Depois de um
processo de escolha moroso, Mark Rutte, primeiro-ministro dos Países Baixos,
foi nomeado, a 26 de junho, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (NATO), sucedendo ao norueguês Jens Stoltenberg. A decisão foi anunciada
depois da reunião do Conselho do Atlântico Norte. “Hoje, o Conselho do
Atlântico Norte decidiu nomear o primeiro-ministro neerlandês Mark Rutte como
próximo secretário-geral da NATO, sucedendo a Jens Stoltenberg”, dá conta uma
breve nota divulgada pela Aliança Atlântica.
Mark Rutte,
de 57 anos, deverá iniciar funções a 1 de outubro, quando termina o mandato de
Jens Stoltenberg, economista e político norueguês, que foi líder do Partido
Trabalhista e serviu de primeiro-ministro da Noruega, de 2000 a 2001 e de 2005 a
2013.
Na rede
social X, Jens Stoltenberg,
secretário-geral cessante, saudou “calorosamente a escolha dos aliados da NATO”
para seu sucessor. “O Mark é um verdadeiro transatlântico, um líder forte, um
criador de consensos”, vincou.
O
primeiro-ministro neerlandês
era já o único candidato ao cargo,
após a desistência do Presidente da Roménia, Klaus Iohannis, a 20 de junho, e o
endosso da candidatura de Mark Rutte. E a sua nomeação já era esperada, uma vez
que os 32 Estados-membros da NATO já tinham anunciado o apoio à sua
candidatura.
Assim,
ficará o
primeiro-ministro cessante dos Países Baixos no comando da maior organização de
segurança do Mundo, num momento crítico para a segurança europeia, com a guerra
a assolar a Ucrânia. A nomeação foi selada pelos embaixadores da NATO, numa
reunião na sede da Aliança de 32 nações, em Bruxelas. O Presidente dos EUA, Joe
Biden, e os seus homólogos dar-lhe-ão, formalmente, as boas-vindas à sua mesa,
numa cimeira em Washington, de 9 a 11 de julho.
O primeiro-ministro neerlandês
cessante sucederá, a 1 de outubro, ao atual secretário-geral, o norueguês Jens
Stoltenberg, que esteve ao leme durante mais de uma década. O seu mandato de
quatro anos foi renovado por mais quatro e prorrogado por mais dois, em parte,
para garantir a continuidade do funcionamento da Aliança, após a invasão da
Ucrânia pela Rússia, em 2022.
A
nomeação de Mark Rutte tornou-se uma formalidade, depois de o seu
único rival para o cargo, o Presidente romeno Klaus Iohannis, ter anunciado que
tinha abandonado a corrida, por não ter conseguido ganhar força.
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Mark Rutte, natural de Haia, nos Países Baixos, é
filho de Izaäk Rutte, empresário que trabalhou nas Índias Orientais Holandesas,
que abrangia todo o território da Indonésia, no período colonial neerlandês. Na
adolescência, queria ser pianista, pelo que ponderou frequentar um
conservatório, mas acabou por estudar História, na Universidade de Leiden, no Sul
dos Países Baixos, concluindo a sua formação académica em 1992.
Durante o período académico, iniciou o contacto com a
vida política e integrou a direção da Organização da Juventude para a Liberdade
e Democracia, a juventude partidária do Partido Popular para a Liberdade e
Democracia (VDD). Concluída a formação superior, começou a trabalhar na
multinacional Unilever, especificamente na subsidiária Calvé. No grupo
empresarial, ocupou funções de gestão do departamento de recursos humanos.
O percurso político começou, realmente, em 1993,
quando entrou para a direção nacional do VDD. Dez anos mais tarde, em 2003, foi
eleito deputado, mas exerceu aquelas funções apenas entre janeiro e maio desse
ano. Entre julho de 2002 e junho de 2004, foi secretário de Estado no
Ministério dos Assuntos Sociais e Emprego e, nos dois anos seguintes, foi
secretário de Estado para o Ensino Superior e Ciência, regressando, depois, à
vida parlamentar.
Foi eleito presidente do VDD, a 31 de maio de 2006,
mas perdeu as eleições legislativas desse ano, não ultrapassando os 14,67% e os
22 deputados. Porém, quatro anos mais tarde, em 2010, o VDD venceu as eleições
legislativas e conquistou 31 lugares no hemiciclo, tornando-se, pela primeira
vez, o partido mais votado. E, desde então, Rutte cumpriu quatro mandatos consecutivos enquanto
primeiro-ministro.
Porém, nem tudo foi um mar de rosas. O seu terceiro governo de
coligação renunciou no início de 2021, devido a escândalo com
benefícios estatais que foram retirados, injustamente, a milhares de famílias. Alguns
meses depois, Mark Rutte provou ser um mestre da sobrevivência, liderando o VDD
para a vitória nas eleições nacionais e formando a quarta e última
coligação governamental. Porém, nesse quarto mandato, a sua credibilidade política foi
abalada pelo “Nokiagate”, quando foi descoberto que tinha apagado mensagens de
um antigo telemóvel Nokia, violando a legislação sobre o arquivo de material que
pode ser de interesse público.
Na altura, alegou que só apagara as mensagens por
falta de memória do telemóvel, mas a sua posição ficou fragilizada na opinião
pública, acusado pela oposição de falhar uma das promessas eleitorais, atinente
ao aumento da credibilidade dos decisores políticos e transparência.
Demitiu-se em julho de 2023, quando a
sua coligação de quatro partidos se desentendeu sobre a forma de controlar a
migração.
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, Rutte tem
sido uma das vozes mais contundentes na condenação da intervenção militar do
Kremlin e na necessidade de dar apoio contínuo à Ucrânia. No entanto, no seu
currículo não há passagens pelo Ministério da Defesa ou ligações à área da
segurança. Só se lhe pode imputar o esforço coletivo do seu governo para
aumentar o investimento na área da Defesa, em linha com os objetivos traçados
pelos estados-membros da NATO.
A previsão da Aliança Atlântica é de que, neste ano os
Países Baixos atinjam o mínimo de 2% do seu produto interno bruto (PIB) em
despesas com Defesa. Porém, a força de Rutte está na sua capacidade negocial e
em gerar consensos. Quatro mandatos consecutivos enquanto primeiro-ministro só
foram possíveis com coligações, com partidos em algumas matérias diametralmente
opostos.
Ao nível da União Europeia (UE), Mark Rutte também
demonstrou capacidade para gerar consensos, sendo um dos negociadores ao nível
do Conselho Europeu para defender as posições liberais. Esteve até na
conceção da proposta que inclui António Costa para presidente do próximo
Conselho Europeu.
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Apesar de ter sido um dos políticos
de topo da Europa, durante anos, Rutte tem-se mantido com os pés assentes na
terra. É frequente vê-lo a andar de bicicleta pela sua cidade natal, Haia, ou a
caminhar do escritório para uma reunião enquanto come uma maçã. Quando entregou
a carta de demissão do seu governo ao Rei Willem-Alexander, em 2023, dirigiu-se
a um ornamentado palácio real numa carrinha Saab.
Enquanto foi primeiro-ministro
neerlandês, foi um forte apoiante da Ucrânia e do seu direito a defender-se,
após a invasão russa de 2022. Sob a sua liderança, os Países Baixos prometeram
equipamento militar a Kiev, incluindo tanques Leopard e jatos de combate F-16.
A guerra no
flanco Leste da Europa foi uma das razões que o levaram a procurar o cargo de
chefe da NATO. “Com tudo o que aconteceu na Ucrânia, com a instabilidade no Mundo
e com algumas pessoas que pensaram que eu poderia fazê-lo, não se pode simplesmente
deixar isso de lado”, justificou. “E é, claro, um trabalho incrivelmente
interessante”, opinou.
Com sorriso largo e aperto de mão
firme nas cimeiras da União Europeia (UE), Mark Rutte desenvolveu fortes
relações de trabalho com líderes poderosos, como a antiga chanceler alemã Angela
Merkel e o francês Emmanuel Macron. Também visitou Joe Biden e Donald Trump, em
Washington. “Como veterano das cimeiras da UE, Rutte terá uma compreensão
diferente da complexa relação NATO-UE do que Stoltenberg”, disse Oana Lungescu
(jornalista romena, que foi, entre 2010 e setembro de 2023, foi a principal
porta-voz da NATO e que, em 2024, ingressou no Royal United Services Institute
(RUSI), um think tank de defesa e segurança do Reino Unido). “Mas também terá
de garantir que os esforços da UE em matéria de defesa complementam, em vez de
prejudicarem, a NATO, neste momento crítico”, acentuou.
