domingo, 2 de junho de 2024

O VCEN traz à nossa Igreja dinamismo sinodal e fervor eucarístico

De 31 de maio a 2 de junho de 2024, realizou-se em Braga, nos dias subsequentes à Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue do Cristo, o V Congresso Eucarístico Nacional (VCEN), por ocasião dos 100 anos da sua primeira edição, que ocorreu em Braga, em 1924.

Sob o tema “Partilhar o Pão, alimentar a Esperança. Reconheceram-No ao partir o Pão’.”, o Congresso reuniu cerca de 1400 participantes, quatro cardeais e 30 bispos, estando representadas todas as dioceses portuguesas.

Ao longo de três dias, além de conferências, painéis com testemunhos e workshops, tiveram lugar relevantes momentos celebrativos e culturais: Eucaristia, Adoração, Laudes, Vésperas, Oração do Terço do Rosário, Cantata eucarística, Exposição temática e a Peregrinação a pé ao Santuário de Nossa Senhora da Conceição do Sameiro, onde a Eucaristia de encerramento foi presidida pelo cardeal José Tolentino de Mendonça, Enviado Especial do Papa Francisco ao VCEN.

Estes foram dias festivos em que a Igreja em Portugal se reuniu para refletir e rezar a centralidade da Eucaristia na vida dos crentes e a missão, confiada a cada um que comunga o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, de ser esperança no Mundo e para o Mundo, numa época desafiante e de vertiginosas transformações.

No domingo, dia 2 de junho, milhares de fiéis participaram na Eucaristia de Encerramento – coroa da Peregrinação ao Sameiro – presidida pelo Enviado Especial do Papa, o cardeal português D. José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, que no dia 1, foi nomeado também membro do Dicastério para a Doutrina da Fé.

A Igreja em Portugal é chamada a ser uma Igreja eucarística, samaritana e mariana. O caminho foi apontado pelo cardeal, na homília da Eucaristia, no Santuário do Sameiro.

O prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação explicou que “uma Igreja eucarística é o contrário de uma Igreja clericalista”, é uma Igreja “configurada sinodalmente, que valoriza a participação de todos os batizados”, “de ‘portas abertas’, que se apresenta mais como experiência de serviço amoroso à vida, em vez da rigidez dos juízos que excluem”, apontou.

Segundo o eminente purpurado, a Igreja em Portugal é chamada também “a ser uma Igreja Samaritana”, que atualiza a linguagem da compaixão, “uma Igreja de proximidade, não indiferente nem esquiva, mas capaz de fazer suas ‘as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e todos aqueles que sofrem’.

No dizer do membro do Sacro Colégio, trata-se de uma Igreja “especialista em humanidade que, como insiste o Papa Francisco, “não aponta o dedo, mas abre os braços”, que “multiplica os tempos de escuta”, “artesã de encontros para lá da sua zona de conforto ou do seu perímetro habitual”, “capaz de diálogos e de abraços que testemunham a maternidade e a paternidade incondicionais de Deus”, “que sabe existir, não para condenar o Mundo, mas para lhe dar o pão que exprime o amor sem limites”, explanou. Para o português e membro da Cúria Romana, a Igreja em Portugal é ainda chamada a ser uma “Igreja mariana”, com traços de gentileza, contemplação e beleza.

“A gentileza é a expressão de um coração desarmado e manso, capaz de substituir a agressividade pela doçura e o conflito pelo reconhecimento das razões do outro. O Mundo precisa de comunidades crentes, que sejam reservas de gentileza e de cuidado”, observou.

Sobre o traço da contemplação, o cardeal Tolentino de Mendonça referiu que que a “Igreja tem necessidade de fazer prevalecer, em vez de uma máquina funcionalista, a sua dimensão mística”.

“A Igreja só intercetará a sede de espiritualidade do nosso tempo, se também ela se colocar a caminho, peregrina das perguntas, em vez de rotineira gestora de respostas”, alertou.

Já sobre o traço da beleza, partilhou com os milhares de fiéis que “como o pão é o alimento para o corpo, a beleza é o nutrimento da alma, sem o qual ela não persiste, nem ganha asas”. “Num tempo dominado pelo pragmatismo raso e pelas visões utilitaristas apenas, precisamos de uma nova mistagogia que inicie os cristãos na beleza de que são depositários”. Com Maria, “a Igreja aprende a ser custódia e artífice da beleza”, afirmou, indicando que a beleza da Eucaristia que tem de ser “celebrada como uma ‘obra de arte’ e vivida como a obra-prima que Jesus”.

