sexta-feira, 7 de junho de 2024

Eleições europeias com o Mundo em policrise e em mal-estar económico

 

 

Os euroeleitores estão a ficar desanimados com as campanhas de última hora nas redes sociais. Na verdade, o Parlamento Europeu (PE) alertou para o facto de estarem a ser divulgadas campanhas de última hora, nas redes sociais, com o objetivo de desencorajar as pessoas a votar nas eleições europeias de 6 a 9 de junho. Avultam as crises socioeconómicas e a desinformação.
Apresentam-se alguns exemplos.
Parece estar a crescer, na Itália, um movimento abstencionista. Sob as hashtags (etiquetas, na tradução portuguesa) #iononvoto (não voto) e #iorestoacasa (fico em casa), milhares de utilizadores das redes sociais dizem que não participarão nas eleições e rejeitam o sistema político. De acordo com um porta-voz do PE que identificou e denunciou este movimento, o objetivo é dissuadir os cidadãos de irem às urnas no sábado e no domingo. “É uma narrativa que vimos durante as eleições passadas e que se repete, de que as eleições não seriam livres e justas”, disse o porta-voz. De facto, esta hashtag já foi utilizada nas eleições nacionais de 2014 e de 2022.
As mensagens são, frequentemente, acompanhadas de montagens fotográficas ou em vídeo, para ridicularizar os políticos e os partidos. Embora o conteúdo varie, os temas recorrentes incluem a rejeição da União Europeia (UE), a hostilidade em relação aos migrantes, a desconfiança em relação às vacinas e a recusa de enviar tropas italianas para ajudar a Ucrânia, sugerindo uma possível intervenção russa.
Os eleitores alemães foram alvo de imagens no TikTok que os instruem sobre a forma de marcar o boletim de voto nas eleições. A cruz que caiba dentro do círculo (em Portugal, é quadrado) está correta e será contada, enquanto a cruz que se estenda além dos limites está errada e será desqualificada. Segundo alguns relatos, trata-se de conspiração contra o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). De acordo com estas informações falsas, os funcionários eleitorais verificariam se os votos a favor do AfD cabem no círculo e não excedem as margens; caso contrário, serão nulos. No entanto, a lei eleitoral alemã diz que os eleitores podem marcar o boletim de voto, colocando uma cruz no círculo ou “de outra forma”.
Também uma questão conexa com o voto por correspondência gerou confusão. Algumas mensagens no X afirmam que os boletins de voto com cantos cortados são inválidos, o que é falso, pois a lei eleitoral alemã estipula que os boletins de voto por correspondência são cortados nos cantos, para facilitar a vida às pessoas com deficiência visual.
A desinformação nem sempre é organizada a partir do estrangeiro e pode ter origem em iniciativas individuais, com intenção humorística ou enganadora. Muitos utilizadores espanhóis partilharam com os seguidores uma “técnica” que, supostamente, permite o “voto duplo”. Afirmavam que, inserindo dois boletins de voto no envelope e acrescentando uma nota percentual escrita à mão, seria possível dividir o seu voto entre dois partidos. É um truque eficaz, porque torna o voto nulo. As fotografias que acompanham os boletins mostram sempre um voto dividido entre o Partido Popular (PPE) e o Vox (ECR) e provêm de contas de utilizadores que, anteriormente, apoiavam posições de esquerda – o que revela que pretendem enganar os eleitores de direita.
Em França, com a causa pró-palestiniana em tema proeminente na campanha do partido de extrema-esquerda La France Insoumise, críticos do partido sugeriram acrescentar um desenho da bandeira palestiniana no boletim de voto, para mostrar o seu apoio. Esta sugestão enganadora, humorística ou maliciosa, foi denunciada por utilizadores do X, bem como por responsáveis do partido, incluindo o deputado Manuel Bompard, que chamou a atenção para a autora de um dos tweets, acusando-a de tentar “enganar os eleitores”. O resultado seria voto nulo.
Além destes esforços internos para espalhar a confusão, a desinformação relacionada com a UE por parte de atores estrangeiros está a atingir os níveis mais elevados de sempre. O Observatório Europeu dos Meios de Comunicação Digitais (EDMO), uma rede independente de verificação de factos, publicou um estudo que mostra que a desinformação sobre as políticas ou instituições da UE representou 15% de todos os casos detetados em maio – o valor mais alto, desde que começaram a rastrear a desinformação na UE, em 2023.
