Grande
falha no fornecimento de energia atingiu Portugal e a Espanha, a 28 de abril,
deixando milhões de pessoas sem energia elétrica, de acordo com as respetivas
autoridades da Península.
Em Portugal, fontes oficiais afirmaram aos meios de comunicação
social que o corte de energia foi de âmbito nacional e, na Espanha, há relatos
semelhantes. O aeroporto internacional de Barajas, em
Madrid, ficou sem eletricidade e as telecomunicações foram afetadas, assim como
ficaram paralisados outros aeroportos da região. E os cidadãos de Andorra e de partes de França, que fazem fronteira com
Espanha, também foram afetados pelo apagão e foram registados outros cortes de
energia até à Bélgica.
Os meios de comunicação
social davam conta de problemas na rede elétrica europeia, que afetaram as
redes nacionais da Península Ibérica, e foi apontado, como causa possível, um
incêndio no Sudoeste da França, na montanha Alaric, que danificou uma linha elétrica
de muito alta tensão entre Perpignan e Narbonne oriental. E o primeiro-ministro
(PM) português, na sua comunicação ao país, subsequente à primeira parte de uma
sessão extraordinária do Conselho de Ministros, que se prolongou por mais de
duas horas, adiantou que o apagão não teve origem em Portugal e que “foi
completamente inesperado”.
A sessão do Conselho de
Ministros manteve-se, mas o PM deslocou-se ao centro de operações da REN – Redes Energéticas Nacionais, para falar
aos cidadãos.
Em comunicado, o Centro
Nacional de Cibersegurança (CNCS) garantiu, na tarde do dia 28, que não tinham
sido identificados, até àquele momento, indícios que apontassem para um
ciberataque, a justificar a falha generalizada na rede elétrica; que fora
informado, às 11h30, de uma falha na rede elétrica nacional; que, após contacto
com as entidades incumbentes se apurou que se tratara de uma falha que afetou
alguns países europeus; e que estava em contacto com as suas congéneres nesses
países e com as entidades relevantes nacionais.
A presidente da Comissão
Europeia garantiu, no próprio dia, que Bruxelas iria “coordenar esforços”, para
ajudar na reposição rápida do fornecimento de eletricidade. “Conversei com
Pedro Sánchez sobre o corte de energia na Península Ibérica. Reafirmei-lhe o
apoio da Comissão Europeia, na monitorização da situação com as autoridades
nacionais e europeias, e com o nosso Grupo de Coordenação da Eletricidade”,
escreveu Ursula von der Leyen, no X.
***
Este grande corte de energia deixou Espanha e
Portugal às escuras, com muitas pessoas retidas nos aeroportos, por falta de
voos de regresso a casa, e em grandes centros urbanos, por falta de transportes
para voltarem para casa no fim do trabalho, o que levou as autarquias de
algumas cidades, como Barcelona, à improvisação de tendas para dormir. Com
efeito, em ambos os países e
em partes da França, o corte de
energia fez parar o metro, os comboios, cortou os serviços telefónicos, as
emissões de televisão e as ligações à Internet,
desligou as caixas multibanco e os semáforos, encerrou bombas de combustíveis e
escolas e impediu que aparelhos a funcionar com bateria, não restabelecessem a
autonomia pelo recarregamento. Assim, a informação tornou-se, cada vez, mais
escassa e muitas famílias enfrentavam, além da falta de comida quente e de água
doméstica, a perspetiva de uma noite sem eletricidade, com recurso à vela ou à
lanterna.
Entretanto, depois de cenas de açambarcamento de produtos, em
supermercados, o fornecimento de eletricidade começou a ser reestabelecido, no
início da noite, e regressou, no dia 29, a quase todo o território de Espanha e
Portugal, sem ter evitado que o grande corte de energia tenha provocado o caos
entre os habitantes da Península Ibérica, que tem uma população de cerca de 60
milhões de pessoas, embora não se saiba quantas foram afetadas pelo corte de
energia.