Apesar de os Países Baixos, sob a
liderança de Mark Rutte, não terem conseguido cumprir o objetivo da NATO de
gastar 2% do seu PIB em defesa, espera-se que, neste ano, ultrapassem essa
marca. Com efeito, as estimativas da NATO sugerem que os Países Baixos gastarão
2,05% do seu PIB, contra cerca de 1,2% há uma década, quando os aliados se
comprometeram a aumentar os seus orçamentos militares, após a anexação da
Crimeia pela Rússia, em 2014.
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A 20 de junho, o presidente da
Roménia retirou-se da corrida para o cargo mais alto da Aliança, Atlântica, deixando
Rutte como o único candidato na corrida para liderar a maior organização
militar do mundo a partir de outubro.
“Levou muito tempo. É um processo
complicado, mas é uma honra que parece ter acontecido”, afirmou Rutte, em
declarações aos jornalistas em Haia, após a Roménia ter declarado apoio à sua
candidatura e a retirada de Klaus Iohannis. Garantir a nomeação para o cargo de
secretário-geral da NATO exigiu todas as habilidades diplomáticas de Mark Rutte.
E requereu convencer os mais céticos, incluindo o primeiro-ministro húngaro
Viktor Orbán e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, a apoiar a sua candidatura.
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O secretário-geral é o principal
funcionário público da NATO. É o diplomata internacional responsável por
coordenar o funcionamento da aliança, liderando o pessoal internacional da NATO,
presidindo às reuniões do Conselho do Atlântico Norte e dos
principais comités da aliança, com a exceção do Comité Militar da NATO, e
atuando como porta-voz da NATO.
O
secretário-geral não tem papel de comando militar, nem de líder político (não
se percebendo como as suas declarações são tão ousadas). Decisões políticas,
militares e estratégicas repousam sobre os estados-membros. Juntamente com o
presidente do Comité Militar da NATO e o comandante supremo aliado, o titular
do cargo é um dos principais funcionários organização.
A NATO,
criada a 4 de abril de 1949 (Tratado de Washington), tem a sede em Bruxelas desde 1967,
no Quartel-General onde se encontram as representações permanentes dos países aliados.
O Conselho
do Atlântico Norte (NAC), o principal órgão de decisão política na NATO, é responsável
pela supervisão do processo político e militar relativo às questões de
segurança que afetam toda a Aliança. Os representantes de todas as nações aliadas
têm assento no NAC para discutir questões políticas ou operacionais que exigem
decisões coletivas. O NAC é presidido pelo secretário-geral.
O Grupo de
Planeamento Nuclear tem autoridade comparável com o NAC, mas só para assuntos
da sua competência, ou seja, políticas nucleares, planeamento e procedimentos
de consulta.
A estrutura
militar da Aliança, constituída por um Comité Militar, composto por
Representantes Militares Aliados, é a principal fonte de conselhos militares
para os órgãos civis de decisão da NATO: o Conselho do Atlântico Norte e o
Grupo de Planeamento Nuclear.
Existem dois
Comandos Supremos, o Comando Aliado das Operações, que está situado em Mons, na
Bélgica, e o Comando Aliado da Transformação, que tem sede em Norfolk, na
Virgínia. Na dependência destes dois Comandos existem diversas estruturas
militares. E existe um conjunto de organizações de apoio e agências, cuja
função é apoiar as operações da Aliança e os Aliados.
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Será o novo secretário-geral,
político em declínio no seu país (aliás como outros em relação aos seus países),
capaz de liderar a NATO no conflito instalado entre a Rússia e a Ucrânia,
impedindo que alastre ao resto da Europa e do Mundo, refreando as ambições da
Aliança e contribuindo para a moderação do furor bélico do presidente russo,
tornado o homem providente para restabelecer a supremacia da Federação Russa?
2024.06.26 – Louro de Carvalho
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