Para o final
do 1.º período do próximo ano letivo ficar marcado pela redução de, pelo menos,
90% no número de alunos sem aulas e para o ano letivo terminar com aulas para todos
os alunos e sem interrupções prolongadas, o Conselho de Ministros aprovou, a 14
de junho, o “Plano +Aulas +Sucesso”, que define um conjunto medidas de combate a
um problema que põe em causa a igualdade de oportunidades no ensino, podendo
causar danos irreversíveis no percurso de aprendizagem dos estudantes.
O governo,
reconhecendo que o problema é estrutural, releva que, em setembro de 2023,
havia 324228 alunos sem aulas a uma disciplina (equivalente a 18 680
turmas) e, em 31 de maio de 2024, havia 22116 alunos (1126 turmas) sem acesso a
uma disciplina. Assim, desde setembro, há 939 alunos – 47 turmas – sem aulas a
uma disciplina, problema de 163 agrupamentos de escolas em 51 concelhos, situando-se
119 agrupamentos na Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Para obviar
a esta situação, foram definidos três eixos de ação: i) “apoiar mais”,
com enfoque na melhoria das condições de trabalho dos docentes, através de
medidas de simplificação do trabalho administrativo e da remuneração do
trabalho extraordinário; ii) “gerir melhor”, dando às escolas
instrumentos que permitam aos diretores mais eficaz gestão de professores para
reduzir o número de alunos sem aulas; e iii)
“reter e atrair docentes”,
criando incentivos para colocação nas escolas com alunos sem aulas.
No âmbito do
primeiro eixo “apoiar mais”, simplifica-se o trabalho docente, com o reforço de
técnicos superiores para apoio administrativo às direções de turma, ou seja,
colocando 140 técnicos nas escolas sinalizadas, a partir de setembro de 2024; e
flexibiliza-se o regime de horas
extraordinárias e de acumulação de funções, atribuindo mais 30 mil horas
extraordinárias nos grupos de recrutamento com défice de professores e nas escolas
sinalizadas, na impossibilidade de as escolas suprirem as necessidades pela
contratação, subindo para 10 horas semanais o limite de horas extraordinárias
a atribuir a cada docente e autorizando os docentes com redução de carga letiva
ao abrigo do artigo 79.º do ECD (Estatuto da Carreira Docente) a prestar
trabalho extraordinário.
No âmbito do
segundo eixo “gerir melhor”, flexibiliza-se a gestão da componente letiva,
pelo desenho dos horários, evitando a sobreposição de disciplinas
críticas, para permitir compensar a ausência de professores; acelera-se o processo de contratação, durante
o ano letivo, permitindo-se a seleção de candidatos de forma mais
célere, todos os dias da semana; procede-se à redução de horários incompletos e temporários, permitindo-se a agregação
de horários no mesmo ou em agrupamento distinto daquele em que o docente está
colocado (horários incompletos), disponibilizando três mil horas de crédito;
permite-se o recrutamento anual de professores, alargando, de três meses para
um ano, o período da substituição dos docentes cuja junta médica indica
incapacidade para exercício de funções durante todo o ano letivo; e reduz-se em
25% o total de mobilidades estatutárias atribuídas a docentes de grupos de
recrutamento deficitários no ano letivo 2024/2025.
No âmbito do
terceiro eixo “reter e
atrair docentes”, viabiliza-se, a partir de 2025, a contratação de
docentes aposentados, com a devida compensação (tem-se apontado o índice 167 do
início da carreira, atualmente, 1657,53€ brutos), acumulável com a pensão; e
incentiva-se o prolongamento da vida
ativa dos professores (a expressão “vida ativa” é ofensiva; era preferível
dizer serviço ativo ao Estado, pois há muitos pensionistas com vida muito
ativa, porque a necessidade e a resiliência o impõem), atribuindo-se uma remuneração adicional, até 750€ mensais
brutos, para quem atingir a idade de reforma e queira continuar a dar aulas.
