O Sumo Pontífice fez, a 6 de abril, uma aparição surpresa, quase no fim da missa especial do Jubileu pelos doentes e pela saúde e agradeceu, mais uma vez, aos profissionais de saúde que o ajudaram durante a sua hospitalização. A última vez que interviera em público foi a 9 de fevereiro, na peregrinação das Forças Armadas e de Segurança.
Na Praça de São Pedro, decorria a Santa Missa, presidida, em nome do Sumo Pontífice, por D. Rino Fisichella, pró-Prefeito da Secção para as questões fundamentais da evangelização no Mundo, do Dicastério para a Evangelização.
Antes de entrar na Praça de São Pedro, para se dirigir aos milhares de fiéis, a quem agradeceria a fervorosa participação no Jubileu, Francisco recebeu o sacramento da reconciliação na Basílica de São Pedro, deteve-se em oração e atravessou a Porta Santa.
O Santo Padre esperou que a missa acabasse e posicionou-se em frente do altar, para tomar a palavra. Foi a sua primeira aparição pública, desde que saiu da policlínica Agostino Gemelli, há duas semanas, onde esteve hospitalizado durante 38 dias, devido a infeção respiratória polimicrobiana e subsequente pneumonia bilateral. Porém, é de recordar que, ao sair do hospital, Francisco acenou aos fiéis e agradeceu o apoio, em março.
Sentado numa cadeira de rodas e usando proteções nasais para respirar, o Papa levantou as mãos para saudar a multidão, que o aplaudiu de pé, enquanto o levavam para o altar na Praça de São Pedro. “Bom domingo a todos. Obrigado do fundo do meu coração”, disse o Papa à multidão, numa voz que soou mais alta do que quando se dirigiu aos fiéis da varanda do Gemelli.
Na oração do Angelus, escrita por Bergoglio e lida por Rino Fisichella, o Santo Padre agradeceu, mais uma vez aos médicos e a todo o pessoal da saúde.
“Tal como durante a minha hospitalização, também agora, na minha convalescença, sinto a ‘mão de Deus’ e experimento a sua carícia. No dia do Jubileu dos doentes e da saúde no Mundo, peço ao Senhor que este toque do seu amor chegue a todos os que sofrem e encoraje aqueles que cuidam deles. E rezo pelos médicos, enfermeiros e profissionais de saúde, que nem sempre são ajudados a trabalhar em condições adequadas e, por vezes, são até vítimas de agressões” escreveu o Papa, vincando: “A sua missão não é fácil e deve ser apoiada e respeitada. Espero que sejam investidos os recursos necessários nos tratamentos e na investigação, para que os sistemas de saúde sejam inclusivos e atentos aos mais frágeis e aos mais pobres.”
Em seguida, agradeceu às reclusas da prisão feminina de Rebibbia, que lhe enviaram um cartão de rápidas melhoras. “Rezo por elas e pelas suas famílias”, escreveu o Pontífice, pedindo, depois, a paz nos territórios afetados por guerras e desejando mais ajuda para Myanmar e para o Haiti.
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Logo ao
início da missa, quando D. Rino Fisichella anunciou que Francisco estava a
acompanhar a celebração, através da televisão, irrompeu, de imediato, um prolongado aplauso dos fiéis presentes.“Vou realizar algo de novo, que já está a aparecer: não o notais?” São palavras que Deus dirige, através do profeta Isaías, ao povo de Israel exilado na Babilónia, numa situação difícil, em que tudo parece estar perdido. Jerusalém fora tomada e devastada pelos soldados de Nabucodonosor II. O futuro ficou sombrio e todas as esperanças destruídas. Os exilados podiam tentar-se a desistir, por não se sentirem mais abençoados por Deus.
Porém, o Senhor convida a acolher algo de novo que está a brotar como um rebento, ou seja, um povo novo, que, derrubadas as falsas seguranças do passado, descobriu o essencial: permanecer unido e caminhar em conjunto, à luz do Senhor. Este povo será capaz de reconstruir Jerusalém, porque, longe da Cidade Santa, com o templo destruído, aprendeu a encontrar o Senhor de outra maneira: na conversão do coração, na prática do direito e da justiça, na atenção aos pobres e aos necessitados, nas obras de misericórdia.
É a mesma mensagem que, de modo diferente, podemos tirar do trecho evangélico desta dominga.
Aparece, aqui, uma pessoa, uma mulher, cuja vida está destruída, não por exílio geográfico, mas por condenação moral. É pecadora, pelo que se encontra longe da lei e condenada ao ostracismo e à morte. Para ela, parece não haver esperança. Mas Deus não a abandona. Ao invés, quando os carrascos já têm as pedras na mão, para a lapidarem, Jesus entra na sua vida, defende-a e resgata-a da violência deles, dando-lhe a possibilidade de começar uma nova existência: “Vai” – diz-lhe – “estás livre”, “estás salva”.
Com estas narrativas dramáticas e comoventes, a liturgia convida-nos a renovar a confiança em Deus, que está sempre ao nosso lado, para nos salvar. “Não há exílio, nem violência, nem pecado, nem qualquer outra realidade da vida que O impeça de estar à nossa porta e bater, pronto a entrar, logo que lho permitamos. Aliás, é, sobretudo, quando as provações se tornam mais duras que a sua graça e o seu amor nos apertam com uma força ainda maior, para nos reerguermos”, diz o Santo Padre.
Lemos estes textos em plena celebração do Jubileu dos Enfermos e do Mundo da Saúde, e não há dúvida de que a doença é uma das provas mais difíceis e duras da vida, durante a qual tocamos com a mão o quanto somos frágeis. Tal como aconteceu com o povo exilado ou com a mulher do Evangelho, a doença pode levar a sentirmo-nos privados de esperança no futuro. Todavia, nesses momentos, Deus não nos deixa sozinhos e, se nos abandonarmos a Ele, precisamente onde as nossas forças falham, podemos experimentar a consolação da sua presença, pois Ele mesmo, feito homem, quis partilhar a nossa fraqueza em tudo e bem sabe o que é o sofrimento. Por isso, podemos dizer-Lhe e confiar-Lhe a nossa dor, certos de que encontraremos compaixão, proximidade e ternura.
Mais: com o seu amor cheio de confiança, Ele envolve-nos, para que nos tornemos nós mesmos, uns para os outros, “anjos”, mensageiros da sua presença, a tal ponto que, tanto para quem sofre como para quem presta assistência, a cama de um doente se pode transformar, muitas vezes, num “lugar santo” de salvação e redenção.
Aos médicos, aos enfermeiros e aos demais profissionais de saúde Francisco assegura: “Enquanto cuidais dos vossos pacientes, em especial dos mais frágeis, o Senhor oferece-vos a oportunidade de renovardes, continuamente, a vossa vida, alimentando-a com gratidão, [com] misericórdia e [com] esperança. Ele chama-vos a iluminá-la com a consciência humilde de que nada está garantido e de que tudo é dom de Deus; e a alimentá-la com aquela humanidade que se experimenta quando, deitadas por terra as aparências, permanece o que conta: os pequenos e grandes gestos de amor. Permiti que a presença dos doentes entre na vossa existência como um dom, para curar o vosso coração, purificando-o de tudo o que não é caridade e aquecendo-o com o fogo ardente e doce da compaixão.”
Aos doentes, o Santo Padre, também doente, confidencia: “Neste momento da minha vida, estou a partilhar muito: a experiência da enfermidade, de me sentir frágil, de depender dos outros em tantas coisas, de precisar de apoio. Nem sempre é fácil, mas é uma escola na qual aprendemos, todos os dias, a amar e a deixarmo-nos amar, sem exigir nem recusar, sem lamentar nem desesperar, agradecidos a Deus e aos irmãos, pelo bem que recebemos, abertos e confiantes no que ainda está para vir. O quarto do hospital e a cama da enfermidade podem ser lugares para ouvir a voz do Senhor que também nos diz a nós: ‘Vou realizar algo de novo, que já está a aparecer: não o notais?’. E, deste modo, renovar e fortalecer a fé.”
Depois, evocou o Papa Bento XVI, falecido aos 95 anos de idade, que nos deixou um belíssimo testemunho de serenidade, no período da sua doença, e que escreveu: “A grandeza da Humanidade determina-se, essencialmente, na relação com o sofrimento” e “uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem [...] é uma sociedade cruel e desumana.”
E Francisco reforça: “É verdade! Enfrentar, juntos, o sofrimento torna-nos mais humanos e partilhar a dor é uma etapa importante em qualquer caminho de santidade.”
Por fim, a todos exorta: “Caríssimos, não afastemos da nossa vida aqueles que estão fragilizados, como, por vezes, hoje, infelizmente, faz um certo tipo de mentalidade, nem ostracizemos a dor dos nossos ambientes. Em vez disso, façamos dela oportunidade para crescer juntos, para cultivar a esperança, graças ao amor que, primeiramente, Deus derramou nos nossos corações e que, independentemente de tudo, é o que permanece para sempre.”
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Francisco
mostra-se, mesmo na doença e na convalescença, um pastor marcado pela
solidariedade para os doentes e com os peregrinos, quesitos da misericórdia;
sente a partilha, sobretudo na dependência; dá testemunho de uma alma cheia de
gratidão; concerta a coerência de ânimo, mantendo, como doente, a exortação à
confiança em Deus, nunca nos abandona; e assume a situação da enfermidade como
escola de vida.Todavia, não deixa de palpar duas atitudes de uma sociedade exclusivista: a dificuldade dos pobres no acesso aos serviços de saúde; e a dificuldade, por parte de muitos, de integração na sociedade os doentes e, sobretudo, os enfermos, não reconhecendo a sua dignidade de pessoas, antes os considerando um peso social e económico.
Na verdade, não raro, a dor e o sofrimento são objeto de uma mentalidade de exclusão que a sociedade consumista foi criando, do que resulta a facilidade com que se descartam pessoas fragilizadas, marginalizadas, refugiadas, pobres, reclusos, imigrantes como sem utilidade para o bem-estar das comunidades. Assim, se nega o essencial da comunidade: a solidariedade, o acolhimento, a interação e a inclusão.
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Para quem
esperava que o próximo conclave estaria no horizonte imediato, as progressivas
melhor de uma situação grave de doença terão sido uma desilusão. Ora, os
crentes devem saber que a misericórdia divina não conhece limites. Contudo, a
sociedade está cheia de crentes não praticantes e de praticantes não crentes ou
até de crentes de ocasião (para a festa e para a imagem).
2025.04.06 – Louro de Carvalho
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