quinta-feira, 3 de abril de 2025

Só espera que a corda apodreça!

 

A 27 de março, o almirante na reserva Gouveia e Melo, ex-chefe do Estado-Maior da Armada (ex-CEMA), defendeu que, na campanha das próximas eleições legislativas, devem ser discutidas propostas concretas, e não se o político “A” é mais imaculado do que o adversário, e recusou ser antipartidos ou autoritário.

Falando num almoço-debate promovido pelo International Club of Portugal, num hotel de Lisboa, o potencial candidato a Presidente da República (PR), nas respostas a perguntas de cidadãos ali presentes, abordou o sistema de justiça, considerando que “a única tentação em que o poder judicial não pode cair é numa justiça de pelourinho”, ou seja, “uma justiça mediatizada, porque isso corrói o próprio sentido de justiça”. Contudo, focou-se no comportamento da classe política.

Neste ponto, lamentou que “se ande a discutir o comportamento do político A, do B, do C, parecendo “que não interessa discutir quais são as opções políticas”.

Em relação ao atual clima político, o ex-CEMA foi um pouco mais longe nas suas críticas, deixando advertências sobre a qualidade futura dos políticos e salientando o caráter benéfico da experiência profissional anterior ao exercício de cargos políticos (o que lhe falta). “É importante que os nossos líderes tenham ética republicana, [e] não andarmos à procura de tudo e mais alguma coisa, porque, a certa altura, podemos querer ficar com os anjos sem capacidade de governação”, sentenciou, rejeitando ser autoritário ou contra os partidos.

Sustentou que os partidos “não são a pessoa”, mas “o conjunto de ideias que um grupo de pessoas defende”, pelo que não se deve fulanizar um partido.

Distinguiu autoridade e autoritarismo e, sobre consensos, o almirante reconheceu que, na vida militar, “a ação prevalece sobre o consenso”, pois as situações são tão “graves, complexas e urgentes que, se estivéssemos a adotar soluções por consenso, não teríamos uma única vitória”.

Contudo, percebe que “o modelo da sociedade civil é um modelo totalmente distinto” e está habituado ou pode habituar-se a “viver num modelo diferente”, até porque, na Marinha, como vincou, a maior parte das opções é tomada por consenso, pois “é muito difícil levar um grupo de homens forçados a fazer qualquer coisa”. “Uma coisa é estar numa aeronave e tomar as decisões, outra coisa é estar num navio, que tem lá 200 homens e é muito mais difícil. Portanto, esses consensos, de alguma forma, estabelecem-se, só que se estabelecem num sistema mais hierarquizado e mais disciplinado, mas com muita discussão interna”, explicitou.

O almirante considerou que Portugal precisa de uma liderança com ética que olhe para o Mundo e não para o umbigo, face a uma nova ordem mundial caraterizada pela lei do mais forte. Com efeito, na sua ótica, na nova ordem mundial – dominada pelos Estados Unidos da América (EUA), pela Rússia e pela China – impera a lei do mais forte, estando a esbater-se as regras do direito internacional criadas após a II Guerra Mundial. Neste aspeto, o potencial candidato presidencial sustenta que precisamos de lideranças que olhem para o exterior e desenvolvam um dos pilares da democracia: a prosperidade, sem a qual “só podemos distribuir pobreza e não riqueza”. E vinca a necessidade de as lideranças possuírem visão estratégica, para o país alcançar mais prosperidade e de serem e fazerem “uma liderança com valores”, sendo a ética o valor fundamental em todos os campos da atividade.

O ex-CEMA não se inibiu de deixar recado crítico, sem identificar os destinatários, aos agentes que promovem a instabilidade e pediu aos empresários nacionais que sejam “os comandantes e os capitães das novas caravelas portuguesas, porque só assim a nossa sociedade pode ser mais inclusiva, pode diminuir as assimetrias e pode responder ao outro pilar da democracia, que é a equidade”. “A História provou que os povos mais desenvolvidos e que, depois, desenvolvem uma democracia muito madura são aqueles em que a classe média e média elevada são, numericamente, a classe mais significativa da população”, vincou.

Em resposta à questão do presidente do International Club of Portugal sobre quando tenciona apresentar a sua candidatura presidencial, Gouveia e Melo atirou que, se indicasse uma data, “imediatamente estaria a dizer que me iria candidatar”. E, a seguir, considerou que, aos 18 anos, “prometeu dar a vida pelo país e esteve com essa promessa dentro da cabeça, durante 45 anos”, mas, agora, “que saiu e que se libertou dessa promessa poderá fazer uma de duas coisas: ir para casa descansar e estar com o netinho ou fazer outra coisa na vida”.