Ainda no
âmbito deste eixo, visando a recuperação de docentes que abandonaram a carreira, será lançada uma campanha de sensibilização, para potenciar
o regresso de docentes à profissão, e criar-se-á um regime de mobilidade
intercarreiras na administração pública (AP), com o devido reposicionamento na
carreira docente.
Ao mesmo tempo, proceder-se-á ao recrutamento de bolseiros de
doutoramento, com a acumulação
até 10 horas; incentivar-se-á a
reconversão de mestres e doutorados com formação científica
correspondente aos grupos de recrutamento deficitários para o exercício de
funções docentes, incentivando, através de bolsa, a qualificação profissional
para a docência; abrir-se-á o acesso à profissão a docentes e investigadores
doutorados, sendo integrados na carreira docente do básico e secundário, tendo
em conta o tempo de serviço prestado em instituições de ensino superior, com a
obrigatoriedade de frequência da adequada formação pedagógica; proceder-se-á à
simplificação dos procedimentos conducentes ao reconhecimento de habilitações
para a docência e integração no sistema educativo português de professores
imigrantes; e incentivar-se-á a procura
de formação para a docência, atribuindo-se duas mil bolsas por ano a
alunos que ingressem em Licenciaturas e Mestrados em Ciências da Comunicação /Ensino.
***
Há quem
veja, nestas medidas, uma revolução no sistema educativo. Por mim, considero que
o elenco apresenta dados positivos, embora residuais, e alguns de difícil execução.
O
recrutamento de técnicos superiores e de técnicos de outro nível é bem-vindo,
embora não seja novidade. Porém, pô-los a auxiliar o diretor de turma em funções
administrativas é problemático. A direção de turma é atividade eminentemente pedagógica,
pelo que está a cargo de professor. Para o auxiliar nas tarefas administrativas,
bastam os assistentes administrativos (que deviam ter melhor remuneração).
Subir o limite
de horas extraordinárias para 10 horas semanais parece boa solução, mas
limita-se a sobrecarregar o docente, a menos que se pense que o dinheiro resolve
tudo. Por outro lado, se o montante ganho em horas extraordinárias não for
tributado autonomamente em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares (IRS), a remuneração torna-se insuficiente.
O ministro
da Educação explicasse o que significa evitar “a sobreposição de disciplinas
críticas”.
Já é
positiva a medida da contratação diária (em vez de semanal) de docentes de substituição,
mas não era necessária muita coragem para isso.
Também se
avança pouco na questão dos horários incompletos e temporários. Com efeito, a agregação de horários no mesmo ou em
agrupamento distinto pode ser dolorosa, se obrigar a sucessivas deslocações do docente,
em caso de escolas dispersas ou em caso de agrupamentos distantes. Do meu ponto
de vista, deve haver apenas um horário incompleto em cada grupo disciplinar. E
o docente que for contratado para o assumir deve ser remunerado pela totalidade
da componente letiva e da componente não letiva, devendo estar disponível para
o desempenho de outras tarefas. A agregação de horários incompletos só deveria
ocorrer em casos em que as escolas em causa fossem relativamente próximas.
Aplaude-se a
contratação anual de substituto de docente com baixa médica prolongada, mas não
se determina a remuneração do substituto pela totalidade das componentes letiva
e não letiva, pois muitos docentes a substituir têm redução da componente letiva
ao abrigo do artigo 79.º do ECD.
A redução do
total de mobilidades estatutárias atribuídas a docentes já foi experimentada noutras
ocasiões. Porém, há circunstâncias que implicam a resistência ou por força da
lei ou pelo enorme peso das instituições.
A crítica
maior, da minha parte, vai para o estabelecido no quadro do terceiro eixo, no atinente
ao incentivo à permanência na escola de docentes com mais de 67 anos e ao
incentivo aos docentes aposentados a que voltem à escola. Ora, sendo Portugal
um dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em que os professores são mais velhos, estas
medidas só agravam a situação. Ao mesmo tempo, é de referir que a maior parte
dos professores, quando se aposentam, já estão saturados, parecendo rejuvenescer
com a aposentação. Insisto: o dinheiro não é tudo e nem todo o homem tem o seu
preço.