Para Tolentino Mendonça, a partir deste Congresso Eucarístico, abre-se, agora, “uma estação de renovação e de caminho para a Igreja em Portugal”. “Há uma frescura, há um odor a Evangelho vivo, há uma imaginação do bem, que os nossos contemporâneos esperam da Igreja Portuguesa”, vincou. “A Igreja interceta o seu futuro, quando abre as portas a Cristo e se ancora, com decisão, nesse programa corajoso e real de revitalização que a eucaristia representa”. “Ontem como hoje, a Igreja encontra o sentido da sua vocação e missão ‘ao partir do pão’”, precisou

O cardeal pediu aos fiéis que pensem no significado do pão, afirmando que “as coisas mais belas e, infelizmente, também as mais infelizes acontecem em nome do pão”. “Falar do pão é falar da subsistência, das condições da vida material, daquilo que é tido como indispensável à manutenção da vida”, frisou.

Questionando o papel da Eucaristia na gestação de comunidades de esperança e na edificação de um mundo melhor, Tolentino de Mendonça advertiu que “a disputa pelo pão pode torná-lo um referente antieucarístico”, quando “instrumentalizado pelo egoísmo”, tornando-se “não o símbolo do amor, mas do egoísmo; não o que funda a prática da fraternidade, mas o signo da desigualdade social, da inquietante ideologia da exclusão e do descarte”. Segundo o cardeal Tolentino, “o pão pode ter o perfume da paz ou estar na origem dos inúteis conflitos tóxicos e das devastadoras guerras”. “Haverá solução? Este drama pode, alguma vez, resolver-se? – interrogou – “ou se estamos condenados a que o pão nos torne inimigos em vez de irmãos e iguais?”.

No ano em que se celebram os 50 anos da democracia portuguesa, o cardeal português assinalou a coincidência da celebração do Congresso Eucarístico para “repensar o contributo da Igreja na nossa sociedade, em acelerada transformação e que experimenta desafios epocais tão grandes como, por exemplo, as alianças intergeracionais e interculturais a construir urgentemente no Portugal contemporâneo”. “Uma aliança que garanta o pão do futuro para os jovens hoje cercados pela precariedade e o pão do amor para os mais velhos que não podem ser postos fora da equação social porque já não são produtivos”, apontou.

Já no início a Eucaristia, concelebrada por D. José Cordeiro, arcebispo de Braga, D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Ivo Scapolo, núncio apostólico em Portugal; e o cardeal D. António Marto, bispo emérito de Leiria-Fátima, D. José Tolentino de Mendonça começou por dizer que veio “trazer a bênção Apostólica do Papa Francisco”, “a sua benevolência, a sua vizinhança para com a Igreja portuguesa e a sua bênção paternal a cada um, a cada uma”. E, salientando que “cada ser humano guarda no seu coração a nostalgia e o desejo de uma bênção, isto é, a certeza de um incondicional amor, a garantia de que não está só, a confiança de que é acompanhado na vida”, o cardeal transmitiu que “é esta mensagem que o Papa Francisco quer transmitir à Igreja Portuguesa e a Portugal. Sintamo-nos, por isso, abençoados”.

No final da Eucaristia, foram plantadas quatro árvores pelos bispos metropolitas de Portugal – Braga, Évora e Lisboa – e pelo Enviado Especial do Papa, cardeal Tolentino de Mendonça, como “sinal de articulação entre a celebração da Eucaristia e a consciência ecológica integral”.

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Em ano de oração convocado pelo Papa e em pleno processo sinodal, depois da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 e antes do Jubileu de 2025 – “Peregrinos da Esperança” –, saíram do Congresso – que entrega, com toda a confiança a Maria, Mãe da Esperança, os bons frutos desta assembleia eclesial, para que a Igreja que vive e age em Portugal seja cada vez mais eucarística, samaritana e mariana – algumas conclusões, que servem de linhas orientadoras:

1. Redescobrir que a centralidade eucarística vai para além do domingo. A Eucaristia deve ser preparada e celebrada como verdadeiro encontro com Jesus Cristo Ressuscitado, evitando que se limite apenas a ser o cumprimento de um preceito. Para uma presença alegre, consciente, ativa e frutuosa da celebração urge uma mais cuidada formação litúrgica.

2. Manter as igrejas abertas e revalorizar a adoração eucarística. Os horários de abertura das igrejas devem ser adequados ao ritmo do Mundo hodierno, procurando estimular os momentos de oração pessoal e envolver os leigos, as confrarias do Santíssimo Sacramento, os/as catequistas e os demais agentes pastorais na dinamização dos momentos de adoração eucarística comunitária.

3. Procurar o equilíbrio entre a Tradição e a necessidade de introduzir novas linguagens na liturgia, integrando os jovens nesse processo de renovação e adequando a espiritualidade cristã aos ambientes digitais e ao mundo secularizado.

