Não é novidade: a guerra suscita apoios e
condenações a cada uma das partes beligerantes e desencadeia conflitos de ordem
económica.
Relativamente à invasão em larga escala da
Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro de 2024, os países russófilos, como a
Bielorrússia, apoiaram o invasor, tal como a Coreia do Norte, ao passo que o
dito Ocidente – os Estados Unidos da América (EUA), o Canadá, o Reino Unido, a
Noruega e a União Europeia (UE), enfim todos os países membros da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO) ou em vias de adesão – apoiaram a Ucrânia.
A China diz-se neutra e tentou uma via de negociação de paz. E alguns países,
como o Brasil, dizendo-se neutros, preconizam que é urgente falar mais de paz
do que de guerra. E, na reta final do seu mandato presidencial, Joe Biden,
autorizou Kiev a lançar mísseis de fabrico norte-americano em território russo,
o que levou Moscovo a alterar a sua doutrina do uso de armas nucleares, que
passaram a ser utilizáveis contra países que agredissem o território russo ou o
de aliados seus.
Apesar do apoio, em bloco da UE, alguns dos seus
estados-membros, como a Hungria e a Eslováquia, regrediram nesse apoio e têm,
pelo menos, uma posição ambígua.
A nível económico, aconteceu o que já se sabe. O
Ocidente, nomeadamente, o Reino Unido e a UE, insistiram nas sanções económicas
à Rússia e a alguns dos seus magnatas, com o escopo de bloquear a sua economia,
pela obstrução à saída dos seus produtos e à entrada dos produtos externos. Daí
resultou, por ricochete, o disparo do aumento dos produtos energéticos, o
bloqueio da transição energética, a imposição da perceção da necessidade do
aumento das despesas europeias na Defesa e a mudança de dependências – da
Rússia para os EUA.
Por sua vez, a Rússia diversificou os seus
mercados e tentou escapulir às sanções, usando todos os meios disponíveis e
nada obstando a que prossiga os seus ataques.
Com o regresso de Donald Trump à presidência dos
EUA, gorada a promessa, da sua parte, de acabar com a guerra em 24 horas ou,
depois, em 60 dias, após conversações para um acordo de paz sui generis, realizadas, por telefone,
entre Donald Trump e o seu homólogo russo, Vladimir Putin, e com a mediação da
Arábia Saudita, através dos respetivos representantes, as negociações de paz estão
num impasse, tal como a guerra, embora com vantagem para o Kremlin.
Na verdade, negociar a paz sem a UE e, sobretudo,
sem Kiev, tinha de dar mau resultado. Por isso, a Casa Branca preparou um texto
de acordo para a cedência aos EUA, por parte da Ucrânia, de terras raras e de
minerais do seu subsolo, tendo o presidente russo aceitado receber investidores
estrangeiros nos seus territórios. E Volodymir Zekensky foi convidado a ir a
Washington, para o assinar, o que recusou, por não dar garantias de segurança a
Kiev, da parte dos EUA.
Entretanto, os EUA iniciaram a guerra das tarifas
recíprocas contra a UE, contra o Canadá e contra a China, bem contra outros
países, tendo alguns dos atingidos respondido com a mesma moeda e outros,
dispostos a negociar, mas preparados para contra-atacar, se não houver acordo.
A nível das negociações de paz, Moscovo e Kiev acertaram
uma trégua atinente a alvos energéticos, logo quebrado, sob acusações mútuas, e
cada um se mantém na não cedência de território. A Ucrânia quer reaver todos os
territórios ocupados pela Rússia, incluindo a Crimeia, anexada em 2014, e a
Rússia não abdica da ocupação, legitimada mediante referendo, dos territórios
russófonos.
***
A
17 de abril, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, Steve Witkoff,
enviado especial do presidente Donald Trump, bem como uma delegação de Kiev,
deslocaram-se a Paris, para um encontro com os líderes europeus, sobre a
Ucrânia e sobre a sua segurança no futuro.
Da
parte da Europa, compareceram no encontro o presidente francês, Emmanuel Macron,
que liderou, o ministro dos Negócios Estrangeiros Jean-Noël Barrot, o ministro
britânico dos Negócios Estrangeiros, David Lammy, e o conselheiro de política
externa do governo alemão.
A delegação ucraniana era composta
pelo conselheiro presidencial, Andrii Yermak, pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Andrii Sybiha, e pelo ministro da Defesa, Rustem Umerov.
Não é a primeira vez que o
primeiro-ministro britânico e o presidente francês se reúnem com alguns líderes
de país europeus e de membros da NATO, por causa da guerra na Ucrânia, com
vista à obtenção da paz.
Andrii Yermak descreveu as
conversações como “uma série de reuniões bilaterais e multilaterais com
representantes dos estados da “Coligação dos Interessados’ ou ‘Coligação das
Vontades’ que são capazes de garantir a segurança”.
A coligação é liderada pela
Grã-Bretanha e pela França e é constituída por cerca de 30 países que procuram
criar uma força de segurança para a Ucrânia, para atuar como dissuasor contra
uma potencial agressão russa, e participar em qualquer futuro acordo de paz.
