sábado, 22 de junho de 2024

S. Tomás More, padroeiro dos governantes, dos políticos e dos advogados

 

A 22 de junho, celebrou-se a memória litúrgica de S. Tomás More ou Morus, proclamado padroeiro dos governantes, dos advogados e dos políticos por S. João Paulo II e que sustentava que “o homem não pode ser separado de Deus, nem a política da moral”. Foi político, professor de direito e advogado do século XVI, cuja vida pode dar ensinamentos a profissionais do direito e da política do século XXI. Morreu mártir, por se negar a reconhecer o divórcio do rei Henrique VIII e o projeto de Igreja liderada pelo rei da Inglaterra e não pelo Papa.

Tomás More nasceu, a 7 de fevereiro de 1478, em Londres, a capital da Inglaterra (hoje, também do Reino Unido). Era filho de uma família cristã, que educou os filhos na fé. Com apenas 13 anos, assumiu o trabalho de mensageiro do arcebispo de Canterbury. O arcebispo notou a inteligência brilhante do adolescente e enviou-o para estudar na Universidade de Oxford. O pai de Tomás More era juiz, mas enviava ao filho somente o necessário para as suas despesas.

Mantendo sempre uma vida de fé, graduou-se em Direito e exerceu a profissão liberal de advogado, com uma carreira bem-sucedida que o levou ao parlamento.

Aos 22 anos, já era doutor em Direito. Além disso, tornara-se professor brilhante. Sem dinheiro, no início, a sua distração era ler e escrever bons livros. Dotado de mente brilhante, era culto, grande intelectual e muito simpático. Além disso, era dono de humor excelente e de fortíssima devoção cristã.

Tomás More pensou em tornar-se religioso. Por isso, viveu durante quatro anos num mosteiro, mas viu que não tinha vocação monástica. Depois, tentou ser franciscano, mas viu que também não seria caminho. Então, descobriu que a sua vocação era o matrimónio. Então, casou com Jane Colt, com quem teve um filho e três filhas. Após a morte da esposa, casou com Alice Middleton. 

Desempenhou as suas funções de marido e de pai de maneira excelente. Era sempre presente e carinhoso. Mas tinha também a  vocação para a política e para a literatura.

Em 1516, escreveu o seu livro mais famoso, conhecido como “Utopia” e que chamou a atenção de Henrique VIII, que lhe atribuiu, em 1529, o cargo de Lord Chancellor (Chanceler do Reino – o primeiro leigo em vários séculos).

Quando o rei Henrique VIII continuava com a intenção de repudiar a esposa, para se casar com outra, e planeava separar-se da Igreja de Roma, para formar a Igreja anglicana sob a sua autoridade, Tomás More renunciou. Em seguida, dedicou-se a escrever em defesa da Igreja e com o seu amigo, o arcebispo S. João Fisher, recusou-se a obedecer ao rei como “cabeça” da Igreja. Ambos, fiéis a Cristo, foram presos. Alguns meses após a prisão, executaram S. João Fisher e, posteriormente, S. Tomás, condenados como traidores do reino.

Depois de passar 14 meses na prisão, antes de ser executado, o santo disse à multidão: “Morrerei como bom servidor do rei, mas sobretudo como servo de Deus.” Foi decapitado a 6 de julho de 1535. O dia de S. Tomás More é comemorado a 22 de junho, juntamente com S. João Fisher.

“A vida de S. Tomás More ilustra, com clareza, uma verdade fundamental da ética política. De facto, a defesa da liberdade da Igreja, face a indevidas ingerências do Estado é, simultaneamente, uma defesa em nome do primado da consciência, da liberdade da pessoa, frente ao poder político. Está aqui o princípio basilar de qualquer ordem civil respeitadora da natureza do homem”, disse São João Paulo II no ano 2000.

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O advogado e mestre em Direito, Alberto González Cáceres, presidente do Centro de Estudos Jurídicos Santo Tomás More, do Peru, falou da férrea “defesa da consciência e da verdade” deste santo. “Refiro-me à única verdade: a que nos diz que ‘Eu sou a verdade, o Caminho e a Vida’. Não a verdade relativista do Mundo atual que não hesita em justificar os seus vícios com meias verdades e nos apresenta falsos caminhos”, disse em entrevista à ACI Prensa.

