sexta-feira, 14 de junho de 2024

O consumo de óxido nitroso ou droga do riso tem crescido em Portugal

 

O “Relatório Europeu sobre Drogas 2024: tendências e desenvolvimentos”, do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), publicado a 11 de junho, revela que Portugal é um dos países europeus onde o consumo de óxido nitroso, conhecido por “droga do riso” (ou gás hilariante), mais cresceu e causa mais preocupações no OEDT.

Segundo o documento daquele organismo com sede em Lisboa, no ano passado, 22,8 milhões de europeus consumiram canábis, quatro milhões experimentaram cocaína e mais de outros quatro milhões usaram drogas sintéticas como o ecstasy – MDMA (3,4 metilenodioximetanfetamina) – ou anfetaminas. A maior potência deste tipo de drogas sintéticas é um dos perigos realçados.

O ecstasy é uma droga psicoativa alucinógena,  conhecida como a “droga do amor”, pois aumenta a perceção de cores e de sons, tal como amplifica o sentido do tato durante o sexo.

Porém, o OEDT dá conta de que a Irlanda, a França, a Lituânia, os Países Baixos e Portugal “observaram um aumento da disponibilidade e utilização recreativa ou episódica de óxido nitroso”, droga que se tornou “mais acessível e mais barata”, havendo garrafas desse gás apenas destinadas “ao uso recreativo”. Porém, segundo os especialistas europeus, “as garrafas de grande volume podem aumentar o risco de lesões pulmonares, devido à maior pressão do seu conteúdo; e, em geral, a inalação direta destas garrafas de gás está associada a um maior risco de lesões”. 

O OEDT recorda ainda que o óxido nitroso, que é de venda livre, “tem várias utilizações comerciais”, nomeadamente na indústria da restauração. Porém, refere que está a ser feito um esforço para controlar a venda da “droga do riso”. Assim, vários países da União Europeia (UE), incluindo a Dinamarca, a França, a Lituânia, os Países Baixos e Portugal “restringiram a disponibilidade do óxido nitroso nos últimos anos”.

O relatório confirma também que Portugal tem uma das taxas europeias mais altas de mortes por overdose de cocaína. Em 2022, dos 69 óbitos por consumo excessivo de droga, 46 envolveram cocaína, o que significa uma taxa de 67%, superior à registada em Espanha (52%), na Dinamarca, nos Países Baixos, na Áustria ou na Eslovénia. 

Em Portugal, continuam a existir toxicodependentes a morrer, devido a overdoses em que foi registado o consumo de heroína (42%), mas o sinal de maior perigo vem das mortes associadas a canabinoides sintéticos. Esta droga extraída da planta africana khat não provocou qualquer morte, em 2021, mas, em 2022, quatro consumidores não resistiram aos seus efeitos. Sete países com dados disponíveis comunicaram 27 mortes com catinonas sintéticas envolvidas, em 2022, principalmente na Finlândia (13 casos), na Estónia (cinco), em Portugal (quatro), na Áustria (dois), na Roménia (dois) e na Eslovénia (um).

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A nossa compreensão do consumo do óxido nitroso, dos danos e das respostas eficazes é limitada, porque o consumo, a nível recreativo, é relativamente novo. É, pois, necessário reforçar a monitorização e investigar domínios como a epidemiologia, a oferta, a farmacologia e a toxicologia, bem como a eficácia dos tratamentos e das medidas de resposta. É um potente gás com efeito de estufa e uma das causas de destruição da camada de ozono. A contribuição do consumo recreativo, apesar de ser menor, em comparação com outras fontes, requer investigação.

O óxido nitroso é um gás inalado para sensações rápidas e de curta duração, de euforia, de relaxamento, de calma e de sentido de desconexão. Embora seja consumido, há quase 250 anos, o seu consumo aumentou, em alguns países europeus, desde 2010. E tornou-se assaz preocupante, nos anos de 2017 a 2018, quando ficou disponível em mais lojas e em maiores quantidades.

A sua popularidade explica-se pela fácil disponibilidade, pelo baixo preço, pelos efeitos de curta duração e pela perceção generalizada, da parte dos consumidores, de que é droga relativamente segura e socialmente aceitável. Em muitos casos, os cartuchos de gás, destinados a fazer natas batidas, são usados para encher balões em festas, a partir dos quais é inalado o gás. As latas são compradas em lojas de materiais de construção, bem como online. Os fornecedores começaram a vender garrafas de gás de maiores dimensões, dirigidas ao mercado recreativo, tornando o gás mais barato e promovendo um consumo mais alargado, mais regular e mais pesado.

A grande maioria das pessoas não utiliza óxido nitroso. As pessoas consomem-no, habitualmente, em quantidades relativamente pequenas e raramente. A maioria inala, ocasionalmente, pequenas quantidades, talvez um a três balões por sessão, algumas vezes por ano. Embora não seja possível definir um nível de consumo seguro e este consumo não seja isento de riscos, parece trazer riscos limitados para a saúde, em comparação com padrões de consumo mais intensivos. O consumo pode variar dentro de um país. A maior parte do consumo cabe aos jovens, incluindo adolescentes.

É, normalmente, utilizado em conjunto com os amigos, mas pode ser consumido isoladamente, sobretudo com um consumo mais pesado. É utilizado em diversos contextos, incluindo fora de espaços públicos (como parques), em automóveis estacionados (as festas de carros), em casa, em festas privadas, em discotecas, em concertos e em festivais de música.

Os efeitos adversos do consumo de pequenas quantidades incluem desorientação, tonturas, dor de cabeça e de formigueiro. Pode ocorrer náusea, desmaio e perda temporária de coordenação e de equilíbrio. Alguns efeitos da hipoxia (baixo teor de oxigénio) são causados por falta temporária de oxigénio, podendo causar convulsões. Em geral, os efeitos são menores e resolvem-se em curto período de tempo, após o consumidor parar de respirar o gás. Contudo, alguns efeitos, como a sensação de cabeça leve, tonturas e incapacidade geral, continuam durante cerca de 30 minutos.

O consumo de maiores quantidades de gás, numa única sessão, provoca maior número de efeitos adversos. As intoxicações agudas são relativamente invulgares. Envolvem desorientação de curta duração, perda de consciência o desmaio e lesões causadas por quedas ou por perda de coordenação e equilíbrio, no estado de inebriação. As alucinações podem exigir tratamento.

Devido à desorientação e às dificuldades gerais, as pessoas que utilizam óxido nitroso não devem conduzir automóveis, bicicletas ou scooters ou operar máquinas. Contudo, algumas pessoas não julgam perigoso o seu uso enquanto conduzem.

Há também pequeno, mas significativo, aumento de pessoas a consumir maiores quantidades de gás, com maior frequência e por períodos de tempo mais prolongados. Por isso, algumas pessoas desenvolvem um consumo problemático. Os efeitos de curta duração do gás são, frequentemente, citados como motivo para o consumo suplementar, na mesma sessão.

O consumo regular e intensivo pode provocar danos graves no sistema nervoso (neurotoxicidade). Inicialmente, os sintomas incluem parestesia, isto é, sensações anómalas, de formigueiro ou de picadas nas mãos, nos braços, nas pernas ou nos pés, podendo ocorrer noutras partes do corpo. Esta situação pode ser provocada por danos nos nervos sensoriais responsáveis pela transmissão de sensações, como a dor e o toque, e pode progredir para a dormência. Os danos podem envolver nervos responsáveis pelo controlo dos músculos, gerando fraqueza muscular, perda de equilíbrio e dificuldade de marcha. Os danos, que podem envolver o sistema nervoso periférico e o sistema nervoso central, em especial a medula espinal, podem agravar a incapacidade de caminhar.

Os danos são, pelo menos parcialmente, reversíveis, em especial se forem identificados e tratados precocemente. Algumas pessoas podem ficar com danos sensoriais ou funcionais. Há casos raros de paralisia permanente. Por vezes, os doentes interrompem o tratamento, pelo que se desconhece o resultado a longo prazo.

