A 8 de abril, Donald Trump anunciou que os Estados Unidos da América (EUA) iniciariam, no dia 12, conversações diretas com o Irão, sobre o seu programa nuclear, avisando que Teerão enfrentaria um “grande perigo”, se as conversações falhassem.
Tal anúncio ocorreu durante a reunião, na Sala Oval, com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, o primeiro líder mundial a visitar o presidente dos EUA, desde que este impôs tarifas aos países de todo o Mundo. “Estamos a ter conversações diretas com o Irão e já começaram, vão continuar no sábado [dia 19]. Temos uma reunião muito grande e vamos ver o que pode acontecer”, declarou Donald Trump aos jornalistas, sem revelar o local das reuniões e quem da sua administração participaria, mas acrescentando: “Penso que toda a gente concorda em que fazer um acordo seria preferível, e o óbvio não é algo em que eu queira estar envolvido ou, francamente, em que Israel queira estar envolvido.”
Efetivamente, o acordo nuclear, de 2015, de Washington com Teerão entrou em colapso, após a retirada unilateral de Donald Trump, em 2018, e o Irão aboliu os limites às suas atividades nucleares e enriquece urânio até 60% de pureza, perto dos níveis de 90%, para armamento.
Entretanto, o Irão procurou o apoio da Rússia, para eventual acordo com os EUA sobre o programa nuclear de Teerão, que avançava, rapidamente, antes da segunda ronda de negociações, que teve lugar, no dia 19, em Roma. Porém, antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Abbas Araghchi, informou o seu homólogo russo, Sergey Lavrov, sobre a primeira ronda de negociações, em Omã, no dia 12. E elogiou o papel da Rússia, no acordo nuclear de 2015, com as potências mundiais, que levou ao levantamento das sanções, em troca da limitação das atividades nucleares de Teerão. “Estamos esperançados e esperamos que a Rússia continue a desempenhar o seu papel de apoio em qualquer novo acordo”, frisou Araghchi, em conferência de imprensa conjunta com Lavrov, em Moscovo.
Sergey Lavrov disse que a Rússia está pronta para mediar e para ajudar nas negociações nucleares. “Estamos prontos a ajudar, a mediar e a desempenhar qualquer papel que, do ponto de vista do Irão, seja útil e aceitável para os Estados Unidos”, afirmou Lavrov, vincando: “Partimos do princípio de que a única opção para um acordo, como o ministro [iraniano] acabou de dizer, é um acordo, exclusivamente, sobre questões nucleares”.
Lavrov disse que Araghchi se reunira com o presidente russo, Vladimir Putin, em conversações que “enfatizaram a dinâmica, sem precedentes, do diálogo político” entre Moscovo e Teerão, mas não deu pormenores, para lá de ter dito que Putin estava “muito satisfeito” com as conversações.
Araghchi disse que entregara a Putin uma mensagem do líder supremo do Irão, o Ayatollah Ali Khamenei, que tem a última palavra sobre todas as questões de estado, no Irão.
Em Paris, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, que se reuniu com responsáveis britânicos, franceses e alemães e os pressionou a manterem as sanções contra o Irão, em vez de as deixarem expirar, manifestou a esperança de que as conversações com o Irão fossem “frutuosas” e de que pudessem conduzir a algo, pois todos preferem “uma resolução pacífica e duradoura”. “Todos nós devemos prever, com base nos comentários públicos de ontem [dia 17], que eles estão prestes a receber um relatório da AIEA [Agência Internacional de Energia Atómica] que diz que não só o Irão não está em conformidade, mas que o Irão está, perigosamente, perto de uma arma, mais perto do que alguma vez esteve”, disse Marco Rubio.
Nem as autoridades iranianas, nem as norte-americanas reconheceram, de imediato, o local da segunda ronda de negociações, mas o ministro dos Negócios Estrangeiros neerlandês, Caspar Veldkamp, afirmou, numa reunião, no Luxemburgo, que as próximas conversações teriam lugar em Roma, a 19 de abril. No entanto, apesar da mudança de local, era provável que Omã, que acolheu a primeira ronda de conversações, no dia 12, em Mascate, continuasse a mediar as negociações entre as duas partes.
No dia 13, o presidente dos EUA saudou a primeira ronda de negociações, descrevendo-a como positiva e construtiva e dizendo esperar tomar uma decisão, sobre o Irão, muito em breve.
