A 27 de
março, o almirante na reserva Gouveia e Melo, ex-chefe do Estado-Maior da
Armada (ex-CEMA), defendeu que, na campanha das próximas eleições legislativas,
devem ser discutidas propostas concretas, e não se o político “A” é mais
imaculado do que o adversário, e recusou ser antipartidos ou autoritário.
Falando num
almoço-debate promovido pelo International Club of Portugal, num hotel de
Lisboa, o potencial candidato a Presidente da República (PR), nas respostas a
perguntas de cidadãos ali presentes, abordou o sistema de justiça, considerando
que “a única tentação em que o poder judicial não pode cair é numa justiça de
pelourinho”, ou seja, “uma justiça mediatizada, porque isso corrói o próprio
sentido de justiça”. Contudo, focou-se no comportamento da classe política.
Neste ponto,
lamentou que “se ande a discutir o comportamento do político A, do B, do C,
parecendo “que não interessa discutir quais são as opções políticas”.
Em relação
ao atual clima político, o ex-CEMA foi um pouco mais longe nas suas críticas,
deixando advertências sobre a qualidade futura dos políticos e salientando o
caráter benéfico da experiência profissional anterior ao exercício de cargos
políticos (o que lhe falta). “É importante que os nossos líderes tenham ética
republicana, [e] não andarmos à procura de tudo e mais alguma coisa, porque, a
certa altura, podemos querer ficar com os anjos sem capacidade de governação”,
sentenciou, rejeitando ser autoritário ou contra os partidos.
Sustentou que
os partidos “não são a pessoa”, mas “o conjunto de ideias que um grupo de
pessoas defende”, pelo que não se deve fulanizar um partido.
Distinguiu
autoridade e autoritarismo e, sobre consensos, o almirante reconheceu que, na
vida militar, “a ação prevalece sobre o consenso”, pois as situações são tão
“graves, complexas e urgentes que, se estivéssemos a adotar soluções por
consenso, não teríamos uma única vitória”.
Contudo,
percebe que “o modelo da sociedade civil é um modelo totalmente distinto” e
está habituado ou pode habituar-se a “viver num modelo diferente”, até porque,
na Marinha, como vincou, a maior parte das opções é tomada por consenso, pois
“é muito difícil levar um grupo de homens forçados a fazer qualquer coisa”.
“Uma coisa é estar numa aeronave e tomar as decisões, outra coisa é estar num
navio, que tem lá 200 homens e é muito mais difícil. Portanto, esses consensos,
de alguma forma, estabelecem-se, só que se estabelecem num sistema mais
hierarquizado e mais disciplinado, mas com muita discussão interna”,
explicitou.
O almirante
considerou que Portugal precisa de uma liderança com ética que olhe para o
Mundo e não para o umbigo, face a uma nova ordem mundial caraterizada pela lei
do mais forte. Com efeito, na sua ótica, na nova ordem mundial – dominada pelos
Estados Unidos da América (EUA), pela Rússia e pela China – impera a lei do
mais forte, estando a esbater-se as regras do direito internacional criadas
após a II Guerra Mundial. Neste aspeto, o potencial candidato presidencial
sustenta que precisamos de lideranças que olhem para o exterior e desenvolvam
um dos pilares da democracia: a prosperidade, sem a qual “só podemos distribuir
pobreza e não riqueza”. E vinca a necessidade de as lideranças possuírem visão
estratégica, para o país alcançar mais prosperidade e de serem e fazerem “uma
liderança com valores”, sendo a ética o valor fundamental em todos os campos da
atividade.
O ex-CEMA
não se inibiu de deixar recado crítico, sem identificar os destinatários, aos
agentes que promovem a instabilidade e pediu aos empresários nacionais que
sejam “os comandantes e os capitães das novas caravelas portuguesas, porque só
assim a nossa sociedade pode ser mais inclusiva, pode diminuir as assimetrias e
pode responder ao outro pilar da democracia, que é a equidade”. “A História
provou que os povos mais desenvolvidos e que, depois, desenvolvem uma
democracia muito madura são aqueles em que a classe média e média elevada são,
numericamente, a classe mais significativa da população”, vincou.
Em resposta
à questão do presidente do International Club of Portugal sobre quando tenciona
apresentar a sua candidatura presidencial, Gouveia e Melo atirou que, se
indicasse uma data, “imediatamente estaria a dizer que me iria candidatar”. E,
a seguir, considerou que, aos 18 anos, “prometeu dar a vida pelo país e esteve
com essa promessa dentro da cabeça, durante 45 anos”, mas, agora, “que saiu e
que se libertou dessa promessa poderá fazer uma de duas coisas: ir para casa
descansar e estar com o netinho ou fazer outra coisa na vida”.
Estas
últimas declarações fazem lembrar a postura de Cavaco Silva, quando lhe
perguntavam, no outono de 1995, se iria candidatar-se a Presidente da
República. Então, a evasiva foi o “meu netinho”, mas candidatou-se e
perdeu.
