terça-feira, 4 de junho de 2024

A pressa em política de migração não é boa conselheira

 

A 3 de junho, o governo aprovou o Plano de Ação para as Migrações (PAM), de que resultou o Decreto-Lei n.º 37-A/2024, de 3 de junho, que altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, procedendo à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestação de interesse. Assim, como se fosse para tirar do fosso um banco, no mesmo dia, o diploma em causa foi aprovado, em Conselho de Ministros, promulgado pelo Presidente da República (PR), referendado pelo primeiro-ministro (PM) e publicado no Diário da República.

Tendo-me já pronunciado sobre a matéria, não pensava voltar a ela, mas o tema impõe-mo.    

Em declarações no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, onde participou numa conferência sobre Saúde, no dia 4, o PR defendeu, justificando a promulgação imediata do diploma, que é preciso parar a “bola de neve” da imigração, para dar resposta aos milhares de processos pendentes, e apelou ao governo a que dê mais meios aos consulados, vincando que, “neste momento, não têm condições suficientes para funcionarem à medida da pressão que existe”. “É um desafio que o governo tem de enfrentar. Ou reforma os consulados ou lhes dá meios adicionais ou coloca lá estruturas ligadas ao emprego, ao panorama profissional. Tem de enfrentar essa situação”, disse.

Questionado sobre a rapidez na promulgação, respondeu: “É preciso, rapidamente, regularizar milhares, dezenas de milhares, se não centenas de milhares de pessoas, que estão há espera disso há anos. Isso é urgente, e aí há outras medidas que, supostamente, farão funcionar a máquina, para isso ser possível. Vamos ver.”

“Em relação ao futuro imediato, é sensato não deixar que a bola de neve continue a crescer, porque, se não estamos a correr atrás do prejuízo, quer dizer, estamos a tentar regularizar centenas de milhares de pessoas e, ao mesmo tempo, a entrarem, ainda antes de o resto do regime estar em vigor, mais”, aduziu, considerando que “é uma questão de bom senso”, neste momento, procurar que “não se pressione, em termos de mais número de pessoas, essa máquina”.

Interrogado se esta legislação não deveria passar pela Assembleia da República (AR), referiu que o decreto-lei revogou regras que, no passado, foram definidas pelo anterior executivo, também por decreto-lei, que, na altura, promulgou. Porém, não tem razão. As questões mais gravosas não foram introduzidas por decreto-lei. O preâmbulo só menciona duas leis (da AR): a Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, e a Lei n.º 28/2019, de 29 de março.

Alegou que, na altura, ninguém levantou a questão da constitucionalidade, pelo que entende que, nesta altura, não faz sentido levantá-lo. Ora, não se trata de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, mas de atitude política. E não vale querer ensinar-nos o que já sabemos. É óbvio que a AR “é soberana, no sentido de que pode chamar a ela o diploma e pode revê-lo, pode reponderá-lo”, tal como o pode anular.

O chefe de Estado considerou que “a questão das migrações é uma questão nacional, que deve ser tratada serenamente e sem dramatizações que, por vezes, têm surgido” e acrescentou: “Não entro mais em pormenor porque estamos em período eleitoral.” Por isso mesmo, é caso para lhe perguntar, se é questão nacional a tratar serenamente e sem dramatizações, porque não suscita um debate na AR, apos um período razoável de consulta pública, como é usual em questões complexas e ou relevantes.

Salientou que promulgou um diploma de um pacote de 41 medidas conexas com a imigração, tendo em conta a “situação de pressão” em Portugal, para “conter um bocadinho a pressão” da imigração. Ora, essa pressão, senhor Presidente, é da extrema-direita, mas o governo capturou-a nas campanhas eleitorais para as eleições de 10 de março e para as de 9 de junho.  

