Dois anos
antes das eleições presidenciais na França, a condenação judicial de Marine Le
Pen, líder da extrema-direita e ex-líder do partido Reunião Nacional, o Rassemblement
National (RN) –, que, salvo reviravolta no tribunal de recurso, não poderá
concorrer no pleito, provocou, no dia 6 de abril, protestos contra a decisão da
Justiça protestos a seu favor. Efetivamente, o RN, horas depois do anúncio da
condenação judicial, convocou a militância para uma grande demonstração de
apoio Le Pen, em Paris, em 6 de abril.
Paralelamente,
na capital, foi organizada, pela esquerda, uma contramanifestação, para
defender a separação dos poderes, depois que a Justiça passou a ser alvo da extrema-direita,
e decorreu um terceiro evento, plasmado num dia de conferências e de debates
sobre a defesa da democracia, com a participação de 8850 militantes, promovido
pelo partido centrista Renaiscence (Renascença), de Emmanuel Macron, em Saint-Denis,
na periferia de Paris.
A 31 de
março, a Corregedoria de Paris tornou Le Pen inelegível e determinou uma
pena de quatro anos de prisão à deputada, por uso indevido de verbas do
Parlamento Europeu (PE), quando era eurodeputada. A líder recorreu de toda a
decisão, mas dificilmente conseguirá revertê-la a tempo de poder concorrer nas
próximas eleições presidenciais, a não ser que o tribunal de recurso tome uma
decisão rápida – por exemplo, até ao verão de 2026, como parece estar garantido,
e acorde em sentido contrário. Porém, se o processo se estender no tempo, em
sede de recurso, a inelegibilidade mantém-se, pois a juíza sentenciou que a
inelegibilidade foi objeto de decisão executiva provisória, significando que
vigora até o recurso ser julgado.
Em todo o
caso, a pré-candidata presidencial promete não desistir. E, em seu apoio, o RN
lançou vasta ofensiva, denunciando “juízes tiranos”, de acordo com o deputado
Jean-Philippe Tanguy, e organizando um comício de apoio à líder, às 15h, em
frente ao Palácio dos Inválidos. Le Pen fez um discurso, em que referiu que,
apesar de ter desviado quatro milhões de euros, em benefício do partido, considera
que a Justiça protagonizou um “escândalo democrático”, ao impedi-la, com 37% de
intenções de voto, de participar nas eleições de 2027. “Serei bem clara:
não permitiremos que a eleição presidencial seja roubada ao povo francês”,
assegurou.
O
primeiro-ministro francês, François Bayrou, afirmou, no dia 5, que a
organização de uma manifestação para protestar contra uma decisão judicial “não
é saudável, nem desejável”, e criticou a “interferência estrangeira” no caso,
depois de o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, e o
vice-presidente, James David Vance, se pronunciarem a favor de Le Pen. Xavier
Bertrand, presidente do Republicanos, de direita, na região de Hauts-de-France,
disse que a manifestação ilustra uma “má reformulação do Capitólio”, em
referência à invasão do Congresso dos EUA pelos apoiantes de Donald Trump, em
2021.
Já Marine
Tondelier, secretária nacional dos Ecologistas, avaliou que a manifestação do RN
é, “na realidade, uma oposição à justiça e contrária ao estado de direito”. Os
Ecologistas estão entre os que organizaram a contramanifestação, que aconteceu
no mesmo horário, na Praça da República, com a presença ainda da militância do
França Insubmissa e o Generações. Porém, os partidos Socialista e Comunista não
se associaram à mobilização.
“Esta não é
uma manifestação contra os juízes”, mas “pela democracia, por Marine Le Pen,
pela soberania popular”, retorquiu Sébastien Chenu vice-presidente do RN, que
voltou a chamar a decisão de “injusta” e de “execução política do principal
líder político francês”.