Quem se
lançou na crítica ao almirante foi Marques Mendes, o, para já, candidato único
a valer (estão no terreno outros, mas as probabilidades de êxito são
diminutas), que o desafia a não andar a fingir que não é candidato, a
declarar-se, a vir para o terreno, pois “nós sabemos que ele sabe que nós
sabemos que ele é candidato” (paráfrase de um remoque da falecida deputada
Maria José Nogueira Pinto) a Ricardo Gonçalves, deputado do Partido Socialista
(PS), numa audição na Comissão Parlamentar de Saúde. Porém, Marques Mendes
também andou muito tempo a dizer que não tinha decidido ser candidato e até
declarou aos telespectadores, sendo ainda comentador, estar em reflexão e que,
depois, anunciaria a decisão.
Ora, o
protocandidato devia ter anotado que prometera também Gouveia e Melo anunciar a
sua candidatura em março, só que adiou o anúncio formal para depois das
eleições legislativas.
Talvez tenha
sido pela inoportunidade de apresentar a candidato, em março, que sem indicar
nomes (quiçá o PR, o primeiro-ministro, o PS, a oposição…) fustigou os fautores
da instabilidade.
Por mim,
sustento que o problema é que a corda ainda não apodreceu. Com efeito, o
almirante, quando lhe começaram a colocar a hipótese de candidatura
presidencial, afastou, de todo, a entrada na política e lançou o repto a quem o
interrogava de, quando o vissem na política, lhe levassem uma corda. Pelos
vistos, a corda leva mais tempo a apodrecer e, para que não venha o Diabo
tecê-las, é bom que ela apodreça de todo, para não termos o efeito da corda.
Aliás, já estamos
habituados a tudo: políticos que nunca foram políticos; político que dizia não
ser líder do seu partido, nem que Cristo viesse à Terra e foi; e governante que
tomou a decisão “irrevogável de não continuar no governo e continuou (até fez
um plano e reforma do Estado).
***
Entretanto,
a 28 de março, em artigo publicado no jornal Sol, o potencial candidato a PR elege a prosperidade, a equidade, a
segurança e a liberdade como temas centrais relevantes nas próximas eleições
legislativas. No artigo, à guisa de programa eleitoral, diz que os partidos
devem ser “claros e objetivos” nas propostas, “sem demagogias” e não evitando
discutir problemas difíceis, pois, “só com informação adequada, os Portugueses
poderão tomar decisões conscientes”.
Preconizando
que “não temos de ser pobres”, o
almirante seleciona, como relevantes para estas eleições legislativas [não
figura como candidato em nenhuma lista partidária], julgando interpretar o
pensamento da maioria dos Portugueses, a prosperidade (preços, habitação,
salários baixos); a equidade (justiça, educação e saúde para todos,
desigualdades sociais, imigração); a segurança (ameaças internas e externas); e
a
liberdade (crescimento da intolerância).
No âmbito de um plano de ação em
contexto de incerteza internacional, avisa que “potências emergentes e militares
desafiam a ordem global estabelecida” e que “a
fragmentação do bloco ocidental é um risco crescente, especialmente, o visível
enfraquecimento da indispensável relação euro-atlântica. E aí, releva a posição do “país verdadeiramente atlântico”, com “um vasto território marítimo, uma
localização central nas rotas globais de matérias-primas, produtos e dados,
conectados por importantes cabos submarinos, proximidade com África e fortes
ligações culturais e económicas com o Atlântico.
Propõe “manter e reforçar as relações
económicas com os outros 26 países da União Europeia” (UE), bem como “explorar
parcerias e sinergias em setores estratégicos”, o que permitirá garantir uma
base de retaguarda segura, podendo “acelerar a transformação da economia para
um paradigma mais eficiente”. Com efeito, na sua perspetiva, “só uma economia
de conhecimento, ágil, inovadora, tecnológica, capaz de atrair e de reter o
talento e fortemente competitiva, evitará o perigo” de deslize da carruagem do
desenvolvimento.
É preciso “ganhar resiliência e
alavancar o soft power” e “diversificar
mercados, reduzindo o risco nas importações e exportações, operando em rede e
com a escala adequada”, com vista a “uma maior resiliência económica”.
Segundo o almirante, Portugal deve apostar no digital,
enquanto multiplicador tecnológico e na inovação, enquanto processo essencial e
acelerador da nova economia, pois, a amarração, em Portugal, de inúmeros cabos
submarinos que ligam as diferentes margens do Atlântico permite “um
posicionamento vantajoso, na nova indústria de dados, crítica para a economia
do século XXI”. Por outro lado, considera que “a inteligência artificial [IA], a automação, a robotização,
as tecnologias 3D de impressão, o big data, a smart grid,
a IoT e Depois, vem a aposta no Mar e na Defesa, desenvolvendo a economia
azul.