 

Estas últimas declarações fazem lembrar a postura de Cavaco Silva, quando lhe perguntavam, no outono de 1995, se iria candidatar-se a Presidente da República. Então, a evasiva foi o “meu netinho”, mas candidatou-se e perdeu.  

Quem se lançou na crítica ao almirante foi Marques Mendes, o, para já, candidato único a valer (estão no terreno outros, mas as probabilidades de êxito são diminutas), que o desafia a não andar a fingir que não é candidato, a declarar-se, a vir para o terreno, pois “nós sabemos que ele sabe que nós sabemos que ele é candidato” (paráfrase de um remoque da falecida deputada Maria José Nogueira Pinto) a Ricardo Gonçalves, deputado do Partido Socialista (PS), numa audição na Comissão Parlamentar de Saúde. Porém, Marques Mendes também andou muito tempo a dizer que não tinha decidido ser candidato e até declarou aos telespectadores, sendo ainda comentador, estar em reflexão e que, depois, anunciaria a decisão.

Ora, o protocandidato devia ter anotado que prometera também Gouveia e Melo anunciar a sua candidatura em março, só que adiou o anúncio formal para depois das eleições legislativas.

Talvez tenha sido pela inoportunidade de apresentar a candidato, em março, que sem indicar nomes (quiçá o PR, o primeiro-ministro, o PS, a oposição…) fustigou os fautores da instabilidade.

Por mim, sustento que o problema é que a corda ainda não apodreceu. Com efeito, o almirante, quando lhe começaram a colocar a hipótese de candidatura presidencial, afastou, de todo, a entrada na política e lançou o repto a quem o interrogava de, quando o vissem na política, lhe levassem uma corda. Pelos vistos, a corda leva mais tempo a apodrecer e, para que não venha o Diabo tecê-las, é bom que ela apodreça de todo, para não termos o efeito da corda.

Aliás, já estamos habituados a tudo: políticos que nunca foram políticos; político que dizia não ser líder do seu partido, nem que Cristo viesse à Terra e foi; e governante que tomou a decisão “irrevogável de não continuar no governo e continuou (até fez um plano e reforma do Estado).              

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Entretanto, a 28 de março, em artigo publicado no jornal Sol, o potencial candidato a PR elege a prosperidade, a equidade, a segurança e a liberdade como temas centrais relevantes nas próximas eleições legislativas. No artigo, à guisa de programa eleitoral, diz que os partidos devem ser “claros e objetivos” nas propostas, “sem demagogias” e não evitando discutir problemas difíceis, pois, “só com informação adequada, os Portugueses poderão tomar decisões conscientes”.

Preconizando que “não temos de ser pobres”, o almirante seleciona, como relevantes para estas eleições legislativas [não figura como candidato em nenhuma lista partidária], julgando interpretar o pensamento da maioria dos Portugueses, a prosperidade (preços, habitação, salários baixos); a equidade (justiça, educação e saúde para todos, desigualdades sociais, imigração); a segurança (ameaças internas e externas); e a liberdade (crescimento da intolerância).

No âmbito de um plano de ação em contexto de incerteza internacional, avisa que “potências emergentes e militares desafiam a ordem global estabelecida” e que “a fragmentação do bloco ocidental é um risco crescente, especialmente, o visível enfraquecimento da indispensável relação euro-atlântica. E aí, releva a posição do “país verdadeiramente atlântico”, com “um vasto território marítimo, uma localização central nas rotas globais de matérias-primas, produtos e dados, conectados por importantes cabos submarinos, proximidade com África e fortes ligações culturais e económicas com o Atlântico.

Propõe “manter e reforçar as relações económicas com os outros 26 países da União Europeia” (UE), bem como “explorar parcerias e sinergias em setores estratégicos”, o que permitirá garantir uma base de retaguarda segura, podendo “acelerar a transformação da economia para um paradigma mais eficiente”. Com efeito, na sua perspetiva, “só uma economia de conhecimento, ágil, inovadora, tecnológica, capaz de atrair e de reter o talento e fortemente competitiva, evitará o perigo” de deslize da carruagem do desenvolvimento.

É preciso “ganhar resiliência e alavancar o soft power” e “diversificar mercados, reduzindo o risco nas importações e exportações, operando em rede e com a escala adequada”, com vista a “uma maior resiliência económica”.

Segundo o almirante, Portugal deve apostar no digital, enquanto multiplicador tecnológico e na inovação, enquanto processo essencial e acelerador da nova economia, pois, a amarração, em Portugal, de inúmeros cabos submarinos que ligam as diferentes margens do Atlântico permite “um posicionamento vantajoso, na nova indústria de dados, crítica para a economia do século XXI”. Por outro lado, considera que “a inteligência artificial [IA], a automação, a robotização, as tecnologias 3D de impressão, o big data, a smart grid, a IoT e Depois, vem a aposta no Mar e na Defesa, desenvolvendo a economia azul.