Uma das
questões que iriam surgir, no dia 6, “é se queremos que a França se torne a
América de Trump ou não”, atirou um aliado do ex-primeiro-ministro centrista,
Gabriel Attal, que participou no evento do Renascence, em Saint-Denis. Attal manifestou-se
em defesa do “estado de direito”, da “democracia e dos nossos valores”, e
chamou, para participar nas conferências, outro líder centrista, Édouard
Philippe, pré-candidato ao Palácio do Eliseu, e o atual primeiro-ministro,
François Bayrou.
***
“Não vou desistir!, declarou Marine
Le Pen aos apoiantes apinhados na Place Vauban, em Paris. De acordo com fonte
policial, eram esperadas cerca de oito mil pessoas. E a esquerda organizou uma
contramanifestação na Place de la République.
Os apoiantes de Marine Le Pen
juntaram-se em Paris, para protestar contra a condenação, por desvio de fundos,
a prisão e à proibição de se candidatar a eleições, durante cinco anos.
Le Pen, que
recorreu da sentença, prometeu “não permitir que lhe roubem a presidência”: É-me
impossível esconder a minha emoção ao ver-vos aqui, ao nosso lado, em todos os
nossos departamentos. Obrigada por estarem aqui, para defender o que esta
decisão espezinhou e que eu prezo acima de tudo: o meu povo, o meu país e a
minha honra”, clamou à multidão.
“Permitam-me
que vos tranquilize a todos: não
vou desistir”, garantiu, na manifestação, realizada não muito longe da
Assembleia Nacional (AN), junto ao Hôtel des Invalides.
“Agora, vou
ser eliminada da vida democrática […] em nome de uma pretensa perturbação da
ordem pública democrática, um conceito pura e simplesmente inventado para a
ocasião”, disse aos apoiantes, vincando que “esta decisão política desrespeita
o estado de direito e a democracia”.
Uma
manifestação rival de esquerda reuniu-se na Place de la République, denunciando
o que os organizadores descreveram como uma “viragem trumpista” do RN.
Jordan Bardella, que antecedeu a líder da extrema-direita, no palco,
denunciou a decisão judicial “escandalosa” de “eliminar” Marine Le Pen das eleições
presidenciais como um “ataque direto à democracia” e “um prejuízo para milhões
de franceses patriotas”.
“Queriam apagar uma voz, mas acordaram o povo francês”, declarou o jovem
presidente do RN afirmando que 10 mil pessoas estavam presentes na Place
Vauban: “A História marcou encontro connosco”, acrescentou, antes de pedir à
assistência que vaiasse a contramanifestação organizada, para a mesma hora por
um setor da esquerda.
São mais democratas os do RN, quando se sabe que a juíza que decidiu a condenação tem proteção
reforçada, devido a ameaças que a visam, nas redes sociais.
Segundo um jornalista do Le Figaro,
presente no local, “a maioria dos manifestantes entrevistados provinha da
região parisiense e dos subúrbios, com exceção de um autocarro proveniente de
Hénin-Beaumont”, o bastião do RN, no Norte de França.
Antes do início da manifestação, os apoiantes de Le Pen reunidos na Place
Vauban foram brindados com um protesto das Femen, que pediram que Marine Le Pen
fosse “inelegível para o resto da vida”, antes de serem retiradas, sem
cerimónias, pela segurança do RN.
Minutos após o término da manifestação da extrema-direita, o
ex-primeiro-ministro Gabriel Attal, do Renaissance acusou Marine Le Pen de atacar os juízes e as instituições
francesas. “Você rouba, você paga”, disse o centrista à deputada, durante um
evento na Cité du Cinéma, em Saint-Denis, cidade marcada pela pobreza na
periferia da capital francesa.
O partido
centrista Renaissance,
de Gabriel Attal, organizou
a sua própria manifestação em Saint-Denis, alertando para uma “ameaça existencial
ao Estado de direito”.
A decisão
judicial teve repercussões além de França, provocando ondas de choque nos
círculos de extrema-direita, na Europa e no resto do Mundo, depois de alguns
partidos, incluindo o de Le Pen, terem ganho terreno, nos últimos anos.