O líder do Chega acusou o PM e o PM de tentaram “conter” e “esvaziar” o partido, na imigração e defendeu que os eleitores não serão influenciados por “nenhum teatro de revista mal feito”. Disse que o chefe de Estado “se apressou a promulgar” a alteração da lei de estrangeiros, que aboliu o regime de exceção que permitia aos imigrantes regularizarem-se em Portugal, pela figura jurídica de manifestações de interesse, e considerou que isto só mostra “a parolice enorme que aqui vai, para tentar conter o Chega, de qualquer maneira”, mas, “tentando contê-lo, estão a fazê-lo mal”. Por outro lado, criticou o governo por não ter anunciado medidas que o Chega defende, como a expulsão de quem “cometa crimes”, a limitação do acesso a apoios sociais para quem esteja há menos de cinco anos em Portugal e a introdução de quotas para a entrada de estrangeiros de acordo com as necessidades económicas do país. Não será querer de mais?

Depois, frisou que Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro ficam responsáveis por assinarem “um programa que não resolverá quase nenhum problema da imigração em Portugal”.

Por fim, André Ventura assegurou que o seu partido avocará estes diplomas, para serem discutidos e votados na AR. “Não será por nós que nenhuma medida urgente não entra em vigor, nós levaremos ao parlamento estas medidas, se necessário, avocando os decretos-lei do governo, porque entendemos que esta é uma discussão que tem de ir mais longe, mais fundo e tem de ter medidas de fundo que não apenas remendos, porque a imigração está a tornar-se um problema muito sério”, anunciou.

Catarina Martins, cabeça de lista do Bloco de Esquerda (BE) às eleições europeias, acusou o PR de “absoluta irresponsabilidade”, por ter promulgado, “num instante”, o diploma do governo com novas regras para a imigração. Não, Catarina, o diploma não tem novas regras, só revoga regras em vigor até ao dia 3 de junho!  

“Quando o governo diz ‘nós vamos deixar de tratar em Portugal o que vai ser tratado pelas nossas embaixadas e consulados que não têm meios’ o que está a dizer é que vai piorar o problema. É uma absoluta irresponsabilidade. Que o Presidente da República vá, num instante promulgar, o que sabe que não pode funcionar é uma irresponsabilidade ainda maior”, criticou, com razão, Catarina Martins, insistindo na crítica de que este plano traz “um vazio legal” e que aos mais de 400 mil processos pendentes de regularização de imigrantes o governo está a juntar mais”. “Eu não sei se a ideia é utilizar o discurso xenófobo da extrema-direita para, na última semana de campanha, ter um discurso contra a imigração, acho um absurdo, acho errado e não tem nada a ver com o país que nós somos”, defendeu.

Interrogada sobre se o PR está a entrar na campanha eleitoral, respondeu que “não sabe” e reforçou que as medidas apresentadas pelo executivo são “erradas” e que o chefe de Estado deveria ser “o garante das instituições”. Ao mesmo tempo, defendeu que a integração e acolhimento de imigrantes passa pelo acesso a documentação e a aulas de Português.

Já a cabeça de lista socialista às eleições para o Parlamento Europeu (PE) rejeitou que uma estrutura de missão resolva os problemas das migrações, considerando que não é inocente o ‘timing’ do governo, que quer corrigir a leitura de aproximações à extrema-direita.

Questionada sobre o PAM, Marta Temido considerou que as propostas “pouco trazem de novo” e recusou interpretar ou comentar a decisão do PR de o ter promulgado, horas depois, dizendo apenas que “os portugueses avaliarão”. “Não é uma estrutura de missão que vai resolver os problemas de atrasos nas respostas”, sustentou. Sobre se viu aproximações à extrema-direita da parte do governo, nestas medidas, disse que, “nalguns pontos, há até uma tentativa de corrigir aquilo que possa ser essa leitura”. E, sobre se o ‘timing’ de apresentação foi inocente, estando o país em campanha eleitoral para as eleições europeias, respondeu: “Obviamente que não.”

À questão do que está por trás do PowerPoint, reagiu: “Se estivermos a falar da Europa, se pusermos na última página do Powerpoint aquilo que é a posição do PPE [Partido Popular Europeu] para as migrações, veremos que há uma leitura que não é convergente.”

