sábado, 19 de abril de 2025

JD Vance com Giorgia Meloni e com Pietro Parolin

 
Após a visita da primeira-ministra  italiana, Giorgia Meloni, a 17 de abril, à Casa Branca, onde se avistou com o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), com quem partilha muitas das opções políticas – excetuando as questões atinentes às tarifas recíprocas e as conexas com a atribuição da culpa a algum líder pela guerra na Ucrânia –, James David Vance (em modo simplificando, JD Vance), vice-presidente norte-americano, surgiu em Roma, a 18 de abril, para encontros com a chefe do governo italiano e com o secretário de Estado da Santa Sé.     
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A visita de JD Vance à Itália marca o seu retorno ao continente europeu, após o polémico discurso, em fevereiro, na cidade alemã de Munique, sobre o respeito ao direito de voto e à liberdade de expressão, que deixou vários governantes europeus perplexos.
Com efeito, o vice-presidente dos EUA lamentou, na ocasião, o “retrocesso” da liberdade de expressão, no Velho Continente, algo mais preocupante, segundo ele, do que a ameaça representada pela Rússia, pela China ou por outro ator externo. 
“Devo dizer que concordo”, declarou, no entanto, a líder italiana de extrema-direita ao jornal Financial Times, acrescentando: “Digo isso há anos […] A Europa está um pouco perdida.”
Porém, no dia 17, em Washington, Giorgia Meloni, a primeira governante europeia a visitar a Casa Branca, após a brutal ofensiva tarifária anunciada por Donald Trump, disse estar “certa” de que seria alcançado um acordo. Por seu turno, o presidente republicano também se mostrou “100%” certo de que alcançará um pacto, sobre as tarifas com a UE, mas destacou que não tinha “pressa” e que Giorgia Meloni não o teria feito mudar de estratégia. 
A líder da ultraconservadora coligação que governa a Itália afirmou que não pode negociar em nome da União Europeia (UE) e disse ter convidado Donald Trump para visitar Roma, em breve, o que o presidente republicano aceitou.
O líder da Casa Branca impôs, desde 5 de abril, tarifas alfandegárias de, pelo menos, 10% ao conjunto dos produtos que entram nos EUA. E a chede do governo de Itália, dependente das exportações da sua indústria, que representam 25% do produto interno bruto (PIB) italiano, criticou a ofensiva tarifária, mas disponibilizou-se para o diálogo e pediu a Bruxelas para não adotar medidas de represália.
Desta feita, o vice-presidente dos EUA, JD Vance, foi recebido, em Roma, pela sua “querida amiga” Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, num momento de guerra comercial entre Washington e a UE e aproveitou a viagem para rezar no Vaticano.
Giorgia Meloni, líder do partido pós-fascista ‘Fratelli d’Italia’, compartilha pontos de vista conservadores com JD Vance e com o presidente americano, Donald Trump, com quem se reuniu, no dia 17, em Washington, em demanda de um acordo sobre as tarifas entre os EUA e a UE.
JDParte inferior do formulário Vance foi recebido com tapete vermelho por Meloni no Palácio Chigi e, antes da reunião, afirmou que estava “encantado por se reunir com uma querida amiga num lugar lindo, com pessoas incríveis”. E, após o encontro, o vice-presidente afirmou que teve uma “reunião excelente”. “A cada dia me sinto grato por este trabalho, mas hoje, em particular, porque as minhas funções oficiais me trouxeram a Roma, em Sexta-feira Santa”, disse JD Vance, um católico fervoroso, convertido, aos 35 anos de idade, em 2019.
Antes do encontro, o vice-presidente norte-americano disse aos jornalistas que informaria Giorgoa Meloni sobre os últimos avanços nas negociações comerciais com a UE e sobre os diálogos para obter um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia. “Estamos, realmente, otimistas com a possibilidade de acabar com esta guerra brutal”, declarou, a respeito do conflito que começou com a invasão russa, a 24 de fevereiro de 2022.
O vice-presidente norte-americano reuniu-se com a primeira-ministra, Giorgia Meloni, e a Casa Branca sugeriu que estava a ser considerada uma cimeira mais ampla entre os EUA e a UE.
“Há muito que não nos víamos”, disse Giorgia Meloni a JD Vance, em tom de brincadeira, quando este entrou no pátio do Palácio Chigi, a residência oficial do chefe do governo.
É de recordar que os dois se tinham encontrado na Sala Oval, onde o presidente dos EUA, Donald Trump, elogiou a líder italiana pela sua repressão da migração, mas não cedeu nos planos tarifários que aumentaram a tensão com a UE e alimentam os receios de recessão.
Após o encontro oficial, a Casa Branca e o gabinete de Giorgia Meloni emitiram uma declaração conjunta que dizia que Trump visitaria a Itália “num futuro muito próximo”. “Está também a ser considerada a possibilidade de realizar, nessa ocasião, uma reunião entre os Estados Unidos da América e a Europa”, refere o comunicado.
Giorgia Meloni, que se posicionou como uma ponte entre a administração Trump e a Europa, disse esperar que o segundo dia de conversações com JD Vance sirva para fortalecer uma amizade de longa data. “Acreditamos que a Itália pode ser um parceiro extremamente importante, na Europa e no Mediterrâneo para os Estados Unidos da América”, afirmou, frisando: “Existe uma relação privilegiada entre nós, da qual me orgulho muito.”
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Ainda no dia 18, JD Vance e a família (a esposa Usha e os três filhos do casal) participaram, com o cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, na Liturgia de Sexta-Feira Santa (não na missa, como referem alguns, pois, neste dia, não há missa, mas apenas a Liturgia da Palavra com a Oração Universal, seguida Adoração da Cruz e da Comunhão), presidida pelo cardeal Claudio Gugerotti, prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais. 
No dia 19, o vice-presidente dos EUA, reuniu-se com altos funcionários do Vaticano por entre divergências acentuadas sobre a repressão da Casa Branca contra os migrantes, com a Santa Sé a reafirmar as boas relações, mas a registar “uma troca de opiniões” sobre a questão e os atuais conflitos internacionais. Porém, não foi anunciado qualquer encontro com Francisco.
JD Vance, católico fervoroso, foi recebido, no Palácio Apostólico, pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado e número dois do Vaticano, assim como por monsenhor Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados e as Organizações Internacionais.
A este respeito, a Sala de Imprensa da Santa Sé, emitiu o seguinte comunicado:  
“Esta manhã, sábado, 19 de abril de 2025, o Honorável James David Vance, vice-presidente dos Estados Unidos da América, foi recebido, na Secretaria de Estado, por Sua Eminência o cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado, acompanhado por Sua Excelência o monsenhor. Paul Richard Gallagher, secretário de Relações com Estados e Organizações Internacionais.
“Durante o cordial encontro, foi expressada satisfação pelas boas relações bilaterais existentes entre a Santa Sé e os Estados Unidos da América e foi renovado o compromisso comum de proteger o direito à liberdade religiosa e à liberdade de consciência. Houve uma troca de opiniões sobre a situação internacional, especialmente, sobre países marcados por guerras, por tensões políticas e por situações humanitárias difíceis, com atenção especial aos migrantes, aos refugiados e aos prisioneiros. E também foram discutidos outros tópicos de interesse comum.
“Por fim, espera-se uma colaboração pacífica entre o Estado e a Igreja Católica nos Estados Unidos, cujo precioso serviço às pessoas mais vulneráveis ​​foi reconhecido.”
Assim, nos termos do comunicado, o Vaticano e JD Vance, um católico convertido aos 35 anos, discutiram sobre migração e sobre os planos da administração Trump de deportar migrantes em massa, bem como sobre a situação internacional, especialmente, no respeitante aos países afetados pela guerra, por tensões políticas e por situações humanitárias difíceis.
A Santa Sé, que tem a tradição de neutralidade diplomática, expressou alarme sobre a repressão da administração Trump aos migrantes e sobre os cortes na ajuda internacional, enquanto insiste em resoluções pacíficas para as guerras na Ucrânia e em Gaza.
Embora essas preocupações se reflitam na declaração, o Vaticano observou que as conversações com JD Vance foram cordiais e expressou satisfação com o empenho da administração norte-americana em proteger a liberdade de religião e de consciência. Por último, foi manifestada a esperança de uma colaboração serena entre o Estado e a Igreja Católica nos EUA, “cujo valioso serviço às pessoas mais vulneráveis foi reconhecido”.
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A visita de JD Vance causou algum alarido pelo facto de o governante norte-americano se dizer católico fervoroso e as suas opções políticas, literalmente alinhadas com Donald Trump, embaterem o que vem defendendo o Sumo Pontífice.
Na verdade, poucos dias antes de ser hospitalizado, Francisco criticou os planos de deportação da administração Trump, alertando para o facto de estes privarem os migrantes da sua dignidade. E, em carta dirigida aos bispos dos EUA, Francisco também terá respondido, diretamente, a JD Vance, por ter afirmado que a doutrina católica justificava tais políticas.
Agora, o pontífice, de 88 anos, teve de reduzir, drasticamente, a sua agenda de trabalho, enquanto recupera de um caso quase fatal de pneumonia bilateral, embora tenha feito já algumas aparições meteóricas em momentos ligados ao Ano Jubilar e à Semana Santa.
Aliás, o Papa Bergoglio tem feito do cuidado com migrantes e refugiados uma das marcas do seu pontificado e as suas opiniões progressistas sobre questões de justiça social colocaram-no, muitas vezes, em rota de colisão com os membros mais conservadores da Igreja Católica dos EUA.
Em 2024, fez comentários durante a campanha eleitoral americana, algo incomum, ao qualificar de “loucura” a atitude hostil, em relação aos migrantes, e ao criticar personalidades católicas de direita, pelas suas posições, muito conservadoras, em sua opinião.
Por seu turno, JD Vance, que se converteu ao catolicismo, em 2019, identifica-se com um pequeno movimento intelectual católico, chamado “pós-liberal” e visto por alguns críticos como tendo tendências reacionárias ou autoritárias. Acredita-se que este grupo partilha algumas opiniões conservadoras católicas de longa data, como a oposição ao aborto e aos direitos LGBTQ+.
Os observadores sustentam que o grupo prevê uma contrarrevolução em que assume a burocracia governamental e instituições como as universidades a partir do interior, substituindo as “elites” e agindo de acordo com a sua visão do “bem comum”.
O vice-presidente dos EUA, que reconheceu as críticas de Francisco, afirmou que continuaria a defender os seus pontos de vista, mas, recentemente, publicou nas redes sociais orações pela recuperação do Papa.
Antes da reunião, no Vaticano, as partes haviam mantido a incerteza sobre um possível encontro entre JD Vance e o líder da Igreja Católica, no domingo, à margem da missa de Páscoa, embora isso não tenha sido confirmado oficialmente.
Com efeito, apesar do estado de saúde frágil, após uma grave pneumonia e ainda em recuperação, o papa recebeu o rei inglês Charles III, no início de abril, e apareceu várias vezes em público, nos últimos dias. E, ainda, na tarde do dia 19, o pontífice foi observado numa cadeira de rodas a acenar para os fiéis na basílica de São Pedro, segundo um vídeo publicado por um jornalista.
“As duas partes […] renovaram seu compromisso de proteger o direito à liberdade religiosa e de consciência”, indicou o Vaticano.
A Casa Branca, do seu lado, indicou que as partes “falaram sobre a fé religiosa que compartilham, sobre o catolicismo nos Estados Unidos da América, sobre a situação difícil das comunidades cristãs perseguidas em todo o Mundo e sobre o compromisso do presidente Trump em restabelecer a paz no Mundo”.
Segundo a imprensa italiana, o vice-presidente norte-americano tinha agendado visitar, no Castelo de Sant’Angelo, o antigo mausoléu do imperador Adriano, localizado nas margens do rio Tibre e transformado em fortaleza pelos papas, que oferece vista impressionante da Cidade eterna.
JD Vance – que é próximo da ala conservadora da Igreja Católica americana, que critica o papa argentino pelas suas posições sobre os migrantes, sobre os fiéis do movimento LGBT ou por algumas questões de justiça social – visitou, como se disse, a basílica de São Pedro, acompanhado da esposa, Usha, e dos três filhos, para assistir à Liturgia da Paixão, em Sexta-Feira Santa, que recorda a morte de Cristo na cruz.
Não está claro se JD Vance pode participar na celebração do domingo de Páscoa, na Praça de São Pedro, pois agendou viagem para a Índia, no mesmo dia.
Seja como for, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse que estava “orgulhosa” por JD Vance “ter decidido passar a Páscoa em Roma, após o encontro maravilhoso” em Washington.
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Enfim, apesar de os líderes políticos e político-religiosos, tantas vezes, terem ideias e opções divergentes, devem manter conversações sobre as diversas matérias. Assim o postula a diplomacia, em nome do bem comum, do imperativo do respeito mútuo, da dignidade humana e do grande escopo da paz entre os povos e as suas instituições.
É óbvio que o católico deve saber que o cuidado dos pobres está em primeiro lugar (“os pobres não podem esperar”) e que a assistência aos presos, aos refugiados, aos peregrinos e aos doentes é obra de misericórdia que tem de espelhar e promover a justiça social. Mais o catolicismo é a dinâmica da inclusão, não do anátema. Contudo, é inqualificável a hipocrisia de quantos vêm, agora, criticar a distorção entre a fé de JD Vance e as suas opções políticas. Afinal, fazem na mesma. O catolicismo, infelizmente, está cheio de crentes não praticantes (ou de católicos de procissões e de festas) e de praticantes não crentes. Haja coerência, sempre!

2025.04.19 – Louro de Carvalho


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