segunda-feira, 7 de abril de 2025

Marine Le Pen diz que a sua luta é como a de Martin Luther King

 

Dois anos antes das eleições presidenciais na França, a condenação judicial de Marine Le Pen, líder da extrema-direita e ex-líder do partido Reunião Nacional, o Rassemblement National (RN) –, que, salvo reviravolta no tribunal de recurso, não poderá concorrer no pleito, provocou, no dia 6 de abril, protestos contra a decisão da Justiça protestos a seu favor. Efetivamente, o RN, horas depois do anúncio da condenação judicial, convocou a militância para uma grande demonstração de apoio Le Pen, em Paris, em 6 de abril.

Paralelamente, na capital, foi organizada, pela esquerda, uma contramanifestação, para defender a separação dos poderes, depois que a Justiça passou a ser alvo da extrema-direita, e decorreu um terceiro evento, plasmado num dia de conferências e de debates sobre a defesa da democracia, com a participação de 8850 militantes, promovido pelo partido centrista Renaiscence (Renascença), de Emmanuel Macron, em Saint-Denis, na periferia de Paris.

A 31 de março, a Corregedoria de Paris tornou Le Pen inelegível e determinou uma pena de quatro anos de prisão à deputada, por uso indevido de verbas do Parlamento Europeu (PE), quando era eurodeputada. A líder recorreu de toda a decisão, mas dificilmente conseguirá revertê-la a tempo de poder concorrer nas próximas eleições presidenciais, a não ser que o tribunal de recurso tome uma decisão rápida – por exemplo, até ao verão de 2026, como parece estar garantido, e acorde em sentido contrário. Porém, se o processo se estender no tempo, em sede de recurso, a inelegibilidade mantém-se, pois a juíza sentenciou que a inelegibilidade foi objeto de decisão executiva provisória, significando que vigora até o recurso ser julgado.

Em todo o caso, a pré-candidata presidencial promete não desistir. E, em seu apoio, o RN lançou vasta ofensiva, denunciando “juízes tiranos”, de acordo com o deputado Jean-Philippe Tanguy, e organizando um comício de apoio à líder, às 15h, em frente ao Palácio dos Inválidos. Le Pen fez um discurso, em que referiu que, apesar de ter desviado quatro milhões de euros, em benefício do partido, considera que a Justiça protagonizou um “escândalo democrático”, ao impedi-la, com 37% de intenções de voto, de participar nas eleições de 2027. “Serei bem clara: não permitiremos que a eleição presidencial seja roubada ao povo francês”, assegurou.

O primeiro-ministro francês, François Bayrou, afirmou, no dia 5, que a organização de uma manifestação para protestar contra uma decisão judicial “não é saudável, nem desejável”, e criticou a “interferência estrangeira” no caso, depois de o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, e o vice-presidente, James David Vance, se pronunciarem a favor de Le Pen. Xavier Bertrand, presidente do Republicanos, de direita, na região de Hauts-de-France, disse que a manifestação ilustra uma “má reformulação do Capitólio”, em referência à invasão do Congresso dos EUA pelos apoiantes de Donald Trump, em 2021.

Já Marine Tondelier, secretária nacional dos Ecologistas, avaliou que a manifestação do RN é, “na realidade, uma oposição à justiça e contrária ao estado de direito”. Os Ecologistas estão entre os que organizaram a contramanifestação, que aconteceu no mesmo horário, na Praça da República, com a presença ainda da militância do França Insubmissa e o Generações. Porém, os partidos Socialista e Comunista não se associaram à mobilização.

“Esta não é uma manifestação contra os juízes”, mas “pela democracia, por Marine Le Pen, pela soberania popular”, retorquiu Sébastien Chenu vice-presidente do RN, que voltou a chamar a decisão de “injusta” e de “execução política do principal líder político francês”. 

