sexta-feira, 18 de abril de 2025

Guerra na Ucrânia e guerra comercial entrecruzam-se

 

Não é novidade: a guerra suscita apoios e condenações a cada uma das partes beligerantes e desencadeia conflitos de ordem económica.

Relativamente à invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro de 2024, os países russófilos, como a Bielorrússia, apoiaram o invasor, tal como a Coreia do Norte, ao passo que o dito Ocidente – os Estados Unidos da América (EUA), o Canadá, o Reino Unido, a Noruega e a União Europeia (UE), enfim todos os países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) ou em vias de adesão – apoiaram a Ucrânia. A China diz-se neutra e tentou uma via de negociação de paz. E alguns países, como o Brasil, dizendo-se neutros, preconizam que é urgente falar mais de paz do que de guerra. E, na reta final do seu mandato presidencial, Joe Biden, autorizou Kiev a lançar mísseis de fabrico norte-americano em território russo, o que levou Moscovo a alterar a sua doutrina do uso de armas nucleares, que passaram a ser utilizáveis contra países que agredissem o território russo ou o de aliados seus.

Apesar do apoio, em bloco da UE, alguns dos seus estados-membros, como a Hungria e a Eslováquia, regrediram nesse apoio e têm, pelo menos, uma posição ambígua. 

A nível económico, aconteceu o que já se sabe. O Ocidente, nomeadamente, o Reino Unido e a UE, insistiram nas sanções económicas à Rússia e a alguns dos seus magnatas, com o escopo de bloquear a sua economia, pela obstrução à saída dos seus produtos e à entrada dos produtos externos. Daí resultou, por ricochete, o disparo do aumento dos produtos energéticos, o bloqueio da transição energética, a imposição da perceção da necessidade do aumento das despesas europeias na Defesa e a mudança de dependências – da Rússia para os EUA.

Por sua vez, a Rússia diversificou os seus mercados e tentou escapulir às sanções, usando todos os meios disponíveis e nada obstando a que prossiga os seus ataques.        

Com o regresso de Donald Trump à presidência dos EUA, gorada a promessa, da sua parte, de acabar com a guerra em 24 horas ou, depois, em 60 dias, após conversações para um acordo de paz sui generis, realizadas, por telefone, entre Donald Trump e o seu homólogo russo, Vladimir Putin, e com a mediação da Arábia Saudita, através dos respetivos representantes, as negociações de paz estão num impasse, tal como a guerra, embora com vantagem para o Kremlin.

Na verdade, negociar a paz sem a UE e, sobretudo, sem Kiev, tinha de dar mau resultado. Por isso, a Casa Branca preparou um texto de acordo para a cedência aos EUA, por parte da Ucrânia, de terras raras e de minerais do seu subsolo, tendo o presidente russo aceitado receber investidores estrangeiros nos seus territórios. E Volodymir Zekensky foi convidado a ir a Washington, para o assinar, o que recusou, por não dar garantias de segurança a Kiev, da parte dos EUA.         

Entretanto, os EUA iniciaram a guerra das tarifas recíprocas contra a UE, contra o Canadá e contra a China, bem contra outros países, tendo alguns dos atingidos respondido com a mesma moeda e outros, dispostos a negociar, mas preparados para contra-atacar, se não houver acordo.

A nível das negociações de paz, Moscovo e Kiev acertaram uma trégua atinente a alvos energéticos, logo quebrado, sob acusações mútuas, e cada um se mantém na não cedência de território. A Ucrânia quer reaver todos os territórios ocupados pela Rússia, incluindo a Crimeia, anexada em 2014, e a Rússia não abdica da ocupação, legitimada mediante referendo, dos territórios russófonos.

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A 17 de abril, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, Steve Witkoff, enviado especial do presidente Donald Trump, bem como uma delegação de Kiev, deslocaram-se a Paris, para um encontro com os líderes europeus, sobre a Ucrânia e sobre a sua segurança no futuro.

Da parte da Europa, compareceram no encontro o presidente francês, Emmanuel Macron, que liderou, o ministro dos Negócios Estrangeiros Jean-Noël Barrot, o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, David Lammy, e o conselheiro de política externa do governo alemão.

A delegação ucraniana era composta pelo conselheiro presidencial, Andrii Yermak, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrii Sybiha, e pelo ministro da Defesa, Rustem Umerov.

Não é a primeira vez que o primeiro-ministro britânico e o presidente francês se reúnem com alguns líderes de país europeus e de membros da NATO, por causa da guerra na Ucrânia, com vista à obtenção da paz. 

Andrii Yermak descreveu as conversações como “uma série de reuniões bilaterais e multilaterais com representantes dos estados da “Coligação dos Interessados’ ou ‘Coligação das Vontades’ que são capazes de garantir a segurança”.

A coligação é liderada pela Grã-Bretanha e pela França e é constituída por cerca de 30 países que procuram criar uma força de segurança para a Ucrânia, para atuar como dissuasor contra uma potencial agressão russa, e participar em qualquer futuro acordo de paz.