4. Reforçar a Eucaristia como escola de fraternidade e como sacramento de unidade. O encontro comunitário na celebração do domingo ultrapassa todas as fronteiras. Ao partilhar o pão, na mesa do altar, tornamo-nos companheiros de caminho e somos chamados a criar comunhão. A Eucaristia convoca todos, está aberta a todos e não afasta ninguém.

5. Garantir a autenticidade e coerência entre o que se vive e o que se anuncia. Quem participa, celebra e comunga tem de se sentir comprometido e impelido à missão. A Eucaristia celebrada na Igreja tem de ser expressa para além das suas portas, através das respostas reais às necessidades concretas das pessoas, estendendo o seu abraço a todos, especialmente aos mais pobres, indefesos e os que estão afastados.

6. Assumir a sinodalidade a partir da Eucaristia como lugar onde a Igreja se renova na comunhão, na participação e na missão.

7. Ser sinal de Esperança. O amor dos crentes à Eucaristia acreditada, celebrada, adorada e vivida consolida a fraternidade, promove o perdão e a paz, tornando-se fonte inesgotável de esperança para o mundo.

8. Ao realizar o V Congresso Eucarístico Nacional fica patente o desejo de uma periodicidade mais regular na sua realização, esperando que seja um contributo para a construção da paz, da esperança e um veemente apelo à promoção de uma ecologia integral.

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Já no dia 1, em conferência de imprensa, em Braga, o cardeal Tolentino Mendonça, afirmou que “a Eucaristia é um lugar de portas abertas, um lugar de inclusão”. “É uma mesa que não é de exclusão, mas é uma mesa da integração”, acrescentou, vincando que o pontificado de Francisco tem sido muito importante, “porque tem colocado em cima da mesa esse aspeto: a Eucaristia não pode ser um lugar de punição, mas tem de ser um lugar de encontro, onde as vidas saem reforçadas”. Observou que “a Eucaristia não aparece ligada ao mérito”, mas é “o dom radical que Jesus faz de si mesmo pela vida do Mundo”. “E aquele todos, todos, todos que o Papa Francisco incansavelmente repete é, sem dúvida, uma lição que em profundidade nós aprendemos na celebração da Eucaristia, que é o momento de arquitetura da comunidade”, sustentou.

Depois, defendeu que “a Eucaristia é um pão partido para um Mundo novo” e que é a partir da Eucaristia que os cristãos devem assumir “uma cultura que passa pelo compromisso concreto no Mundo e por uma colaboração com os outros homens e mulheres na construção de uma História mais justa, mais fraterna, mais solidária”. “Hoje, num tempo de tantas polarizações, onde um vento de pessimismo percorre os corações, e onde a Europa se vê ameaçada, hoje já, por uma guerra que nos toca tão profundamente, tudo aquilo que a Eucaristia representa é uma cultura de paz, é uma mensagem necessária num contexto divisivo, como é aquele que, infelizmente, hoje o mundo vive”, porfiou.

O cardeal partilhou ainda com os jornalistas “a muita alegria” com que aceitou esta missão que o Papa lhe confiou, também para “testemunhar esta benevolência do Santo Padre para Portugal e a maneira como ele olha para o nosso país”.

Questionado sobre o que esperava encontrar no Sameiro, o cardeal assumiu estar “curioso pelo olhar de Maria, que é aquele olhar que está à espera de todos”. “E esse encontro com Maria, no âmbito da espiritualidade Eucarística, será, sem dúvida, para todos, um ponto focal muito importante”, apontou, a par da “redescoberta de uma espiritualidade eucarística, que é sempre aquela que coloca Jesus no centro e parte e reparte do Evangelho”.

D. José Tolentino de Mendonça disse esperar encontrar também uma espiritualidade samaritana de uma Igreja que se faz serviço, de proximidade, de compaixão, que, certamente, é mais pobre em recursos, mas é chamada a colaborar de uma forma humilde, aceitando que a Eucaristia se conta como um lava-pés, como lavar os pés da Humanidade”.

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Espera-se que, de Braga, o Congresso passe a contaminar todo o país. Precisamos que saia do papel e entre na vida das pessoas e das instituições. A Igreja precisa de ser alegre e serviçal, como a Mãe de Jesus, grata eucaristicamente, em Jesus pelo Mundo, e samaritana, a olhar para os deixados na valeta (como o bom samaritano do Evangelho de Lucas) e a vibrar com a surpresa do divino (como a samaritana apresentada no Evangelho de João. Cá estamos para cooperar!

2024.06.02 – Louro de Carvalho

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