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22 de junho, celebrou-se a memória litúrgica de S. Tomás More ou Morus,
proclamado padroeiro dos governantes, dos advogados e dos políticos por S. João
Paulo II e que sustentava que “o homem não pode ser separado de Deus, nem a
política da moral”. Foi político, professor de direito e advogado do século
XVI, cuja vida pode dar ensinamentos a profissionais do direito e da política
do século XXI. Morreu mártir, por se negar a reconhecer o divórcio do rei
Henrique VIII e o projeto de Igreja liderada pelo rei da Inglaterra e não pelo
Papa.
Tomás More
nasceu, a 7 de fevereiro de 1478, em Londres, a capital da Inglaterra (hoje, também
do Reino Unido). Era filho de uma família cristã, que educou os filhos na fé.
Com apenas 13 anos, assumiu o trabalho de mensageiro do arcebispo de
Canterbury. O arcebispo notou a inteligência brilhante do adolescente e
enviou-o para estudar na Universidade de Oxford. O pai de Tomás More era juiz,
mas enviava ao filho somente o necessário para as suas despesas.
Mantendo
sempre uma vida de fé, graduou-se em Direito e exerceu a profissão liberal de
advogado, com uma carreira bem-sucedida que o levou ao parlamento.
Aos 22 anos, já era doutor em Direito.
Além disso, tornara-se professor brilhante. Sem dinheiro, no início, a sua
distração era ler e escrever bons livros. Dotado de mente brilhante, era
culto, grande intelectual e muito simpático. Além disso, era dono de humor
excelente e de fortíssima devoção cristã.
Tomás More
pensou em tornar-se religioso. Por isso, viveu durante quatro anos num
mosteiro, mas viu que não tinha vocação monástica. Depois, tentou ser
franciscano, mas viu que também não seria caminho. Então, descobriu que a sua
vocação era o matrimónio. Então, casou com Jane Colt, com quem teve um filho e
três filhas. Após a morte da esposa, casou com Alice Middleton.
Desempenhou as suas funções de marido e de pai de maneira excelente. Era sempre presente e carinhoso. Mas tinha também a vocação para a política e para a literatura.
Em 1516, escreveu
o seu livro mais famoso, conhecido como “Utopia” e que chamou a atenção de
Henrique VIII, que lhe atribuiu, em 1529, o cargo de Lord Chancellor (Chanceler
do Reino – o primeiro leigo em vários séculos).
Quando o rei
Henrique VIII continuava com a intenção de repudiar a esposa, para se casar com
outra, e planeava separar-se da Igreja de Roma, para formar a Igreja anglicana
sob a sua autoridade, Tomás More renunciou. Em seguida, dedicou-se a escrever
em defesa da Igreja e com o seu amigo, o arcebispo S. João Fisher, recusou-se a
obedecer ao rei como “cabeça” da Igreja. Ambos, fiéis a Cristo, foram presos.
Alguns meses após a prisão, executaram S. João Fisher e, posteriormente, S.
Tomás, condenados como traidores do reino.
Depois de
passar 14 meses na prisão, antes de ser executado, o santo disse à multidão:
“Morrerei como bom servidor do rei, mas sobretudo como servo de Deus.” Foi
decapitado a 6 de julho de 1535. O dia de S. Tomás More é comemorado a 22 de
junho, juntamente com S. João Fisher.
“A vida de S.
Tomás More ilustra, com clareza, uma verdade fundamental da ética política. De
facto, a defesa da liberdade da Igreja, face a indevidas ingerências do Estado
é, simultaneamente, uma defesa em nome do primado da consciência, da liberdade
da pessoa, frente ao poder político. Está aqui o princípio basilar de qualquer
ordem civil respeitadora da natureza do homem”, disse São João Paulo II no ano
2000.
***
O advogado e
mestre em Direito, Alberto González Cáceres, presidente do Centro de Estudos
Jurídicos Santo Tomás More, do Peru, falou da férrea “defesa da consciência e
da verdade” deste santo. “Refiro-me à única verdade: a que nos diz que ‘Eu sou
a verdade, o Caminho e a Vida’. Não a verdade relativista do Mundo atual que
não hesita em justificar os seus vícios com meias verdades e nos apresenta
falsos caminhos”, disse em entrevista à ACI
Prensa.
