terça-feira, 15 de abril de 2025

Tempestades e inundações afetaram muitos milhares de pessoas na Europa

 
Em 2024, as tempestades e inundações, em toda a Europa, afetaram um total de 413 mil pessoas, causaram a perda de, pelo menos, 335 vidas e estima-se que tenham custado, pelo menos, 18 mil milhões de euros em prejuízos. Ao mesmo tempo, verifica-se que esse foi o ano mais quente de que há registo na Europa, com temperaturas anuais recorde em quase metade do continente.
A análise do clima da Europa em 2024 inclui indicadores que vão desde a temperatura anual e da superfície do mar às cheias e perda de glaciares, com análises de diversas variáveis climáticas.
O relatório Estado do Clima Europeu 2024, relatório conjunto do Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do programa da União Europeia de observação da Terra Copernicus (C3S) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM) adianta que o número de dias com stresse térmico forte, muito forte e extremo foi “o segundo mais alto já registado”. Isto significou, em média, “quase um mês de, pelo menos, stresse térmico forte e cerca de 12 noites tropicais”, indica um comunicado do Copernicus sobre o relatório.
Fala-se de stresse, térmico quando a capacidade de o corpo humano regular a sua temperatura é dificultada pelas condições ambientais, demasiado quentes ou frias.
Pelo segundo ano consecutivo, estas duas instituições colaboram num relatório único, com o objetivo de fornecer uma “perspetiva holística, mas concisa, do clima da Europa”.
Em 2024, quase metade da Europa registou temperaturas anuais recorde e, em 60% do continente, houve mais dias do que a média com, pelo menos, “stresse térmico forte”, devido ao calor, destaca um relatório divulgado a 15 de abril, tal como revela que 45% dos dias foram muito mais quentes do que a média e 12% foram os mais quentes de que há registo.
Mais de 100 peritos científicos reuniram-se para demonstrar que os impactos das alterações climáticas na Europa – que está a aquecer duas vezes mais depressa do que a média global – eram bem evidentes em 2024.
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As tempestades eram frequentemente graves, as inundações generalizadas e algumas partes do continente foram afetadas por ondas de calor que bateram recordes.
Os peritos do C3S e da Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertam para o facto de que “uma fração adicional de um grau de aumento da temperatura é importante”, pois acentua o risco para a vida das pessoas, para as economias e para o planeta.
O relatório sublinha que “a Europa é o continente que regista o aquecimento mais rápido e que está a sofrer graves impactos das condições meteorológicas extremas e das alterações climáticas”, segundo a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, segundo a qual “estamos a fazer progressos, mas temos de ir mais longe, temos de ir mais depressa e temos de ir juntos”.
As regiões europeias registaram uma perda de gelo, em 20224, com os glaciares da Escandinávia e de Svalbard a registarem as taxas de perda de massa mais elevadas de que há registo.
Os incêndios florestais, em Portugal, no mês setembro, queimaram 110 mil hectares de terra numa semana – um quarto da área ardida anual total da Europa, para 2024. No total, os incêndios, em todo o continente europeu, afetaram 42 mil pessoas.
As inundações também tiveram um impacto dramático e, muitas vezes, mortal nas comunidades de toda a Europa. Em setembro, a tempestade Boris afetou centenas de milhares de pessoas com inundações, provocando mortes e danos materiais em partes da Alemanha, da Polónia, da Áustria, da Hungria, da Chéquia, da Eslováquia, da Roménia e da Itália.
Depois, em Espanha, no final de outubro, a precipitação extrema provocou inundações com impactos devastadores e vítimas mortais, em Valência e nas regiões vizinhas.
Pelo menos 232 pessoas perderam a vida em Valência, tendo havido mais vítimas mortais nas províncias de Albacete, de Cuenca e de Málaga. Os danos nas infraestruturas e as perdas económicas foram graves, totalizando cerca de 16,5 mil milhões de euros.
Em 2024, as tempestades e as inundações em toda a Europa afetaram um total de 413 mil pessoas, causaram a perda de, pelo menos, 335 vidas e estima-se que tenham custado, pelo menos, 18 mil milhões de euros em prejuízos.
O calor extremo também foi um problema para muitos em 2024. Em julho, o Sudeste da Europa registou a mais longa vaga de calor de que há registo, que durou 13 dias consecutivos e afetou 55% da região. No total, registou-se um número recorde de dias com, pelo menos, “forte stresse térmico” (66) e noites tropicais (23), no Sudeste da Europa, durante o verão.