Marta Temido foi confrontada com as declarações, numa ação de campanha sua, do antigo diretor-geral da Organização Internacional das Migrações (OIM), o socialista António Vitorino, de que a transição do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) “correu mal”. “Eu própria já tinha referido que havia, provavelmente, aspetos que, hoje, se pudéssemos corrigir, tínhamos feito de outra maneira. Isso não tem a ver com a AIMA, isso tem a ver com a fase final do funcionamento do SEF e ninguém ignora que teve uma retração, em termos do que é o normal funcionamento do serviço”, retorquiu.

Segundo a ex-ministra da Saúde, a AIMA, ao entrar em funcionamento, “herdou um pesado passivo”, mas “a direção da mudança estava certa”. “Nem o novo governo a põe em causa”. Aliás, informou não ir alterar o conselho diretivo da AIMA e disse não ir mexer, no essencial, em coisas como os vistos CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), vindo só fazer mudança num tema concreto. E Marta Temido apontou: “O que está em causa é o reforço estrutural da AIMA e, sobretudo, a informatização dos processos. E era esse caminho que estava a ser feito.”

O cabeça de lista da Aliança Democrática (AD), declarando que o PAM não aperta regras, defende que “não se pode ter medo de resolver os problemas que metem medo às pessoas”.

Sebastião Bugalho, citando documentos do governo, disse que o mecanismo de manifestação de interesse, banalizado em 2017, levou à duplicação das “vítimas de tráfico humano”, em Portugal. “Este pacote de medidas não veio fechar nada, veio resolver um problema, veio combater o tráfico humano”, referiu, para lembrar que o antigo diretor-geral da OIM considerou, em declarações à CNN Portugal, o plano equilibrado e realista.

A porta-voz do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) alertou que a pressa é inimiga da perfeição, ao comentar a rapidez da promulgação da alteração da lei de estrangeiros, que acaba com o regime facilitador da imigração. Pôs a nu a falta de sensibilidade do PR aos “aspetos que as várias forças políticas da oposição, de forma construtiva, até apontaram que vão surgir como lacunas desta lei”. Disse que o país não pode “ter uma via verde para que as empresas possam, de alguma forma, pôr aqui em causa os direitos dos trabalhadores e até mesmo sujeitar os migrantes à vulnerabilidade”. E referiu que era importante que esta fosse uma lei em que não ficasse o governo isolado na sua responsabilidade e que pudesse passar pela AR, apesar de não ser obrigatório, para “uma maior inclusão de preocupações das forças políticas”, como a garantia de “uma maior capacidade de integração, de respostas de alojamento, de aprendizagem da língua portuguesa”.

O Partido Comunista Português (PCP) diz que o PAM é um conjunto de intenções vazio da resposta urgente aos mais de 400 mil processos de regularização pendentes na AIMA, procurando mais em alinhar-se com o que de mais negativo contém o Pacto para as Migrações e Asilo da UE,  do que em responder à urgência colocada a milhares de imigrantes no país.

João Cotrim de Figueiredo da Iniciativa Liberal (IL), considerando “ponderado” o PAM, saúda a extinção do regime excecional das manifestações de interesse, assim como a recuperação rápida das pendências da AIMA. Porém, não está convencido do reforço dos serviços consulares. Em causa pode estar a transferência de “uma situação de indignidade humana das pessoas que estão já em território nacional para o mesmo tipo de indignidade nas suas terras de origem”, alertou.

Já Pedro Nuno Santos, considerou que o PR partilha do mesmo diagnóstico errado do governo de que o aumento de imigrantes se deve a uma alteração legislativa.

O PM, depois de ter rejeitado qualquer ligação entre imigrantes e aumento da criminalidade disse que Portugal tinha uma legislação que permitia abusos nas entradas e considerou que a oposição “está de mau humor”. Isto não é sério, senhor Primeiro-Ministro!

***

É fácil produzir um diploma, a mata-cavalos, cujo teor se reduz a um artigo que revoga três artigos de uma lei, sem apresentar normas alternativas, atirando a verdadeira normalização para o futuro. Por maior urgência que haja na AIMA, a solução passa por a resolver, de imediato, deixando para depois a revisão da lei, em ambiente parlamentar subsequente a consulta pública. A pressa nada resolve, só complica. E o PR é cúmplice o governo, neste caso, de marcação de agenda política eleitoralista. É pena!

2024.06.04 – Louro de Carvalho

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