Estas reuniões surgiram num momento
em que crescem as preocupações sobre a disponibilidade de Donald Trump para se
aproximar da Rússia, enquanto procura mediar um cessar-fogo na Ucrânia, e sobre
algumas das outras medidas da sua administração, desde os direitos aduaneiros
sobre alguns dos seus parceiros mais próximos até à retórica sobre a NATO e sobre
a Gronelândia, que pretende adquirir, ainda que seja pela força das armas.
Marco Rubio e Steve Witkoff ajudaram
a liderar os esforços dos EUA na procura da paz, mais de três anos depois de a
Rússia ter lançado a guerra. Foram realizadas várias rondas de negociações na
Arábia Saudita e Steve Witkoff encontrou-se, recentemente, com Vladimir Putin.
O Kremlin tem-se recusado a aceitar
um cessar-fogo abrangente, promovido por Donald Trump e apoiado pela Ucrânia,
condicionando-o a uma paragem dos esforços de mobilização da Ucrânia e do
fornecimento de armas pelo Ocidente, exigências que foram rejeitadas por Kiev.
Entretanto, a 18 de abril, Marco Rubio declarou que os EUA podem
estar prontos para “seguir em frente”, se não houver progressos, nos próximos
dias, ou seja, sugeriu que os EUA podem abandonar esforços para negociar
qualquer acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia.
Falando, em Paris, após uma maratona de conversações entre responsáveis dos
EUA, a Ucrânia e a UE, o secretário de Estado norte-americano disse que as
discussões tinham sido “construtivas” e que tinham produzido um esboço com os
passos em direção à paz.
As autoridades francesas revelaram, do seu lado, que se espera, nos dias subsequentes,
em Londres, nova reunião com o mesmo formato. E Marco Rubio admitiu que poderá
participar nessa reunião. “Não estamos a chegar a um ponto em que tenhamos de
decidir se isto é possível ou não”, declarou aos jornalistas, antes de partir
para os EUA.
Após semanas de esforços da administração Trump para mediar um cessar-fogo
entre a Rússia e a Ucrânia, que não conseguiram pôr fim aos combates, Marco Rubio
disse que a administração dos EUA quer decidir, “em questão de dias, se isso é
ou não possível, nas próximas semanas”.
***
O presidente da
Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, entretanto, meteu mais uma areia na engrenagem,
ao afirmar ter recebido informações de que a China está a fornecer armas à
Rússia, incluindo pólvora e artilharia.
É sabido que a China
sempre manteve, publicamente, a sua neutralidade no conflito na Ucrânia, mas
Pequim tem dado apoio diplomático e económico a Moscovo, desde o início da
invasão total da Ucrânia, em 2022. Porém, agora, fala-se em apoio de material
bélico.
Numa conferência de
imprensa, em Kiev, Volodymir Zelenskyy declarou, no dia 18: “A partir de hoje,
temos informações gerais do Serviço de Segurança e dos serviços secretos sobre
pólvora e sobre artilharia. Penso que, na próxima semana, poderemos falar sobre
o assunto, de forma muito abrangente, especialmente, no atinente aos dados
segundo os quais acreditamos que representantes da China estão empenhados em
produzir determinadas armas no território da Rússia.”
O presidente ucraniano,
que se diz pronto para “discutir este assunto em pormenor”, observou que Kiev
foi apanhada de surpresa pela revelação. “Não é que estejamos surpreendidos,
mas não queríamos ver os factos que testemunhámos e que eu testemunhei”, disse
Volodymir Zelenskyy.
O líder ucraniano disse
que falou com o presidente chinês, Xi Jinping, durante a guerra contra o seu
país e que lhe perguntou, diretamente, sobre o fornecimento de armas de Pequim
ao Kremlin, tendo-lhe sido assegurado, na altura, sob compromisso de honra, que
Pequim não estava envolvida, nem tencionava vender, nem em fornecer armas a
Moscovo.
Ao invés, o líder da
Ucrânia tem, agora, outra perceção: “Mas, infelizmente, agora, temos
informações diferentes. Em todo o caso, já temos factos sobre este trabalho da
China e da Rússia para reforçar as suas capacidades de defesa. E estes factos
são maus.”
***
Também a
primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, se encontrou, num destes dias, na
Casa Branca, com o presidente dos EUA. Num encontro bilateral realizado na Sala
Oval, seguido de almoço à porta fechada, os dois líderes responderam às
perguntas dos repórteres da Casa Branca e dos jornalistas italianos – sobre tarifas,
sobre despesas com a defesa, sobre migração e sobre a guerra na Ucrânia –,
confirmando o seu entendimento pessoal e institucional.
Donald Trump aceitou o
convite feito pela primeira-ministra italiana, antes do encontro, para uma
visita oficial a Roma, “num futuro próximo”: uma ocasião, segundo Giorgia
Meloni, para relançar o diálogo entre Washington e Bruxelas. E Giorgia Meloni,
a única líder da UE presente na tomada de posse o presidente dos EUA, sustentou
que o inquilino da Casa Branca, durante a sua visita a Itália, poderá
considerar a possibilidade de se encontrar com representantes da UE.
“A Itália pode ser o melhor
aliado dos EUA, se Meloni continuar a ser primeira-ministra”, disse Donald
Trump, vincando: “Ela é uma excelente pessoa, está a fazer um excelente
trabalho e a nossa relação é ótima. A Itália é um dos nossos aliados mais
próximos, não só na Europa.”
Relativamente aos
direitos aduaneiros, ambos os líderes se afirmaram confiantes na possibilidade
de encontrar um acordo comercial justo. “Não haverá qualquer problema em chegar
a um acordo com a UE, em matéria de direitos aduaneiros, não haverá qualquer
problema com ninguém”, salientou o presidente norte-americano, reiterando que
estava a negociar com vários países, mas que “não tinha pressa”, e que os “EUA
também farão um bom acordo com a China”, sobre os direitos aduaneiros.
Por seu turno, a líder
do executivo da Itália disse estar confiante de que será possível chegar a um
acordo, vincando que acredita que “precisamos de falar francamente e de encontrar-nos
a meio”. “Acredito na unidade do Ocidente, temos simplesmente de falar e de chegar
a resultados, e encontrarmo-nos no melhor meio-termo, para crescermos juntos.
Quando falo do Ocidente, não estou a falar, apenas geograficamente, mas como
uma civilização”, explicitou, dizendo querer “tornar o Ocidente grande,
novamente” – paráfrase ao slogan de
Trump “Make America Great Again” (MAGA), “tornar a América grande outra vez”.
A primeira-ministra
italiana anunciou que Itália “terá de aumentar as importações de energia” e que
“as empresas italianas vão investir 10 mil milhões” nos EUA.
As despesas com a
defesa, com a migração, com a guerra na Ucrânia e com o acordo nuclear com o
Irão também estiveram entre os temas discutidos na reunião bilateral.
“A Itália tenciona
atingir o limiar dos 2%” (tema fulcral para o presidente dos EUA), declarou Giorgia
Meloni, relativamente às despesas com a defesa da NATO. “A Itália anunciará, na
próxima cimeira da NATO, que aumentará as despesas para 2%, tal como
solicitado. A Europa está empenhada em fazer mais, está a trabalhar em
instrumentos que permitam e ajudem os estados-membros a aumentar as despesas
com a defesa. Estamos convencidos de que todos têm de fazer mais”, frisou a
primeira-ministra italiana.
No entanto, Donald
Trump, questionado sobre se o objetivo de 2% era suficiente, respondeu: “Nunca
é suficiente.”
De acordo com Giorgia Meloni,
a Itália e os EUA “têm posições comuns sobre uma série de questões, como a luta
contra a imigração irregular e [contra] as drogas sintéticas”.
Depois de reiterar a
linha dura imposta nos primeiros meses da sua presidência contra os migrantes
nos EUA, Trump mudou o foco para a Europa, criticando as suas políticas
migratórias. “Não sou um grande fã da Europa e do que fizeram, em matéria de
imigração, mas acho que vão ter de ser mais inteligentes, porque estão a ser
seriamente prejudicados pelo que fizeram”, disse o presidente dos EUA,
elogiando, no entanto, o governo italiano pela sua política de migração.
A chefe do governo
italiano interveio, de imediato, para sublinhar que as políticas estão a mudar,
atribuindo algum crédito à Itália: “Estamos a começar a fazê-lo, podem ver as
políticas que a Europa está a implementar: a Comissão Europeia acabou de
aprovar regulamentos sobre repatriamentos. As coisas estão a mudar, também,
graças ao exemplo da Itália. Estamos a trabalhar em conjunto e estou otimista.”
Quanto à guerra na
Ucrânia, a primeira-ministra italiana não fugiu ao tema sobre o qual os dois
líderes têm demonstrado, ao longo dos meses, que as suas posições estão muito
distantes. “Sabe o que penso sobre a Ucrânia? Penso que houve uma invasão e que
o invasor foi Putin e a Rússia, mas, hoje, o importante é que queremos
trabalhar em conjunto e estamos a trabalhar para alcançar uma paz justa e
duradoura na Ucrânia. São esforços que também partilhamos hoje”, explanou.
“A Itália tem sido
muito útil no apoio à Ucrânia”, disse Donald Trump, frisando que “estamos perto
de acabar com a guerra, mas veremos nos próximos dias”.
“Agora, vou tentar
pôr-lhe fim, mas, como sabem, a Rússia é muito maior como força militar e, se
forem inteligentes, não se envolvem em guerras com as quais não podem lidar
mais tarde”, acrescentou o presidente norte-americano, para concluir: “Não
estou a acusar Zelenskyy, mas ele não tem feito um bom trabalho, não sou um
grande fã dele.”
***
Como se vê, guerra de
armas e guerra comercial andam a par, por vias idênticas, ora por vias
díspares. E também se lhes junta a dimensão política. Donald Trump diz bem de
Vladimir Putin, bem e mal de Volodymir Zelensky e quer a continuidade de
Giorgia Meloni na Itália. Por sua vez, Vladimir Putin pretende outra liderança na
Ucrânia. E é isto a guerra!
2025.04.18 – Louro de Carvalho
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