Uma das questões que iriam surgir, no dia 6, “é se queremos que a França se torne a América de Trump ou não”, atirou um aliado do ex-primeiro-ministro centrista, Gabriel Attal, que participou no evento do Renascence, em Saint-Denis. Attal manifestou-se em defesa do “estado de direito”, da “democracia e dos nossos valores”, e chamou, para participar nas conferências, outro líder centrista, Édouard Philippe, pré-candidato ao Palácio do Eliseu, e o atual primeiro-ministro, François Bayrou.

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“Não vou desistir!, declarou Marine Le Pen aos apoiantes apinhados na Place Vauban, em Paris. De acordo com fonte policial, eram esperadas cerca de oito mil pessoas. E a esquerda organizou uma contramanifestação na Place de la République.

Os apoiantes de Marine Le Pen juntaram-se em Paris, para protestar contra a condenação, por desvio de fundos, a prisão e à proibição de se candidatar a eleições, durante cinco anos.

Le Pen, que recorreu da sentença, prometeu “não permitir que lhe roubem a presidência”: É-me impossível esconder a minha emoção ao ver-vos aqui, ao nosso lado, em todos os nossos departamentos. Obrigada por estarem aqui, para defender o que esta decisão espezinhou e que eu prezo acima de tudo: o meu povo, o meu país e a minha honra”, clamou à multidão.

“Permitam-me que vos tranquilize a todos: não vou desistir”, garantiu, na manifestação, realizada não muito longe da Assembleia Nacional (AN), junto ao Hôtel des Invalides.

“Agora, vou ser eliminada da vida democrática […] em nome de uma pretensa perturbação da ordem pública democrática, um conceito pura e simplesmente inventado para a ocasião”, disse aos apoiantes, vincando que “esta decisão política desrespeita o estado de direito e a democracia”.

Uma manifestação rival de esquerda reuniu-se na Place de la République, denunciando o que os organizadores descreveram como uma “viragem trumpista” do RN.

Jordan Bardella, que antecedeu a líder da extrema-direita, no palco, denunciou a decisão judicial “escandalosa” de “eliminar” Marine Le Pen das eleições presidenciais como um “ataque direto à democracia” e “um prejuízo para milhões de franceses patriotas”.

“Queriam apagar uma voz, mas acordaram o povo francês”, declarou o jovem presidente do RN afirmando que 10 mil pessoas estavam presentes na Place Vauban: “A História marcou encontro connosco”, acrescentou, antes de pedir à assistência que vaiasse a contramanifestação organizada, para a mesma hora por um setor da esquerda.

São mais democratas os do RN, quando se sabe que a juíza que decidiu a condenação tem proteção reforçada, devido a ameaças que a visam, nas redes sociais.

Segundo um jornalista do Le Figaro, presente no local, “a maioria dos manifestantes entrevistados provinha da região parisiense e dos subúrbios, com exceção de um autocarro proveniente de Hénin-Beaumont”, o bastião do RN, no Norte de França.

Antes do início da manifestação, os apoiantes de Le Pen reunidos na Place Vauban foram brindados com um protesto das Femen, que pediram que Marine Le Pen fosse “inelegível para o resto da vida”, antes de serem retiradas, sem cerimónias, pela segurança do RN.

Minutos após o término da manifestação da extrema-direita, o ex-primeiro-ministro Gabriel Attal, do Renaissance acusou Marine Le Pen de atacar os juízes e as instituições francesas. “Você rouba, você paga”, disse o centrista à deputada, durante um evento na Cité du Cinéma, em Saint-Denis, cidade marcada pela pobreza na periferia da capital francesa. 

O partido centrista Renaissance, de Gabriel Attal, organizou a sua própria manifestação em Saint-Denis, alertando para uma “ameaça existencial ao Estado de direito”.

A decisão judicial teve repercussões além de França, provocando ondas de choque nos círculos de extrema-direita, na Europa e no resto do Mundo, depois de alguns partidos, incluindo o de Le Pen, terem ganho terreno, nos últimos anos.