No entanto, a Meta – que detém o Instagram e o Facebook – afirmou, no relatório sobre ameaças, publicado no final de maio, que as tentativas maliciosas de influenciar os utilizadores nas suas plataformas se centraram, principalmente, nas eleições locais, não nas próximas eleições europeias. E a gigante tecnológica afirmou não ter detetado qualquer prova de que estes grupos estivessem a ganhar força entre os utilizadores.
***
Não obstante, cerca de 373 milhões de eleitores elegem os 720 deputados do PE para os próximos cinco anos. Desde logo, as eleições para o PE arrancaram com a abertura das assembleias de voto nos Países Baixos, na manhã do dia 6, e com o início da votação dos cidadãos neerlandeses. Nos três dias subsequentes, os dos outros 26 estados-membros seguirão o exemplo, produzindo um exercício democrático transfronteiriço que culminará no dia 9, à noite, altura em que se espera que surja a imagem do novo hemiciclo. Contudo, a ocasião surge num momento precário e incerto para a UE, atingida, no espaço de poucos anos, por crises consecutivas e decisivas, que a obrigaram a reformular profundamente as suas políticas, desafiaram as suas crenças antigas e aprofundaram os seus receios existenciais.
Enquanto os Europeus se preparam para votar, o maior conflito armado no continente desde a II Guerra Mundial assola a Ucrânia, país que faz fronteira com quatro estados-membros e que pretende juntar-se, um dia, às fileiras da união política. Isto fez com que os governos da UE se esforçassem por encontrar dinheiro adicional, para reforçar as suas capacidades de defesa, tarefa descurada, durante décadas, sob a complacência dos tempos de paz.
Embora a possibilidade de um ataque russo seja, cada vez mais, motivo de preocupação, sobretudo na frente de Leste, onde ressoam as memórias da ocupação soviética, os Europeus estão, sobretudo, preocupados com o impacto imediato e tangível que esta e outras crises têm causado na sua vida quotidiana. A subida dos preços para os consumidores, a perda de poder de compra, o aumento das desigualdades sociais e a estagnação do crescimento económico são os temas mais importantes para os eleitores na ida às urnas, sendo sistematicamente classificados em primeiro lugar como as questões a que a UE deve dar prioridade no próximo mandato.
No entanto, há outros temas quentes que falam diretamente do papel da UE e colocam a sua responsabilidade na ribalta. O aumento dos pedidos de asilo – cerca de 1,14 milhões, em 2023, um máximo de sete anos – pressiona a recém-aprovada reforma da política migratória do bloco a produzir resultados rápidos, mesmo que a legislação demore dois anos a entrar em vigor. A reação contra o Pacto Ecológico Europeu, mais bem sintetizada nos protestos dos agricultores, está em contradição com o agravamento dos efeitos das alterações climáticas – 2023 foi o ano mais quente de que há registos – e com os relatórios que alertam para o facto de o objetivo climático de 1,5°C estar a afastar-se irreversivelmente. A perda de competitividade, face aos Estados Unidos da América (EUA) e à China, expõe os deficientes fluxos de investimento da UE e alimenta os apelos à contração conjunta de empréstimos, à consolidação das empresas e à revisão financeira.
Além disso, a guerra entre Israel e o Hamas provocou furiosa contestação na juventude europeia; as alterações demográficas prenunciam o envelhecimento e a diminuição da força de trabalho; campeia o desrespeito contínuo pelo Estado de direito; emerge a ameaça de interferência estrangeira, a desinformação e a sabotagem; e ganha relevo uma série de ataques chocantes contra políticos, incluindo a tentativa de assassinato do primeiro-ministro de Eslováquia.
Assim, ressurgiu o termo “policrise”, a definir a situação volátil da década de 2020, fenómeno “em que crises díspares interagem de tal forma que o impacto global excede largamente a soma de cada uma das partes”, como refere o Fórum Económico Mundial.