A Red Electrica, o operador nacional da rede elétrica espanhola, afirmou,
em comunicado, que o fornecimento de energia fora restabelecido em partes de
várias regiões, incluindo a Catalunha, a Andaluzia, o País Basco e Castela e
Leão, no dia 28, à noite.
Eduardo Prieto, chefe de operações da Red Eletrica, disse à Associated Press (AP) que a situação era sem precedentes, descrevendo o evento como
“excecional e extraordinário”, enquanto Teresa Ribera, vice-presidente
executiva da Comissão Europeia encarregada de promover a energia limpa, considerou
que o incidente foi “um dos episódios mais graves registados na Europa, nos
últimos tempos”. As autoridades ainda tentam determinar a causa exata do corte
de energia, mas os especialistas avançaram alguns cenários possíveis. No
entanto, é de salientar que há poucos indícios que permitam afirmar
definitivamente o que correu mal.
Segundo as informações que circularam, no dia 28, o corte de energia
poderia ter sido o resultado, além do referido incêndio, em Alaric, de um fenómeno
raro chamado “vibração atmosférica induzida”, que causou oscilações anómalas,
nas linhas de alta tensão da rede de energia espanhola. “Estas oscilações
provocaram falhas de sincronização entre os sistemas elétricos, levando a
perturbações sucessivas nas redes europeias interligadas”, afirmou a REN à BBC, na tarde do dia 28. Porém, mais
tarde, desmentiu estas afirmações, nos meios de comunicação social portugueses.
Sobre o que terão sido tais vibrações e sobre o efeito que terão tido na
rede elétrica da região, Solomon Brown, professor de Sistemas de Processo e
Energia na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, disse à Euronews Next, que uma “vibração
atmosférica induzida” poderia ser o equivalente a “induzir uma pequena mudança
no campo eletromagnético local”, com “o mesmo tipo de impacto que, por exemplo, um evento solar”, podendo “causar
desequilíbrios nos fluxos de energia elétrica que teriam de ser controlados”.
O distribuidor de energia pode utilizar uma série de ações para controlar
esta situação, como pedir às fontes de energia que produzam ou reduzam a
quantidade de energia que fornecem. E, nos casos em que a perturbação é
demasiado grande, os operadores podem desligar a rede e voltar a ligá-la
lentamente. Porém, de acordo com Solomon Brown, a reativação da rede é
“complicada”, podendo levar várias horas, até que a energia volte a ser ligada
em todo o lado.
Embora não seja especialista na rede espanhola e portuguesa, Solomon Brown
acredita que as duas estão interligadas, através de cabos de alta tensão que
sincronizados para criar uma única rede elétrica. “Isto é bastante comum e,
para a Europa, ajuda a criar uma rede elétrica única que pode cooperar, mas
que, em momentos de stresse, tem de ser gerida separadamente e voltar a ser unida”,
explicitou.
Onyema Nduka, professor catedrático de Sustentabilidade Energética na
Universidade de Londres, afirmou que as redes elétricas estão, normalmente,
interligadas, porque as centrais de produção que as alimentam estão localizadas
longe das cidades. Assim, um corte de energia numa parte da rede pode “levar a
um efeito de cascata, noutras áreas”. “Idealmente, as redundâncias estão
integradas no sistema, como a existência de vários pontos de abastecimento,
geradores de reserva situados em locais diferentes, fios e cabos interligados,
etc.”, especificou, vincando que a solução passa por as empresas de energia restabelecerem
a eletricidade aos clientes afetados, o mais rapidamente possível, mas que o
procedimento para fazê-lo “ainda não foi revelado”.
As autoridades portuguesas, citadas pela AP e pelos meios de comunicação social nacionais, atribuíram a
falha de energia a problemas técnicos não especificados, com origem no exterior
do país, mas referiram que a investigação ainda está em curso.
