem o seu preço.

Já será de saudar a campanha para potenciar o regresso de docentes à profissão, bem como a criação do regime de mobilidade intercarreiras na administração pública, com reposicionamento na carreira docente. Todavia, para avaliar do mérito da medida, é de questionar o motivo por que os docentes abandonaram a profissão e se o governo está empenhado em inverter a situação de desvalorização material, laboral, social, moral e pedagógica da carreira, bem como se o Ministério da Educação está disponível para libertar os docentes da sobrecarga burocrática e deixá-los lecionar com autonomia científica e pedagógica, sem a pressão dos encarregados de educação e de outros poderes paralelos.        

Parece-me interessante recrutar bolseiros de doutoramento, podendo acumular até 10 horas; reconverter mestres e doutorados com formação científica nos grupos de recrutamento deficitários para o exercício de funções docentes, incentivando, através de bolsa, a qualificação profissional para a docência; abrir o acesso à profissão a docentes e investigadores doutorados, com integração na carreira docente do básico e secundário, tendo em conta o tempo de serviço prestado em instituições de ensino superior, com a obrigatoriedade de frequência da adequada formação pedagógica; simplificar os procedimentos conducentes ao reconhecimento de habilitações para a docência e integração no sistema educativo português de professores imigrantes; e incentivar a formação para a docência a alunos que ingressem em Licenciaturas e Mestrados em Ciências da Comunicação /Ensino.

O governo, para a viabilização de determinadas medidas, avança com números: três mil horas crediárias ou duas mil bolsas. Dificilmente esses números cobrirão as necessidades no atinente aos horários incompletos e à formação de docentes, respetivamente.

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Os governos não deviam ter descurado a formação de professores, a tempo e a destempo. Porém, os cursos de formação de professores não deviam ser desenhados exclusivamente para a docência. Não é tolerável formar professores e obrigá-los a longo compasso de espera para entrarem na carreira ou no regime de simples contratação. Pela mesma razão, não se lançam programas de rescisão de docentes por mútuo acordo, o que fez Passos Coelho, em tempos idos, no âmbito da reforma (?) da AP.

Depois, a composição do horário semanal do docente deve ser equilibrada, como era até 2005. Não é admissível que o professor, no limite, possa estar com alunos durante 35 horas por semana (em aula ou fora de aula). O tempo da componente não letiva deve ser, principalmente, para tarefas de planeamento, de coordenação e de avaliação da docência e de outras atividades, bem como para estudo e formação contínua. Não é conveniente que a formação contínua – que devia ser obrigatória em caso de mudança de currículos, de programas ou de estratégias – ocorra em período pós-laboral ou em fins de semana e com encargo financeiro para o docente.

Por fim, poucos resultados surgirão, se o governo não revalorizar a carreira docente: remunerando o docente de forma justa, desde o início da carreira e no regime de contratação; deixando fluir a progressão, sem entraves desnecessários e injustificados; evitando a sobrecarga do docente com tarefas burocráticas e repetitivas, sobretudo se desnecessárias; respeitando a autonomia técnica, científica e profissional do professor; contribuindo para a libertação da pressão inadequada por parte de encarregados de educação e de outros poderes paralelos (as câmaras municipais têm demasiado poder na escola); reconhecendo e incentivando a autonomia da escola, também pela disponibilização de meios; repondo a autoridade do professor; e estabelecendo a qualificação de crime público para as agressões aos docentes.

Enquanto isto não suceder, não haverá escola em pleno e a carreira não será atrativa. Tem, pois, o governo o ensejo de fazer diferente e melhor.

2024.06.17 – Louro de Carvalho

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