Apesar da decisão
judicial de 30 de março, as sondagens mostram que o RN continua forte, mesmo
que Jordan Bardella, o protegido
de Le Pen, se tornasse o candidato presidencial de 2027, em seu lugar. Numa sondagem da Elabe para a BFMTV e para La Tribune
dimnanche, realizada entre 2 e 4 de abril, alguns dias após a condenação de
Marine Le Pen, em primeira instância, tanto Le Pen como Bardella estão à frente
nas intenções de voto para a primeira volta das eleições presidenciais de 2027.
Em todas as configurações possíveis de adversários, a filha de Jean-Marie Le
Pen e o seu segundo candidato estão à frente, com 32% a 36% das intenções de
voto, para ela, e com 31% a 35,5%, para ele.
***
Após a sua condenação por desvio de fundos, Marine Le Pen, ex-líder do
RN, defendeu-se, num congresso em Itália, prometendo lutar contra a injustiça
de que é alvo e comparou a sua luta à de M. Luther King, que lutou pela
igualdade, pela liberdade e pelos direitos humanos.
Após o discurso de Elon Musk, Matteo Salvini surpreendeu a audiência
do congresso da Lega, em Florença, na manhã do dia 6, com uma mensagem de
Marine Le Pen.
“Sabem muito bem o que estou a viver, porque vós próprios já o vivestes.
Conheceis os ataques que estão a ser perpetrados, hoje, pelo sistema judicial
contra os líderes”, disse Le Pen, referindo-se à condenação por peculato que recebeu a 31 de março e
recordando o processo “Open arms” contra Salvini. “Este ataque é muito violento
contra todo o povo francês”, acrescentou Le Pen.
“A decisão tomada contra mim não é apenas um ataque contra mim, mas contra
o povo francês. Os Franceses não poderão votar num candidato que querem ver à
frente do nosso país, uma vez que eu era a favorita para as eleições
presidenciais”, acrescentou a líder do RN, que, depois, afirmou: “Lutaremos,
nunca baixaremos os braços, perante esta violência. Utilizaremos todos os meios
legais para nos podermos apresentar nas eleições presidenciais.”
Relativamente à condenação, Le Pen afirmou que “se baseia numa violação,
porque estávamos a contestar as instituições europeias”, sendo, portanto, um
exercício da nossa soberania e do direito à autodeterminação. “Mas a nossa luta será como a vossa, pacífica
e democrática, e o exemplo vem de Martin Luther King”, sublinhou.
“São os direitos civis e cívicos que estão em causa, não somos a soberania
de cidadãos de segunda classe e, por isso, devemos ser tratados como cidadãos
de primeira classe”, considerou Le Pen, saudando, depois, os presentes: “O
vosso apoio comove-me e entusiasma-me.”
***
É verdade que Martin Luther King Jr. viveu a sua vida a lutar pelos direitos civis – até ao
seu assassinato, em 1968 –, mas das
minorias e com especial
enfoque na raça negra, vítima de racismo e de discriminação nos
EUA. Luther King ficou conhecido pela luta contra a segregação e foi Nobel da Paz, por combater o
racismo, através da resistência não violenta. Pelo contrário, Marine Le Pen
entrou na política, através da Frente Nacional (FN), partido político da
extrema-direita, em França ,que defende
políticas de anti-imigração, nacionalistas e protecionistas. Le Pen
apoia o nacionalismo e opõe-se à globalização e ao multiculturalismo. É contra
a imigração e favorável à Rússia de Vladimir Putin.
O presidente do RN, Jordan Bardella, também falou depois de Le Pen. “Uma
decisão judicial terrível decidiu excluir Marine Le Pen da presidência, porque
ela é líder da oposição e era a favorita nas sondagens. Trata-se de uma decisão
política, a esquerda utiliza a justiça para atacar os seus adversários. É o
mesmo que aconteceu a Matteo Salvini, quando quis defender a Itália contra a
imigração ilegal, afirmou Bardella, acrescentando: “Não é correto utilizar a
lei contra as pessoas. Quanto mais os nossos adversários nos atacarem, mais
determinados estaremos em defender o nosso país e o direito à vida de todo o
continente europeu.”