Como é óbvio,
pretende que se otimize “o que Portugal já faz bem”. Por exemplo, investir na saúde digital, na telemedicina, na biotecnologia
e nas terapias genéticas, como áreas de crescimento, contribuirá para a “modernização
da economia” e para “serviços em áreas críticas para a população”.
Depois, urge “libertar a economia do atrito que limita o seu crescimento”, pois “a
liberdade, os mercados, a tecnologia e a inovação são os verdadeiros motores da
economia”, mas “o Estado pode e deve criar as condições adequadas ao
desenvolvimento desta”.
Sustenta o potencial candidato que “a democracia só se fortalecerá com uma economia de
mercado dinâmica e [com] uma política eficaz de combate às desigualdades”,
sendo a capacitação das pessoas “a chave para uma economia mais equitativa e
inovadora”.
No quadro da educação e formação, o almirante preconiza o fomento da “cultura de exigência, orientada para o
desenvolvimento do conhecimento individual e coletivo, da autonomia, do sentido
de pertença à comunidade e de uma mentalidade de inovação e ambição”. E entende
que o sistema educativo deve “responder à diversidade humana, de forma flexível
e pragmática”, com o reforço do “ensino técnico com diferentes graus de
especialização e formação, de modo a facilitar a entrada dos jovens na vida
ativa, oferecendo uma alternativa às vias clássicas de formação mais
prolongada”.
Na
habitação, propõe “forte investimento na construção de novas habitações”, numa
produção industrializada, modular, inovadora nos materiais, na conceção e na
montagem, contribuindo “para aumentar disponibilidades e para reduzir custos”,
o que postula um reordenamento
territorial, uma simplificação burocrática e a um enquadramento legal e
financeiro adequados. E advoga a revitalização do mercado do arrendamento,
“através de um programa de recuperação de habitações, em parceria com os
proprietários”.
Quer a promoção do talento e da iniciativa dos jovens, com bons empregos, com qualidade de vida, com
segurança e com esperança.
Na valorização das diásporas, pretende uma política de imigração de acordo com as necessidades do país, como forma
de resolver limitações resultantes do nosso “inverno demográfico” e de “evitar
eventuais problemas”. Além disso, “outras culturas que nos enriqueçam deverão
ser sempre bem-vindas”, mas de modo que a tolerância não permita a
intolerância. Assim, no dizer do ex-CEMA, “a integração deve evitar a
marginalização e a criação de guetos, regulando a imigração, conforme a
capacidade de acolhimento, alinhada com o interesse nacional”. De modo algum,
as migrações podem ser encaradas como problema ou reduzidas às questões de
segurança, pois “são uma oportunidade e fazem parte da nossa matriz humanista”.
Já as nossas diásporas constituem, segundo o almirante, “uma oportunidade única
de internacionalização da nossa cultura, soft power e
economia”.
Em termos ambientais, o quase certo candidato a PR foca “os dados alarmantes” do ambiente e do clima, indiciadores
da urgência de estabelecer “políticas integradas e multissetoriais que envolvam
a economia e o ordenamento do território”. Respondem a este quesito o reforço
da aposta nas energias renováveis, com impulso nas plataformas offshore (eólicas,
correntes e energia das ondas), “num modelo complementar, distribuído e
adaptativo que garanta resiliência e escala, reduzindo a dependência externa,
assim como de fontes poluentes”; e a melhoria da gestão dos recursos hídricos e
a garantia da preservação da água, com investimento “na retenção da água em
grande escala e de forma distribuída no território, com incidência na zona Sul
do país”.
É também
necessária a promoção da economia e do reordenamento da floresta, sustentável e
circular, como “o melhor antídoto” para os fogos de verão. E o tratamento de
resíduos, pela reciclagem de materiais e da recuperação da energia contida neles,
contribuirá para a redução das emissões e da fatura energética do país.
Estas medidas
ambientais, na ótica do almirante são um imperativo e um contributo estratégico
para reduzir a dependência energética do exterior, para mitigar os impactos das
variações climáticas e para impulsionar o desenvolvimento tecnológico.
É óbvio que
o desenvolvimento legislativo depende da Assembleia da República (AR) e do
governo, cabendo também a este a superintendência administrativa dos projetos.
***
O almirante
já tinha feito declarações políticas e até escrito um artigo sobre as
caraterísticas do perfil do novo PR, algumas de duvidosa constitucionalidade e de
difícil aplicação (como a dissolução da AR, por incumprimento de promessas do governo).
Agora, tem um plano de governo, que não lhe cabe, por não liderar qualquer candidatura
à AR (e já não é um vulgar cidadão); e, além disso, reflete, grosso modo, o programa económico-social
de António Costa e Silva, que serviu de base ao Programa de Recuperação e Resiliência
(PRR).
Por fim, o
ex-CEMA deve saber que também se serve o país na política e no trabalho!
2025.04.03 – Louro de Carvalho
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