González
Cáceres sustenta que, embora Tomás More tenha sido um advogado com “muito
talento jurídico”, era, acima de tudo, “um homem de família, muito dedicado à
mulher e aos filhos e comprometido nas suas obrigações profissionais” […] Especificamente,
era um homem correto”.
Foi preso e
morreu mártir, por permanecer fiel ao primado do Papa e por não aceitar que
Henrique VIII se separasse da Igreja Católica, para se divorciar e se casar
novamente. Por isso, também é lembrado por defender, com a vida, a
indissolubilidade do matrimónio.
“À medida que Henrique VIII se vai entregando às suas paixões e em que o Mundo do seu tempo se vai rendendo com pouca oposição ao poder e às leis que justificam as suas imoralidades, surge o momento dos homens de verdade, aqueles que não se submetem ao poder efémero e à bajulação dos poderosos”, considerou González, observando que, “diante dessas circunstâncias, S. Tomás More entrega a vida dele em defesa da sua própria consciência”, consciência reta que o obrigou a permanecer firme na defesa da Igreja de Jesus Cristo: “a Igreja Católica Apostólica Romana”.
Do seu
padroeiro o que mais impressiona González é “a sua firmeza durante o martírio”.
“A sua firmeza enquanto estava preso, sozinho e abandonado na
Torre de Londres [convocado, excecionalmente,
para fazer o juramento a 17 de abril de 1534, recusou]; e o seu
brilho e calma total quando finalmente foi decapitado”, disse o advogado
católico, lembrando que “os cristãos são chamados a ser outros Cristos”, assim
como o fez Tomás More.
“Ele é o
modelo do mártir, mas vamos abordar o martírio não como a morte que acaba com
as nossas vidas terrenas”, comentou, especificando: “Refiro-me ao martírio do
homem, que se nega a si mesmo por amor à esposa; ao martírio do filho, que se
nega por amor aos pais; ao martírio do governante, pelo amor e pelo bem do seu
povo; ao martírio do funcionário, que faz a coisa certa para o bem da
comunidade.”
González
disse que isso “é o que Jesus Cristo e sua mãe Maria Santíssima nos ensinaram”.
Por outro lado, Tomás More estava perto
dos pobres e necessitados. Visitava-os sempre, para compreender as suas
necessidades e as atender. A sua casa era um verdadeiro contraste: vivia cheia
de intelectuais e de pessoas simples e humildes. O seu prazer estava muito mais
na companhia dos pobres do que na dos ricos. Assim, evitava a vida luxuosa e
mundana da corte. Era muito admirado pela esposa e pelos filhos, por causa do
seu caráter e do bom humor que mantinha constantemente, em todas as situações.
O seu contributo para a literatura
universal foi marcante. Foi autor de obras famosas, tais como: “O diálogo do conforto
contra as tribulações”, um dos livros mais respeitados de toda a
literatura britânica. E escreveu outros livros famosos, como: “Utopia”; “Oração para o bom humor”; “Um homem só” (Cartas da torre); “Os
Novíssimos”; “Réplica a Martinho Lutero”; “Diálogo contra as heresias”; “Súplica das Almas”; “Refutação da Resposta de Tyndale”; “Debelação de Salem e Bizâncio”; “Tratado sobre a Paixão de Cristo”; “Expositio Passionis”; “Tratado para receber o Corpo de Nosso Senhor”;
“Piedosa Instrução”; “Orações”;
“Epitáfio”; “Vida de Pico della Mirandola”;
“História de Ricardo III”; “Thomae Mori Opera Omnia Latina”; “Um homem
para todas as horas” (Correspondência de Tomás Moro); “Diálogo da fortaleza contra a tribulação”; “A Agonia de Cristo”; e “A Apologia”.
Tomás More foi chanceler durante pouco
tempo. O rei Henrique VIII, que o nomeara em 1529, quis desfazer, no ano
seguinte, o seu casamento legítimo com a rainha Catarina de Aragão. A sua
intenção era unir-se a uma cortesã chamada Ana Bolena. Houve longa polémica
sobre o assunto, de forma que a Igreja e o país se envolveram. Henrique VIII
acabou por casar com Ana Bolena. Para tanto, usou o Parlamento da Inglaterra,
que se dobrou ante o rei e proclamou o Ato de Supremacia, que dava poderes de
chefe da Igreja local ao rei e a seus sucessores.
Depois da usurpação do poder
eclesiástico, o rei mandou que os seus opositores fossem presos e mortos. Entre
os opositores figuravam o chanceler Tomás More e o arcebispo de Rochester, o
cardeal João Fisher, os mais influentes da corte inglesa. Ambos foram
decapitados. João morreu primeiro, a 22 de junho de 1535. Duas semanas mais
tarde, Tomás entregava a alma a Deus da mesma maneira. A família chegou a pedir
que renegasse a fé e fugisse com ela, mas ele preferiu a morte a renegar a fé. Tomás
More registou a sua irreverência diante daquela farsa montada pelo rei, através
de declaração pública pronunciada antes da sua morte: “Sedes minhas testemunhas
de que eu morro na fé e pela fé da Igreja de Roma e morro fiel servidor de Deus
e do rei, mas primeiro de Deus. Rogai a Deus a fim de que ilumine o rei e o
aconselhe.”
S. Tomás More e o santo bispo Dom
João foram mártires da Inglaterra. Deram testemunho cristão até ao fim,
defenderam a unidade da Igreja Católica Apostólica Romana, numa época de muita
violência e de paixões desordenadas. Os dois são exemplos reverenciados na
Igreja.
Devido à sua retidão
e exemplo de vida cristã, foram reconhecidos como mártires e,
depois, declarados beatos, juntamente com mais 54 mártires ingleses, a 29 de
dezembro de 1886, por decreto do Papa Leão XIII. A canonização dos dois foi celebrada
na mesma cerimónia, através do papa Pio XI, no ano 1935. O Papa instituiu o dia
22 de junho para a celebração festiva dos dois. No ano 2000, o Papa João
Paulo II declarou S. Tomás More como Padroeiro dos Políticos, dos Estadistas e
dos Advogados.
Em 1557, o seu
genro, William Roper, escreveu a sua primeira biografia, mas desde a sua
beatificação e posterior canonização publicaram-se muitas outras.
É tocante a oração composta por São Tomás More: “Se eu me distraio, a
Eucaristia ajuda-me a recolher-me. Se me oferecem oportunidades para ofender a
Deus, apego-me, cada dia mais, à Eucaristia e fujo do erro. Se necessito de uma
luz especial e de prudência para desempenhar minhas pesadas obrigações, achego-me
ao Senhor e busco o seu conselho e iluminação.”
***
Talvez por ter exercido um alto cargo
na governação do Reino, o eu martírio apresenta a crueza da seguinte
particularidade. Pela sentença, o réu era condenado “a ser suspenso pelo
pescoço” e a cair em terra ainda vivo. Depois seria esquartejado e decapitado.
Em atenção à importância do condenado, o rei, “por clemência”, reduziu a pena a
simples decapitação. Ao ter conhecimento disto, Tomás comentou: “Não permita Deus que o rei tenha
semelhantes clemências com os meus amigos.” No momento da execução,
pediu aos presentes que orassem pelo monarca, dizendo que “morria como bom servidor do rei, mas de
Deus, primeiro”. Está sepultado na Capela Real de S. Pedro ad Vincula.
A sua cabeça
foi exposta na ponte de Londres, durante um mês, foi posteriormente recolhida
pela sua filha, Margaret Roper.
Na véspera da
sua execução, enviou à sua filha Meg a
camisa-cilício e uma pequena carta escrita com a ponta de um graveto (foi por
este meio que deu a conhecer as últimas palavras que escreveu.
Nem no cárcere nem na hora da execução perdeu a serenidade e o bom humor
e, ante as próprias dificuldades, reagia com ironia. Mesmo nos últimos quatro
dias de vida não abandonou os rigores da penitência, com desejos de purificação.
A execução de
Thomas More na Torre de Londres, a 6 de julho de 1535, “antes das nove
horas”, ordenada por Henrique VIII, foi considerada uma das mais graves e
injustas sentenças aplicadas pelo Estado contra um homem de honra, consequência
de uma atitude despótica e de vingança pessoal do rei.
Um santo, um
belo exemplo de homem, de cidadão!
2024.06.22 –
Louro de Carvalho
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