Como é óbvio, pretende que se otimize “o que Portugal já faz bem”. Por exemplo, investir na saúde digital, na telemedicina, na biotecnologia e nas terapias genéticas, como áreas de crescimento, contribuirá para a “modernização da economia” e para “serviços em áreas críticas para a população”.

Depois, urge “libertar a economia do atrito que limita o seu crescimento”, pois “a liberdade, os mercados, a tecnologia e a inovação são os verdadeiros motores da economia”, mas “o Estado pode e deve criar as condições adequadas ao desenvolvimento desta”.

Sustenta o potencial candidato que “a democracia só se fortalecerá com uma economia de mercado dinâmica e [com] uma política eficaz de combate às desigualdades”, sendo a capacitação das pessoas “a chave para uma economia mais equitativa e inovadora”.

No quadro da educação e formação, o almirante preconiza o fomento da “cultura de exigência, orientada para o desenvolvimento do conhecimento individual e coletivo, da autonomia, do sentido de pertença à comunidade e de uma mentalidade de inovação e ambição”. E entende que o sistema educativo deve “responder à diversidade humana, de forma flexível e pragmática”, com o reforço do “ensino técnico com diferentes graus de especialização e formação, de modo a facilitar a entrada dos jovens na vida ativa, oferecendo uma alternativa às vias clássicas de formação mais prolongada”.

Na habitação, propõe “forte investimento na construção de novas habitações”, numa produção industrializada, modular, inovadora nos materiais, na conceção e na montagem, contribuindo “para aumentar disponibilidades e para reduzir custos”, o que postula um reordenamento territorial, uma simplificação burocrática e a um enquadramento legal e financeiro adequados. E advoga a revitalização do mercado do arrendamento, “através de um programa de recuperação de habitações, em parceria com os proprietários”.

Quer a promoção do talento e da iniciativa dos jovens, com bons empregos, com qualidade de vida, com segurança e com esperança.

Na valorização das diásporas, pretende uma política de imigração de acordo com as necessidades do país, como forma de resolver limitações resultantes do nosso “inverno demográfico” e de “evitar eventuais problemas”. Além disso, “outras culturas que nos enriqueçam deverão ser sempre bem-vindas”, mas de modo que a tolerância não permita a intolerância. Assim, no dizer do ex-CEMA, “a integração deve evitar a marginalização e a criação de guetos, regulando a imigração, conforme a capacidade de acolhimento, alinhada com o interesse nacional”. De modo algum, as migrações podem ser encaradas como problema ou reduzidas às questões de segurança, pois “são uma oportunidade e fazem parte da nossa matriz humanista”. Já as nossas diásporas constituem, segundo o almirante, “uma oportunidade única de internacionalização da nossa cultura, soft power e economia”.

Em termos ambientais, o quase certo candidato a PR foca “os dados alarmantes” do ambiente e do clima, indiciadores da urgência de estabelecer “políticas integradas e multissetoriais que envolvam a economia e o ordenamento do território”. Respondem a este quesito o reforço da aposta nas energias renováveis, com impulso nas plataformas offshore (eólicas, correntes e energia das ondas), “num modelo complementar, distribuído e adaptativo que garanta resiliência e escala, reduzindo a dependência externa, assim como de fontes poluentes”; e a melhoria da gestão dos recursos hídricos e a garantia da preservação da água, com investimento “na retenção da água em grande escala e de forma distribuída no território, com incidência na zona Sul do país”.

É também necessária a promoção da economia e do reordenamento da floresta, sustentável e circular, como “o melhor antídoto” para os fogos de verão. E o tratamento de resíduos, pela reciclagem de materiais e da recuperação da energia contida neles, contribuirá para a redução das emissões e da fatura energética do país.

Estas medidas ambientais, na ótica do almirante são um imperativo e um contributo estratégico para reduzir a dependência energética do exterior, para mitigar os impactos das variações climáticas e para impulsionar o desenvolvimento tecnológico.

É óbvio que o desenvolvimento legislativo depende da Assembleia da República (AR) e do governo, cabendo também a este a superintendência administrativa dos projetos.

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O almirante já tinha feito declarações políticas e até escrito um artigo sobre as caraterísticas do perfil do novo PR, algumas de duvidosa constitucionalidade e de difícil aplicação (como a dissolução da AR, por incumprimento de promessas do governo). Agora, tem um plano de governo, que não lhe cabe, por não liderar qualquer candidatura à AR (e já não é um vulgar cidadão); e, além disso, reflete, grosso modo, o programa económico-social de António Costa e Silva, que serviu de base ao Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).

Por fim, o ex-CEMA deve saber que também se serve o país na política e no trabalho!

2025.04.03 – Louro de Carvalho

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