“Pensam que o aquecimento de 1,3°C (Celsius) é seguro? Este relatório põe a nu o sofrimento por que a população da Europa já passa devido a condições meteorológicas extremas”, sustenta Friederike Otto, professora catedrática do Centro de Política Ambiental e colíder do World Weather Attribution no Imperial College de Londres, que não participou no relatório.
A Europa é uma das regiões com o maior aumento projetado do risco de inundações e um aquecimento de 1,5ºC poderá resultar em 30 000 mortes anuais na Europa devido ao calor extremo, de acordo com os dados do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC). “Mas estamos a caminho de atingir 3°C, até 2100”, advertiu Friederike Otto, frisando: “Basta recordar as inundações em Espanha, os incêndios em Portugal ou as vagas de calor do verão do ano passado, para percebermos como este nível de aquecimento seria devastador.”
Perante as situações em referência, é caso para nos interrogarmos se poderá a Europa adaptar-se aos riscos crescentes de condições meteorológicas extremas. A este respeito, Florence Rabier, diretora-geral do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo, afirma que estes impactos climáticos generalizados sublinham a “importância de criar uma maior resiliência”. Prevê-se que os danos causados ao ambiente construído por fenómenos meteorológicos extremos aumentem dez vezes, até ao final do século, devido apenas às alterações climáticas. As inundações foram identificadas como o risco climático que requer uma ação mais urgente. Já estão a ser feitos alguns progressos. O relatório destaca exemplos de iniciativas de adaptação em cidades de toda a Europa, desde o “tile whipping” (competição nacional do Azulejo, que ajuda a tornar os Países Baixos “à prova de clima”), nos Países Baixos, até ao reforço dos espaços verdes em Paris.
Florence Rabier, evidenciando o valor das informações do relatório, releva que 51% das cidades têm, agora, um plano de adaptação climática específico, contra apenas 26%, em 2018. E Celeste Saulo afirma que a OMM está a “intensificar os esforços”, para reforçar os sistemas de alerta precoce para fenómenos meteorológicos extremos e os serviços climáticos para ajudar os decisores e a sociedade em geral a serem mais resilientes.
Porém, são a necessários esforços contínuos para enfrentar os atuais desafios climáticos que a Europa enfrenta e para garantir preparação para os riscos futuros.
A secretária-geral da OMM diz que o relatório destaca que a Europa é o continente com um “aquecimento mais rápido” e que sofre consequências significativas das alterações climáticas. “Uma fração adicional de um grau de aumento de temperatura é importante porque aumenta os riscos para as nossas vidas, para as economias e para o planeta. A adaptação é essencial. Por isso, a OMM e os seus parceiros estão a intensificar os esforços para reforçar os sistemas de alerta precoce e os serviços climáticos para ajudar os decisores e a sociedade em geral a serem mais resilientes. Estamos a progredir, mas precisamos de ir mais longe e mais depressa e precisamos de ir em conjunto”, acrescenta Celeste Paulo, citada no comunicado em referência.
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No entanto, a adaptação é apenas uma das faces da moeda, e os especialistas em clima afirmam que o risco crescente de condições climatéricas extremas realça a necessidade de abordar uma causa significativa deste aquecimento. O “grande sofrimento e as perdas” registadas na Europa, no ano passado, tornam “ainda mais urgente a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis o mais rapidamente possível”, de acordo com Stefan Rahmstorf, do Instituto de Investigação do Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha, que não participou no relatório, mas defende: “A crescente quota das energias renováveis, que representa, atualmente, 45% da nossa eletricidade, é encorajadora e é fundamental, para o nosso futuro resistir aos interesses míopes dos lóbis fósseis e [para] implementar os objetivos climáticos europeus, sem qualquer atraso.”
O número de países na Europa onde as energias renováveis geram, agora, mais eletricidade do que os combustíveis fósseis quase duplicou, desde 2019, passando de 12 para 20. Todavia, como o relatório aponta, a produção de energia renovável e a procura de eletricidade também são altamente sensíveis às condições climáticas. Ora, a utilização continuada de combustíveis fósseis numa economia global tão volátil é “francamente insana”, na ótica de Friederike Otto, que sustenta: “A UE não pode dar-se ao luxo de pôr em segundo plano os seus compromissos em matéria de clima. Tem de liderar o processo e acelerar a mudança para uma política baseada em provas, que ajude, efetivamente, as pessoas com baixos rendimentos e não os oligarcas.”
