Ursula von
der Leyen afirmou – na véspera do que o presidente dos EUA apelidou de “Dia da
Libertação” – que a União Europeia (UE) dispõe de “muitas cartas” para
negociar, para dissuadir e, se necessário, para o fazer recuar no plano de
impor tarifas recíprocas a todos os parceiros comerciais dos EUA. Ou seja, a
Comissão Europeia tem um “plano forte de retaliação” contra os direitos
aduaneiros recíprocos de Trump, mas apela a uma “solução negociada”.
Donald Trump,
cuja iniciativa sem precedentes, para vigorar a partir de 2 de abril, que
denomina de “Dia da Libertação”, antagonizou alguns aliados de longa data, perturbou
os mercados bolsistas, agitou o espantalho da recessão e declarou que as suas
tarifas visariam “todos os países” como ponto de partida e, depois, se iria “ver
o que acontece”.
Para a UE,
as tarifas recíprocas virão na sequência de direitos de 25% sobre as
exportações de aço, de alumínio e de automóveis. Em resposta, a Comissão apresentou
medidas de retaliação, mas adiou a sua introdução para meados de abril. E, na iminência
de nova e maior série de tarifas de Donald Trump, endureceu o tom e avisou que
a resposta não terá linhas vermelhas.
“A Europa não iniciou este confronto.
Pensamos que é errado”, disse Ursula von der Leyen, a 1 de abril, em discurso perante
o Parlamento Europeu (PE), especificando: “Temos tudo o que é necessário para
proteger os nossos cidadãos e a nossa prosperidade. Temos o maior mercado único
do Mundo. Temos a força para negociar. Temos a força para negociar, temos a
força para resistir. E os cidadãos da Europa devem saber: juntos, iremos sempre
promover e defender os nossos interesses e valores. E defenderemos sempre a
Europa”.
Em discurso anafórico, apontou que os
direitos aduaneiros aumentariam os preços para os consumidores, destruiriam
postos de trabalho, criariam um “monstro burocrático” nas alfândegas e seriam
um “pesadelo” para as empresas norte-americanas, que vendem os seus produtos na
Europa. E afirmou que as taxas aduaneiras vão contra a agenda para
reindustrializar a América.
Durante o seu discurso, Ursula von der Leyen insistiu que o objetivo da
Comissão seria uma “solução negociada”, para evitar o que está a transformar-se
numa guerra comercial total entre os dois lados do Atlântico, que terá consequências
económicas desastrosas, num contexto grande incerteza global. “Vamos abordar
estas negociações numa posição de força. A Europa tem muitas cartas na manga:
do comércio à tecnologia e à dimensão do nosso mercado”, afirmou a presidente
da Comissão Europeia, garantindo que, se as negociações não conduzirem a um
compromisso, Bruxelas não hesitará em adotar “contramedidas firmes”, com todas
as opções em cima da mesa.
Os altos funcionários da Comissão já assinalaram
que a potencial resposta poderá ir além do “olho por olho”, nos bens, e
incluir os serviços, que, até agora, permaneceram intocados. Em 2023, a UE
registou um excedente de bens com os EUA, no valor de 156,6 mil milhões de
euros, mas um défice de serviços, no valor de 108,6 mil milhões de euros. “Ficaríamos
todos melhor, se conseguíssemos encontrar uma solução construtiva”, disse a
presidente do executivo da UE aos eurodeputados, em Estrasburgo, mas insistindo
em que a Europa não iniciou este confronto e que não quer retaliar, mas que tem
“um plano forte para o fazer, se necessário”.
À medida que as tensões comerciais
aumentam, a Comissão intensificou o seu compromisso com os líderes de todo o
bloco, para garantir uma frente unificada contra a Casa Branca. E, embora os
chefes de Estado e de Governo concordem que as tarifas de Trump não podem ficar
sem resposta, discordam quanto aos produtos que devem ser alvo de reação,
temendo que as contramedidas prejudiquem indústrias-chave das economias
nacionais.
***
Também o Banco Central Europeu (BCE)
se prepara para uma nova incerteza económica, visto que o presidente dos EUA
imporá tarifas alfandegárias muito abrangentes, como elemento fundamental do seu
novo esforço para reduzir o défice comercial do país, mas que podem afetar o
crescimento da UE e fazer subir a inflação, colocando um dilema à autoridade de
política monetária da Zona Euro.
Embora o âmbito e a escala exatos
permaneçam incertos, intensificou-se a especulação de que a Casa Branca imporia
tarifas de até 25% sobre os produtos europeus, direitos a aplicar com base nas
taxas existentes já aplicadas a automóveis e a peças, que aumentaram o custo
das exportações relacionadas com veículos em 50%. O impacto é significativo. De
acordo com o Centro de Comércio Internacional (CCI), em 2024, a UE exportou 382
mil milhões de euros de mercadorias para os EUA. Deste montante, 46,3 mil
milhões de euros provieram de veículos, incluindo automóveis, motociclos e
peças.
Com os EUA a representar cerca de 10%
do total das exportações da UE, esta ficará especialmente exposta às fricções
comerciais transatlânticas. Com efeito, segundo as estimativas citadas pela
presidente do BCE, Christine Lagarde, uma tarifa de 25% imposta pelos EUA
poderia reduzir o PIB da Zona Euro em 0,5 pontos percentuais e fazer subir a
inflação numa margem semelhante, no primeiro ano, partindo do princípio de que
a UE retaliaria na mesma moeda.
É um caso exemplar de conflito de
políticas: os direitos aduaneiros atuam como choque de oferta, ao encarecerem
as importações, e como choque de procura, ao minarem a confiança e o rendimento
disponível. Assim, os decisores políticos de Frankfurt veem-se confrontados com
o paradoxo incómodo: o dever de apoiar o crescimento, flexibilizando a política
monetária, ou o dever de se precaverem contra o choque inflacionista que tais
direitos podem desencadear.
Para economistas, como Sven Jari Stehn,
da Goldman Sachs, tudo depende do comportamento das expectativas de inflação. “As
nossas estimativas sugerem que as tarifas americanas teriam efeitos
materialmente negativos sobre o crescimento, com efeitos modestos (e
temporários) sobre a inflação”, afirmou, em nota recente, sustentando que o
manual de política económica padrão defenderia cortes nas taxas, desde que as
expectativas de inflação a longo prazo permanecessem ancoradas.
Os modelos da Goldman mostram que,
sob tais pressupostos, a estratégia ótima do BCE seria olhar além do pico de
inflação e baixar as taxas de juro. Por isso, a Goldman Sachs continua a
esperar que o BCE reduza as taxas de juro, em abril, com outra redução para 2%,
em junho. Porém, este cálculo mudará, drasticamente, se a explosão inicial da
inflação se refletir nas expectativas. Ou seja, se as empresas e os
trabalhadores anteciparem aumentos sustentados dos preços e ajustarem a fixação
dos salários em conformidade, o BCE pode ser forçado a atuar para evitar que a
inflação se enraíze. “Neste caso, concluímos que a política ótima poderia
exigir uma política monetária mais restritiva”, adiantou Sven Jari Stehn, considerando
que, neste cenário, o BCE não se pode dar ao luxo de se preocupar com o impacto
das tarifas no crescimento e tem de se apoiar na persistência da inflação”.
Contudo, sugeriu que esses efeitos de
segunda ordem teriam de ser “bastante fortes” – isto é, envolverem aumento
grande e generalizado das expectativas de longo prazo – para justificarem uma
mudança tão agressiva. Para já, as tendências de fixação de salários e as
expectativas de inflação permanecem suficientemente benignas, para que o BCE
considere a possibilidade de flexibilização.
Por seu turno, Ruben Segura-Cayuela,
economista do Bank of America, vê um caminho semelhante, embora com ritmo mais
cauteloso. “Provavelmente, não é absurdo supor que poderemos assistir a uma
taxa genérica de 20% sobre as importações da UE, como parecem pensar os
funcionários da UE”, afirmou, referindo-se a notícias recentes da imprensa.
Segundo as suas estimativas, a medida poderia pôr em
risco cerca de 0,25 pontos percentuais do PIB da Zona Euro, num ano, sendo
possíveis perdas mais substanciais, se a UE retaliar.
Segura-Cayuela considera provável a retaliação, mas
adverte que a escalada pode ir para além dos bens. “Se a ‘oferta de entrada’
dos EUA for particularmente agressiva, os riscos de escalada que vão além dos
direitos aduaneiros sobre as mercadorias, incluindo a ação da UE sobre os
serviços dos EUA, poderão ser mais proeminentes”, sustentou, defendendo que uma
ação deste tipo poderia ser estrategicamente atrativa para os responsáveis
políticos da UE, se protegesse partes mais sensíveis da economia europeia.
O Bank of America mantém a elevada
convicção de que o primeiro corte de taxas do BCE ocorrerá em abril, seguido da
redução para uma taxa de depósito de 1,5%, em setembro, embora não possa
excluir o risco de um atraso, até dezembro. E, com a aproximação do dia 2 de
abril, os mercados acompanharão de perto a forma como o BCE navega neste
ambiente complexo, em que as tarifas exacerbam os desafios macroeconómicos.
***
No dia
seguinte ao anúncio de novos direitos aduaneiros dos EUA sobre as importações de
automóveis, a Comissão Europeia declarou que aguardava as tarifas recíprocas de
Washington. “Se necessário, daremos uma resposta firme, proporcionada, robusta,
bem calibrada e atempada às medidas injustas e contraproducentes dos EUA”,
afirmou o porta-voz da Comissão, Olof Gill, acrescentando que não podia
especificar o momento exato das ações da UE, até à entrada em vigor das tarifas
americanas.
As tarifas
americanas sobre o aço e o alumínio já foram aplicadas. Para lá das tarifas de
25% sobre os automóveis, estão previstas tarifas recíprocas para a UE a 2 de
abril. No entanto, não era claro se estas tarifas irão afetar os países
europeus, individualmente, ou a UE, como bloco.
A Comissão
Europeia consultaria os estados-membros sobre uma lista de produtos americanos sujeitos
a tarifas, suspensas desde 2018, na sequência da disputa comercial entre a UE e
a primeira administração Trump sobre as tarifas de aço e de alumínio. Além
disso, está considerar uma segunda lista de produtos norte-americanos, numa
altura em que pondera os próximos passos a dar nesta disputa. Estas medidas
farão parte de um pacote mais vasto de tarifas de retaliação, que entrarão em
vigor em meados de abril.
Entretanto, um funcionário da UE disse que Bruxelas não
se contentará com estas duas listas, avisando que, quando Washington
anunciar as tarifas recíprocas, o bloco poderá ter de responder com outras
medidas. “Ainda não anunciámos nada sobre os serviços ou sobre a ferramenta
anticoerção”, vincou o funcionário.
Até à data,
as contramedidas anunciadas sobre o aço e o alumínio apenas visaram os produtos
americanos. No entanto, em 2023, os EUA registaram um excedente comercial de
serviços de 109 mil milhões de euros com a UE. O alargamento das medidas de
retaliação aos serviços marcaria escalada significativa nas tensões comerciais
entre Bruxelas e Washington. E o instrumento anticoerção, adotado pela UE em
2023, mas nunca acionado, é visto por alguns especialistas como opção nuclear
na política comercial, que permitiria à UE impor medidas sobre os direitos de
propriedade intelectual ou, por exemplo, restringir o licenciamento contra um
país terceiro, adicionando poderosa ferramenta ao arsenal do bloco em disputas
comerciais globais.
O anúncio da
imposição de direitos aduaneiros sobre as importações de automóveis para os EUA
provocou fortes reações em toda a UE. “É agora importante que a UE dê uma
resposta decisiva aos direitos aduaneiros; tem de ficar claro que não recuaremos
perante os EUA. É preciso força e autoconfiança”, afirmou o ministro alemão da
Economia, Robert Habeck, em comunicado, garantindo apoio à Comissão Europeia,
na procura de uma solução com os EUA, “através de negociações que evitem uma
espiral tarifária”.
O Comissário
europeu para o Comércio, Maroš Šefčovič, reuniu-se em Washington com o
secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, com o representante
para o Comércio, Jamieson Greer, e com o principal conselheiro económico da
Casa Branca, Kevin Hassett. Porém, as conversações tiveram resultados
dececionantes.
Donald
Trump confirmou, recentemente, a aplicação de tarifas de 25% aos veículos não
fabricados nos EUA, a vigorar a partir de 2 de abril. Na sequência, as ações do
setor automóvel caíram em toda a Ásia, esperando-se que o impacto se repercuta
na Europa. E referiu, ainda, em declarações aos jornalistas, que irá tornar as taxas
recíprocas “muito brandas”, acrescentando: “Penso que as
pessoas vão ficar muito surpreendidas. Serão, em muitos casos, menores do que
os direitos aduaneiros que nos cobram há décadas.”
De acordo com a sua ordem executiva,
as tarifas sobre os automóveis não se aplicarão apenas a veículos já completos,
mas também
a peças de automóveis. Os veículos qualificados ao abrigo
do Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) serão avaliados, e os direitos
aplicar-se-ão apenas ao conteúdo não fabricado nos EUA.
Em 2024, o México foi a principal fonte de importações
de automóveis dos EUA, representando 16,2% da quota de mercado, seguido pela
Coreia do Sul, pelo Japão e pelo Canadá, com quotas de 8,6%, 8,2% e 7,2%,
respetivamente, de acordo com a GlobalData. A Alemanha ficou em quinto lugar,
com as vendas de automóveis para os EUA a representarem 2,7% das vendas totais.
A UE anunciou, a 12 de março, que
o bloco
imporá tarifas sobre 26 mil milhões de euros de bens dos EUA, “que
corresponde ao alcance económico das tarifas dos EUA”, em abril. A Comissão
retomará as contramedidas impostas de 2018 a 2020, no primeiro mandato de
Trump, contra oito mil milhões de euros de produtos americanos, a 1 de abril, a
que se seguirá novo pacote de tarifas sobre 18 mil milhões de euros em meados
de abril. E reduziu a taxa de liberalização das importações de aço de 1% para
0,1%, “limitando a quantidade de aço que pode ser importada para a UE com
isenção de tarifas”. A decisão foi tomada numa altura em que “a indústria siderúrgica da
UE enfrenta pressão intensa, devido à sobrecapacidade
global, ao aumento das exportações, por parte da China, e ao aumento das
barreiras comerciais em mercados-chave como os EUA.
Os mercados europeus e
norte-americanos ainda não tinham arrancado a sessão, no momento do anúncio,
mas as ações do setor automóvel estavam sob pressão, após os comentários de
Trump. Os
fabricantes alemães de automóveis deverão ser dos mais afetados.
Os fabricantes de automóveis dos EUA também enfrentarão
desafios com as tarifas de Trump, já que muitos operam instalações de fabrico
fora do país, em especial, no México e no Canadá.
O Euro recuperou face ao dólar
americano, com o anúncio das tarifas de Trump a enfraquecer o dólar.
No entanto, permaneceu numa baixa de três semanas, em relação ao dólar, após
perfazer, seis dias consecutivos de negociação em queda.
***
Enfim, um transtorno global desnecessário
que, afinal, em pouco baixará a dívida e o défice dos EUA e que pouca
mais-valia representará para reindustrializar a América, mas criando
dificuldades à reindustrialização europeia.
2025.04.01 –
Louro de Carvalho
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