Outros oradores incluíram Geert Wilders, líder do partido de ultradireita
holandês, PVV. “Meu caro Matteo, não há dúvida de que, se eu fosse
italiano seria um homem da Lega.
Durante muitas décadas, o senhor foi a voz da razão, em Itália, da proteção
contra a imigração em massa e a ideologia acordada”, disse Wilders, frisando: “Os
patriotas entraram nos governos da Itália, [da] Holanda, [da] Hungria e [dos
EUA]. Le Pen não vai desiludir o seu povo, é corajosa e vai ganhar. Defendemos
a democracia. Caros amigos, sede tão corajosos como Matteo Salvini e [como] Marine
Le Pen.”
***
Em Itália, as diferentes
reações políticas das
forças maioritárias do governo italiano de centro-direita à condenação de Marine
Le Pen, por desvio de fundos do PE, refletem os diferentes estados de alma
no governo
Meloni e a atitude dos partidos maioritários, em relação
às forças de extrema-direita, na Europa. Se, por um lado, os Fratelli d’Italia e
o Forza
Italia exibem moderação, por outro, o líder da Lega, Matteo Salvini, aliado histórico da líder da extrema-direita francesa,
usa um tom mais duro, com a hashtag “do lado de Marine”, e atacou
Bruxelas, que personaliza a União Europeia (UE).
Raffaele Nevi,
porta-voz do partido de Antonio Tajani (líder do Forza Italia,
vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros), entrevistado pela
Radio Radicale, descartou a
possibilidade de um terramoto político: “Há uma sentença, as leis francesas
devem ser respeitadas, vamos às eleições e veremos quem ganha”, sentenciou.
A primeira-ministra,
Giorgia Meloni, tem atitude semelhante: ao defender Le Pen, limita-se a dizer
que “atacar o líder de um grande partido” prejudica a democracia, ao “privar
milhões de cidadãos da possibilidade de serem politicamente representados”.
Porém, Matteo Salvini,
amigo e aliado político de Le Pen, fez comentário diferente, publicando uma
selfie no seu perfil do X, com o
hashtag “Je soutiens Marine” (“Estou do lado de Marine”).
Num longo post em
francês, no X, o líder da Lega,
partido que, com o RN, faz parte do grupo político “Patriotas pela
Europa”, no PE, ataca Bruxelas. Salvini compara a inelegibilidade imposta
a Marine Le Pen ao impedimento de se candidatar imposto ao candidato
pró-russo da Roménia, Călin Georgescu. “O que foi feito contra Marine Le Pen”,
escreve Salvini, ”é uma declaração de guerra de Bruxelas, quando são
assustadores os impulsos bélicos de [Ursula] von der Leyen e [de
Emmanuel] Macron.
Não nos vamos deixar intimidar, não vamos parar: em frente, minha amiga!”.
Apontando o dedo à
presidente da Comissão Europeia e ao presidente francês, Salvini voltou aos
tons polémicos dos últimos dias e às críticas ao plano de defesa europeu. “A
Itália deve ser a ponte entre a UE e os EUA […] A Europa de Ursula von der
Leyen e de Emmanuel Macron não é a nossa Europa”, rematou.
***
Duas notas: i) não é certo que a manifestação em
favor de Marine Le Pen tivesse galvanizado a França (oito mil pessoas são
poucas, face a uma manifestação centrista, com 8850 mil, e a muitos milhares
numa contramanifestação), mas a extrema-direita mostrou a sua potente e
alargada voz, no referido Congresso, em Itália; ii) é certo que, por vezes, a Justiça mostra prazer em atacar
políticos, mas, se estiverem a contas com a Justiça (arguidos e até
condenados), há tendência para o eleitorado os premiar com a eleição.
Desviam, enganam, estão
a contas com a Justiça, mas sentem-se honrados, perseguidos e o povo elege-os,
sobretudo, se forem de direita. Só não tomam posse, se Justiça se opuser.
2025.04.07 – Louro de Carvalho
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