Estas reuniões surgiram num momento em que crescem as preocupações sobre a disponibilidade de Donald Trump para se aproximar da Rússia, enquanto procura mediar um cessar-fogo na Ucrânia, e sobre algumas das outras medidas da sua administração, desde os direitos aduaneiros sobre alguns dos seus parceiros mais próximos até à retórica sobre a NATO e sobre a Gronelândia, que pretende adquirir, ainda que seja pela força das armas.

Marco Rubio e Steve Witkoff ajudaram a liderar os esforços dos EUA na procura da paz, mais de três anos depois de a Rússia ter lançado a guerra. Foram realizadas várias rondas de negociações na Arábia Saudita e Steve Witkoff encontrou-se, recentemente, com Vladimir Putin.

O Kremlin tem-se recusado a aceitar um cessar-fogo abrangente, promovido por Donald Trump e apoiado pela Ucrânia, condicionando-o a uma paragem dos esforços de mobilização da Ucrânia e do fornecimento de armas pelo Ocidente, exigências que foram rejeitadas por Kiev.

Entretanto, a 18 de abril, Marco Rubio declarou que os EUA podem estar prontos para “seguir em frente”, se não houver progressos, nos próximos dias, ou seja, sugeriu que os EUA podem abandonar esforços para negociar qualquer acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia.

Falando, em Paris, após uma maratona de conversações entre responsáveis dos EUA, a Ucrânia e a UE, o secretário de Estado norte-americano disse que as discussões tinham sido “construtivas” e que tinham produzido um esboço com os passos em direção à paz.

As autoridades francesas revelaram, do seu lado, que se espera, nos dias subsequentes, em Londres, nova reunião com o mesmo formato. E Marco Rubio admitiu que poderá participar nessa reunião. “Não estamos a chegar a um ponto em que tenhamos de decidir se isto é possível ou não”, declarou aos jornalistas, antes de partir para os EUA.

Após semanas de esforços da administração Trump para mediar um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia, que não conseguiram pôr fim aos combates, Marco Rubio disse que a administração dos EUA quer decidir, “em questão de dias, se isso é ou não possível, nas próximas semanas”.

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O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, entretanto, meteu mais uma areia na engrenagem, ao afirmar ter recebido informações de que a China está a fornecer armas à Rússia, incluindo pólvora e artilharia.

É sabido que a China sempre manteve, publicamente, a sua neutralidade no conflito na Ucrânia, mas Pequim tem dado apoio diplomático e económico a Moscovo, desde o início da invasão total da Ucrânia, em 2022. Porém, agora, fala-se em apoio de material bélico.

Numa conferência de imprensa, em Kiev, Volodymir Zelenskyy declarou, no dia 18: “A partir de hoje, temos informações gerais do Serviço de Segurança e dos serviços secretos sobre pólvora e sobre artilharia. Penso que, na próxima semana, poderemos falar sobre o assunto, de forma muito abrangente, especialmente, no atinente aos dados segundo os quais acreditamos que representantes da China estão empenhados em produzir determinadas armas no território da Rússia.”

O presidente ucraniano, que se diz pronto para “discutir este assunto em pormenor”, observou que Kiev foi apanhada de surpresa pela revelação. “Não é que estejamos surpreendidos, mas não queríamos ver os factos que testemunhámos e que eu testemunhei”, disse Volodymir Zelenskyy.

O líder ucraniano disse que falou com o presidente chinês, Xi Jinping, durante a guerra contra o seu país e que lhe perguntou, diretamente, sobre o fornecimento de armas de Pequim ao Kremlin, tendo-lhe sido assegurado, na altura, sob compromisso de honra, que Pequim não estava envolvida, nem tencionava vender, nem em fornecer armas a Moscovo.

Ao invés, o líder da Ucrânia tem, agora, outra perceção: “Mas, infelizmente, agora, temos informações diferentes. Em todo o caso, já temos factos sobre este trabalho da China e da Rússia para reforçar as suas capacidades de defesa. E estes factos são maus.”

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Também a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, se encontrou, num destes dias, na Casa Branca, com o presidente dos EUA. Num encontro bilateral realizado na Sala Oval, seguido de almoço à porta fechada, os dois líderes responderam às perguntas dos repórteres da Casa Branca e dos jornalistas italianos – sobre tarifas, sobre despesas com a defesa, sobre migração e sobre a guerra na Ucrânia –, confirmando o seu entendimento pessoal e institucional.

Donald Trump aceitou o convite feito pela primeira-ministra italiana, antes do encontro, para uma visita oficial a Roma, “num futuro próximo”: uma ocasião, segundo Giorgia Meloni, para relançar o diálogo entre Washington e Bruxelas. E Giorgia Meloni, a única líder da UE presente na tomada de posse o presidente dos EUA, sustentou que o inquilino da Casa Branca, durante a sua visita a Itália, poderá considerar a possibilidade de se encontrar com representantes da UE.

“A Itália pode ser o melhor aliado dos EUA, se Meloni continuar a ser primeira-ministra”, disse Donald Trump, vincando: “Ela é uma excelente pessoa, está a fazer um excelente trabalho e a nossa relação é ótima. A Itália é um dos nossos aliados mais próximos, não só na Europa.”

Relativamente aos direitos aduaneiros, ambos os líderes se afirmaram confiantes na possibilidade de encontrar um acordo comercial justo. “Não haverá qualquer problema em chegar a um acordo com a UE, em matéria de direitos aduaneiros, não haverá qualquer problema com ninguém”, salientou o presidente norte-americano, reiterando que estava a negociar com vários países, mas que “não tinha pressa”, e que os “EUA também farão um bom acordo com a China”, sobre os direitos aduaneiros.

Por seu turno, a líder do executivo da Itália disse estar confiante de que será possível chegar a um acordo, vincando que acredita que “precisamos de falar francamente e de encontrar-nos a meio”. “Acredito na unidade do Ocidente, temos simplesmente de falar e de chegar a resultados, e encontrarmo-nos no melhor meio-termo, para crescermos juntos. Quando falo do Ocidente, não estou a falar, apenas geograficamente, mas como uma civilização”, explicitou, dizendo querer “tornar o Ocidente grande, novamente” – paráfrase ao slogan de Trump “Make America Great Again” (MAGA), “tornar a América grande outra vez”.

A primeira-ministra italiana anunciou que Itália “terá de aumentar as importações de energia” e que “as empresas italianas vão investir 10 mil milhões” nos EUA.

As despesas com a defesa, com a migração, com a guerra na Ucrânia e com o acordo nuclear com o Irão também estiveram entre os temas discutidos na reunião bilateral.

“A Itália tenciona atingir o limiar dos 2%” (tema fulcral para o presidente dos EUA), declarou Giorgia Meloni, relativamente às despesas com a defesa da NATO. “A Itália anunciará, na próxima cimeira da NATO, que aumentará as despesas para 2%, tal como solicitado. A Europa está empenhada em fazer mais, está a trabalhar em instrumentos que permitam e ajudem os estados-membros a aumentar as despesas com a defesa. Estamos convencidos de que todos têm de fazer mais”, frisou a primeira-ministra italiana.

No entanto, Donald Trump, questionado sobre se o objetivo de 2% era suficiente, respondeu: “Nunca é suficiente.”

De acordo com Giorgia Meloni, a Itália e os EUA “têm posições comuns sobre uma série de questões, como a luta contra a imigração irregular e [contra] as drogas sintéticas”.

Depois de reiterar a linha dura imposta nos primeiros meses da sua presidência contra os migrantes nos EUA, Trump mudou o foco para a Europa, criticando as suas políticas migratórias. “Não sou um grande fã da Europa e do que fizeram, em matéria de imigração, mas acho que vão ter de ser mais inteligentes, porque estão a ser seriamente prejudicados pelo que fizeram”, disse o presidente dos EUA, elogiando, no entanto, o governo italiano pela sua política de migração.

A chefe do governo italiano interveio, de imediato, para sublinhar que as políticas estão a mudar, atribuindo algum crédito à Itália: “Estamos a começar a fazê-lo, podem ver as políticas que a Europa está a implementar: a Comissão Europeia acabou de aprovar regulamentos sobre repatriamentos. As coisas estão a mudar, também, graças ao exemplo da Itália. Estamos a trabalhar em conjunto e estou otimista.”

Quanto à guerra na Ucrânia, a primeira-ministra italiana não fugiu ao tema sobre o qual os dois líderes têm demonstrado, ao longo dos meses, que as suas posições estão muito distantes. “Sabe o que penso sobre a Ucrânia? Penso que houve uma invasão e que o invasor foi Putin e a Rússia, mas, hoje, o importante é que queremos trabalhar em conjunto e estamos a trabalhar para alcançar uma paz justa e duradoura na Ucrânia. São esforços que também partilhamos hoje”, explanou.

“A Itália tem sido muito útil no apoio à Ucrânia”, disse Donald Trump, frisando que “estamos perto de acabar com a guerra, mas veremos nos próximos dias”.

“Agora, vou tentar pôr-lhe fim, mas, como sabem, a Rússia é muito maior como força militar e, se forem inteligentes, não se envolvem em guerras com as quais não podem lidar mais tarde”, acrescentou o presidente norte-americano, para concluir: “Não estou a acusar Zelenskyy, mas ele não tem feito um bom trabalho, não sou um grande fã dele.”

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Como se vê, guerra de armas e guerra comercial andam a par, por vias idênticas, ora por vias díspares. E também se lhes junta a dimensão política. Donald Trump diz bem de Vladimir Putin, bem e mal de Volodymir Zelensky e quer a continuidade de Giorgia Meloni na Itália. Por sua vez, Vladimir Putin pretende outra liderança na Ucrânia. E é isto a guerra!   

2025.04.18 – Louro de Carvalho

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