É neste cenário sombrio os euroeleitores elegem os deputados do PE, cujo mandato se estenderá por cinco anos e influenciará a legislação destinada a enfrentar os crescentes desafios que afetam o bloco. Não é surpreendente que a grande narrativa deste ciclo eleitoral tenha sido a ascensão dos partidos de extrema-direita, já que estas forças, com as suas propostas radicais e não testadas, tendem a prosperar em tempos de ansiedade e desespero. O Rali Nacional de França, os Irmãos de Itália, o Partido da Liberdade dos Países Baixos, o Interesse Flamengo da Bélgica e o Partido da Liberdade da Áustria estão entre os que terão bom desempenho e aumentarão a sua representação em Bruxelas.
Com os liberais e os verdes a perderem lugares e os socialistas a manterem a sua quota-parte atual, as tendências pressagiam viragem à direita no hemiciclo, o que tornará difícil, ou impossível, reproduzir o ambicioso impulso legislativo dos últimos cinco anos.
A expulsão da AfD do grupo de extrema-direita Identidade e Democracia (ID), no PE, pelo facto de o seu candidato principal ter afirmado que nem todos os membros das SS eram criminosos, pôs a nu as fissuras entre as fações nacionalistas, que, apesar das suas opiniões comuns sobre o Pacto Ecológico e a migração, estão em desacordo sobre outras questões cruciais, como a Ucrânia, a Rússia, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e a China. O fracasso da AfD desencadeou uma onda de especulação sobre a forma como os partidos de extrema-direita e de direita se reorganizarão na próxima legislatura, com os olhos postos na primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, como a mais poderosa mediadora do poder. A francesa Marine Le Pen e o húngaro Viktor Orbán têm-na pressionado para criar um grupo mais alargado de forças nacionalistas e eurocéticas, que poderá tornar-se o segundo maior.
A influência crescente de Meloni estendeu-se à corrente dominante. Ursula von der Leyen, que disputa um segundo mandato no topo da Comissão Europeia, cortejou publicamente a líder italiana, para garantir que os seus eurodeputados votem a favor da presidente. Porém, esta abertura corre o risco de ser o tiro a sair pela culatra, porque afasta os partidos centristas que, até agora, apoiaram a agenda de Von der Leyen e de que ela precisa para a sua recandidatura.
As manobras de Von der Leyen podem ser o verdadeiro tema deste ciclo eleitoral. A sua família política, o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, vem-se aproximando de posições da minoria de extrema-direita, sobretudo no atinente à diluição ou à eliminação da regulamentação ambiental. Os progressistas estão indignados com esta aproximação, por normalizar as políticas reacionárias, por desmantelar o cordão sanitário e por enfraquecer os pilares fundadores da UE.
Enquanto a grande coligação de partidos pró-europeus deverá conservar a sua maioria no poder, o PPE, enquanto maior formação, poderá fazer descarrilar este acordo duradouro, alinhando, caso a caso, com os partidos à direita. Em maio, o PPE recusou-se a assinar uma declaração conjunta de condenação da violência política, que incluía o compromisso de nunca cooperar com “partidos radicais a qualquer nível”. Depois, os liberais, que subscreveram a declaração, foram colocados numa situação de desordem, depois de os seus colegas holandeses terem chegado a um acordo de partilha do poder com a extrema-direita de Geert Wilders.
Estes acontecimentos inflamaram as tensões no período pré-eleitoral, provocando recriminações amargas e acusações entre rivais. A tensão culminará, quando Von der Leyen enfrentar a (potencial) audiência de confirmação, em setembro, o primeiro teste político para o novo PE, que deverá ser o mais turbulento da história do bloco. Porém, antes de mais, é preciso votar.
***
Piratas informáticos pró-Kremlin reivindicaram a responsabilidade por um ataque coordenado aos sites dos partidos políticos neerlandeses e das instituições da UE, no primeiro dia das eleições. Todavia, os Neerlandeses votaram e as primeiras projeções dão ligeira vantagem à esquerda frente à extrema-direita. Parece que o eleitorado quer a democracia e não se deixa intimidar. Votemos!

2024.06.06 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário