O presidente dos Estados Unidos da América (EUA) disse que “não estava a brincar”, quando equacionou a possibilidade de se candidatar a um terceiro mandato presidencial – opção que, supostamente, viola a Constituição, que a proíbe explicitamente.
O limite de
dois mandatos está consagrado na 22.ª Emenda da Constituição dos EUA, mas Donald
Trump considera que há “métodos” para o contornar, o que os especialistas
contestam.
O comentário
do presidente, feito numa entrevista por telefone à NBC News, a 30 de março, ofereceu a mais clara indicação de que
Trump poderia tentar agarrar-se, ao poder, aquando do termo do segundo mandato,
no início de 2029.
A 22.ª
Emenda, incluída na Constituição dos EUA, desde 1951, estipula que “nenhuma
pessoa será eleita para o cargo de presidente mais do que duas vezes”. Isto
aplica-se tanto a mandatos consecutivos como a não consecutivos.
Na entrevista,
Donald Trump foi questionado sobre os seus repetidos comentários sobre a
tentativa de permanecer no cargo, para lá do seu segundo mandato. O presidente,
anteriormente, havia indicado que estava a “brincar”, mas, desta feita, disse
que não era esse o caso. “Bem, há planos”, disse Trump à NBC News. “Há, não planos. Há métodos, há métodos que podem ser
utilizados, como sabem”. E vincou: “Não estou a brincar.”
Falando a
repórteres, no Air Force One, da Flórida para Washington, repetiu a afirmação
recorrente sobre a sua vitória, na eleição de 2020, que perdeu para o democrata
Joe Biden, e disse: “Mais pessoas pediram para ter um terceiro mandato, que, de
certa forma, é um quarto mandato porque a outra eleição, a eleição de 2020, foi
totalmente defraudada.”
Porém, a
seguir, pareceu minimizar os comentários sobre a possibilidade de procurar,
seriamente, um terceiro mandato, acrescentando: “Não quero falar de um terceiro
mandato, agora, porque, independentemente da forma como olhamos para ele, ainda
temos muito tempo pela frente.”
Os seus
comentários foram rapidamente condenados pela oposição. “É isto que os
ditadores fazem”, considerou o presidente do Comité Nacional
Democrata, Ken Martin, no X. “Em três
meses, Trump fez cair a bolsa e aumentou os custos. Agora, está a planear um
terceiro mandato, em vez, de fazer qualquer coisa, para melhorar a vida dos Americanos”,
atirou.
Isto ocorre,
depois de Steve Bannon, aliado do presidente, ter dito, no início de março, que
acredita que Trump “concorrerá e vencerá, novamente, em 2028”.
A 30 de março,
perguntaram ao inquilino da Casa Branca se uma forma de conseguir um terceiro
mandato seria o vice-presidente dos EUA, James David Vance, candidatar-se à
presidência e, “depois, passar-lhe o testemunho”. “Bem, essa é uma delas”,
respondeu Trump. “Mas há outras também”. Porém, ao ser-lhe pedido que fosse
mais específico, recusou.
No entanto,
Derek Muller, professor de direito eleitoral de Notre Dame, disse à Associated Press (AP) que a 12.ª Emenda afirma que Trump seria inelegível para
concorrer à vice-presidência, após o segundo mandato. “Não creio que haja um
truque estranho para contornar os limites do mandato presidencial”, disse
Muller.
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Em
2024, o então antigo e futuro presidente deu a entender que poderia voltar a
candidatar-se à Casa Branca, em 2028, na sequência de alguns dos seus apoiantes
e opositores terem levantado a hipótese de o presidente eleito se candidatar a
um terceiro mandato dentro de quatro anos.
No entanto, Donald Trump não pode
candidatar-se a um terceiro mandato, como presidente, em 2028, porque a
Constituição dos EUA o proíbe explicitamente.
A 22.ª Emenda estabelece, de forma específica e inequívoca, que ninguém pode ser eleito presidente mais do que duas vezes, em mandatos consecutivos ou não consecutivos.
Para se recandidatar, o presidente precisaria de conseguir revogar a 22.ª Emenda, o que será quase impossível, uma vez que requer um apoio esmagador da Câmara dos Representantes, do Senado e dos diversos estados dos EUA.
Uma possível via para alterar a Constituição exigiria
que dois terços da Câmara e do Senado concordassem com ela, além de 75% dos
estados dos EUA. Outra via era 34 dos 50 estados virem a concordar com a
realização de uma Convenção, ao abrigo do artigo V, para discutirem eventuais
alterações à Constituição. Mesmo que a Convenção recebesse apoio suficiente
para ser realizada, quaisquer alterações propostas teriam de receber o apoio de
38 estados (75%). Dada a inevitável oposição democrata à medida, bem como de republicanos
que possam ser contra, Donald Trump seria incapaz de reunir apoio suficiente
para sequer tentar revogar a emenda.
Valerá a pena salientar que algumas
das referências de Donald Trump a um terceiro mandato podem não ser tão
malévolas como parecem. De acordo com a CBS
News, num comício em julho, disse que as pessoas “não teriam de votar mais”,
se ele ganhasse em 2024.
Todavia, colocado em contexto, disse
tratar-se de uma afirmação hiperbólica de que iria melhorar os EUA, de tal
forma que já não haveria necessidade de eleições.
Falando a um grupo de cristãos conservadores, conforme citado pela CBS News, exortou: “Cristãos, saí e
votai. Só desta vez. Não tereis de o fazer mais. Mais quatro anos. Sabeis que
mais? Vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem. Não tereis de votar mais, meus
lindos cristãos.”
Noutro exemplo, perguntou, num comício da Associação
Nacional da Espingarda, se deveria ser considerado um presidente de “três
mandatos” ou de “dois mandatos”. Porém, isto parecia referir-se às alegações de
que tinha sido enganado nas eleições de 2020 e não a uma declaração de que se
candidataria, novamente, em 2028. De facto, Trump tinha dito, anteriormente,
que não estaria interessado em apresentar outra candidatura presidencial.
Nessa altura, teria 82 anos e a
desistência do presidente Joe Biden, de 81 anos, da corrida de 2024, em grande
parte devido a preocupações com a idade, mostra que esta é fator importante na
opinião do eleitorado americano.
Franklin Roosevelt é a única pessoa
que foi presidente dos EUA mais de duas vezes. Cumpriu quatro mandatos entre
1933 e 1945, antes da entrada em vigor da 22.ª Emenda, em 1951. Morreu no
exercício do seu cargo, 82 dias após o início do seu quarto mandato. É, assim,
o presidente dos EUA com mais tempo de serviço, com um total de 4422 dias. No
outro extremo está William Henry Harrison, que morreu, apenas 31 dias após o
início do seu mandato, em 1841.
Donald Trump também não será o
primeiro presidente dos EUA a cumprir mandatos não consecutivos. Essa honra,
até há pouco tempo, pertencia apenas a Grover Cleveland, que exerceu o cargo de
1885 a 1889 e de 1893 a 1897.
***
O Artigo Quinto da Constituição estabelece
o procedimento para a alterar. O processo consiste em propor uma emenda ou
emendas e a subsequente ratificação.
As emendas
podem ser propostas pelo Congresso, com o voto de dois terços da Câmara dos
Representantes e do Senado, ou por uma convenção convocada, para o efeito, pelo
Congresso a pedido de dois terços das legislaturas estaduais. Para
integrar a Constituição, a emenda deve ser ratificada pelo Congresso (por dois
terços), pelas legislaturas de três quartos dos estados ou por convenções de
ratificação realizadas em três quartos dos estados, um processo utilizado
apenas uma vez na História dos EUA, com a ratificação da 21.ª Emenda, em
1933. O voto de cada estado (para ratificar ou para rejeitar uma emenda
proposta) tem o mesmo peso, independentemente da população do estado ou do tempo
de permanência na União. O Artigo Quinto não trata de prazos para ratificar
emendas propostas, mas a maioria das emendas propostas, desde 1917, incluiu um
prazo para ratificação. Os juristas concordam que o processo de emenda do
Artigo Quinto pode ser emendado pelos procedimentos estabelecidos nele, mas há discordância
sobre se o Artigo Quinto é o meio exclusivo de emenda da Constituição.
Além de
definir os procedimentos para alterar a Constituição, o Artigo Quinto protege
três cláusulas do Artigo Primeiro, contra emendas ordinárias por meio
de estipulações. Com relação a duas das cláusulas – uma relativa à importação
de escravos e outra à distribuição de impostos diretos – a proibição de emendas
era absoluta, mas de duração limitada, expirando em 1808; a terceira não tinha
data de validade, mas era menos absoluta: “Nenhum estado, sem seu
consentimento, será privado de seu sufrágio igual no Senado.” Os estudiosos
discordam quanto a essa cláusula poder ser emendada pelos procedimentos
estabelecidos no Artigo Quinto.
Eis o texto
do Artigo Quinto:
“O Congresso,
sempre que dois terços de ambas as Câmaras considerarem necessário, proporá emendas
a esta Constituição ou, a pedido das legislaturas de dois terços dos vários estados,
convocará uma Convenção para propor Emendas, que, em ambos os casos, serão
válidas para todos os fins e propósitos, como parte desta Constituição, quando
ratificadas pelas legislaturas de três quartos dos vários estados, ou por Convenções
em três quartos deles, conforme um ou outro modo de ratificação possa ser
proposto pelo Congresso, desde que nenhuma emenda que possa ser feita antes do
ano de mil oitocentos e oito afete, de alguma forma, a primeira e a quarta
Cláusulas da Nona Seção do primeiro Artigo; e que nenhum Estado, sem seu
consentimento, seja privado de seu sufrágio igual no Senado.”
O artigo fornece dois
métodos para emendar a estrutura da governação. O primeiro método autoriza o
Congresso a propor emendas constitucionais; o segundo exige que o Congresso, “a
pedido das legislaturas de dois terços dos vários estados” (34 em 1959), “convoque
uma convenção para propor emendas”. Esta dualidade é o resultado de
compromissos feitos durante a Convenção Constitucional de 1787 entre
dois grupos, um, defendendo que o legislativo nacional não deveria ter papel no
processo de emenda constitucional, e o outro, aduzindo que as propostas de
emenda se deveriam originar no legislativo nacional e a ratificação deveria ser
decidida pelos legislativos estaduais ou por convenções estaduais. Em
relação ao processo de emenda consensual elaborado durante a convenção, James
Madison declarou que protege igualmente contra a facilidade extrema que
tornaria a Constituição muito mutável e contra dificuldade extrema que perpetuaria
as falhas descobertas. Além disso, permite que o governo federal e os estaduais
criem a emenda de erros, conforme possam ser apontados pela experiência de um
lado ou de outro.
Sempre que o
processo do Artigo Quinto foi iniciado, desde 1789, se usou o primeiro método
para elaborar e propor emendas. Todas as 33 emendas submetidas aos estados para
ratificação tiveram origem no Congresso. O segundo método, a opção de
convenção, uma ferramenta política que permitiria que as legislaturas estaduais
erguessem barreiras contra as invasões da autoridade nacional, ainda não foi
invocado.
Uma emenda torna-se uma componente operacional da Constituição, quando é ratificada pelo número necessário de estados, e não na data posterior em que sua ratificação é certificada. Não é necessária qualquer ação adicional do Congresso ou de qualquer outra entidade. Em três ocasiões, o Congresso, após ser informado de que uma emenda havia atingido o limite de ratificação, adotou uma resolução declarando que o processo havia sido concluído com sucesso. Essas ações, embora importantes por motivos políticos, são constitucionalmente desnecessárias.
O arquivista dos EUA tem a responsabilidade de administrar o processo de ratificação de acordo com as disposições do Título 1 do Código dos Estados Unidos (1 U.S. Code), que descreve as disposições gerais do Código dos Estados Unidos. Notifica, oficialmente, os estados, por meio de carta registada ao governador de cada estado, que foi proposta uma emenda e cada governador submete, formalmente, a emenda à legislatura do seu estado (ou convenção de ratificação). Quando um estado ratifica a emenda, envia ao arquivista cópia original ou autenticada da ação do estado. Ao receber o número necessário de ratificações, o arquivista emite certificado a proclamar que a emenda foi devidamente ratificada e é parte da Constituição. A emenda e o certificado de ratificação são publicados no Federal Register e no United States Statutes at Large. Isso serve de aviso oficial ao Congresso e à nação de que o processo de ratificação foi concluído com êxito.
Há um debate, entre os comentadores, sobre se o Artigo Quinto é o meio exclusivo de emendar a Constituição ou se há caminhos para a emenda, incluindo alguns nos quais a Constituição poderia ser, inconsciente ou involuntariamente, emendada em período de atividade política sustentada por parte de um eleitorado nacional mobilizado. Por exemplo, Akhil Amar rejeita a noção de que o Artigo Quinto exclui outros modos de alteração constitucional, sendo o procedimento previsto nele o método exclusivo de que o governo dispõe para alterar a Constituição, pois, em nenhum lugar, na sua ótica, se impede que o povo, agindo à parte do governo, exerça o seu direito legal de, por meio dos procedimentos legais adequados, alterar ou abolir o que o governo decidiu.
Ao invés, outros académicos argumentam que a Constituição não oferece nenhum mecanismo para que o povo adote emendas constitucionais fora do Artigo Quinto, pois este oferece um modo claro e estável de emendar o documento, que é o meio exclusivo de emenda; promove a sabedoria e a justiça, pelo aprimoramento da deliberação e da prudência; e complementa o federalismo e a separação de poderes, que são caraterísticas fundamentais da Constituição.
No seu discurso de despedida, o presidente George Washington declarou: “Se, na opinião do povo, a distribuição ou modificação dos poderes constitucionais estiver errada, em algum aspeto, que seja corrigida por uma emenda da maneira que a Constituição designa. Mas que não haja mudança por usurpação, pois, embora isso, num caso, possa ser o instrumento do bem, é a arma habitual pela qual os governos livres são destruídos. O precedente deve sempre superar em muito, em termos de mal permanente, qualquer benefício parcial ou transitório que o uso possa, em algum momento, produzir.”
Essa declaração tornou-se polémica, e alguns estudiosos discutem se ainda descreve a ordem constitucional adequada aos EUA. Os que rejeitam a posição de Washington aduzem que a Constituição foi adotada, sem seguir os procedimentos dos artigos da Confederação, enquanto outros sustentam que a convenção é produto do poder residual dos estados e que a emenda foi legal, tendo recebido o consentimento unânime das legislaturas dos estados.
O Artigo Quinto estabelece os procedimentos para emendar a Constituição, mas não declara se eles se aplicam ao próprio Artigo Quinto. E já houve propostas para emendar os procedimentos de emenda da Constituição, mas o Artigo Quinto nunca foi emendado.
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Assim, Trump terá de dar grande cambalhota política para obter mais um mandato.
2025.04.01 – Louro de Carvalho
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