A 3 de junho, o governo aprovou
o Plano de Ação para as Migrações (PAM), de que resultou o Decreto-Lei n.º
37-A/2024, de 3 de junho, que altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho,
procedendo à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes
em manifestação de interesse. Assim, como se fosse para tirar do fosso
um banco, no mesmo dia, o diploma em causa foi aprovado, em Conselho de Ministros,
promulgado pelo Presidente da República (PR), referendado pelo primeiro-ministro
(PM) e publicado no Diário da República.
Tendo-me já pronunciado sobre a matéria,
não pensava voltar a ela, mas o tema impõe-mo.
Em
declarações no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, onde participou numa conferência
sobre Saúde, no dia 4, o PR defendeu, justificando a promulgação imediata do
diploma, que é preciso parar a “bola de neve” da imigração, para dar resposta
aos milhares de processos pendentes, e apelou ao governo a que dê mais meios aos
consulados, vincando que, “neste momento, não têm condições suficientes para
funcionarem à medida da pressão que existe”. “É um desafio que o governo tem de
enfrentar. Ou reforma os consulados ou lhes dá meios adicionais ou coloca lá
estruturas ligadas ao emprego, ao panorama profissional. Tem de enfrentar essa
situação”, disse.
Questionado
sobre a rapidez na promulgação, respondeu: “É preciso, rapidamente, regularizar
milhares, dezenas de milhares, se não centenas de milhares de pessoas, que
estão há espera disso há anos. Isso é urgente, e aí há outras medidas que,
supostamente, farão funcionar a máquina, para isso ser possível. Vamos ver.”
“Em relação
ao futuro imediato, é sensato não deixar que a bola de neve continue a
crescer, porque, se não estamos a correr atrás do prejuízo, quer dizer, estamos
a tentar regularizar centenas de milhares de pessoas e, ao mesmo tempo, a
entrarem, ainda antes de o resto do regime estar em vigor, mais”, aduziu,
considerando que “é uma questão de bom senso”, neste momento, procurar que
“não se pressione, em termos de mais número de pessoas, essa máquina”.
Interrogado
se esta legislação não deveria passar pela Assembleia da República (AR), referiu
que o decreto-lei revogou regras que, no passado, foram definidas pelo anterior
executivo, também por decreto-lei, que, na altura, promulgou. Porém, não tem
razão. As questões mais gravosas não foram introduzidas por decreto-lei. O
preâmbulo só menciona duas leis (da AR): a Lei n.º 59/2017, de 31 de julho,
e a Lei n.º 28/2019, de 29 de março.
Alegou que,
na altura, ninguém levantou a questão da constitucionalidade, pelo que entende
que, nesta altura, não faz sentido levantá-lo. Ora, não se trata de inconstitucionalidade
ou de ilegalidade, mas de atitude política. E não vale querer ensinar-nos o que
já sabemos. É óbvio que a AR “é soberana, no sentido de que pode chamar a ela o
diploma e pode revê-lo, pode reponderá-lo”, tal como o pode anular.
O chefe de
Estado considerou que “a questão das migrações é uma questão nacional, que deve
ser tratada serenamente e sem dramatizações que, por vezes, têm surgido” e
acrescentou: “Não entro mais em pormenor porque estamos em período eleitoral.” Por
isso mesmo, é caso para lhe perguntar, se é questão nacional a tratar serenamente
e sem dramatizações, porque não suscita um debate na AR, apos um período
razoável de consulta pública, como é usual em questões complexas e ou
relevantes.
Salientou
que promulgou um diploma de um pacote de 41 medidas conexas com a imigração,
tendo em conta a “situação de pressão” em Portugal, para “conter um bocadinho a
pressão” da imigração. Ora, essa pressão, senhor Presidente, é da extrema-direita,
mas o governo capturou-a nas campanhas eleitorais para as eleições de 10 de março
e para as de 9 de junho.