A utilização de garrafas grandes para obter o gás pode causar queimaduras pelo frio (queimaduras causadas pela exposição a temperaturas abaixo de zero) e lesões pulmonares, devido à sua alta pressão. Estas lesões exigem tratamento médico urgente. As mortes que envolvem óxido nitroso são raras. Na maior parte dos casos, há asfixia acidental por inalação dos gases com máscara ou com saco de plástico sobre a cabeça, sem oxigénio suficiente.

As informações sobre respostas eficazes são limitadas. Na maioria dos casos, os países utilizaram uma série de medidas para restringir a oferta de óxido nitroso e para promover a saúde de forma direcionada, incluindo aconselhamento em matéria de redução de danos.

A promoção da saúde orientada, incluindo a comunicação dos riscos, deve fornecer mensagens atempadas, claras, credíveis e coerentes, baseadas em dados que promovam a sensibilização, a compreensão e as ações práticas a equacionar. Tal deve ser proveniente de fontes fidedignas e pode incluir comunicações com os consumidores, com os pais ou com os tutores. Conselhos simples e baseados em dados concretos podem ajudar a prevenir tanto os efeitos adversos comuns como os riscos mais graves associados ao óxido nitroso. Podem ser utilizados para informar as pessoas sobre o que fazer numa emergência e como procurar informações e ajuda adicionais.

O óxido nitroso tem utilizações importantes, abrangentes, médicas, industriais, comerciais e científicas, incluindo como analgésico e anestésico na medicina e como aditivo alimentar. Qualquer resposta ao óxido nitroso deve ter em conta as utilizações legítimas e generalizadas do gás pela indústria, pelos cuidados de saúde e pelos consumidores. Atualmente, há poucas ou nenhumas alternativas ao gás para estas utilizações.

A deposição no lixo de cartuchos, balões e garrafas consumidos foi salientada como problema em algumas zonas. Tal situação não é visível, implica custos de descontaminação e prejudica o ambiente. As garrafas consumidas colocam um risco de explosão durante o processamento de resíduos, se forem eliminadas juntamente com os resíduos gerais. Mais importante ainda, os cartuchos e as garrafas são de aço e podem ser reciclados.

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O panorama das drogas está a mudar, na Europa, com uma gama mais vasta de substâncias psicoativas, com substâncias sintéticas opiáceas mais potentes, com novas misturas de produtos e com mudanças nos padrões de consumo, o que representa uma crescente ameaça e aumenta os problemas de saúde pública.

No final de 2023, o OEDT monitorizava mais de 950 novas substâncias psicoativas, 26 das quais notificadas pela primeira vez, na Europa, nesse ano. Uma mensagem do relatório deste ano vai para os policonsumos: duas ou mais substâncias psicoativas, ao mesmo tempo ou em sequência, muitas vezes misturada com álcool.

O relatório mostra que 85,4 milhões de pessoas relataram ter usado canábis em algum momento das suas vidas, enquanto, no relatório de 2022, esse número era de 78,6 milhões.

O problema crescente dos opiáceos, na Europa, aparece com “ameaça emergente” denominada nitazenos (opioide sintético 40 vezes mais forte do que o fentanil e 140 vezes mais poderoso do que a morfina), que se expandiu por todo o Mundo, causando, nos últimos quatro anos, mais de 200 mortes. Desde 2009, surgiram, no mercado europeu de droga, 81 novos opiáceos sintéticos, altamente potentes e com um enorme risco de envenenamento e morte por overdose.

Em 2023, seis dos sete novos opiáceos sintéticos notificados, pela primeira vez, ao Sistema de Alerta Rápido da UE eram nitazenos, o maior número desta substância notificado num ano.

O OEDT inicia, a 2 de julho, novo mandato com poderes reforçados e mais abrangentes, face aos novos desafios surgidos nas áreas do tráfico, do consumo e das novas substâncias. Contudo, o relatório sublinha que os consumidores estão mais expostos a “uma gama mais vasta” de substâncias psicoativas, “muitas vezes de elevada potência ou pureza, ou em novas formas, misturas e combinações”.

Enfim, há que não facilitar, cuidar da saúde própria e promover a saúde pública, pela educação dialogante e persistente. Não se pode perder a vida, nem a vida de qualidade.

2024.06.14 – Louro de Carvalho

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