González Cáceres sustenta que, embora Tomás More tenha sido um advogado com “muito talento jurídico”, era, acima de tudo, “um homem de família, muito dedicado à mulher e aos filhos e comprometido nas suas obrigações profissionais” […] Especificamente, era um homem correto”.

Foi preso e morreu mártir, por permanecer fiel ao primado do Papa e por não aceitar que Henrique VIII se separasse da Igreja Católica, para se divorciar e se casar novamente. Por isso, também é lembrado por defender, com a vida, a indissolubilidade do matrimónio.

“À medida que Henrique VIII se vai entregando às suas paixões e em que o Mundo do seu tempo se vai rendendo com pouca oposição ao poder e às leis que justificam as suas imoralidades, surge o momento dos homens de verdade, aqueles que não se submetem ao poder efémero e à bajulação dos poderosos”, considerou González, observando que, “diante dessas circunstâncias, S. Tomás More entrega a vida dele em defesa da sua própria consciência”, consciência reta que o obrigou a permanecer firme na defesa da Igreja de Jesus Cristo: “a Igreja Católica Apostólica Romana”.

Do seu padroeiro o que mais impressiona González é “a sua firmeza durante o martírio”.

“A sua firmeza enquanto estava preso, sozinho e abandonado na Torre de Londres [convocado, excecionalmente, para fazer o juramento a 17 de abril de 1534, recusou]; e o seu brilho e calma total quando finalmente foi decapitado”, disse o advogado católico, lembrando que “os cristãos são chamados a ser outros Cristos”, assim como o fez Tomás More.

“Ele é o modelo do mártir, mas vamos abordar o martírio não como a morte que acaba com as nossas vidas terrenas”, comentou, especificando: “Refiro-me ao martírio do homem, que se nega a si mesmo por amor à esposa; ao martírio do filho, que se nega por amor aos pais; ao martírio do governante, pelo amor e pelo bem do seu povo; ao martírio do funcionário, que faz a coisa certa para o bem da comunidade.”

González disse que isso “é o que Jesus Cristo e sua mãe Maria Santíssima nos ensinaram”.

Por outro lado, Tomás More estava perto dos pobres e necessitados. Visitava-os sempre, para compreender as suas necessidades e as atender. A sua casa era um verdadeiro contraste: vivia cheia de intelectuais e de pessoas simples e humildes. O seu prazer estava muito mais na companhia dos pobres do que na dos ricos. Assim, evitava a vida luxuosa e mundana da corte. Era muito admirado pela esposa e pelos filhos, por causa do seu caráter e do bom humor que mantinha constantemente, em todas as situações.

O seu contributo para a literatura universal foi marcante. Foi autor de obras famosas, tais como: “O diálogo do conforto contra as tribulações”, um dos livros mais respeitados de toda a literatura britânica. E escreveu outros livros famosos, como: “Utopia”; “Oração para o bom humor”; “Um homem só” (Cartas da torre); “Os Novíssimos”; “Réplica a Martinho Lutero”; “Diálogo contra as heresias”; “Súplica das Almas”; “Refutação da Resposta de Tyndale”; “Debelação de Salem e Bizâncio”; “Tratado sobre a Paixão de Cristo”; “Expositio Passionis”; “Tratado para receber o Corpo de Nosso Senhor”; “Piedosa Instrução”; “Orações”; “Epitáfio”; “Vida de Pico della Mirandola”; “História de Ricardo III”; “Thomae Mori Opera Omnia Latina”; “Um homem para todas as horas” (Correspondência de Tomás Moro); “Diálogo da fortaleza contra a tribulação”; “A Agonia de Cristo”; e “A Apologia”.

Tomás More foi chanceler durante pouco tempo. O rei Henrique VIII, que o nomeara em 1529, quis desfazer, no ano seguinte, o seu casamento legítimo com a rainha Catarina de Aragão. A sua intenção era unir-se a uma cortesã chamada Ana Bolena. Houve longa polémica sobre o assunto, de forma que a Igreja e o país se envolveram. Henrique VIII acabou por casar com Ana Bolena. Para tanto, usou o Parlamento da Inglaterra, que se dobrou ante o rei e proclamou o Ato de Supremacia, que dava poderes de chefe da Igreja local ao rei e a seus sucessores.