Apesar da decisão judicial de 30 de março, as sondagens mostram que o RN continua forte, mesmo que Jordan Bardella, o protegido de Le Pen, se tornasse o candidato presidencial de 2027, em seu lugar. Numa sondagem da Elabe para a BFMTV e para La Tribune dimnanche, realizada entre 2 e 4 de abril, alguns dias após a condenação de Marine Le Pen, em primeira instância, tanto Le Pen como Bardella estão à frente nas intenções de voto para a primeira volta das eleições presidenciais de 2027. Em todas as configurações possíveis de adversários, a filha de Jean-Marie Le Pen e o seu segundo candidato estão à frente, com 32% a 36% das intenções de voto, para ela, e com 31% a 35,5%, para ele.

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Após a sua condenação por desvio de fundos, Marine Le Pen, ex-líder do RN, defendeu-se, num congresso em Itália, prometendo lutar contra a injustiça de que é alvo e comparou a sua luta à de M. Luther King, que lutou pela igualdade, pela liberdade e pelos direitos humanos.

Após o discurso de Elon Musk, Matteo Salvini surpreendeu a audiência do congresso da Lega, em Florença, na manhã do dia 6, com uma mensagem de Marine Le Pen.

“Sabem muito bem o que estou a viver, porque vós próprios já o vivestes. Conheceis os ataques que estão a ser perpetrados, hoje, pelo sistema judicial contra os líderes”, disse Le Pen, referindo-se à condenação por peculato que recebeu a 31 de março e recordando o processo “Open arms” contra Salvini. “Este ataque é muito violento contra todo o povo francês”, acrescentou Le Pen.

“A decisão tomada contra mim não é apenas um ataque contra mim, mas contra o povo francês. Os Franceses não poderão votar num candidato que querem ver à frente do nosso país, uma vez que eu era a favorita para as eleições presidenciais”, acrescentou a líder do RN, que, depois, afirmou: “Lutaremos, nunca baixaremos os braços, perante esta violência. Utilizaremos todos os meios legais para nos podermos apresentar nas eleições presidenciais.”

Relativamente à condenação, Le Pen afirmou que “se baseia numa violação, porque estávamos a contestar as instituições europeias”, sendo, portanto, um exercício da nossa soberania e do direito à autodeterminação. “Mas a nossa luta será como a vossa, pacífica e democrática, e o exemplo vem de Martin Luther King”, sublinhou.

“São os direitos civis e cívicos que estão em causa, não somos a soberania de cidadãos de segunda classe e, por isso, devemos ser tratados como cidadãos de primeira classe”, considerou Le Pen, saudando, depois, os presentes: “O vosso apoio comove-me e entusiasma-me.”

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É verdade que Martin Luther King Jr. viveu a sua vida a lutar pelos direitos civis – até ao seu assassinato, em 1968 –, mas das minorias e com especial enfoque na raça negra, vítima de racismo e de discriminação nos EUA. Luther King ficou conhecido pela luta contra a segregação e foi Nobel da Paz, por combater o racismo, através da resistência não violenta. Pelo contrário, Marine Le Pen entrou na política, através da Frente Nacional (FN), partido político da extrema-direita, em França ,que defende políticas de anti-imigração, nacionalistas e protecionistas. Le Pen apoia o nacionalismo e opõe-se à globalização e ao multiculturalismo. É contra a imigração e favorável à Rússia de Vladimir Putin.

O presidente do RN, Jordan Bardella, também falou depois de Le Pen. “Uma decisão judicial terrível decidiu excluir Marine Le Pen da presidência, porque ela é líder da oposição e era a favorita nas sondagens. Trata-se de uma decisão política, a esquerda utiliza a justiça para atacar os seus adversários. É o mesmo que aconteceu a Matteo Salvini, quando quis defender a Itália contra a imigração ilegal, afirmou Bardella, acrescentando: “Não é correto utilizar a lei contra as pessoas. Quanto mais os nossos adversários nos atacarem, mais determinados estaremos em defender o nosso país e o direito à vida de todo o continente europeu.”