Juanma Moreno, presidente do governo regional da Andaluzia, comunidade
autónoma no Sul da Espanha, afirmou que não está excluído um ataque informático
e aconselhou os cidadãos a serem cautelosos. No entanto, a hipótese de
ciberataque foi refutada por Pedro Sánchez, primeiro-ministro de Espanha, por Luís
Montenegro, primeiro-ministro de Portugal, e por António Costa, presidente do
Conselho Europeu.
Pedro Sánchez escreveu, na rede social X: “A Espanha dispõe de mecanismos para lidar
com este tipo de situações. Mais uma vez, apelo ao público para que
coopere com todas as autoridades e atue de forma responsável e civilizada, como
sempre fizemos.”
O CNC português também afirmou, em comunicado, que não há indícios de que a
falha tenha sido causada por um ataque informático.
Em declarações à Euronews, Taco Engelaar,
diretor-geral da NEARA – New England Antiquities Research Association,
especialista em infraestruturas energéticas, disse que a interconetividade das
redes nacionais e dos seus sistemas significaria que uma falha ou um ataque
teria o mesmo resultado líquido. “Uma falha tão generalizada da rede é
extremamente invulgar e pode ser causada por uma série de fatores: pode haver
uma falha física, na rede, que provoque o corte de energia, pode estar, por
detrás disso, um ciberataque coordenado ou um desequilíbrio dramático entre a
procura e a oferta que tenha feito o sistema da rede ultrapassar os limites”,
sustentou, vincando: “Se for uma falha do sistema, então a interconetividade
entre as diferentes redes regionais e nacionais pode estar a levar à grande
quantidade de cortes de energia a que estamos a assistir hoje [dia 28]. […] O
mesmo se aplica a um ciberataque – muitos destes sistemas estão ligados e
partilham ativos – derrubar um pode derrubar muitos.”
***
Especialistas e empresas pronunciaram-se sobre o impacto que o
corte de eletricidade que atingiu os dois países poderá ter nas suas economias.
Desde logo, muitos trabalhadores foram obrigados a abandonar os seus postos de
trabalho, em Portugal e na Espanha, no dia 28, depois do grande corte de
energia. Seja como for, o Presidente do Conselho da UE, tal como os chefes de
governo em causa, excluiu a hipótese de ciberataque como causa do ocorrido,
desmentindo os rumores.
Kyle Chapman, analista
de mercados FX do Ballinger Group, considerou: “Essencialmente, a economia
espanhola está encerrada durante o dia e isso significa que as empresas vão
sofrer um golpe a curto prazo, mas, em última análise, a perturbação total será
provavelmente marginal, desde que a energia volte relativamente depressa.”
A operadora REN disse
que, na pior das hipóteses, poderia demorar até uma semana, para que os
serviços normais regressem.
Porém, Kyle Chapman
adiantou: “Suspeito que a maior preocupação será o estado das infraestruturas e
a resiliência, o que poderá afetar, ligeiramente, o crescimento do PIB [produto
interno bruto], a nível mensal. Penso que estamos provavelmente a ver as
questões fundamentais da expansão das energias renováveis a virem ao de cima.”
A economia espanhola
cresceu 3,2% em 2024, mais do dobro da média da Zona Euro (0,9%), com a procura
interna a impulsionar a expansão e com o turismo a contribuir para o
crescimento. E, em Portugal, o crescimento foi de 1,9% em 2024, de acordo com o
Instituto Nacional de Estatística (INE).
Beatriz Barber, que
vive em Madrid e trabalha numa empresa de engenharia espanhola, disse à Euronews que foi mandada para casa, ao
início da tarde, por não ter condições para continuar a trabalhar. “Estive a
trabalhar, normalmente, até às 12h30 (em Portugal, 11h30). Tinha uma reunião online no meu escritório. E a colega que
estava a falar na reunião foi desligada, de repente, porque estava a ligar de
casa. É provável que estivesse ligada a outro operador de Internet que já estava em baixo. Os outros colegas que estavam na
reunião mantiveram a ligação, tal como eu”.
Depois, Beatriz referiu
que os ecrãs dos seus computadores ficaram negros e que esteve ligada à Internet no seu computador portátil, mas
não no telemóvel, durante mais ou menos meia hora.
Passado esse tempo, deixou
de ter Internet no seu computador
portátil. Foi “um colapso progressivo”. E o chefe disse-lhe a ela e à equipa
que podiam ir para casa, porque não se poderia “continuar a trabalhar e a
recuperação da rede elétrica deveria demorar várias horas”.
Este cenário foi muito
comum em trabalhadores portugueses e causou grandes transtornos a quem estava
em trabalho remoto ou teletrabalho.
Pessoalmente, assisti a
trabalho que deveria ser feito com ferramentas elétricas e que teve de ser
feito com ferramentas manuais, pelo que demorou o dobro do tempo.
Embora o impacto
económico não seja totalmente conhecido até que a poeira assente, o setor das
viagens terá sentido a pressão, dado que o corte de energia fez parar os
comboios e causou grandes perturbações nos aeroportos e no metro (houve
composições retidas na linha).
Eduardo Prieto, chefe
de operações da Red Eléctrica, disse aos jornalistas que a situação não tinha precedentes,
classificando-a de “excecional e extraordinária”.
Mirko Woitzik, diretor
de inteligência de risco da Everstream Analytics, referiu que o abastecimento
de combustível fora interrompido, prejudicando os camiões, em toda a Península
Ibérica; que as fábricas de automóveis e de camiões, desde a Ford à Iveco, que
empregam cerca de cinco mil trabalhadores, pararam; e que as principais
indústrias transformadoras e cadeias de abastecimento de Espanha incluem os
veículos automóveis, a produção alimentar e os produtos químicos. Entretanto, é
provável que milhares de pequenos fornecedores que não dispõem de uma fonte de
energia de reserva adequada sejam igualmente afetados.
A nível bolsista, ressalta que, a
partir das 17h30 Central European Summer Time (CEST, UTC+02:00), os mercados europeus
mostraram pouco impacto, com os principais índices em território positivo. O
IBEX 35 de Espanha, o principal índice de referência do mercado acionista
espanhol, subiu 0,75%, para 13456,10, e o EUROSTOXX 600, uma medida geral do
mercado acionista europeu, ganhou 0,53%, para 523,19. Entretanto, em França, o
CAC 40 subiu 0,50%, para 7573,76 pontos, enquanto o Dax, da Alemanha, subiu,
0,13%, para 22271,67 pontos. E o FTSE MIB, de Itália, também estava a negociar
no verde, subindo 0,31%, no fecho do mercado.
***
A Proteção Civil portuguesa tentou,
por telemóvel, avisar os consumidores, em muitos casos, sem êxito, para o
alerta laranja da situação. O governo de Portugal declarou a “crise
energética”, pediu um investigação europeia e criou uma comissão independente
para acompanhar a situação e fazer propostas, tendo a ação governativa, no
caso, sido elogiada por muitos e criticada por alguns, como insuficiente. O PM,
na comunicação ao país, declarou que a falha não teve origem em Portugal, o que
terá incomodado Espanha (ter-se-á precipitado), não afastou nenhum fator como
causa do apagão, pediu contenção nos consumos (fez bem) e disse algo chocante,
ao referir que importávamos energia da Espanha por ser mais barata (para os
fornecedores procura-se a mais barata, que se torna cara para o consumidor
final!).
Lamento o abandono dos transístores a
pilha, que possibilitariam informação essencial, nestas ocasiões dramáticas, e
a pouca atenção às infraestruturas de produção e de distribuição de energia. É
uma eternidade o tempo da demora da elaboração de projetos de infraestruturas, da
sua aprovação, do seu desenvolvimento e do funcionamento das obras. Levámos
mais de 50 anos, no Alqueva, e, desde 1969, pensamos num aeroporto pelo qual o
fim dos tempos espera.
2025.04.29 – Louro de Carvalho
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