Já será de
saudar a campanha para potenciar o regresso de docentes à profissão, bem como a
criação do regime de mobilidade intercarreiras na administração pública, com
reposicionamento na carreira docente. Todavia, para avaliar do mérito da
medida, é de questionar o motivo por que os docentes abandonaram a profissão e se
o governo está empenhado em inverter a situação de desvalorização material,
laboral, social, moral e pedagógica da carreira, bem como se o Ministério da Educação
está disponível para libertar os docentes da sobrecarga burocrática e deixá-los
lecionar com autonomia científica e pedagógica, sem a pressão dos encarregados
de educação e de outros poderes paralelos.
Parece-me
interessante recrutar bolseiros de
doutoramento, podendo acumular até 10 horas; reconverter mestres e doutorados com formação científica nos
grupos de recrutamento deficitários para o exercício de funções docentes,
incentivando, através de bolsa, a qualificação profissional para a docência; abrir
o acesso à profissão a docentes e investigadores doutorados, com integração na
carreira docente do básico e secundário, tendo em conta o tempo de serviço
prestado em instituições de ensino superior, com a obrigatoriedade de
frequência da adequada formação pedagógica; simplificar os procedimentos
conducentes ao reconhecimento de habilitações para a docência e integração no
sistema educativo português de professores imigrantes; e incentivar a formação para a docência a alunos
que ingressem em Licenciaturas e Mestrados em Ciências da Comunicação /Ensino.
O governo,
para a viabilização de determinadas medidas, avança com números: três mil horas
crediárias ou duas mil bolsas. Dificilmente esses números cobrirão as necessidades
no atinente aos horários incompletos e à formação de docentes, respetivamente.
***
Os governos
não deviam ter descurado a formação de professores, a tempo e a destempo.
Porém, os cursos de formação de professores não deviam ser desenhados
exclusivamente para a docência. Não é tolerável formar professores e obrigá-los
a longo compasso de espera para entrarem na carreira ou no regime de simples contratação.
Pela mesma razão, não se lançam programas de rescisão de docentes por mútuo
acordo, o que fez Passos Coelho, em tempos idos, no âmbito da reforma (?) da
AP.
Depois, a composição
do horário semanal do docente deve ser equilibrada, como era até 2005. Não é
admissível que o professor, no limite, possa estar com alunos durante 35 horas
por semana (em aula ou fora de aula). O tempo da componente não letiva deve
ser, principalmente, para tarefas de planeamento, de coordenação e de avaliação
da docência e de outras atividades, bem como para estudo e formação contínua.
Não é conveniente que a formação contínua – que devia ser obrigatória em caso de
mudança de currículos, de programas ou de estratégias – ocorra em período
pós-laboral ou em fins de semana e com encargo financeiro para o docente.
Por fim,
poucos resultados surgirão, se o governo não revalorizar a carreira docente:
remunerando o docente de forma justa, desde o início da carreira e no regime de
contratação; deixando fluir a progressão, sem entraves desnecessários e
injustificados; evitando a sobrecarga do docente com tarefas burocráticas e
repetitivas, sobretudo se desnecessárias; respeitando a autonomia técnica, científica
e profissional do professor; contribuindo para a libertação da pressão inadequada
por parte de encarregados de educação e de outros poderes paralelos (as câmaras
municipais têm demasiado poder na escola); reconhecendo e incentivando a
autonomia da escola, também pela disponibilização de meios; repondo a
autoridade do professor; e estabelecendo a qualificação de crime público para as
agressões aos docentes.
Enquanto
isto não suceder, não haverá escola em pleno e a carreira não será atrativa. Tem,
pois, o governo o ensejo de fazer diferente e melhor.
2024.06.17 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário