O “Relatório Europeu sobre Drogas
2024: tendências e desenvolvimentos”, do Observatório Europeu da Droga e
da Toxicodependência (OEDT),
publicado a 11 de
junho, revela que Portugal é um dos países europeus onde o consumo de óxido
nitroso, conhecido por “droga do riso” (ou gás hilariante), mais cresceu e causa
mais preocupações no OEDT.
Segundo o
documento daquele organismo com sede em Lisboa, no ano passado, 22,8 milhões de
europeus consumiram canábis, quatro milhões experimentaram cocaína e mais de
outros quatro milhões usaram drogas sintéticas como o ecstasy – MDMA (3,4 metilenodioximetanfetamina)
– ou anfetaminas. A maior potência deste tipo de drogas sintéticas é um dos
perigos realçados.
O ecstasy é uma droga psicoativa alucinógena, conhecida
como a “droga do amor”, pois aumenta a perceção de cores e de sons, tal como amplifica
o sentido do tato durante o sexo.
Porém, o OEDT dá conta de
que a Irlanda, a França, a Lituânia, os Países Baixos e Portugal “observaram um
aumento da disponibilidade e utilização recreativa ou episódica de óxido
nitroso”, droga que se tornou “mais acessível e mais barata”, havendo garrafas
desse gás apenas destinadas “ao uso recreativo”. Porém, segundo os
especialistas europeus, “as garrafas de grande volume podem aumentar o risco de
lesões pulmonares, devido à maior pressão do seu conteúdo; e, em geral, a
inalação direta destas garrafas de gás está associada a um maior risco de
lesões”.
O OEDT recorda
ainda que o óxido nitroso, que é de venda livre, “tem várias utilizações
comerciais”, nomeadamente na indústria da restauração. Porém, refere que está a
ser feito um esforço para controlar a venda da “droga do riso”. Assim, vários
países da União Europeia (UE), incluindo a Dinamarca, a França, a Lituânia, os Países
Baixos e Portugal “restringiram a disponibilidade do óxido nitroso nos últimos
anos”.
O relatório confirma também que Portugal tem uma das taxas europeias mais altas de mortes por overdose de cocaína. Em 2022, dos 69 óbitos por consumo excessivo de droga, 46 envolveram cocaína, o que significa uma taxa de 67%, superior à registada em Espanha (52%), na Dinamarca, nos Países Baixos, na Áustria ou na Eslovénia.
Em Portugal, continuam a existir toxicodependentes a morrer, devido a overdoses em que foi registado o consumo de heroína (42%), mas o sinal de maior perigo vem das mortes associadas a canabinoides sintéticos. Esta droga extraída da planta africana khat não provocou qualquer morte, em 2021, mas, em 2022, quatro consumidores não resistiram aos seus efeitos. Sete países com dados disponíveis comunicaram 27 mortes com catinonas sintéticas envolvidas, em 2022, principalmente na Finlândia (13 casos), na Estónia (cinco), em Portugal (quatro), na Áustria (dois), na Roménia (dois) e na Eslovénia (um).
***
A nossa
compreensão do consumo do óxido nitroso, dos danos e das respostas eficazes é
limitada, porque o consumo, a nível recreativo, é relativamente novo. É, pois,
necessário reforçar a monitorização e investigar domínios como a epidemiologia,
a oferta, a farmacologia e a toxicologia, bem como a eficácia dos tratamentos e
das medidas de resposta. É um potente gás com efeito de estufa e uma das causas
de destruição da camada de ozono. A contribuição do consumo recreativo, apesar
de ser menor, em comparação com outras fontes, requer investigação.
O óxido
nitroso é um gás inalado para sensações rápidas e de curta duração, de euforia,
de relaxamento, de calma e de sentido de desconexão. Embora seja consumido, há
quase 250 anos, o seu consumo aumentou, em alguns países europeus, desde
2010. E tornou-se assaz preocupante, nos anos de 2017 a 2018, quando ficou
disponível em mais lojas e em maiores quantidades.
A sua popularidade
explica-se pela fácil disponibilidade, pelo baixo preço, pelos efeitos de curta
duração e pela perceção generalizada, da parte dos consumidores, de que é droga
relativamente segura e socialmente aceitável. Em muitos casos, os cartuchos de
gás, destinados a fazer natas batidas, são usados para encher balões em festas,
a partir dos quais é inalado o gás. As latas são compradas em lojas de
materiais de construção, bem como online.