O líder do
Chega acusou o PM e o PM de tentaram “conter” e “esvaziar” o partido, na
imigração e defendeu que os eleitores não serão influenciados por “nenhum
teatro de revista mal feito”. Disse que o chefe de Estado “se apressou a
promulgar” a alteração da lei de estrangeiros, que aboliu o regime de exceção
que permitia aos imigrantes regularizarem-se em Portugal, pela figura jurídica
de manifestações de interesse, e considerou que isto só mostra “a parolice
enorme que aqui vai, para tentar conter o Chega, de qualquer maneira”, mas, “tentando
contê-lo, estão a fazê-lo mal”. Por outro lado, criticou o governo por não ter
anunciado medidas que o Chega defende, como a expulsão de quem “cometa crimes”,
a limitação do acesso a apoios sociais para quem esteja há menos de cinco anos
em Portugal e a introdução de quotas para a entrada de estrangeiros de
acordo com as necessidades económicas do país. Não será querer de mais?
Depois,
frisou que Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro ficam responsáveis por
assinarem “um programa que não resolverá quase nenhum problema da imigração em
Portugal”.
Por fim,
André Ventura assegurou que o seu partido avocará estes diplomas, para serem
discutidos e votados na AR. “Não será por nós que nenhuma medida urgente não
entra em vigor, nós levaremos ao parlamento estas medidas, se necessário,
avocando os decretos-lei do governo, porque entendemos que esta é uma discussão
que tem de ir mais longe, mais fundo e tem de ter medidas de fundo que não
apenas remendos, porque a imigração está a tornar-se um problema muito sério”,
anunciou.
Catarina
Martins, cabeça de lista do Bloco de Esquerda (BE) às eleições europeias, acusou
o PR de “absoluta irresponsabilidade”, por ter promulgado, “num instante”,
o diploma do governo com novas regras para a imigração. Não, Catarina, o
diploma não tem novas regras, só revoga regras em vigor até ao dia 3 de junho!
“Quando o
governo diz ‘nós vamos deixar de tratar em Portugal o que vai ser tratado pelas
nossas embaixadas e consulados que não têm meios’ o que está a dizer é que vai
piorar o problema. É uma absoluta irresponsabilidade. Que o Presidente da
República vá, num instante promulgar, o que sabe que não pode funcionar é uma
irresponsabilidade ainda maior”, criticou, com razão, Catarina Martins,
insistindo na crítica de que este plano traz “um vazio legal” e que aos mais de
400 mil processos pendentes de regularização de imigrantes o governo está a
juntar mais”. “Eu não sei se a ideia é utilizar o discurso xenófobo da
extrema-direita para, na última semana de campanha, ter um discurso contra a
imigração, acho um absurdo, acho errado e não tem nada a ver com
o país que nós somos”, defendeu.
Interrogada
sobre se o PR está a entrar na campanha eleitoral, respondeu que “não sabe” e
reforçou que as medidas apresentadas pelo executivo são “erradas” e que o chefe
de Estado deveria ser “o garante das instituições”. Ao mesmo tempo, defendeu
que a integração e acolhimento de imigrantes passa pelo acesso a documentação e
a aulas de Português.
Já a cabeça de
lista socialista às eleições para o Parlamento Europeu (PE) rejeitou que uma
estrutura de missão resolva os problemas das migrações, considerando que não é
inocente o ‘timing’ do governo, que quer corrigir a leitura de aproximações à
extrema-direita.
Questionada
sobre o PAM, Marta Temido considerou que as propostas “pouco trazem de novo” e
recusou interpretar ou comentar a decisão do PR de o ter promulgado, horas
depois, dizendo apenas que “os portugueses avaliarão”. “Não é uma estrutura de
missão que vai resolver os problemas de atrasos nas respostas”, sustentou. Sobre
se viu aproximações à extrema-direita da parte do governo, nestas medidas,
disse que, “nalguns pontos, há até uma tentativa de corrigir aquilo que possa
ser essa leitura”. E, sobre se o ‘timing’ de apresentação foi inocente, estando
o país em campanha eleitoral para as eleições europeias, respondeu: “Obviamente
que não.”
À questão do
que está por trás do PowerPoint, reagiu:
“Se estivermos a falar da Europa, se pusermos na última página do Powerpoint aquilo que é a posição do PPE
[Partido Popular Europeu] para as migrações, veremos que há uma leitura que não
é convergente.”
