De acordo com Dmitri Peskov, porta-voz da presidência russa, tratou-se de uma boa oportunidade para Vladimir Putin “transmitir a Witcoff os elementos principais da posição da Rússia e as principais preocupações” do país sobre a situação da Ucrânia, que serão, depois, comunicadas ao presidente norte-americano.
“Witkoff, como representante especial de Trump, trará alguma coisa do seu presidente para Putin. Ele vai ouvi-lo e a conversa continuará sobre diversos aspetos da resolução do conflito ucraniano”, declarou Peskov, citado pela agência Ria Novosti, indicando que não deveriam esperar-se “quaisquer avanços diplomáticos”, na reunião, pois “há um processo de normalização das relações e a procura de uma base para iniciar um processo de paz sobre a Ucrânia”.
O porta-voz do Kremlin, referindo que a reunião entre Putin e Witkoff duraria o tempo que fosse necessário, sublinhou que as partes estão, agora, concentradas na troca de pontos de vista e que há um trabalho “meticuloso” em curso.
Esta foi a terceira deslocação do enviado de Donald Trump à Rússia, nos últimos dois meses. As viagens anteriores realizaram-se a 11 de fevereiro e a 13 de março.
O presidente dos EUA tem-se mostrado frustrado com a falta de progressos nas negociações, nas últimas semanas, e com a continuação dos bombardeamentos por ambas as partes em conflito na Ucrânia. Assim, a Rússia poderá abandonar, a 16 de abril, a trégua energética acordada com a Ucrânia, devido ao que Moscovo considera constantes violações por Kiev dessa moratória. E, se não for alcançado um cessar-fogo até ao final do mês, Trump poderá impor sanções adicionais à Rússia, quer através do poder executivo, quer pedindo ao Congresso que aprove novo pacote de sanções, como declarou ao jornal digital norte-americano Axios fonte familiarizada com o tema.
Na semana anterior, Witkoff recebeu, em Washington, Kiril Dmitriev, enviado de Vladimir Putin, na tentativa de ultrapassar o impasse diplomático.
A reunião de 11 de abril ocorreu um dia depois de consultas entre os EUA e a Rússia, em Istambul, na Turquia, terem terminado sem qualquer acordo concreto.
A reunião, realizada à porta fechada na Biblioteca Presidencial, em São Petersburgo, foi a terceira entre Witkoff e Putin, em dois meses e durou perto de 4h30m, segundo as agências de notícias russas Ria Novosti e TASS. “A reunião centrou-se em aspetos do acordo ucraniano”, informou o Kremlin, num curto comunicado emitido após a sua conclusão.
Participaram na reunião Yuri Ushakov, conselheiro do Kremlin para assuntos internacionais, e Kiril Dmitriev, enviado presidencial para a cooperação económica internacional, que se reuniram, previamente, a sós com o enviado norte-americano. E, logo após a conclusão do encontro com Vladimir Putin, Kiril Dmitriev indicou que fora bem-sucedida a reunião. “Negociações produtivas com Witkoff”, escreveu o enviado de Putin, na sua conta na rede social X.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, antes da reunião, afirmara, como vimos, que esta era uma boa oportunidade para “transmitir a Witkoff os principais elementos da posição da Rússia e as maiores preocupações do país”.
A Rússia ameaça deixar cair a trégua energética a 16 de abril, acusando a Ucrânia de violações contínuas; Kiev acusa as forças russas de prosseguirem ataques quase diários contra infraestruturas civis; e, se não for alcançado um cessar-fogo até ao final do mês, o líder norte-americano poderá impor sanções adicionais à Rússia.
Entretanto, Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca declarou à imprensa: “O presidente foi muito claro, ao expressar a contínua frustração com ambos os lados deste conflito e quer ver o fim da guerra.”
Não obstante, a porta-voz indicou que os EUA acreditam que têm influência suficiente para negociarem um acordo de paz e estão determinados a usá-la.
O político republicano, que defendeu, no regresso à Casa Branca, em janeiro, uma aproximação ao Kremlin e criticou, duramente, ao homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, manifestou, recentemente, insatisfação com os contínuos bombardeamentos russos na Ucrânia e com a falta de compromisso de Moscovo com uma trégua. E, pouco antes da reunião em causa, instou a Rússia a tomar medidas para pôr fim ao conflito na Ucrânia. “A Rússia precisa de se mexer. Muitas pessoas estão a morrer, milhares por semana, nesta guerra terrível e sem sentido – uma guerra que nunca deveria ter acontecido, que nunca teria acontecido se eu fosse presidente”, afirmou Donald Trump, na plataforma Truth Social.
Apesar da sua aproximação à Rússia, Donald Trump apenas obteve anuência de Vladimir Putin a uma trégua bastante limitada, em março, com a moratória sobre os ataques às infraestruturas energéticas, além do anúncio, em termos vagos e de âmbito limitado, de um acordo para uma trégua no mar Negro.
***
Entretanto, no mesmo dia da reunião em São
Petersburgo, o general Keith Kellogg, enviado especial do presidente dos EUA
para a Ucrânia, lançou uma proposta controversa que envolve a divisão do
país em três zonas distintas, à semelhança do que sucedeu com a Alemanha,
após a II Guerra Mundial, quando havia a zona russa, a zona francesa, a zona britânica
e a zona americana.
Em entrevista ao jornal britânico The Times, o general, de 80 anos,
sugeriu a criação de uma “força
de segurança” liderada pelo Reino Unido e pela França, para operar
na zona Oeste da Ucrânia, enquanto as forças ucranianas seriam concentradas a Leste
do rio Dnieper (ou Dnipro), que funcionaria como linha de demarcação entre os
territórios. As regiões sob ocupação russa permaneceriam sob o controlo de
Moscovo. E, embora o Kremlin,
anteriormente, tenha rejeitado a ideia de tropas europeias a monitorizar o
cessar-fogo, Keith Kellogg defendeu que uma força ocidental limitada ao
lado ocidental do Dnieper “não
seria provocatória”, para
a Rússia.
“Estaria a Oeste [do Dnieper], o que
é um grande obstáculo”, disse o general, que, apesar de ser enviado para a
Ucrânia, tem sido secundarizado no papel, em relação a Steve Witkoff, emissário
do presidente Donald Trump para o Médio Oriente.
Além disso, o enviado especial do presidente dos
EUA para a Ucrânia propôs a criação de uma zona desmilitarizada de 29
quilómetros ao longo da linha da frente, com ambas as forças a recuar 15
quilómetros, para estabelecer uma zona neutra facilmente monitorizável.
“Olha-se para um mapa e cria-se, à falta de melhor termo, uma zona
desmilitarizada [DMZ]. Levam-se ambos os lados 15 quilómetros para trás”, disse Keit Kellogg, acrescentando: “E
teríamos uma DMZ que pode ser monitorizada, e esta [...] zona de cessar-fogo pode ser
monitorizada com bastante facilidade.”
O estratego inspirou-se no facto de,
a partir de 1953, existir, entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, uma zona
tampão pós-guerra, embora com apenas quatro quilómetros de largura.
O general norte-americano reconheceu que a proposta
poderá ser recusada pela Rússia e admitiu a possibilidade de violações ao
cessar-fogo, embora vincasse que seriam facilmente detetadas. Acrescentou ainda
que os EUA não enviariam tropas terrestres para essa força de segurança e
alertou Londres e Paris a não dependerem do apoio norte-americano, nas
garantias de segurança oferecidas à Ucrânia. “A força de segurança da coligação
seria capaz de enviar uma mensagem eficaz ao presidente Putin”, afirmou Keit Kellogg.
Esta foi a primeira vez que uma autoridade
norte-americana propôs, oficialmente, o Dnieper como linha de demarcação num
eventual pós-guerra. Porém, o plano implicaria a aceitação, ainda que
implícita, da ocupação russa de partes do território ucraniano – algo já
rejeitado, veementemente, pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que
insiste em que a integridade territorial do país não é negociável. Dito de outro
modo, o plano implicaria
deixar sob controlo russo as regiões ocupadas ilegalmente, e o presidente
ucraniano já afirmou que o seu país nunca reconhecerá estes territórios como
legalmente russos.
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Como a publicação do The Times, destacava que, na entrevista,
o enviado de Donald Trump para a Ucrânia, referira uma “divisão” da Ucrânia
como parte de um possível acordo de paz. Keith Kellogg tentou clarificar o que
dissera, considerando que as suas palavras tinham sido “mal interpretadas”. “Estava
a falar de uma força de resistência pós-cessar-fogo, em apoio da soberania da
Ucrânia. Estava a referir-me às áreas de responsabilidade de uma força aliada
(sem tropas americanas). Não estava a referir-me a uma divisão da Ucrânia”,
escreveu, no X, rejeitando a ideia de
uma redefinição territorial.
Enfim, na sua tentativa de emenda de mão,
sustenta que falara sobre uma
‘força de estabilização’, após um cessar-fogo, em apoio à soberania da Ucrânia,
e que, ao falara de desmobilização, se referi a áreas ou a zonas da
responsabilidade das forças aliadas, sem o envolvimento de tropas dos EUA, e “não
à divisão da Ucrânia”.
Recorde-se que, segundo o The Times, Keith Kellogg dissera que a
Ucrânia, no pós-conflito, poderá assemelhar-se a uma “Berlim pós-Segunda Guerra
Mundial”, com a presença de forças europeias e russas separadas pelo rio
Dnieper.
Na verdade, depois de mais de três
anos de guerra, desencadeada pela invasão russa em 24 de fevereiro de 2022, e
de progressos extremamente limitados no sentido de uma trégua, vários países,
como a França e o Reino Unido, manifestaram o apoio à ideia de uma presença
militar europeia de manutenção da paz na Ucrânia, oferecendo-se mesmo para
fazer parte desta quando o conflito terminar. E, para substituir o muro de
separação construído em 1961 na capital alemã – e derrubado em 1989, no auge do
colapso da URSS – o general estaria a pensar no rio Dnieper, “um grande obstáculo
natural” que corta a Ucrânia e, mesmo, Kiev de Norte a Sul.
Segundo Kellogg, uma presença anglo-francesa,
sob a forma de uma “força de garantia da paz”, a Oeste do Dnieper, não seria “nada
provocatória”, para Moscovo. A Rússia ficaria a Leste, com as tropas ucranianas
no meio. No entanto, cônscio de que o presidente russo poderia não aceitar”
esta proposta, Keith Kellogg sugeriu também o estabelecimento de uma “zona
desmilitarizada” entre as linhas ucranianas e russas, sendo o objetivo garantir
que não há troca de tiros.
***
A Rússia
invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as
minorias separatistas russófilas no Leste e de “desnazificar” o país vizinho,
independente desde 1991 – após o desmoronamento da União Soviética – e que tem
vindo a afastar-se da esfera de influência de Moscovo e a aproximar-se da
Europa e do Ocidente.
A guerra na
Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, e os
últimos meses foram marcados por ataques aéreos em grande escala da Rússia
contra cidades e contra infraestruturas ucranianas, ao passo que as forças de
Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península
da Crimeia, ilegalmente anexada por Moscovo, em 2014.
As tropas
russas, mais numerosas e mais bem equipadas, prosseguem o seu avanço na frente
oriental, apesar da ofensiva ucraniana na Rússia, na região de Kursk, e da
autorização dada à Ucrânia pelo então presidente norte-americano dos EUA, Joe
Biden, para utilizar mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos
para atacar a Rússia.
As
negociações entre as partes estavam completamente bloqueadas, desde a primavera
de 2022, com Moscovo a exigir que a Ucrânia aceitasse a anexação de uma parte
do seu território. E, antes de regressar à Casa Branca para um segundo mandato
presidencial (2025-2029), Trump defendeu o fim imediato da guerra na Ucrânia,
asseverando que o conseguiria em 24 horas, mas não foi bem-sucedido. Porém, a
Ucrânia quer garantias sólidas de segurança dos seus aliados, para evitar que
Moscovo volte a atacar, ao passo que a Rússia quer a Ucrânia desmilitarizada e
com a entrega dos territórios anexados, o que Kiev julga inaceitável.
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Agora, o general nem se equivocou, nem foi confuso. Com efeito, comparou a situação da Ucrânia à Alemanha de 1945, que perdera a guerra (o que não sucedeu com a Ucrânia) e não tinha um governo soberano, ao passo que a Ucrânia tem um governo legítimo, funcional e pró-ocidental. Além disso, não há nada a desnazificar na Ucrânia, ao invés do ocorrido na Alemanha.
Assim, é de concluir que as declarações de Keit Kellogg, como noticiadas pelo The Times, são a proposta mais clara a chegar da administração Trump, desde a sua tomada de posse a 20 de janeiro, após duas rondas de negociações dos EUA com delegações da Rússia e da Ucrânia, na Arábia Saudita. Também marcam a primeira vez em que um alto funcionário dos EUA admite que o rio Dnieper possa vir a tornar-se uma linha de demarcação dentro da Ucrânia, caso se alcance um cessar-fogo, “embora Kellogg não defenda a cedência a Moscovo de qualquer outro território a Leste do rio”.
O equívoco de
Kellogg é, pois, um falso equívoco, no zelo dos interesses dos EUA.
2025.04.13 – Louro de Carvalho
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