Os fornecedores começaram a vender garrafas de gás de maiores dimensões, dirigidas
ao mercado recreativo, tornando o gás mais barato e promovendo um consumo mais
alargado, mais regular e mais pesado.
A grande
maioria das pessoas não utiliza óxido nitroso. As pessoas consomem-no,
habitualmente, em quantidades relativamente pequenas e raramente. A maioria inala,
ocasionalmente, pequenas quantidades, talvez um a três balões por sessão,
algumas vezes por ano. Embora não seja possível definir um nível de consumo
seguro e este consumo não seja isento de riscos, parece trazer riscos limitados
para a saúde, em comparação com padrões de consumo mais intensivos. O consumo pode
variar dentro de um país. A maior parte do consumo cabe aos jovens, incluindo
adolescentes.
É,
normalmente, utilizado em conjunto com os amigos, mas pode ser consumido
isoladamente, sobretudo com um consumo mais pesado. É utilizado em diversos
contextos, incluindo fora de espaços públicos (como parques), em automóveis
estacionados (as festas de carros), em casa, em festas privadas, em discotecas,
em concertos e em festivais de música.
Os efeitos
adversos do consumo de pequenas quantidades incluem desorientação, tonturas, dor
de cabeça e de formigueiro. Pode ocorrer náusea, desmaio e perda temporária de
coordenação e de equilíbrio. Alguns efeitos da hipoxia (baixo teor de oxigénio) são causados por falta temporária
de oxigénio, podendo causar convulsões. Em geral, os efeitos são menores e
resolvem-se em curto período de tempo, após o consumidor parar de respirar o
gás. Contudo, alguns efeitos, como a sensação de cabeça leve, tonturas e
incapacidade geral, continuam durante cerca de 30 minutos.
O consumo de
maiores quantidades de gás, numa única sessão, provoca maior número de efeitos
adversos. As intoxicações agudas são relativamente invulgares. Envolvem desorientação
de curta duração, perda de consciência o desmaio e lesões causadas por quedas
ou por perda de coordenação e equilíbrio, no estado de inebriação. As
alucinações podem exigir tratamento.
Devido à
desorientação e às dificuldades gerais, as pessoas que utilizam óxido nitroso
não devem conduzir automóveis, bicicletas ou scooters ou operar máquinas. Contudo, algumas pessoas não julgam
perigoso o seu uso enquanto conduzem.
Há também pequeno,
mas significativo, aumento de pessoas a consumir maiores quantidades de gás,
com maior frequência e por períodos de tempo mais prolongados. Por isso,
algumas pessoas desenvolvem um consumo problemático. Os efeitos de curta
duração do gás são, frequentemente, citados como motivo para o consumo
suplementar, na mesma sessão.
O consumo
regular e intensivo pode provocar danos graves no sistema nervoso
(neurotoxicidade). Inicialmente, os sintomas incluem parestesia, isto é,
sensações anómalas, de formigueiro ou de picadas nas mãos, nos braços, nas
pernas ou nos pés, podendo ocorrer noutras partes do corpo. Esta situação pode
ser provocada por danos nos nervos sensoriais responsáveis pela transmissão de
sensações, como a dor e o toque, e pode progredir para a dormência. Os danos
podem envolver nervos responsáveis pelo controlo dos músculos, gerando fraqueza
muscular, perda de equilíbrio e dificuldade de marcha. Os danos, que podem
envolver o sistema nervoso periférico e o sistema nervoso central, em especial
a medula espinal, podem agravar a incapacidade de caminhar.
Os danos são,
pelo menos parcialmente, reversíveis, em especial se forem identificados e
tratados precocemente. Algumas pessoas podem ficar com danos sensoriais ou
funcionais. Há casos raros de paralisia permanente. Por vezes, os doentes
interrompem o tratamento, pelo que se desconhece o resultado a longo prazo.
A utilização
de garrafas grandes para obter o gás pode causar queimaduras pelo frio
(queimaduras causadas pela exposição a temperaturas abaixo de zero) e lesões
pulmonares, devido à sua alta pressão. Estas lesões exigem tratamento médico
urgente. As mortes que envolvem óxido nitroso são raras. Na maior parte dos
casos, há asfixia acidental por inalação dos gases com máscara ou com saco de
plástico sobre a cabeça, sem oxigénio suficiente.
As
informações sobre respostas eficazes são limitadas. Na maioria dos casos, os
países utilizaram uma série de medidas para restringir a oferta de óxido
nitroso e para promover a saúde de forma direcionada, incluindo aconselhamento
em matéria de redução de danos.
A promoção da
saúde orientada, incluindo a comunicação dos riscos, deve fornecer mensagens
atempadas, claras, credíveis e coerentes, baseadas em dados que promovam a
sensibilização, a compreensão e as ações práticas a equacionar. Tal deve ser
proveniente de fontes fidedignas e pode incluir comunicações com os
consumidores, com os pais ou com os tutores. Conselhos simples e baseados em
dados concretos podem ajudar a prevenir tanto os efeitos adversos comuns como
os riscos mais graves associados ao óxido nitroso. Podem ser utilizados para
informar as pessoas sobre o que fazer numa emergência e como procurar
informações e ajuda adicionais.
O óxido
nitroso tem utilizações importantes, abrangentes, médicas, industriais,
comerciais e científicas, incluindo como analgésico e anestésico na medicina e
como aditivo alimentar. Qualquer resposta ao óxido nitroso deve ter em conta as
utilizações legítimas e generalizadas do gás pela indústria, pelos cuidados de
saúde e pelos consumidores. Atualmente, há poucas ou nenhumas alternativas ao
gás para estas utilizações.
A deposição
no lixo de cartuchos, balões e garrafas consumidos foi salientada como problema
em algumas zonas. Tal situação não é visível, implica custos de descontaminação
e prejudica o ambiente. As garrafas consumidas colocam um risco de explosão
durante o processamento de resíduos, se forem eliminadas juntamente com os
resíduos gerais. Mais importante ainda, os cartuchos e as garrafas são de aço e
podem ser reciclados.
***
O panorama das drogas está a mudar, na Europa, com uma gama mais vasta de substâncias psicoativas,
com substâncias sintéticas opiáceas mais potentes, com novas misturas de
produtos e com mudanças nos padrões de consumo, o que representa uma crescente ameaça e aumenta os problemas
de saúde pública.
No final de 2023, o OEDT monitorizava mais de 950 novas
substâncias psicoativas, 26 das quais notificadas pela primeira vez, na Europa,
nesse ano. Uma mensagem do relatório deste ano vai para os policonsumos: duas
ou mais substâncias psicoativas, ao mesmo tempo ou em sequência, muitas vezes
misturada com álcool.
O relatório mostra que 85,4
milhões de pessoas relataram ter usado canábis em algum momento das suas vidas, enquanto, no relatório de 2022, esse número
era de 78,6 milhões.
O problema crescente dos opiáceos, na Europa, aparece com “ameaça
emergente” denominada nitazenos (opioide sintético 40 vezes mais forte do que o
fentanil e 140 vezes mais poderoso do que a morfina), que se expandiu por todo
o Mundo, causando, nos últimos quatro anos, mais de 200 mortes. Desde 2009,
surgiram, no mercado europeu de droga, 81 novos opiáceos sintéticos, altamente
potentes e com um enorme risco de envenenamento e morte por overdose.
Em 2023, seis dos sete novos opiáceos sintéticos notificados,
pela primeira vez, ao Sistema de Alerta Rápido da UE eram nitazenos, o maior
número desta substância notificado num ano.
O OEDT inicia, a 2 de julho, novo mandato
com poderes reforçados e mais abrangentes, face aos novos desafios surgidos nas
áreas do tráfico, do consumo e das novas substâncias. Contudo, o relatório sublinha
que os consumidores estão mais expostos a “uma gama mais vasta” de substâncias
psicoativas, “muitas vezes de elevada potência ou pureza, ou em novas formas,
misturas e combinações”.
Enfim, há que não facilitar, cuidar da saúde
própria e promover a saúde pública, pela educação dialogante e persistente. Não
se pode perder a vida, nem a vida de qualidade.
2024.06.14 – Louro de Carvalho
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