Marta Temido foi
confrontada com as declarações, numa ação de campanha sua, do antigo
diretor-geral da Organização Internacional das Migrações (OIM), o socialista
António Vitorino, de que a transição do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
(SEF) para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) “correu mal”. “Eu
própria já tinha referido que havia, provavelmente, aspetos que, hoje, se
pudéssemos corrigir, tínhamos feito de outra maneira. Isso não tem a ver com a
AIMA, isso tem a ver com a fase final do funcionamento do SEF e ninguém ignora
que teve uma retração, em termos do que é o normal funcionamento do serviço”,
retorquiu.
Segundo a
ex-ministra da Saúde, a AIMA, ao entrar em funcionamento, “herdou um pesado
passivo”, mas “a direção da mudança estava certa”. “Nem o novo governo a põe em
causa”. Aliás, informou não ir alterar o conselho diretivo da AIMA e disse não
ir mexer, no essencial, em coisas como os vistos CPLP (Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa), vindo só fazer mudança num tema concreto. E Marta Temido
apontou: “O que está em causa é o reforço estrutural da AIMA e, sobretudo, a
informatização dos processos. E era esse caminho que estava a ser feito.”
O cabeça de
lista da Aliança Democrática (AD), declarando que o PAM não aperta regras,
defende que “não se pode ter medo de resolver os problemas que metem medo às
pessoas”.
Sebastião Bugalho,
citando documentos do governo, disse que o mecanismo de manifestação de
interesse, banalizado em 2017, levou à duplicação das “vítimas de tráfico
humano”, em Portugal. “Este pacote de medidas não veio fechar nada, veio
resolver um problema, veio combater o tráfico humano”, referiu, para lembrar que
o antigo diretor-geral da OIM considerou, em declarações à CNN Portugal, o plano equilibrado e realista.
A porta-voz
do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) alertou que a pressa é inimiga da
perfeição, ao comentar a rapidez da promulgação da alteração da lei de
estrangeiros, que acaba com o regime facilitador da imigração. Pôs a nu a falta
de sensibilidade do PR aos “aspetos que as várias forças políticas da oposição,
de forma construtiva, até apontaram que vão surgir como lacunas desta lei”. Disse
que o país não pode “ter uma via verde para que as empresas possam, de alguma
forma, pôr aqui em causa os direitos dos trabalhadores e até mesmo sujeitar os
migrantes à vulnerabilidade”. E referiu que era importante que esta fosse uma
lei em que não ficasse o governo isolado na sua responsabilidade e que pudesse passar
pela AR, apesar de não ser obrigatório, para “uma maior inclusão de preocupações
das forças políticas”, como a garantia de “uma maior capacidade de integração,
de respostas de alojamento, de aprendizagem da língua portuguesa”.
O Partido
Comunista Português (PCP) diz que o PAM
é um conjunto de intenções vazio da resposta urgente aos mais de 400 mil
processos de regularização pendentes na AIMA, procurando mais em alinhar-se com
o que de mais negativo contém o Pacto para as Migrações e Asilo da UE,
do que em responder à urgência colocada a milhares de imigrantes no país.
João Cotrim de Figueiredo da Iniciativa Liberal (IL), considerando
“ponderado” o PAM, saúda a extinção do regime excecional das manifestações de
interesse, assim como a recuperação rápida das pendências da AIMA. Porém, não está convencido do reforço dos serviços
consulares. Em causa pode estar a transferência de “uma situação de indignidade
humana das pessoas que estão já em território nacional para o mesmo tipo de
indignidade nas suas terras de origem”, alertou.
Já Pedro Nuno Santos, considerou que o PR partilha do mesmo
diagnóstico errado do governo de que o aumento de imigrantes se deve a uma
alteração legislativa.
O PM, depois
de ter rejeitado qualquer ligação entre imigrantes e aumento da criminalidade
disse que Portugal tinha uma legislação que permitia abusos nas entradas e considerou
que a oposição “está de mau humor”. Isto não é sério, senhor Primeiro-Ministro!
***
É fácil
produzir um diploma, a mata-cavalos, cujo teor se reduz a um artigo que revoga três
artigos de uma lei, sem apresentar normas alternativas, atirando a verdadeira normalização
para o futuro. Por maior urgência que haja na AIMA, a solução passa por a resolver,
de imediato, deixando para depois a revisão da lei, em ambiente parlamentar
subsequente a consulta pública. A pressa nada resolve, só complica. E o PR é cúmplice
o governo, neste caso, de marcação de agenda política eleitoralista. É pena!
2024.06.04 – Louro de Carvalho
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