Depois da usurpação do poder eclesiástico, o rei mandou que os seus opositores fossem presos e mortos. Entre os opositores figuravam o chanceler Tomás More e o arcebispo de Rochester, o cardeal João Fisher, os mais influentes da corte inglesa. Ambos foram decapitados. João morreu primeiro, a 22 de junho de 1535. Duas semanas mais tarde, Tomás entregava a alma a Deus da mesma maneira. A família chegou a pedir que renegasse a fé e fugisse com ela, mas ele preferiu a morte a renegar a fé. Tomás More registou a sua irreverência diante daquela farsa montada pelo rei, através de declaração pública pronunciada antes da sua morte: “Sedes minhas testemunhas de que eu morro na fé e pela fé da Igreja de Roma e morro fiel servidor de Deus e do rei, mas primeiro de Deus. Rogai a Deus a fim de que ilumine o rei e o aconselhe.”

S. Tomás More e o santo bispo Dom João foram mártires da Inglaterra. Deram testemunho cristão até ao fim, defenderam a unidade da Igreja Católica Apostólica Romana, numa época de muita violência e de paixões desordenadas. Os dois são exemplos reverenciados na Igreja.

Devido à sua retidão e exemplo de vida cristã, foram reconhecidos como mártires e, depois, declarados beatos, juntamente com mais 54 mártires ingleses, a 29 de dezembro de 1886, por decreto do Papa Leão XIII. A canonização dos dois foi celebrada na mesma cerimónia, através do papa Pio XI, no ano 1935. O Papa instituiu o dia 22 de junho para a celebração festiva dos dois. No ano 2000, o Papa João Paulo II declarou S. Tomás More como Padroeiro dos Políticos, dos Estadistas e dos Advogados.

Em 1557, o seu genro, William Roper, escreveu a sua primeira biografia, mas desde a sua beatificação e posterior canonização publicaram-se muitas outras.

É tocante a oração composta por São Tomás More: “Se eu me distraio, a Eucaristia ajuda-me a recolher-me. Se me oferecem oportunidades para ofender a Deus, apego-me, cada dia mais, à Eucaristia e fujo do erro. Se necessito de uma luz especial e de prudência para desempenhar minhas pesadas obrigações, achego-me ao Senhor e busco o seu conselho e iluminação.”

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Talvez por ter exercido um alto cargo na governação do Reino, o eu martírio apresenta a crueza da seguinte particularidade. Pela sentença, o réu era condenado “a ser suspenso pelo pescoço” e a cair em terra ainda vivo. Depois seria esquartejado e decapitado. Em atenção à importância do condenado, o rei, “por clemência”, reduziu a pena a simples decapitação. Ao ter conhecimento disto, Tomás comentou: “Não permita Deus que o rei tenha semelhantes clemências com os meus amigos.” No momento da execução, pediu aos presentes que orassem pelo monarca, dizendo que “morria como bom servidor do rei, mas de Deus, primeiro”. Está sepultado na Capela Real de S. Pedro ad Vincula.

A sua cabeça foi exposta na ponte de Londres, durante um mês, foi posteriormente recolhida pela sua filha, Margaret Roper.

Na véspera da sua execução, enviou à sua filha Meg a camisa-cilício e uma pequena carta escrita com a ponta de um graveto (foi por este meio que deu a conhecer as últimas palavras que escreveu.

Nem no cárcere nem na hora da execução perdeu a serenidade e o bom humor e, ante as próprias dificuldades, reagia com ironia. Mesmo nos últimos quatro dias de vida não abandonou os rigores da penitência, com desejos de purificação.

A execução de Thomas More na Torre de Londres, a 6 de julho de 1535, “antes das nove horas”, ordenada por Henrique VIII, foi considerada uma das mais graves e injustas sentenças aplicadas pelo Estado contra um homem de honra, consequência de uma atitude despótica e de vingança pessoal do rei.

Um santo, um belo exemplo de homem, de cidadão!

2024.06.22 – Louro de Carvalho

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