terça-feira, 1 de abril de 2025

UE usará todas as cartas para enfrentar as tarifas recíprocas de Trump

 

Ursula von der Leyen afirmou – na véspera do que o presidente dos EUA apelidou de “Dia da Libertação” – que a União Europeia (UE) dispõe de “muitas cartas” para negociar, para dissuadir e, se necessário, para o fazer recuar no plano de impor tarifas recíprocas a todos os parceiros comerciais dos EUA. Ou seja, a Comissão Europeia tem um “plano forte de retaliação” contra os direitos aduaneiros recíprocos de Trump, mas apela a uma “solução negociada”.

Donald Trump, cuja iniciativa sem precedentes, para vigorar a partir de 2 de abril, que denomina de “Dia da Libertação”, antagonizou alguns aliados de longa data, perturbou os mercados bolsistas, agitou o espantalho da recessão e declarou que as suas tarifas visariam “todos os países” como ponto de partida e, depois, se iria “ver o que acontece”.

Para a UE, as tarifas recíprocas virão na sequência de direitos de 25% sobre as exportações de aço, de alumínio e de automóveis. Em resposta, a Comissão apresentou medidas de retaliação, mas adiou a sua introdução para meados de abril. E, na iminência de nova e maior série de tarifas de Donald Trump, endureceu o tom e avisou que a resposta não terá linhas vermelhas.

“A Europa não iniciou este confronto. Pensamos que é errado”, disse Ursula von der Leyen, a 1 de abril, em discurso perante o Parlamento Europeu (PE), especificando: “Temos tudo o que é necessário para proteger os nossos cidadãos e a nossa prosperidade. Temos o maior mercado único do Mundo. Temos a força para negociar. Temos a força para negociar, temos a força para resistir. E os cidadãos da Europa devem saber: juntos, iremos sempre promover e defender os nossos interesses e valores. E defenderemos sempre a Europa”.

Em discurso anafórico, apontou que os direitos aduaneiros aumentariam os preços para os consumidores, destruiriam postos de trabalho, criariam um “monstro burocrático” nas alfândegas e seriam um “pesadelo” para as empresas norte-americanas, que vendem os seus produtos na Europa. E afirmou que as taxas aduaneiras vão contra a agenda para reindustrializar a América.

Durante o seu discurso, Ursula von der Leyen insistiu que o objetivo da Comissão seria uma “solução negociada”, para evitar o que está a transformar-se numa guerra comercial total entre os dois lados do Atlântico, que terá consequências económicas desastrosas, num contexto grande incerteza global. “Vamos abordar estas negociações numa posição de força. A Europa tem muitas cartas na manga: do comércio à tecnologia e à dimensão do nosso mercado”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, garantindo que, se as negociações não conduzirem a um compromisso, Bruxelas não hesitará em adotar “contramedidas firmes”, com todas as opções em cima da mesa.

Os altos funcionários da Comissão já assinalaram que a potencial resposta poderá ir além do “olho por olho”, nos bens, e incluir os serviços, que, até agora, permaneceram intocados. Em 2023, a UE registou um excedente de bens com os EUA, no valor de 156,6 mil milhões de euros, mas um défice de serviços, no valor de 108,6 mil milhões de euros. “Ficaríamos todos melhor, se conseguíssemos encontrar uma solução construtiva”, disse a presidente do executivo da UE aos eurodeputados, em Estrasburgo, mas insistindo em que a Europa não iniciou este confronto e que não quer retaliar, mas que tem “um plano forte para o fazer, se necessário”.

À medida que as tensões comerciais aumentam, a Comissão intensificou o seu compromisso com os líderes de todo o bloco, para garantir uma frente unificada contra a Casa Branca. E, embora os chefes de Estado e de Governo concordem que as tarifas de Trump não podem ficar sem resposta, discordam quanto aos produtos que devem ser alvo de reação, temendo que as contramedidas prejudiquem indústrias-chave das economias nacionais.

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Também o Banco Central Europeu (BCE) se prepara para uma nova incerteza económica, visto que o presidente dos EUA imporá tarifas alfandegárias muito abrangentes, como elemento fundamental do seu novo esforço para reduzir o défice comercial do país, mas que podem afetar o crescimento da UE e fazer subir a inflação, colocando um dilema à autoridade de política monetária da Zona Euro.

Embora o âmbito e a escala exatos permaneçam incertos, intensificou-se a especulação de que a Casa Branca imporia tarifas de até 25% sobre os produtos europeus, direitos a aplicar com base nas taxas existentes já aplicadas a automóveis e a peças, que aumentaram o custo das exportações relacionadas com veículos em 50%. O impacto é significativo. De acordo com o Centro de Comércio Internacional (CCI), em 2024, a UE exportou 382 mil milhões de euros de mercadorias para os EUA. Deste montante, 46,3 mil milhões de euros provieram de veículos, incluindo automóveis, motociclos e peças.

Com os EUA a representar cerca de 10% do total das exportações da UE, esta ficará especialmente exposta às fricções comerciais transatlânticas. Com efeito, segundo as estimativas citadas pela presidente do BCE, Christine Lagarde, uma tarifa de 25% imposta pelos EUA poderia reduzir o PIB da Zona Euro em 0,5 pontos percentuais e fazer subir a inflação numa margem semelhante, no primeiro ano, partindo do princípio de que a UE retaliaria na mesma moeda.

É um caso exemplar de conflito de políticas: os direitos aduaneiros atuam como choque de oferta, ao encarecerem as importações, e como choque de procura, ao minarem a confiança e o rendimento disponível. Assim, os decisores políticos de Frankfurt veem-se confrontados com o paradoxo incómodo: o dever de apoiar o crescimento, flexibilizando a política monetária, ou o dever de se precaverem contra o choque inflacionista que tais direitos podem desencadear.

Para economistas, como Sven Jari Stehn, da Goldman Sachs, tudo depende do comportamento das expectativas de inflação. “As nossas estimativas sugerem que as tarifas americanas teriam efeitos materialmente negativos sobre o crescimento, com efeitos modestos (e temporários) sobre a inflação”, afirmou, em nota recente, sustentando que o manual de política económica padrão defenderia cortes nas taxas, desde que as expectativas de inflação a longo prazo permanecessem ancoradas.

Os modelos da Goldman mostram que, sob tais pressupostos, a estratégia ótima do BCE seria olhar além do pico de inflação e baixar as taxas de juro. Por isso, a Goldman Sachs continua a esperar que o BCE reduza as taxas de juro, em abril, com outra redução para 2%, em junho. Porém, este cálculo mudará, drasticamente, se a explosão inicial da inflação se refletir nas expectativas. Ou seja, se as empresas e os trabalhadores anteciparem aumentos sustentados dos preços e ajustarem a fixação dos salários em conformidade, o BCE pode ser forçado a atuar para evitar que a inflação se enraíze. “Neste caso, concluímos que a política ótima poderia exigir uma política monetária mais restritiva”, adiantou Sven Jari Stehn, considerando que, neste cenário, o BCE não se pode dar ao luxo de se preocupar com o impacto das tarifas no crescimento e tem de se apoiar na persistência da inflação”.

Contudo, sugeriu que esses efeitos de segunda ordem teriam de ser “bastante fortes” – isto é, envolverem aumento grande e generalizado das expectativas de longo prazo – para justificarem uma mudança tão agressiva. Para já, as tendências de fixação de salários e as expectativas de inflação permanecem suficientemente benignas, para que o BCE considere a possibilidade de flexibilização.

Por seu turno, Ruben Segura-Cayuela, economista do Bank of America, vê um caminho semelhante, embora com ritmo mais cauteloso. “Provavelmente, não é absurdo supor que poderemos assistir a uma taxa genérica de 20% sobre as importações da UE, como parecem pensar os funcionários da UE”, afirmou, referindo-se a notícias recentes da imprensa.

Segundo as suas estimativas, a medida poderia pôr em risco cerca de 0,25 pontos percentuais do PIB da Zona Euro, num ano, sendo possíveis perdas mais substanciais, se a UE retaliar.

Segura-Cayuela considera provável a retaliação, mas adverte que a escalada pode ir para além dos bens. “Se a ‘oferta de entrada’ dos EUA for particularmente agressiva, os riscos de escalada que vão além dos direitos aduaneiros sobre as mercadorias, incluindo a ação da UE sobre os serviços dos EUA, poderão ser mais proeminentes”, sustentou, defendendo que uma ação deste tipo poderia ser estrategicamente atrativa para os responsáveis políticos da UE, se protegesse partes mais sensíveis da economia europeia.

O Bank of America mantém a elevada convicção de que o primeiro corte de taxas do BCE ocorrerá em abril, seguido da redução para uma taxa de depósito de 1,5%, em setembro, embora não possa excluir o risco de um atraso, até dezembro. E, com a aproximação do dia 2 de abril, os mercados acompanharão de perto a forma como o BCE navega neste ambiente complexo, em que as tarifas exacerbam os desafios macroeconómicos.

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No dia seguinte ao anúncio de novos direitos aduaneiros dos EUA sobre as importações de automóveis, a Comissão Europeia declarou que aguardava as tarifas recíprocas de Washington. “Se necessário, daremos uma resposta firme, proporcionada, robusta, bem calibrada e atempada às medidas injustas e contraproducentes dos EUA”, afirmou o porta-voz da Comissão, Olof Gill, acrescentando que não podia especificar o momento exato das ações da UE, até à entrada em vigor das tarifas americanas.

As tarifas americanas sobre o aço e o alumínio já foram aplicadas. Para lá das tarifas de 25% sobre os automóveis, estão previstas tarifas recíprocas para a UE a 2 de abril. No entanto, não era claro se estas tarifas irão afetar os países europeus, individualmente, ou a UE, como bloco.

A Comissão Europeia consultaria os estados-membros sobre uma lista de produtos americanos sujeitos a tarifas, suspensas desde 2018, na sequência da disputa comercial entre a UE e a primeira administração Trump sobre as tarifas de aço e de alumínio. Além disso, está considerar uma segunda lista de produtos norte-americanos, numa altura em que pondera os próximos passos a dar nesta disputa. Estas medidas farão parte de um pacote mais vasto de tarifas de retaliação, que entrarão em vigor em meados de abril.

Entretanto, um funcionário da UE disse que Bruxelas não se contentará com estas duas listas, avisando que, quando Washington anunciar as tarifas recíprocas, o bloco poderá ter de responder com outras medidas. “Ainda não anunciámos nada sobre os serviços ou sobre a ferramenta anticoerção”, vincou o funcionário.

Até à data, as contramedidas anunciadas sobre o aço e o alumínio apenas visaram os produtos americanos. No entanto, em 2023, os EUA registaram um excedente comercial de serviços de 109 mil milhões de euros com a UE. O alargamento das medidas de retaliação aos serviços marcaria escalada significativa nas tensões comerciais entre Bruxelas e Washington. E o instrumento anticoerção, adotado pela UE em 2023, mas nunca acionado, é visto por alguns especialistas como opção nuclear na política comercial, que permitiria à UE impor medidas sobre os direitos de propriedade intelectual ou, por exemplo, restringir o licenciamento contra um país terceiro, adicionando poderosa ferramenta ao arsenal do bloco em disputas comerciais globais.

O anúncio da imposição de direitos aduaneiros sobre as importações de automóveis para os EUA provocou fortes reações em toda a UE. “É agora importante que a UE dê uma resposta decisiva aos direitos aduaneiros; tem de ficar claro que não recuaremos perante os EUA. É preciso força e autoconfiança”, afirmou o ministro alemão da Economia, Robert Habeck, em comunicado, garantindo apoio à Comissão Europeia, na procura de uma solução com os EUA, “através de negociações que evitem uma espiral tarifária”.

O Comissário europeu para o Comércio, Maroš Šefčovič, reuniu-se em Washington com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, com o representante para o Comércio, Jamieson Greer, e com o principal conselheiro económico da Casa Branca, Kevin Hassett. Porém, as conversações tiveram resultados dececionantes.

Donald Trump confirmou, recentemente, a aplicação de tarifas de 25% aos veículos não fabricados nos EUA, a vigorar a partir de 2 de abril. Na sequência, as ações do setor automóvel caíram em toda a Ásia, esperando-se que o impacto se repercuta na Europa. E referiu, ainda, em declarações aos jornalistas, que irá tornar as taxas recíprocas “muito brandas”, acrescentando: “Penso que as pessoas vão ficar muito surpreendidas. Serão, em muitos casos, menores do que os direitos aduaneiros que nos cobram há décadas.”

De acordo com a sua ordem executiva, as tarifas sobre os automóveis não se aplicarão apenas a veículos já completos, mas também a peças de automóveis. Os veículos qualificados ao abrigo do Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) serão avaliados, e os direitos aplicar-se-ão apenas ao conteúdo não fabricado nos EUA.

Em 2024, o México foi a principal fonte de importações de automóveis dos EUA, representando 16,2% da quota de mercado, seguido pela Coreia do Sul, pelo Japão e pelo Canadá, com quotas de 8,6%, 8,2% e 7,2%, respetivamente, de acordo com a GlobalData. A Alemanha ficou em quinto lugar, com as vendas de automóveis para os EUA a representarem 2,7% das vendas totais.

A UE anunciou, a 12 de março, que o bloco imporá tarifas sobre 26 mil milhões de euros de bens dos EUA, “que corresponde ao alcance económico das tarifas dos EUA”, em abril. A Comissão retomará as contramedidas impostas de 2018 a 2020, no primeiro mandato de Trump, contra oito mil milhões de euros de produtos americanos, a 1 de abril, a que se seguirá novo pacote de tarifas sobre 18 mil milhões de euros em meados de abril. E reduziu a taxa de liberalização das importações de aço de 1% para 0,1%, “limitando a quantidade de aço que pode ser importada para a UE com isenção de tarifas”. A decisão foi tomada numa altura em que “a indústria siderúrgica da UE enfrenta pressão intensa, devido à sobrecapacidade global, ao aumento das exportações, por parte da China, e ao aumento das barreiras comerciais em mercados-chave como os EUA.

Os mercados europeus e norte-americanos ainda não tinham arrancado a sessão, no momento do anúncio, mas as ações do setor automóvel estavam sob pressão, após os comentários de Trump. Os fabricantes alemães de automóveis deverão ser dos mais afetados. 

Os fabricantes de automóveis dos EUA também enfrentarão desafios com as tarifas de Trump, já que muitos operam instalações de fabrico fora do país, em especial, no México e no Canadá.

O Euro recuperou face ao dólar americano, com o anúncio das tarifas de Trump a enfraquecer o dólar.  No entanto, permaneceu numa baixa de três semanas, em relação ao dólar, após perfazer, seis dias consecutivos de negociação em queda.

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Enfim, um transtorno global desnecessário que, afinal, em pouco baixará a dívida e o défice dos EUA e que pouca mais-valia representará para reindustrializar a América, mas criando dificuldades à reindustrialização europeia.

2025.04.01 – Louro de Carvalho

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