Outros oradores incluíram Geert Wilders, líder do partido de ultradireita holandês, PVV. “Meu caro Matteo, não há dúvida de que, se eu fosse italiano seria um homem da Lega. Durante muitas décadas, o senhor foi a voz da razão, em Itália, da proteção contra a imigração em massa e a ideologia acordada”, disse Wilders, frisando: “Os patriotas entraram nos governos da Itália, [da] Holanda, [da] Hungria e [dos EUA]. Le Pen não vai desiludir o seu povo, é corajosa e vai ganhar. Defendemos a democracia. Caros amigos, sede tão corajosos como Matteo Salvini e [como] Marine Le Pen.”

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Em Itália, as diferentes reações políticas das forças maioritárias do governo italiano de centro-direita à condenação de Marine Le Pen, por desvio de fundos do PE, refletem os diferentes estados de alma no governo Meloni e a atitude dos partidos maioritários, em relação às forças de extrema-direita, na Europa. Se, por um lado, os Fratelli d’Italia e o Forza Italia exibem moderação, por outro, o líder da Lega, Matteo Salvini, aliado histórico da líder da extrema-direita francesa, usa um tom mais duro, com a hashtag “do lado de Marine”, e atacou Bruxelas, que personaliza a União Europeia (UE).

Raffaele Nevi, porta-voz do partido de Antonio Tajani (líder do Forza Italia, vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros), entrevistado pela Radio Radicale, descartou a possibilidade de um terramoto político: “Há uma sentença, as leis francesas devem ser respeitadas, vamos às eleições e veremos quem ganha”, sentenciou.

A primeira-ministra, Giorgia Meloni, tem atitude semelhante: ao defender Le Pen, limita-se a dizer que “atacar o líder de um grande partido” prejudica a democracia, ao “privar milhões de cidadãos da possibilidade de serem politicamente representados”.

Porém, Matteo Salvini, amigo e aliado político de Le Pen, fez comentário diferente, publicando uma selfie no seu perfil do X, com o hashtag “Je soutiens Marine” (“Estou do lado de Marine”).

Num longo post em francês, no X, o líder da Lega, partido que, com o RN, faz parte do grupo político “Patriotas pela Europa”, no PE, ataca Bruxelas. Salvini compara a inelegibilidade imposta a Marine Le Pen ao impedimento de se candidatar imposto ao candidato pró-russo da Roménia, Călin Georgescu. “O que foi feito contra Marine Le Pen”, escreve Salvini, ”é uma declaração de guerra de Bruxelas, quando são assustadores os impulsos bélicos de [Ursula] von der Leyen e [de Emmanuel] Macron. Não nos vamos deixar intimidar, não vamos parar: em frente, minha amiga!”.

Apontando o dedo à presidente da Comissão Europeia e ao presidente francês, Salvini voltou aos tons polémicos dos últimos dias e às críticas ao plano de defesa europeu. “A Itália deve ser a ponte entre a UE e os EUA […] A Europa de Ursula von der Leyen e de Emmanuel Macron não é a nossa Europa”, rematou.

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Duas notas: i) não é certo que a manifestação em favor de Marine Le Pen tivesse galvanizado a França (oito mil pessoas são poucas, face a uma manifestação centrista, com 8850 mil, e a muitos milhares numa contramanifestação), mas a extrema-direita mostrou a sua potente e alargada voz, no referido Congresso, em Itália; ii) é certo que, por vezes, a Justiça mostra prazer em atacar políticos, mas, se estiverem a contas com a Justiça (arguidos e até condenados), há tendência para o eleitorado os premiar com a eleição.

Desviam, enganam, estão a contas com a Justiça, mas sentem-se honrados, perseguidos e o povo elege-os, sobretudo, se forem de direita. Só não tomam posse, se Justiça se opuser.

2025.04.07 – Louro de Carvalho

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