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O Copernicus já tinha informado que, em 2024, o ano mais quente de que há registo, se ultrapassou pela primeira vez os 1,5°C de aquecimento global, acima do nível pré-industrial, o limite desejável previsto no Acordo de Paris para combater as alterações climáticas.
A temperatura da superfície do mar (TSM), na Europa foi igualmente a mais elevada já registada, 0,7 °C acima da média, 1,2 °C, no Mediterrâneo, e o mesmo ocorreu nos lagos europeus.
A propósito das condições climáticas extremas, o estudo refere os incêndios florestais em Portugal, que em setembro de 2024 queimaram cerca de 110 mil hectares (1100 quilómetros quadrados), numa semana, o que representa cerca de um quarto do total anual da área ardida da Europa. “Estima-se que 42 mil pessoas tenham sido afetadas por incêndios florestais na Europa”, refere o comunicado divulgado a este respeito.
Ao mesmo tempo está a diminuir a zona da Europa com temperaturas abaixo de zero e, no ano passado, a área com menos de 90 dias de geada foi a maior de que há registo, enquanto os glaciares da Escandinávia tiveram a maior taxa de perda de massa anual. Foi a “maior perda de massa de qualquer região glaciar do Mundo”, refere a informação divulgada pelo programa Copernicus.
No relatório realça-se também o facto de a Europa Ocidental ter tido um dos dez anos mais chuvosos, desde 1950, e o de o continente, em geral, ter sofrido mais inundações, em 2024, do que o que ocorreu, desde 2013. Quase um terço da rede fluvial registou grandes cheias que ultrapassaram, pelo menos, o leito de inundação, tendo as tempestades e inundações causado, no mínimo, 335 mortes e afetado cerca de 413 mil pessoas, como já foi referido.
Foram calculados em 18,2 mil milhões de euros os prejuízos causados, em 2024, na Europa por fenómenos meteorológicos extremos (contra 13,4 mil milhões, em 2023), 85% dos quais atribuídos a inundações.
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Atente-se no levantamento da situação, em 2024, pelos principais indicadores climáticos:
* Temperatura: 2024 foi o ano mais quente para a Europa, com temperaturas anuais recorde, em quase metade do continente.
* Temperatura da superfície do mar: a temperatura da superfície do mar (TSM)​, para a região europeia, foi a mais elevada de que há registo, com 0,7°C, acima da média, e para o mar Mediterrâneo, com 1,2°C. acima da média.
* Stresse térmico: o número de dias com stresse térmico “forte”, “muito forte” e “extremo” foi o segundo mais elevado de que há registo, com 60% da Europa a registar mais dias do que a média com, pelo menos, “forte stresse térmico”.
* Incêndios florestais: em setembro, os incêndios, em Portugal, queimaram cerca de 110 mil hectares, numa semana, isto é, cerca de um quarto da área ardida anual total da Europa, continente onde cerca de 42 mil pessoas terão sido afetadas por incêndios florestais.
* Precipitação: as condições de precipitação registaram nítido contraste entre o Leste e o Oeste, tendo a Europa Ocidental registado um dos dez anos mais húmidos, no período analisado desde 1950.
* Inundações: a Europa registou as inundações mais generalizadas, desde 2013, tendo quase um terço da rede fluvial registado inundações que excederam, pelo menos, o limiar de inundação elevada.
* Glaciares: todas as regiões europeias registaram uma perda de gelo, tendo os glaciares da Escandinávia e de Svalbard registado as taxas mais elevadas de perda de massa de que há registo.
* Energias renováveis: a percentagem de produção de eletricidade a partir de energias renováveis, na Europa, atingiu um máximo histórico, em 2024, com 45%.
* Extremos de frio: a área do território europeu que registou menos de três meses (90 dias) de dias de geada foi a maior de que há registo (~69%, a média é de 50%).
* Stresse pelo frio: registou-se um número recorde de dias com, pelo menos, “forte stresse, por frio”.
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A tendência do agravamento das alterações climáticas não está para se inverter, nem mesmo para estacionar. Os primeiros meses de 2025 falam por si, com chuvas e inundações; e o passado mês de março já bateu o recorde dos meses mais quentes, desde que há registo. Por isso, a Europa tem de se adaptar, cuidando da saúde (geral e pessoal) dos eurocidadãos e da integridade de todo o seu território, com especial atenção às diversas vulnerabilidades.   

2025.04.15 – Louro de Carvalho

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