Numa altura em que os dois países se aproximam do fim de meio século de hostilidade, o que está em jogo nas negociações não pode ser mais importante. Na verdade, Trump avisou que, se não se houvesse acordo, os EUA poderiam lançar ataques aéreos, visando o programa nuclear iraniano, ao passo que as autoridades de Teerão afirmaram que as suas reservas de urânio, enriquecidas a níveis próximos do grau necessário para armamento, podem ser utilizadas para desenvolver uma bomba nuclear.
Enquanto isso, os analistas diziam que, embora os EUA pudessem oferecer um alívio das sanções à sitiada economia do Irão, ainda não era claro como Teerão estaria disposto a ceder. Porém, a julgar pelas negociações, desde 2018, esperava-se que o Irão pedisse para continuar a enriquecer urânio até, pelo menos, 20%. “Definitivamente, deve haver garantias, quanto ao cumprimento das obrigações”, disse, no dia 14, Esmail Baghaei, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, acrescentando: “A questão das garantias é especialmente importante, tendo em conta o historial de promessas não cumpridas, no passado. Se Deus quiser, a equipa de negociação continuará o seu trabalho, tendo em conta todos estes fatores e pontos.”
Depois deste encontro entre políticos, a resolução do diferendo entre os EUA e o Irão será decidida ao nível dos peritos, pois, segundo o chefe da diplomacia iraniana, peritos nucleares dos dois países irão encontrar-se, em breve, na próxima fase das negociações. “As conversações decorreram num ambiente construtivo e posso dizer que estão a avançar”, disse Abbas Araghchi à televisão estatal iraniana, acrescentando: “Espero que estejamos numa posição melhor, após as conversações técnicas. Desta vez, conseguimos chegar a um melhor entendimento sobre uma série de princípios e [de] objetivos.”
As autoridades iranianas descreveram as conversações como indiretas, como as que tiveram lugar no dia 12, na cidade de Mascate, capital de Omã, com o ministro dos Negócios Estrangeiros de Omã, Badr al-Busaidi, a servir de intermediário e com as duas delegações em diferentes salas.
Antes, Abba Araghchi encontrou-se com o seu homólogo italiano, Antonio Tajani, o qual fez uma publicação no X, manifestando esperança, num resultado positivo. O facto de este encontro estar a decorrer representa um momento histórico, tendo em conta as décadas de inimizade entre os dois países. Donald Trump, no seu primeiro mandato, retirou-se, unilateralmente, do acordo nuclear do Irão com as potências mundiais, em 2018, desencadeando anos de ataques e de negociações que não restauraram o acordo que limitava, drasticamente, o enriquecimento de urânio por Teerão, em troca do levantamento das sanções económicas.
Donald Trump ameaçava, reiteradamente, desencadear ataques aéreos contra o programa nuclear iraniano, se não se chegasse a acordo; e as autoridades iranianas alertavam, cada vez, mais para o facto de poderem vir a desenvolver uma arma nuclear com as suas reservas de urânio enriquecido até níveis próximos do grau de armamento.
Ali Shamkhani, conselheiro do líder supremo para os assuntos políticos, confirmava que o ministro dos Negócios Estrangeiros estava plenamente autorizado a chefiar a delegação iraniana, com propostas práticas de Teerão, sustentando que o caminho para a solução seria fácil, se Washington mostrasse sinceridade e verdadeira vontade política. E o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Majid Takht-Rawangi, sublinhando que o seu país acreditava no diálogo baseado no respeito mútuo, rejeitava as imposições e argumentava que a cooperação regional é a melhor forma de resolver os problemas da região.
Contudo, os responsáveis iranianos frisavam que Teerão “não aceitará renunciar ao seu programa nuclear para fins pacíficos” como parte de um eventual acordo.
Por outro lado, os EUA estavam a entrar nas negociações com um misto de escalada e de mensagens motivacionais, pois as ameaças de Trump e dos funcionários da sua administração eram acompanhadas de convite formal a Teerão para chegar a um acordo que alcançasse a estabilidade, com base no princípio de que “paz é poder”. E, em clara contradição com a narrativa iraniana sobre o formato da reunião, a administração Trump insistia que as negociações seriam diretas, acrescentando mais ambiguidade ao cenário negocial de ambos os lados. Porém, Teerão e Washington mostravam o desejo comum de evitar a guerra e dar oportunidade à diplomacia.
A segunda ronda teve pleno sucesso político, apesar de o líder supremo do Irão, recentemente, se ter mostrado pouco otimista, em relação ao desfecho das negociações, que todos os intervenientes acham cruciais. Agora, o debate está na fase técnica, a cargo dos peritos.
***
Face aos receios do que a administração da Casa Branca possa vir a fazer,
presidente da França, Emmanuel Macron, a 5 de março, anunciara querer
“abrir o debate estratégico” sobre a proteção da Europa, pelas armas nucleares
francesas, com os aliados dispostos a garantir a paz futura na Ucrânia e a
proteção do continente europeu. “Respondendo ao apelo
histórico do futuro chanceler alemão [Friedrich Merz], decidi abrir o debate
estratégico sobre a proteção dos nossos aliados no continente europeu pela
nossa capacidade de dissuasão”, declarou o presidente francês, num discurso transmitido
pela televisão.
A França é a única potência nuclear da União Europeia (UE) e o chefe de
Estado francês afirmou estar pronto para um “diálogo estratégico, para a Europa
deixar de estar dependente da dissuasão norte-americana, para obviar às ameaças
da Rússia, que aposta no rearmamento, e para proteger o continente europeu, que
lida, desde fevereiro de 2022, com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
E,
a 19 de abril, em artigo de opinião no jornal Público, intitulado “Receosos de Trump, europeus querem alargar o
‘guarda-chuva’ nuclear francês”, considera que os EUA não puseram em causa o
seu escudo nuclear, na Europa, mas a Alemanha e a Polónia recebem, “com novo
entusiasmo, as ofertas de França, para alargar a sua dissuasão nuclear ao resto
da UE”.
Assim,
como referiu Pierre
Haroche, professor associado de Política Europeia e Internacional na Escola
Europeia de Ciências Políticas e Sociais (ESPOL) da Universidade Católica de
Lille e investigador na integração europeia e na segurança europeia, “as
armas nucleares e a dissuasão
nuclear estão de volta ao palco da discussão europeia, de onde andavam
arredadas, há muito tempo”. Porém, a novidade não foi, propriamente, França dizer
aos aliados na UE que a sua força de dissuasão nuclear tem uma “dimensão
europeia”, mas ter sido a Alemanha a puxar o assunto (pois andou a encerrar,
gradualmente, a encerrar centrais nucleares), mostrando que não considera que este
seja um debate secundário”.
A França é a líder europeia em energia nuclear, pressionando pelo seu
reconhecimento como fonte de energia de baixo carbono. Desde a década de 80, é
fonte dominante de eletricidade no país e, frequentemente, obtém a maior
proporção, no Mundo, da sua energia, a partir desta fonte. E, em fevereiro deste ano, foi
um dos 11 países que lançaram uma aliança para a energia nuclear na Europa,
numa declaração que dizia ser “uma das muitas ferramentas para atingir as
nossas metas climáticas, [para] produzir eletricidade de base e [para] garantir
a segurança do abastecimento”.
À França juntaram-se a Bulgária, a Croácia, a Finlândia, a Chéquia, a Hungria,
os Países Baixos, a Polónia, a Roménia, a Eslováquia e a Eslovénia. O objetivo
é promover a investigação, a inovação e “regras de segurança uniformes”, bem
como analisar a forma de a cooperação levar à construção de mais reatores.
Apesar da sua História controversa, o governo pró-nuclear da Itália
considerou assinar a declaração. Seria um poderoso aliado para os países
pró-nucleares que procuram votos suficientes para aprovar leis importantes,
incluindo a fonte de energia nas metas climáticas da UE. Porém, decidiu não
reverter a sua posição antiga antinuclear, mas sustenta que alguns países (incluindo
Portugal, a longo prazo) podem mudar de perspetiva, face às crises climática e
energética.
É óbvio que a França se vem esforçando por aumentar a rede de centrais, que
funcionam à base de urânio. E, se um dos objetivos é consolidar e alargar a
dissuasão nuclear para fins militares, não haja ilusões, é preciso enriquecer o
urânio ao nível da utilização em armamento.
Enfim, está em marcha a alteração generalizada da doutrina nuclear.
2025.04.20 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário