terça-feira, 1 de abril de 2025

Donald Trump não descarta candidatura a terceiro mandato presidencial

O presidente dos Estados Unidos da América (EUA) disse que “não estava a brincar”, quando equacionou a possibilidade de se candidatar a um terceiro mandato presidencial – opção que, supostamente, viola a Constituição, que a proíbe explicitamente.

O limite de dois mandatos está consagrado na 22.ª Emenda da Constituição dos EUA, mas Donald Trump considera que há “métodos” para o contornar, o que os especialistas contestam.

O comentário do presidente, feito numa entrevista por telefone à NBC News, a 30 de março, ofereceu a mais clara indicação de que Trump poderia tentar agarrar-se, ao poder, aquando do termo do segundo mandato, no início de 2029.

A 22.ª Emenda, incluída na Constituição dos EUA, desde 1951, estipula que “nenhuma pessoa será eleita para o cargo de presidente mais do que duas vezes”. Isto aplica-se tanto a mandatos consecutivos como a não consecutivos.

Na entrevista, Donald Trump foi questionado sobre os seus repetidos comentários sobre a tentativa de permanecer no cargo, para lá do seu segundo mandato. O presidente, anteriormente, havia indicado que estava a “brincar”, mas, desta feita, disse que não era esse o caso. “Bem, há planos”, disse Trump à NBC News. “Há, não planos. Há métodos, há métodos que podem ser utilizados, como sabem”. E vincou: “Não estou a brincar.”

Falando a repórteres, no Air Force One, da Flórida para Washington, repetiu a afirmação recorrente sobre a sua vitória, na eleição de 2020, que perdeu para o democrata Joe Biden, e disse: “Mais pessoas pediram para ter um terceiro mandato, que, de certa forma, é um quarto mandato porque a outra eleição, a eleição de 2020, foi totalmente defraudada.”

Porém, a seguir, pareceu minimizar os comentários sobre a possibilidade de procurar, seriamente, um terceiro mandato, acrescentando: “Não quero falar de um terceiro mandato, agora, porque, independentemente da forma como olhamos para ele, ainda temos muito tempo pela frente.”

Os seus comentários foram rapidamente condenados pela oposição. “É isto que os ditadores fazem”, considerou o presidente do Comité Nacional Democrata, Ken Martin, no X. “Em três meses, Trump fez cair a bolsa e aumentou os custos. Agora, está a planear um terceiro mandato, em vez, de fazer qualquer coisa, para melhorar a vida dos Americanos”, atirou.

Isto ocorre, depois de Steve Bannon, aliado do presidente, ter dito, no início de março, que acredita que Trump “concorrerá e vencerá, novamente, em 2028”.

A 30 de março, perguntaram ao inquilino da Casa Branca se uma forma de conseguir um terceiro mandato seria o vice-presidente dos EUA, James David Vance, candidatar-se à presidência e, “depois, passar-lhe o testemunho”. “Bem, essa é uma delas”, respondeu Trump. “Mas há outras também”. Porém, ao ser-lhe pedido que fosse mais específico, recusou.

No entanto, Derek Muller, professor de direito eleitoral de Notre Dame, disse à Associated Press (AP) que a 12.ª Emenda afirma que Trump seria inelegível para concorrer à vice-presidência, após o segundo mandato. “Não creio que haja um truque estranho para contornar os limites do mandato presidencial”, disse Muller.

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Em 2024, o então antigo e futuro presidente deu a entender que poderia voltar a candidatar-se à Casa Branca, em 2028, na sequência de alguns dos seus apoiantes e opositores terem levantado a hipótese de o presidente eleito se candidatar a um terceiro mandato dentro de quatro anos.

No entanto, Donald Trump não pode candidatar-se a um terceiro mandato, como presidente, em 2028, porque a Constituição dos EUA o proíbe explicitamente.

A 22.ª Emenda estabelece, de forma específica e inequívoca, que ninguém pode ser eleito presidente mais do que duas vezes, em mandatos consecutivos ou não consecutivos. 

Para se recandidatar, o presidente precisaria de conseguir revogar a 22.ª Emenda, o que será quase impossível, uma vez que requer um apoio esmagador da Câmara dos Representantes, do Senado e dos diversos estados dos EUA.

Uma possível via para alterar a Constituição exigiria que dois terços da Câmara e do Senado concordassem com ela, além de 75% dos estados dos EUA. Outra via era 34 dos 50 estados virem a concordar com a realização de uma Convenção, ao abrigo do artigo V, para discutirem eventuais alterações à Constituição. Mesmo que a Convenção recebesse apoio suficiente para ser realizada, quaisquer alterações propostas teriam de receber o apoio de 38 estados (75%). Dada a inevitável oposição democrata à medida, bem como de republicanos que possam ser contra, Donald Trump seria incapaz de reunir apoio suficiente para sequer tentar revogar a emenda.

Valerá a pena salientar que algumas das referências de Donald Trump a um terceiro mandato podem não ser tão malévolas como parecem. De acordo com a CBS News, num comício em julho, disse que as pessoas “não teriam de votar mais”, se ele ganhasse em 2024.

Todavia, colocado em contexto, disse tratar-se de uma afirmação hiperbólica de que iria melhorar os EUA, de tal forma que já não haveria necessidade de eleições.

Falando a um grupo de cristãos conservadores, conforme citado pela CBS News, exortou: “Cristãos, saí e votai. Só desta vez. Não tereis de o fazer mais. Mais quatro anos. Sabeis que mais? Vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem. Não tereis de votar mais, meus lindos cristãos.”

Noutro exemplo, perguntou, num comício da Associação Nacional da Espingarda, se deveria ser considerado um presidente de “três mandatos” ou de “dois mandatos”. Porém, isto parecia referir-se às alegações de que tinha sido enganado nas eleições de 2020 e não a uma declaração de que se candidataria, novamente, em 2028. De facto, Trump tinha dito, anteriormente, que não estaria interessado em apresentar outra candidatura presidencial.

Nessa altura, teria 82 anos e a desistência do presidente Joe Biden, de 81 anos, da corrida de 2024, em grande parte devido a preocupações com a idade, mostra que esta é fator importante na opinião do eleitorado americano.

Franklin Roosevelt é a única pessoa que foi presidente dos EUA mais de duas vezes. Cumpriu quatro mandatos entre 1933 e 1945, antes da entrada em vigor da 22.ª Emenda, em 1951. Morreu no exercício do seu cargo, 82 dias após o início do seu quarto mandato. É, assim, o presidente dos EUA com mais tempo de serviço, com um total de 4422 dias. No outro extremo está William Henry Harrison, que morreu, apenas 31 dias após o início do seu mandato, em 1841.

Donald Trump também não será o primeiro presidente dos EUA a cumprir mandatos não consecutivos. Essa honra, até há pouco tempo, pertencia apenas a Grover Cleveland, que exerceu o cargo de 1885 a 1889 e de 1893 a 1897.

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O Artigo Quinto da Constituição estabelece o procedimento para a alterar. O processo consiste em propor uma emenda ou emendas e a subsequente ratificação.

As emendas podem ser propostas pelo Congresso, com o voto de dois terços da Câmara dos Representantes e do Senado, ou por uma convenção convocada, para o efeito, pelo Congresso a pedido de dois terços das legislaturas estaduais. Para integrar a Constituição, a emenda deve ser ratificada pelo Congresso (por dois terços), pelas legislaturas de três quartos dos estados ou por convenções de ratificação realizadas em três quartos dos estados, um processo utilizado apenas uma vez na História dos EUA, com a ratificação da 21.ª Emenda, em 1933. O voto de cada estado (para ratificar ou para rejeitar uma emenda proposta) tem o mesmo peso, independentemente da população do estado ou do tempo de permanência na União. O Artigo Quinto não trata de prazos para ratificar emendas propostas, mas a maioria das emendas propostas, desde 1917, incluiu um prazo para ratificação. Os juristas concordam que o processo de emenda do Artigo Quinto pode ser emendado pelos procedimentos estabelecidos nele, mas há discordância sobre se o Artigo Quinto é o meio exclusivo de emenda da Constituição.

Além de definir os procedimentos para alterar a Constituição, o Artigo Quinto protege três cláusulas do Artigo Primeiro, contra emendas ordinárias por meio de estipulações. Com relação a duas das cláusulas – uma relativa à importação de escravos e outra à distribuição de impostos diretos – a proibição de emendas era absoluta, mas de duração limitada, expirando em 1808; a terceira não tinha data de validade, mas era menos absoluta: “Nenhum estado, sem seu consentimento, será privado de seu sufrágio igual no Senado.” Os estudiosos discordam quanto a essa cláusula poder ser emendada pelos procedimentos estabelecidos no Artigo Quinto.

Eis o texto do Artigo Quinto:

“O Congresso, sempre que dois terços de ambas as Câmaras considerarem necessário, proporá emendas a esta Constituição ou, a pedido das legislaturas de dois terços dos vários estados, convocará uma Convenção para propor Emendas, que, em ambos os casos, serão válidas para todos os fins e propósitos, como parte desta Constituição, quando ratificadas pelas legislaturas de três quartos dos vários estados, ou por Convenções em três quartos deles, conforme um ou outro modo de ratificação possa ser proposto pelo Congresso, desde que nenhuma emenda que possa ser feita antes do ano de mil oitocentos e oito afete, de alguma forma, a primeira e a quarta Cláusulas da Nona Seção do primeiro Artigo; e que nenhum Estado, sem seu consentimento, seja privado de seu sufrágio igual no Senado.”

O artigo fornece dois métodos para emendar a estrutura da governação. O primeiro método autoriza o Congresso a propor emendas constitucionais; o segundo exige que o Congresso, “a pedido das legislaturas de dois terços dos vários estados” (34 em 1959), “convoque uma convenção para propor emendas”. Esta dualidade é o resultado de compromissos feitos durante a Convenção Constitucional de 1787 entre dois grupos, um, defendendo que o legislativo nacional não deveria ter papel no processo de emenda constitucional, e o outro, aduzindo que as propostas de emenda se deveriam originar no legislativo nacional e a ratificação deveria ser decidida pelos legislativos estaduais ou por convenções estaduais. Em relação ao processo de emenda consensual elaborado durante a convenção, James Madison declarou que protege igualmente contra a facilidade extrema que tornaria a Constituição muito mutável e contra dificuldade extrema que perpetuaria as falhas descobertas. Além disso, permite que o governo federal e os estaduais criem a emenda de erros, conforme possam ser apontados pela experiência de um lado ou de outro.

Sempre que o processo do Artigo Quinto foi iniciado, desde 1789, se usou o primeiro método para elaborar e propor emendas. Todas as 33 emendas submetidas aos estados para ratificação tiveram origem no Congresso. O segundo método, a opção de convenção, uma ferramenta política que permitiria que as legislaturas estaduais erguessem barreiras contra as invasões da autoridade nacional, ainda não foi invocado.

Uma emenda torna-se uma componente operacional da Constituição, quando é ratificada pelo número necessário de estados, e não na data posterior em que sua ratificação é certificada. Não é necessária qualquer ação adicional do Congresso ou de qualquer outra entidade. Em três ocasiões, o Congresso, após ser informado de que uma emenda havia atingido o limite de ratificação, adotou uma resolução declarando que o processo havia sido concluído com sucesso. Essas ações, embora importantes por motivos políticos, são constitucionalmente desnecessárias. 

O arquivista dos EUA tem a responsabilidade de administrar o processo de ratificação de acordo com as disposições do Título 1 do Código dos Estados Unidos (1 U.S. Code), que descreve as disposições gerais do Código dos Estados Unidos. Notifica, oficialmente, os estados, por meio de carta registada ao governador de cada estado, que foi proposta uma emenda e cada governador submete, formalmente, a emenda à legislatura do seu estado (ou convenção de ratificação). Quando um estado ratifica a emenda, envia ao arquivista cópia original ou autenticada da ação do estado. Ao receber o número necessário de ratificações, o arquivista emite certificado a proclamar que a emenda foi devidamente ratificada e é parte da Constituição. A emenda e o certificado de ratificação são publicados no Federal Register e no United States Statutes at Large. Isso serve de aviso oficial ao Congresso e à nação de que o processo de ratificação foi concluído com êxito.

Há um debate, entre os comentadores, sobre se o Artigo Quinto é o meio exclusivo de emendar a Constituição ou se há caminhos para a emenda, incluindo alguns nos quais a Constituição poderia ser, inconsciente ou involuntariamente, emendada em período de atividade política sustentada por parte de um eleitorado nacional mobilizado. Por exemplo, Akhil Amar rejeita a noção de que o Artigo Quinto exclui outros modos de alteração constitucional, sendo o procedimento previsto nele o método exclusivo de que o governo dispõe para alterar a Constituição, pois, em nenhum lugar, na sua ótica, se impede que o povo, agindo à parte do governo, exerça o seu direito legal de, por meio dos procedimentos legais adequados, alterar ou abolir o que o governo decidiu.

Ao invés, outros académicos argumentam que a Constituição não oferece nenhum mecanismo para que o povo adote emendas constitucionais fora do Artigo Quinto, pois este oferece um modo claro e estável de emendar o documento, que é o meio exclusivo de emenda; promove a sabedoria e a justiça, pelo aprimoramento da deliberação e da prudência; e complementa o federalismo e a separação de poderes, que são caraterísticas fundamentais da Constituição.

No seu discurso de despedida, o presidente George Washington declarou: “Se, na opinião do povo, a distribuição ou modificação dos poderes constitucionais estiver errada, em algum aspeto, que seja corrigida por uma emenda da maneira que a Constituição designa. Mas que não haja mudança por usurpação, pois, embora isso, num caso, possa ser o instrumento do bem, é a arma habitual pela qual os governos livres são destruídos. O precedente deve sempre superar em muito, em termos de mal permanente, qualquer benefício parcial ou transitório que o uso possa, em algum momento, produzir.”

Essa declaração tornou-se polémica, e alguns estudiosos discutem se ainda descreve a ordem constitucional adequada aos EUA. Os que rejeitam a posição de Washington aduzem que a Constituição foi adotada, sem seguir os procedimentos dos artigos da Confederação, enquanto outros sustentam que a convenção é produto do poder residual dos estados e que a emenda foi legal, tendo recebido o consentimento unânime das legislaturas dos estados.

O Artigo Quinto estabelece os procedimentos para emendar a Constituição, mas não declara se eles se aplicam ao próprio Artigo Quinto. E já houve propostas para emendar os procedimentos de emenda da Constituição, mas o Artigo Quinto nunca foi emendado.

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Assim, Trump terá de dar grande cambalhota política para obter mais um mandato.

2025.04.01 – Louro de Carvalho

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